O Estado de S.Paulo - 11/01
Como um nariz de Pinóquio, o número final da inflação, 5,91%, desmentiu as promessas de um resultado melhor que o do ano anterior, desmoralizou mais um pouco a intervenção nos preços e comprovou, mais uma vez, a inépcia de uma política populista, voluntarista e irresponsável. A letra V, de verdade, mostra graficamente, com a graça de um desenho animado, a evolução do índice oficial de preços ao consumidor. Na primeira fase, de janeiro a julho, os números decrescem de 0,86% até 0,03%, muito perto de zero. Na segunda, há uma subida quase contínua, a partir do vértice, até 0,92%, uma taxa surpreendente. No mercado financeiro, a mediana das projeções para dezembro indicava uma variação de 0,75%. Seria uma elevação muito grande pelo padrão de qualquer país bem administrado, mas ainda insuficiente para levar a alta acumulada no ano aos 5,84% de 2012. Na primeira parte do V aparecem o efeitos da manipulação dos preços da eletricidade, da gasolina e do transporte público e dos cortes de impostos. Na segunda, os truques se esgotam, as pressões inflacionárias se manifestam mais abertamente e o nariz pinoquiano se expande com rapidez.
Se a estatística, como dizem os incréus, é a arte de mentir com números, faltou arte a quem tentou administrar, pelo voluntarismo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O governo errou, dirá talvez algum companheiro, ao fazer só uma parte do serviço. Interveio na fixação de alguns preços, mas deixou livre a elaboração dos índices. Na Argentina da família Kirchner o trabalho foi mais ambicioso: a intervenção nos preços, além de muito mais ampla e quase rotineira, foi complementada pela manipulação das estatísticas oficiais e pela censura aos índices privados. A inflação medida por especialistas independentes anda perto de 30%. É o triplo da apresentada pelas fontes oficiais.
A situação no Brasil ainda é outra, apesar do culto, oficiado no Palácio do Planalto, aos modelos cubano, bolivariano e kirchneriano. O pessoal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) continua trabalhando sem restrições políticas e produz números e relatórios sem censura. Até o Banco Central (BC) tem divulgado avaliações e projeções constrangedoras para o Executivo, como as estimativas de inflação acima da meta ainda por longo tempo. Bom para o governo: embora prejudicada, sua credibilidade é maior, por enquanto, que a da administração Kirchner.
A presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares - pelo menos alguns deles - passaram a cuidar com mais atenção, nos últimos tempos, da credibilidade. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu fechar o balanço fiscal de 2013 sem recorrer à contabilidade criativa. A promessa foi recebida com sinais de otimismo no mercado financeiro. Mas é difícil consertar em pouco tempo, e apenas com base numa declaração de bons propósitos, uma reputação comprometida por uma longa série de trapalhadas e de truques malsucedidos.
Para acalmar os nervosinhos, como ele mesmo afirmou, o ministro anunciou com antecipação de umas três semanas o resultado das contas do governo central. Foi alcançado, segundo ele, um superávit primário de R$ 75 bilhões. Ficou R$ 2 bilhões acima da meta, mas só obtido com a ajuda de pelo menos R$ 15 bilhões de receitas atípicas. O anúncio pode ter impressionado a velhinha de Taubaté. Para os menos generosos, o governo continua devendo demonstrações mais convincentes. Mas até a fixação da meta fiscal para 2014 foi deixada para mais tarde, como se a presidente e o ministro da Fazenda tivessem medo, na virada do ano, de prometer um resultado muito difícil.
O problema da credibilidade continua sem solução. A agência Moody's anunciou nesta semana a manutenção da nota de crédito do Brasil, já levando em conta as hipóteses de um crescimento econômico medíocre em 2014 (cerca de 2%) e de um superávit primário pouco melhor que o do ano passado (aumento de 1,8% para 2,1%). Mas o anúncio foi acompanhado de uma advertência: a decisão poderá ser revista, nos próximos meses, se o quadro for pior que o previsto e a deterioração econômica se acentuar. A Standard & Poor's, na mesma semana, reafirmou a possibilidade de um corte da nota antes das eleições. Essa possibilidade havia sido indicada no trimestre final de 2013.
Um bom complemento do cenário foi o leilão de títulos federais na quinta-feira. Para vender seu novo papel de longo prazo, a NTN-F-2025, o Tesouro teve de oferecer a taxa de 13,3899%, a mais alta já registrada no lançamento de um título desse tipo. O mercado absorveu todas as notas e o responsável pela operação classificou a venda como um sucesso: o custo foi até um pouco menor que o esperado pelo governo. Do outro lado do balcão as opiniões foram diferentes: as condições do mercado mudaram e o financiamento da dívida pública tende a ser mais caro. Isso se explica tanto por fatores externos - um mercado internacional menos folgado - quanto por problemas internos, a qualidade da política econômica e a baixa credibilidade do governo.
O histórico do governo inclui a tolerância à inflação, a tendência à gastança, a incapacidade de promover um crescimento econômico mais veloz e a má administração das contas externas, em visível deterioração. O aperto financeiro externo, consequência previsível de uma política monetária menos frouxa nos Estados Unidos, nem de longe pode servir como desculpa. Quem tinha juízo e alguma competência tratou de se prevenir e de se manter atraente para o capital estrangeiro. Isso é mais complicado que fazer discursos eleitorais em palanques arrumados pelos companheiros e diante de plateias amigas. A presidente e sua equipe só parecem ter descoberto essa diferença há pouco tempo. Ainda estão, tudo indica, assimilando a novidade.
Como um nariz de Pinóquio, o número final da inflação, 5,91%, desmentiu as promessas de um resultado melhor que o do ano anterior, desmoralizou mais um pouco a intervenção nos preços e comprovou, mais uma vez, a inépcia de uma política populista, voluntarista e irresponsável. A letra V, de verdade, mostra graficamente, com a graça de um desenho animado, a evolução do índice oficial de preços ao consumidor. Na primeira fase, de janeiro a julho, os números decrescem de 0,86% até 0,03%, muito perto de zero. Na segunda, há uma subida quase contínua, a partir do vértice, até 0,92%, uma taxa surpreendente. No mercado financeiro, a mediana das projeções para dezembro indicava uma variação de 0,75%. Seria uma elevação muito grande pelo padrão de qualquer país bem administrado, mas ainda insuficiente para levar a alta acumulada no ano aos 5,84% de 2012. Na primeira parte do V aparecem o efeitos da manipulação dos preços da eletricidade, da gasolina e do transporte público e dos cortes de impostos. Na segunda, os truques se esgotam, as pressões inflacionárias se manifestam mais abertamente e o nariz pinoquiano se expande com rapidez.
Se a estatística, como dizem os incréus, é a arte de mentir com números, faltou arte a quem tentou administrar, pelo voluntarismo, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O governo errou, dirá talvez algum companheiro, ao fazer só uma parte do serviço. Interveio na fixação de alguns preços, mas deixou livre a elaboração dos índices. Na Argentina da família Kirchner o trabalho foi mais ambicioso: a intervenção nos preços, além de muito mais ampla e quase rotineira, foi complementada pela manipulação das estatísticas oficiais e pela censura aos índices privados. A inflação medida por especialistas independentes anda perto de 30%. É o triplo da apresentada pelas fontes oficiais.
A situação no Brasil ainda é outra, apesar do culto, oficiado no Palácio do Planalto, aos modelos cubano, bolivariano e kirchneriano. O pessoal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) continua trabalhando sem restrições políticas e produz números e relatórios sem censura. Até o Banco Central (BC) tem divulgado avaliações e projeções constrangedoras para o Executivo, como as estimativas de inflação acima da meta ainda por longo tempo. Bom para o governo: embora prejudicada, sua credibilidade é maior, por enquanto, que a da administração Kirchner.
A presidente Dilma Rousseff e seus auxiliares - pelo menos alguns deles - passaram a cuidar com mais atenção, nos últimos tempos, da credibilidade. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, prometeu fechar o balanço fiscal de 2013 sem recorrer à contabilidade criativa. A promessa foi recebida com sinais de otimismo no mercado financeiro. Mas é difícil consertar em pouco tempo, e apenas com base numa declaração de bons propósitos, uma reputação comprometida por uma longa série de trapalhadas e de truques malsucedidos.
Para acalmar os nervosinhos, como ele mesmo afirmou, o ministro anunciou com antecipação de umas três semanas o resultado das contas do governo central. Foi alcançado, segundo ele, um superávit primário de R$ 75 bilhões. Ficou R$ 2 bilhões acima da meta, mas só obtido com a ajuda de pelo menos R$ 15 bilhões de receitas atípicas. O anúncio pode ter impressionado a velhinha de Taubaté. Para os menos generosos, o governo continua devendo demonstrações mais convincentes. Mas até a fixação da meta fiscal para 2014 foi deixada para mais tarde, como se a presidente e o ministro da Fazenda tivessem medo, na virada do ano, de prometer um resultado muito difícil.
O problema da credibilidade continua sem solução. A agência Moody's anunciou nesta semana a manutenção da nota de crédito do Brasil, já levando em conta as hipóteses de um crescimento econômico medíocre em 2014 (cerca de 2%) e de um superávit primário pouco melhor que o do ano passado (aumento de 1,8% para 2,1%). Mas o anúncio foi acompanhado de uma advertência: a decisão poderá ser revista, nos próximos meses, se o quadro for pior que o previsto e a deterioração econômica se acentuar. A Standard & Poor's, na mesma semana, reafirmou a possibilidade de um corte da nota antes das eleições. Essa possibilidade havia sido indicada no trimestre final de 2013.
Um bom complemento do cenário foi o leilão de títulos federais na quinta-feira. Para vender seu novo papel de longo prazo, a NTN-F-2025, o Tesouro teve de oferecer a taxa de 13,3899%, a mais alta já registrada no lançamento de um título desse tipo. O mercado absorveu todas as notas e o responsável pela operação classificou a venda como um sucesso: o custo foi até um pouco menor que o esperado pelo governo. Do outro lado do balcão as opiniões foram diferentes: as condições do mercado mudaram e o financiamento da dívida pública tende a ser mais caro. Isso se explica tanto por fatores externos - um mercado internacional menos folgado - quanto por problemas internos, a qualidade da política econômica e a baixa credibilidade do governo.
O histórico do governo inclui a tolerância à inflação, a tendência à gastança, a incapacidade de promover um crescimento econômico mais veloz e a má administração das contas externas, em visível deterioração. O aperto financeiro externo, consequência previsível de uma política monetária menos frouxa nos Estados Unidos, nem de longe pode servir como desculpa. Quem tinha juízo e alguma competência tratou de se prevenir e de se manter atraente para o capital estrangeiro. Isso é mais complicado que fazer discursos eleitorais em palanques arrumados pelos companheiros e diante de plateias amigas. A presidente e sua equipe só parecem ter descoberto essa diferença há pouco tempo. Ainda estão, tudo indica, assimilando a novidade.
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