sábado, 23 de junho de 2012

78% dos brasileiros não sabem o que é a Rio+20



Por Vitor Abdala em 19/06/2012 na edição 699
Reproduzido da Agência Brasil, 11/6/2012; intertítulo do OI
Pesquisa divulgada pelo Ministério do Meio Ambiente mostra que 22% dos brasileiros dizem saber o que é a Rio+20. Entre essas pessoas, 89% afirmam saber que a conferência das Nações Unidas vai “mudar a maneira como usamos os recursos naturais do planeta”. Mesmo nesse grupo, 11% acreditam que a Rio+20 tem por objetivo tratar de outros temas.
Apesar de 78% dos brasileiros não saberem o que é Rio+20, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que os 22% são um número expressivo, já que na época da Rio92 apenas 3% sabiam o que era aquela conferência. “É bastante expressivo que 22% saibam que vai acontecer a conferência. Considerando que estamos falando de todo o Brasil, estamos falando de 40 milhões de pessoas. Acho o número muito bom. E evoluiu em relação à pesquisa feita há três meses [por entidades ambientais, que mostrou que apenas 17% sabiam o que era a Rio+20]”, afirmou.
A pesquisa “O Que o Brasileiro Pensa do Meio Ambiente e do Consumo Sustentável”, realizada pelo instituto CP2 em abril deste ano, mostra ainda que 65% dos brasileiros dizem que cuidar do meio ambiente é uma questão de “sobrevivência”. Entre os demais motivos alegados para se ter cuidado com o meio ambiente, aparecem “futuro melhor” (15%), “preservação” (8%), “prevenção de catástrofe” (4%) e “responsabilidade socioambiental” (1%).
Lista dos que têm atuação “ruim ou muito ruim”
De acordo com o levantamento, dos 47% de brasileiros que dizem saber o que é desenvolvimento sustentável, 69% dizem que o conceito se relaciona apenas à questão ambiental. Apenas 26% sabem que ter um desenvolvimento sustentável é cuidar do meio ambiente, das pessoas e da economia, ao mesmo tempo. Izabella Teixeira disse esperar que a Rio+20 tenha um papel importante em mostrar que desenvolvimento sustentável é mais do que cuidar do meio ambiente. “Em 2012, a Rio+20 dará um salto expressivo em relação à questão social e econômica, além da ambiental, já que a conferência está convocada para discutir também a economia e a erradicação da pobreza”, disse.
Outro dado revelado pela pesquisa é que a maioria (61%) dos brasileiros acredita que o principal responsável por solucionar problemas ambientais é o governo estadual. Outros responsáveis que aparecem na pesquisa são as prefeituras (54%), o governo federal (48%), a própria pessoa (46%) e as comunidades locais (21%), entre outros.
A pesquisa também quis saber que entidades tinham atuação “muito boa” na defesa do meio ambiente, na visão da população. As entidades ecológicas foram as mais bem avaliadas, sendo reconhecidas por 41% dos brasileiros, seguidas pelos meios de comunicação (35%), cientistas (35%), governo federal (20%), organizações internacionais (21%), associações de moradores (19%), governos estaduais (16%), prefeituras (14%) e empresários (10%).
Por outro lado, a lista daqueles que têm atuação “ruim ou muito ruim” na defesa do meio ambiente, segundo os entrevistados, é liderada pelos empresários (55%), prefeituras (49%), associações de moradores (48%), governos estaduais (44%) e governo federal (37%), entre outros. Já entre as principais fontes de informação sobre meio ambiente, segundo a pesquisa, estão a televisão (83%), internet (29,5%), jornais (29%), rádio (27%) e revistas (11%).
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[Vitor Abdala, da Agência Brasil]

A bola, a ignorância e o ódio racial



Por Ivan Bomfim em 19/06/2012 na edição 699
No primeiro fim de semana da Eurocopa de seleções de futebol – torneio que, nesta edição, acontece na Polônia e na Ucrânia e reúne 16 equipes –, algumas notícias que escapavam à alegria de uma celebração esportiva insistiram em “aparecer”. Tratavam das manifestações racistas de torcedores russos, ucranianos e espanhóis em relação a jogadores negros que integram alguns dos times na competição. Em especial, devemos destacar as agressões sofridas por atletas como Theodor Gebre Selassié, de ascendência etíope e primeiro negro a jogar pela República Tcheca, e Mario Balotelli, de origem ganesa, que defende a Itália. Além dessas manifestações, houve também algumas batalhas entre torcedores e entre estes e a organização do evento, sendo que até o dia 11/06 já haviam sido contabilizadas três mortes e mais de 300 feridos.
É necessário ressaltar que o palco para as provocações discriminatórias está armado na Europa há alguns anos; nesse sentido, o próprio Balotelli afirmou, semanas antes, que, caso fosse vítima de atos racistas, iria abandonar o campo. A resposta, patética, do presidente da Uefa (organização que cuida do esporte no continente), o ex-jogador Michel Platini, foi a seguinte: “Ele tem que se preocupar em jogar e deixar os juízes apitarem. Se sair de campo, será castigado”. O posicionamento do dirigente é sintomático sobre a preocupação oficial em relação ao ódio racial: é algo que existe, sim, mas que não deve ser levado tão a sério por aqueles que são pagos para fazer o espetáculo.
Mas por que esse descaso em relação a ações claramente criminosas? A revoltante tolerância das instâncias que administram o grande negócio do futebol europeu, infelizmente, não é surpreendente. Em consequência, parece que a possibilidade de apresentar ao público as razões de tal posicionamento condescendente torna-se uma interessante pauta para a editoria de internacional. Apenas noticiar esses acontecimentos, como se fossem fatos isolados do todo sociocultural, é perder a oportunidade de entrar em contextos amplos, complexificando os estereótipos que tanto são usados para representar povos e países – e iniciar um expurgo de concepções racialistas, muitas vezes utilizadas de forma quase inocente, mas com consequências nada ingênuas.
Cenas grotescas
No primeiro fim de semana da competição, dois meios jornalísticos abordaram temas de maneira mais aprofundada que o costume. Na Rede Globo, o repórter Marcos Uchôa apresentou matéria na qual explicava a rivalidade entre russos e poloneses – estes, de acordo com Uchôa, denominam “trabalho de russo” quando algo é de baixa qualidade. Já a revista CartaCapital trouxe texto do escritor e jornalista inglês Michael Goldfarb no qual ele busca discutir a persistência de um grande antissemitismo tanto na Ucrânia quanto na Polônia; segundo o jornalista, a palavra “judeu” é utilizada como xingamentos entre torcedores e a desorganização social e política dos dois países é fruto da implosão do comunismo. Embora possam – e devam – ser discutidas as análises de Goldfarb e Uchôa, parece ser positivo que eles tenham ido além do registro das ocorrências, perpassando alguns temas históricos.
Nesse tipo de trabalho, o jornalismo internacional pode começar a ser algo mais relevante que apenas a coleção de fatos distantes para preencher as páginas de jornais e revistas. Pensando na cobertura realizada por profissionais brasileiros (e são vários os que se encontram entre Varsóvia, Kiev e proximidades no momento), seria relevante a procura por vozes que explicassem as manifestações racistas dentro do contexto dessas sociedades, por que certos grupos são mais visados que outros etc. Uma situação emblemática é a não aceitação, por parte dos torcedores do Zenit, um dos maiores clubes russos, de jogadores negros, o que tem potencial para ressoar de maneira brutal em ouvidos brasileiros.
A questão é que tratar os europeus apenas a partir do grave problema do racismo é mostrar só uma face dos acontecimentos. Na última edição do torneio (2008), por exemplo, a campeã Espanha contava com o jogador Marcos Senna, brasileiro e negro. Segundo entrevista dada pelo mesmo ao site do G1 há poucas semanas, ele nunca passou por situações de constrangimento, sendo sempre aplaudido pelos torcedores do país que decidiu defender. Como compreender situações tão díspares que a simples divisão entre bons e maus não consegue abarcar? Nosso investimento em estereótipos, por mais comum que seja, não pode ser tomado como fato ontológico. Essas tipificações são processos, não fenômenos – têm uma dimensão histórica, raízes e estruturas identificáveis no tempo. É imprescindível tentar entender por que a tão culta e “civilizada” (péssimo termo, sempre) Europa produz cenas grotescas de indivíduos agredindo esportistas por causa da cor de sua pele, de sua religião ou simples local de nascimento.
Museu imaginário
A atividade de noticiar o mundo é, certamente, muito mais complexa do que à primeira vista pode parecer, e a atenção dada à contextualização das informações é um fator de peso para a constituição de uma cobertura relevante. Obviamente, o jornalismo vive com a necessidade de racionalização do tempo e aprofundamentos vão, em geral, contra a lógica dos processos de produção. Apesar disso, é primordial a preocupação com as formas pelas quais esses contextos são estruturados e apresentados.
O acadêmico português Nelson Traquina observa que o jornalismo internacional (para nossos fins aqui, a cobertura e veiculação de notícias sobre o que acontece no ambiente externo) tem entre seus pressupostos um papel pedagógico. Este é exemplificado pela necessidade de contextualização dessas notícias, visto que o material traz realidades por vezes extremamente distintas da maioria do cotidiano dos consumidores. Sem dúvida, contar o que acontece em locais distantes (de nós, é importante ressaltar) do mundo é uma atividade que requer grande esforço e vai muito além de apenas traduzir notícias vindas por meio de agências estrangeiras. Assim, as formas de enquadramento das informações jornalísticas apresentam uma importância estrutural em relação aos acontecimentos, influenciando na constituição dos estereótipos e do próprio museu imaginário que sempre acionaremos ao consumir notícias que tratem de outros povos e países.
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[Ivan Bomfim é doutorando em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul]

Mais executivos querem mudar de emprego



Profissionais (especialmente os de recursos humanos) estão pessimistas quanto ao futuro dentro das empresas

Getty Images
Entrevista de Emprego
São Paulo - Uma pesquisa feita com 2 000 executivos brasileiros de média e alta gerência mostrou que 73% deles pretendem mudar de emprego ainda neste ano. O levantamento, que é feito pela consultoria Michael Page, apontou que a busca por mudanças profissionais está mais intensa que no começo do ano passado, quando 61% dos entrevistados tinham a intenção de mudar de emprego.
Marcelo De Lucca, diretor executivo da Michael Page no Brasil, explica que o aumento dos profissionais que querem mudar de emprego está diretamente relacionado à falta de perspectivas de crescimento dentro das companhias. "Em comparação a 2011, os profissionais estão mais pessimistas quanto ao futuro nas empresas atuais em diversos setores, conforme demonstra o nosso levantamento", afirma De Lucca.
Desânimo impera entre os RHs
A pesquisa revelou que executivos de recursos humanos são os mais pessimistas quanto aos seus empregos, pois 64% dos entrevistados da área dizem não ter chance de crescimento na companhia atual -- número 14% maior do que o registrado no ano anterior.
O único setor que apresentou relativa melhora na percepção dos executivos quanto ao atual emprego foi o de tecnologia, cuja perspectiva de crescimento aumentou de 41% para 54%.
Motivação para mudar
Quando questionados sobre os motivos pelos quais trocariam seu trabalho atual por outro, os entrevistados mostram que estão de busca de aumento salarial, metas e desafios estimulantes e promoções de cargos. No entanto, vale ressaltar que, em relação a 2011, menos executivos apontaram o aumento salarial e a promoção como fatores para mudar de emprego, ao mesmo tempo em que a "estabilidade" ganhou mais importância, e desponta como o 5º fator mais relevante. Confira a tabela:
Por quais motivos você deixaria seu trabalho atual?
Motivo20122011
Aumento Salarial54%59%
Metas e desafios estimulantes47%48%
Promoção36%44%
Qualidade de vida36%40%
Estabilidade19%12%
Possibilidade de trabalhar em outra cidade/país15%25%
Horário flexível7%11%
A tendência é a de que os profissionais permaneçam cada vez menos tempo em uma mesma companhia. O percentual de executivos com menos de um ano de empresa que pretendem deixar a organização atual passou de 38% (em 2011) para 56% (2012). O mesmo aconteceu para os que estão na empresa entre 1 e 2 anos, com 20% de aumento neste quesito. "Isso é reflexo da ansiedade causada pelas conjuntura econômica, que gera uma percepção de excesso de oportunidades no mercado, nem sempre real", comenta o diretor da Michael Page.

O investimento ideal


Você S/A / Organize suas finanças / Edição 166 / Artigos - Gustavo Cerbasi | O investimento ideal


Ele deve motivá-lo a devorar informações financeiras. Afinal, as oportunidades chegam antes para quem gosta e acompanha o mercado

Gustavo Cerbasi (gustavo@maisdinheiro.com.br) 

Crédito: Ilustrações: Kleber Sales
 - Crédito: Ilustrações: Kleber Sales
Para investir bem, você precisa gostar do mercado em que quer investir. Não adianta apostar no mercado de imóveis se você não curte acompanhar a evolução de uma obra, ou investir em ações se não se sente motivado a ler o noticiário econômico. Imagine que, em um café da manhã para investidores, daqueles que acionistas costumam ser convocados a participar, uma empresa anuncia um fato relevante que resulte em forte impacto positivo em suas vendas. 

Quem estiver presente ao evento perceberá a oportunidade e terá condições de decidir, em primeira mão, pela negociação de lotes extras de ações. Pela relevância do assunto, a organização estará transmitindo o evento simultaneamente para as principais agências de notícias e para as bolsas em que seus papéis são negociados. Investidores atentos ao mercado se mobilizarão pela negociação dos papéis, talvez em ligeira desvantagem em relação aos participantes do evento. 

Ao longo do dia, as agências de notícias divulgarão o fato relevante anunciado, e outros investidores também enviarão suas ordens de compra das ações da empresa. Se o papel assumir um movimento de alta no preço, estará comprando a preços melhores quem entrar primeiro na fila. Até o fim do dia, investidores menos envolvidos com o mercado receberão recomendações dos sites de notícias, dos analistas de suas corretoras, de seu mobile broker. 

Os mais atrasados, que desejarem negociar os papéis da companhia, já terão perdido parte do movimento de alta. No dia seguinte, jornais especializados (ou não) publicarão a novidade, e muitos investidores propensos a negociar serão influenciados tanto pelas notícias quanto pela evolução da cotação das ações. Perceba, que, quanto mais tarde a informação chegar ao investidor, pior será o momento da decisão. 

Agora imagine quem, para se manter informado sobre o mercado, assina um jornal especializado mas deixa para lê-lo depois, para poder digerir melhor os assuntos. O que esse investidor terá a aproveitar das notícias? Muito pouco, certo? É por isso que o investimento ideal deve motivá-lo a devorar informações o quanto antes. 

Sem interesse ou sem um esforço de aprendizado, outros temas serão prioridade, e a oportunidade ficará para outros. Um bom investidor persegue a boa oportunidade.

Fernando Lugo realmente é um mau gestor?


Lugo perdeu apoio no Congresso, mas boa parte da população continua a seu lado.  Imagem desta sexta-feira 22 mostra manifestação favorável a Lugo em Assunção. Foto: Norberto Duarte / AFP

Lugo perdeu apoio no Congresso, mas boa parte da população continua a seu lado. Imagem desta sexta-feira 22 mostra manifestação favorável a Lugo em Assunção. Foto: Norberto Duarte / AFP
É surpreendente, mas nem tanto, a decisão do Congresso paraguaio em realizar um processo de impedimento contra o presidente Fernando Lugo. No final de 2009 já surgiram fortes rumores de que o Legislativo tentaria tirar Lugo do poder por meio de instrumentos legais para colocar em seu lugar o vice-presidente, Federico Franco, do PLRA (Partido Liberal Radical Autentico).
Naquela época, já se esboçava a hipótese entre políticos do Partido Colorado (conservador) e do PLRA, supostamente aliado ao governo, em destituir Lugo de forma muito similar à que ocorreu nesta quinta-feira 21. Os próprios parlamentares impetraram processo contra o presidente que seria destituído, então, por meios constitucionais. A justificativa maior para depor o Presidente paraguaio era que o país deveria ser mais atraente aos investidores estrangeiros.
Pois bem, de acordo com dados da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), desde quando Lugo assumiu os investimentos estrangeiros líquidos praticamente triplicaram. Para se ter uma ideia, em 2007, quando o partido Colorado comandava a política e a economia paraguaia, as inversões líquidas internacionais chegaram a US$ 199 milhões. Com Lugo, já em 2009, esse número saltou para US$ 225 milhões; em 2010, para US$ 389 milhões; e, em 2011, para US$ 566 milhões. Portanto, na época e atualmente, a justificativa da oposição era facilmente combatida.
Agora, Lugo é acusado de má gestão do país, em especial em relação a um confronto entre policiais e trabalhadores rurais em uma fazenda no último dia 15, que terminou com 17 mortos. Ainda assim, continuam pesando contra Lugo o argumento de que a economia vai mal.
Pois, então, avaliemos alguns dados econômicos paraguaios. Realizando-se uma comparação entre os anos de 2010 e 2011, observa-se um aumento médio nos salários de 8,7%, sendo os setores de comércio (11,5%) e intermediação financeira (10,5%) que obtiveram as maiores elevações. O salário mínimo paraguaio aumentou 2,7% e corresponde a pouco mais de R$ 660,00. No que diz respeito à inflação, ocorreu uma redução de 7,2% em 2010, para 4,9% em 2011. Após apresentar o maior crescimento da América Latina em 2010 (15%), no ano seguinte o PIB (somatória de todas as riquezas de um país) paraguaio elevou-se em 3,8%, representando um incremento de 2,3% do PIB per capita.
Esse resultado reflete, por um lado, o contínuo dinamismo do setor agrícola e, por outro lado, o baixo desenvolvimento, de setores como a pecuária e construção civil. No mesmo período, observou-se uma elevação das despesas públicas e, ao mesmo tempo, a elevação das receitas do governo, o que contribui para um superávit primário das contas do governo de 0,8% do PIB. As exportações, em uma comparação entre 2010 e 2011, registaram crescimento de 23,1%, enquanto a alta das importações foi de 21,5%. O déficit em conta corrente caiu para 2,1% do PIB, representando uma melhora em relação ao ano de 2010, quando foi de 6,1%. Portanto, não há nenhum problema de má administração, ou que lhe desabone que justifique o seu impedimento em permanecer como presidente.
A questão central é que, primeiro; a maioria dos deputados que desejam o impedimento de Lugo são proprietários de grandes latifúndios e a situação da oligarquia paraguaia se tornou insustentável quando o presidente colocou em debate questões tão sensíveis como a reforma agrária. Além do que, esse movimento dos partidos Colorado e Liberal Radical Autêntico (responsáveis pelo processo de impeachment na Câmara de Deputados e no Senado) foi planejado para atrapalhar as eleições presidenciais de 2013.
O que está representado e configurado é um golpe sumário travestido de ato legal. A política é para ser debatida, discutida, dialogada, algo que o Congresso paraguaio, infelizmente, não está disposto a fazer. Espera-se que as forças políticas internacionais e nacionais mantenham Fernando Lugo na Presidência e que as divergências políticas resolvam-se de forma direta pela vontade popular nas eleições que já estavam programadas, em março de 2013, muito antes dessa crise ter atingido seu ápice.

Paulo Daniel

Paulo Daniel, economista, mestre em economia política pela PUC-SP, professor de economia e editor do Blog Além de economia.

Juízes acuados


Revista Isto é


Dados do CNJ mostram que pelo menos 100 magistrados estão sob ameaça no País. E muitos deles são obrigados a se afastar de processos porque não resistem à pressão dos criminosos

Adriana Nicacio
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INTIMIDAÇÃO
O juiz Paulo Moreira Lima, que já foi delegado da PF, teve de abandonar processo
contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira por temer as ameaças contra si e sua família
Quando criminosos se sentem à vontade para intimidar um juiz, é porque há algo de muito errado nas relações de poder. A ameaça a magistrados é uma afronta ao Estado e na grande maioria das vezes só ocorre porque agentes públicos estão envolvidos com marginais. Foi exatamente o que ocorreu há duas semanas. O juiz substituto Paulo Augusto Moreira Lima viu-se obrigado a se afastar do processo contra o bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, por temer as ameaças contra si e sua família. Ao conduzir a investigação que envolve a Operação Monte Carlo, autorizar escutas telefônicas e denunciar 79 réus, entre eles 35 policiais, Moreira Lima perdeu a paz. Em fevereiro deste ano pediu autorização para usar o veículo blindado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, onde está lotado, e passou a viver recluso em casa, impedido de frequentar lugares públicos. Apesar dessas precauções, a inteligência da Polícia Federal o alertou que algo pior ainda poderia acontecer. Com Moreira Lima sucumbiu ao estresse. 

Mas pretendia continuar à frente do processo até setembro, quando, seguindo orientação da PF, deixaria o País por três meses. O juiz disse a amigos que antecipou a decisão e pediu para sair agora depois que ficou sabendo do voto do desembargador Tourinho Neto, do TRF 1, que quase jogou por terra todo o seu trabalho. Na terça-feira 12, Tourinho considerou ilegais as interceptações telefônicas, que deram base à Operação Monte Carlo, e votou pela liberdade do bicheiro de Goiânia. “Se minhas provas estão sendo desqualificadas, se estou me sacrificando à toa, eu estou saindo do processo”, explicou Moreira Lima à corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon. “Ele me disse estar preocupado por não se sentir seguro sequer perante os seus colegas”, comentou a ministra. Na semana passada, Moreira Lima entregou definitivamente os pontos e foi transferido para a 12ª Vara Federal, bem longe da bandidagem.
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VIDA EM RISCO
Em quatro meses, o juiz do Trabalho Rui Barbosa trocou o número de seu celular
12 vezes. Mesmo assim, ele e sua filha continuaram a receber ameaças de morte
A saída de cena do magistrado que conduziu o caso Cachoeira não é um caso isolado no Judiciário e nem é exclusivo de quem trabalha na área criminal. Levantamento do CNJ mostra que pelo menos 100 juízes estão sob ameaça no País e o número não para de aumentar. No entanto, menos da metade possui escolta. Há um mês, o juiz do Trabalho Rui Barbosa Carvalho levou a mulher e duas filhas para bem longe de Rondônia e escondeu-se no interior do País. Seu inferno começou há um ano. Presidente da Associação dos Magistrados Trabalhistas da 14ª Região, Rui Barbosa recebeu um ofício da juíza da 2ª Vara do Trabalho de Porto Velho, Izabel Carla, pedindo que a entidade denunciasse ao CNJ a movimentação irregular de um processo bilionário que saiu da 2ª Vara para a 7ª Vara do Trabalho. Trata-se do processo 2039/1989, uma ação coletiva de funcionários da área de educação do antigo território de Rondônia, que poderia chegar a R$ 3 bilhões. Apesar de inúmeras denúncias de fraudes, a Justiça de Rondônia já liberou cerca de R$ 1 bilhão. E mais R$ 750 milhões deveriam ser liberados neste ano. Na tentativa de intimidar Rui Barbosa, bandidos passaram a ameaçar sua filha mais velha. 

Em quatro meses, Rui Barbosa trocou o número de seu celular 12 vezes e, mesmo assim, continuou a receber ameaças de morte. Numa ocasião, logo depois de sua filha sair para a escola, recebeu a seguinte mensagem: “Estou na esquina, observando sua casa.” Por duas vezes a ameaça foi mais direta: “Vamos matar sua filha.” Rui Barbosa, então, mandou-a estudar em outro Estado. Os criminosos seguiram seus passos: “Fala para o seu pai não se meter nesse assunto.” Mas Rui Barbosa não recuou e a corregedora Eliana Calmon suspendeu o pagamento dos precatórios. Hoje, ele vive sob proteção policial. Outros juízes também foram ameaçados nesse mesmo processo. Titular da 7ª Vara, o juiz Delano Serra Coelho recebeu ligações para que despachasse a favor da liberação dos R$ 750 milhões ou sua esposa e filha – que não moram mais em Rondônia – sofreriam as consequências. Delano resistiu.
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BLINDAGEM
Alvo do crime organizado, Wilson Witzel
passou a usar colete à prova de balas
Sem querer se identificar, um terceiro juiz também ligado ao julgamento dos precatórios em Rondônia foi transferido do Estado. Nos autos do Inquérito Policial nº 383/2011 – SR/RO, ele diz que foi pressionado a não atuar no processo. O presidente da Associação Nacional dos Magistrados, juiz Renato Henry Sant’Anna, diz que o número de juízes do Trabalho ameaçados triplicou no último ano. Mas os casos são guardados a sete chaves para evitar a exposição dos juízes e a fragilidade da Justiça. “Não podemos nos intimidar”, diz Sant’Anna.

Mas não ficar acuado está cada vez mais difícil. A maior parte dos juízes ameaçados está no interior do Paraná, seguido do Rio de Janeiro. Um juiz criminal paranaense, que não quer se identificar por não ter segurança oficial, conta que a última ação dos criminosos foi colocar um bilhete debaixo da porta. Num episódio inspirado em filmes, a carta dizia “Cuidado” com recortes de revista. Há oito anos, o juiz Wilson Witzel bateu de frente com o crime organizado do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e chegou a receber ameaças diretas de um presídio de segurança máxima. Sua rotina virou de cabeça para baixo. Wilson passou a usar colete à prova de balas e montou um sistema de segurança sofisticado em sua residência. Mas cansou de viver na linha de tiro do crime e pediu transferência para a 2ª Vara de Execução Fiscal de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. “O juiz vive numa situação vulnerável e o Congresso não aprova medidas de proteção e não dá para uma única pessoa combater o crime organizado. É uma loucura”, disse Witzel à ISTOÉ.

Quem não morre ou se esconde é obrigado a viver sob escolta. O juiz mais ameaçado do País, Odilon Oliveira, tem um posto da Polícia Federal dentro de sua casa em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Titular da 3ª Vara Federal, sua especialidade é combater a lavagem de dinheiro e confiscar bens, o que tem feito nos últimos 25 anos. Sob proteção policial desde 1998, há um ano recebeu um e-mail do tráfico: “O doutor fará 70 anos em 25 de fevereiro de 2019 e prejudicou muita gente.” A mensagem era clara: aos 70 anos, Odilon será obrigado a se aposentar e corre o risco de perder a escolta policial. Diante de casos que se multiplicam, a ministra Eliana Calmon faz uma grave advertência: “Nós não podemos ter juízes ameaçados, não podemos aceitar que ameaças veladas, físicas ou morais, possam impedir que a nossa magistratura desempenhe suas funções.” Em suma, a Justiça não pode curvar às pressões do Estado paralelo.
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Dilma discute com ministros encrenca paraguaia



Dilma Rousseff convocou ao Palácio da Alvorada três ministros: Antonio Patriota (Relações Exteriores), Celso Amorim (Defesa) e Edison Lobão (Minas e energia). Discutem a encrenca do Paraguai.
Desde que Fernando Lugo foi arrancado da Presidência num processo de impeachment sumário, o Brasil ainda não se pronunciou formalmente. Não disse se reconhece ou não a legitimidade de Federico Franco, o vice que virou titular.
Patriota chegou a Brasília de madrugada. Coordenou a missão de chanceleres da Unasul que foi a Assunção para reivindicar ao menos um julgamento justo, que assegurasse a Lugo o direito a uma defesa regulamentar. O Congresso paraguaio deu de ombros.
A pretensão ou a humildade de um país depende sempre do poder, da importância e do tamanho do interlocutor. Por esses três critérios, o Brasil está para o Paraguai assim como os EUA estão para Costa Rica. A tentação de empunhar o tacape é grande.
Enquanto isso, no Paraguai, respira-se uma atmosfera de jucunda normalidade. Defronte do Congresso, onde manifestantes pró-Lugo confrontaram-se com a polícia na véspera, funcionou neste sábado uma feira livre. Compravam-se e vendiam-se verduras. Vida que segue.

MILENAR CULTURA CHINESA E VACILAÇÃO DE ERUNDINA



 MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

Vem do sábio Kung-Fu-Tse, o popular Confúcio, o ensinamento de que ‘a imagem vale por mil palavras’. Se a milenar cultura chinesa e a filosofia de Confúcio tivessem conhecido a fotografia, tal como conhecemos hoje, registrariam que algumas fotos sequer precisam de legenda…
Confirma-se isto no fato que está em todas as cabeças e tomou conta da Rede Social: a representação plástica de Lula-Haddad-Maluf sorridentes nos jardins da mansão do ex-prefeito paulistano, cena que o deputado Esperidião Amin classificou como o ‘cerimonial de um casamento ao ar livre’,
A imagem vale por um milhão de palavras, quase uma Enciclopédia Britânica, e deixou perplexos os brasileiros, sem exceção. Envolvida nesse embroglio, a deputada Luisa Erundina, disse que “sentiu repulsa” e retirou-se da chapa de Haddad onde representava o seu partido, o PSB.
Isto aguçou a minha curiosidade. Gostaria de entrar no cérebro da ilustre paraibana, e levar choque dos seus neurônios para saber o real motivo da repulsa, já que ela se mantém apoiando a aliança de Lula com Maluf.
Erundina sofrera anteriormente discriminação e preconceito de Lula, ao aceitar o convite de Itamar Franco para integrar o Ministério de União Nacional, no calor da redemocratização do País. De lá para cá, passou muita água debaixo da ponte e ela já deveria ter se conscientizado de que o Pelegão não tem apreço pela verdade e a ética, por faltar-lhe retidão de caráter.
É por isso que sinto vacilação de Erundina neste caso, e ela, sendo religiosa, deveria ter aprendido no catecismo que não se pode acender uma vela a Deus e outra ao Diabo.
Vejo um injustificável oportunismo dela, o mesmo engenho de Lula, acariciando o antigo e ferrenho adversário na presença deslumbrada do candidato que impôs ao seu partido e quer obsessivamente impor a São Paulo.
O Brasil letrado e pensante enxerga claramente que não há traços ideológicos entre muitos quadros do PT e Maluf, mas vê que Lula tem cultivado afinidades com aqueles que no começo da vida política combatia com bravatas…
Nessa situação, vê-se também que o lulo-petismo usa a presidente Dilma nas barganhas em que trocam cargos públicos por alianças que darão alguns minutos (e até segundos) de televisão e rádio aos candidatos de Lula.
É a nova modalidade de ‘mensalão’. O jogo é descarado, porque os estrategistas lulo-petistas partem do princípio de que o povão não se interessa pela velhacaria da política burguesa. Quem tem bolsa, embolsa a bolsa; quem se fanatizou pelas falsas idéias ‘esquerdistas’ de Lula submete-se à cega servidão.
A realidade é que Maluf é o mesmo de sempre; aquele que Lula chamava de ‘filhote da ditadura’ e denunciava como ladrão. Estes rótulos dominaram corações e mentes de paulistas e brasileiros em geral, divulgados indistintamente por petistas, tucanos e outras facções menos votadas… Hoje, a ‘política de resultados’ vê Maluf apenas como um ‘prócer do PP’, apto a negociar alianças.
No caso do lulo-petismo, porém, esse paulistano prefeito biônico da ditadura,
símbolo da malversação do dinheiro, não é o único parceiro. E é isto que a deputada Erundina devia ler nas milhares de palavras da fotografia que a repugnou. Na foto de grande angular de Lula encontram-se sorridentes símiles de Maluf, Fernando Collor, Jader Barbalho, José Sarney, Renan Calheiros e Severino Cavalcanti..
No grandioso painel que realça colorindo o carisma do pequeno ditador do ABC paulista, vale milhares de palavras para um capítulo da História do Brasil: a justificativa dos mensalões, dossiês, barganhas e pouca vergonha sob o título de pragmatismo.

EXCLUSIVO para “VEJA São Paulo”: o dr. Adib Jatene, gênio da medicina, conta como diagnosticou o próprio infarto


Ricardo Setti


Jatene em sua sala no HCor: "Já estava cansado de descansar" (Foto: Mario Rodrigues)
Jatene em sua sala no HCor: "Já estava cansado de descansar" (Foto: Mario Rodrigues)
Amigos, trago para os leitores do blog matéria muito interessante deDaniel Bergamasco, com colaboração de Cláudia Jordão, publicada na revista VEJA São Paulo, que, junto com VEJA, circula na capital paulista e nas cidades situadas num raio de 100 quilômetros da cidade.
Não está, portanto, ao alcance de leitores do restante do Estado de São Paulo e dos demais Estados.
É um depoimento exclusivo para a revista do grande cardiologista e ex-ministro da Saúde Adib Jatene sobre o infarto que ele sofreu, diagnosticou — e ao qual sobreviveu muito bem, aos 83 anos. Vale a pena conferir:

“DIAGNOSTIQUEI MEU PRÓPRIO INFARTO”
Há pouco mais de três semanas, o cardiologista Adib Jatene acordou com fortes dores no peito, pediu um eletrocardiograma e logo percebeu que passava pelo mesmo problema já vivido por milhares de seus pacientes. De volta à ativa, ele recebeu VEJA SÃO PAULO para relatar o episódio, do qual se recupera bem

Com as mãos firmes de quem continua a realizar eventuais cirurgias, o cardiologista Adib Jatene segurava uma folha de papel sulfite quando recebeu a reportagem no dia 5 passado, um dia depois de completar 83 anos. “Estou redigindo um artigo para enviar aos jornais, sobre a falta de leitos em hospitais na cidade”, explicou ele, mostrando o texto que rascunhava a mão.
Era a primeira vez em que voltava a sua sala, no Hospital do Coração (HCor), do qual é diretor-geral, desde que sofreu um infarto, duas semanas antes, solucionado após um cateterismo (procedimento não cirúrgico no qual um tubo flexível é introduzido em vaso sanguíneo para checar se há entupimento e saná-lo). “Estou me recuperando muito bem”, apressou-se em dizer o paciente de histórico favorável, que não fuma, controla bem o peso (83 quilos em 1,85 metro de altura) e fez atividade física a vida toda.
Gênio da medicina brasileira, com feitos que incluem a primeira cirurgia de ponte de safena do país e uma série de inovações, ele diz que ficou “muito tranquilo” durante todo o ocorrido, conforme narra a seguir.
“Já sabia que precisava passar por cateterismo e, eventualmente, colocar um stent. Quatro meses atrás, exames de rotina detectaram problemas em uma coronária. E eu vinha adiando, não por desleixo, mas porque tinha compromissos, congresso, conferência. Até que fui surpreen­dido naquela quarta-feira (23 de maio). O dia anterior havia sido normal: atendi em meu consultório no HCor, fui ao Instituto Dante Pazzanese mexer com o ventrículo artificial que estamos desenvolvendo lá, jantei em casa com minha mulher, Aurice.
Com a mulher, a nutricionista Aurice: ref'ugio na fazenda
Com a mulher, a nutricionista Aurice: refúgio na fazenda
Acordei às 6h30 sentindo uma dor forte no peito, mas achei que era algo muscular. Agi com normalidade. Tomei banho, me sentei à mesa, bebi café com leite, comi pão com manteiga, geleia, queijo… Não comentei nada com Aurice, para ela não ficar assustada. Às 8 horas, chamei o motorista, contratado depois que fiz 80 anos de idade, por insistência dos filhos, que acham necessário eu ter esse tipo de conforto que nunca busquei na vida. Saí de casa (nos Jardins) direto para o HCor.
Como a sensação permanece e vai se intensificando, aumentou a suspeita de que poderia ser sério.
Na minha sala, no hospital, mandei chamar a moça responsável por fazer eletrocardiograma em meus pacientes. Eu mesmo li o resultado. Aparecia o supradesnivelamento de segmento ST, uma situação clássica de infarto. A artéria descendente anterior estava obstruída na porção média. Peguei o telefone e não tive dúvida: liguei para o Dante Pazzanese e falei com o médico José Eduardo Sousa. Trabalhamos juntos pela primeira vez em 1959 e hoje ele faz parte da minha equipe no HCor.
É um intervencionista altamente reconhecido, foi o homem que utilizoustent pela primeira vez. Com um camarada desse ao lado, era a escolha óbvia. Falei: ‘Preciso de você. Estou infartando e teremos de fazer o cateterismo que deveríamos ter realizado semanas atrás [risos].’ Em seguida, liguei para minha mulher para avisá-la. Ela tem muito escrúpulo em me cuidar, mas se manteve calma, na medida do possível. Fui me dirigindo, então, à sala de hemodinâmica, onde eu seria tratado.
No Clube Pinheiros, nos anos 80: atividades físicas por toda a vida
No Clube Pinheiros, nos anos 80: atividades físicas por toda a vida
Quiseram me levar de maca, mas eu disse: `Não quero. Prefiro ir andando’. Deitei sobre a mesa, tranquilo, enquanto preparavam tudo para o procedimento. Sou católico, costumo rezar, mas não rezei. Eu sabia o que deveria ser feito, como seria conduzido e o resultado que iria ter. Lido com fatos, não com fantasias. Não fico imaginando coisas. Estamos cansados de ver doentes que chegam aqui infartando. É a nossa rotina.
A intervenção era a urgência naquele momento e eu nunca discuto problemas, apenas soluções. Quem me conhece sabe que sou assim desde sempre. Quando surgiram no mundo as válvulas artificiais e nós não tínhamos condições de importá-las para o Brasil, eu só pensava em dar um jeito: `Como é que eu vou fazer isso aqui?’. E, em 1964, as montamos, com o material disponível no país. Em 1958, para fazer o coração-pulmão artificial do Hospital das Clínicas, fui a uma fábrica pedir para adaptarem um motor e depois comprei peças na Rua Santa Ifigênia, que na época já era um polo eletroeletrônico. Sou otimista.
Quando o Eduardo chegou ao hospital, estava tudo pronto para o procedimento. Queria dispensar a sedação, para assistir ao trabalho, mas não me deixaram. [José Eduardo Sousa explica: "Justamente por ele conhecer as etapas da técnica, poderia ficar ansioso e ter aumento de pressão arterial, o que não seria conveniente".] Confio no médico e no hospital. No HCor, o número de mortalidade nesses casos é de 1,8%, enquanto nos hospitais menos diferenciados, onde o diagnóstico demora, é de 20% a 30% [cerca de 10.000 pessoas morrem do mal anualmente na cidade].
A obstrução da coronária era total, de 100%, mas posso dizer que tive um pequeno infarto, que acabou antes de ficar grande. Os filhos ficaram sabendo pelas pessoas do hospital e estavam ali. [A exceção foi Iara, a única dos quatro a não seguir a medicina, a quem os irmãos decidiram avisar só depois que a intervenção tivesse acabado, para evitar preocupações. Ela conta: "Mas o namorado da minha filha ouviu a notícia no rádio, ela me ligou chorando e, obviamente, fiquei desesperada. Quando liguei para saber notícias, passaram o celular para o meu pai e ouvi dele que tinha dado certo."] Passei uma semana na Unidade Coronariana e outra em casa. Voltar à ativa está sendo ótimo, não gosto de períodos sem trabalhar. Felizmente, tudo corre muito bem na recuperação. É um grande erro achar que o infartado precisa de repouso por muito tempo. A lesão se cicatriza em quinze dias, e já posso voltar a fazer exercícios.
Para que o cateterismo tenha o máximo de eficiência, calculamos que o tempo porta/cateter (da entrada no hospital ao início do procedimento) deve ser menor que noventa minutos. No meu caso, foi menor que trinta. Por isso, não tive medo de morrer. Nunca tenho, aliás, por essa característica que citei: concentrar-me nas soluções.
Na equipe de remo da USP (no alto): treinamento no Rio Tietê
Na equipe de remo da USP (sentado na parte traseira do barco): treinamento no Rio Tietê
Uma vez, quando estudante da USP, treinava para uma competição internacional de remo em Porto Alegre. O cais do Rio Guaíba estava sendo construído, e um navio rebocador veio em cima do nosso barco. Quando percebi que ele não iria se desviar, eu me preparei, agarrei os pneus amarrados no casco e fui pendurado até a plataforma (na época, não sabia nadar). Só quando me vi a salvo é que pensei nos riscos.
Todas as pessoas correm algum perigo na vida, isso é normal. Meu infarto, aliás, só não foi mais grave porque sempre pratiquei muito esporte e, por isso, tenho o que se chama de circulação colateral (desenvolvimento de vasos sanguíneos que servem de alternativa para o fluxo quando outros estão obstruídos). Hoje, aos 83 anos, faço caminhada, sou um bom paciente. Nunca passei de 90 quilos. A única coisa que me é desfavorável é ter ficado diabético de dez anos para cá (em decorrência de uma pancreatite). Tomo a medicação corretamente, não sou hipertenso, não fumo e não sou irritadiço, apesar de emotivo. Fiz tudo ao meu alcance, com a exceção dessa colocação de stent, que deveria ter sido realizada antes. Evidentemente, nunca se deve adiar o tratamento dessa forma devido a compromissos e correr o risco que eu corri.”

Cirurgião, inventor, ministro…
O jeitão incansável de quem está sempre procurando problemas para resolver já chamava atenção nos tempos de juventude. “Cruzávamos de carro o estado de São Paulo, íamos ao Rio de Janeiro e a Minas para fazer cirurgias em hospitais que muitas vezes não tinham recursos”, recorda o cirurgião cardiovascular Luiz Carlos Bento de Souza, hoje diretor clínico do HCor. Quem conhece Jatene de perto, portanto, sabia que a fase de repouso não duraria muito tempo. “Já estava cansado de descansar”, diz ele, após uma semana internado na Unidade Coronariana do HCor e outra em casa.
É uma frase coerente com o histórico do médico que, com mais de 20.000 operações no currículo, tem trabalhado há meses na elaboração de um novo tipo de válvula para auxiliar o bombeamento de sangue nos ventrículos. Se funcionar, poderá ser uma das muitas criações de sua carreira. Entre outros marcos, ele desenvolveu o primeiro coração-pulmão artificial do Hospital das Clínicas, nos anos 50, um modelo de oxigenador do plasma, na década de 60, e inventou uma técnica de correção de artérias transpostas em bebês, que ficou conhecida mundialmente como Cirurgia de Jatene.
Nascido em Xapuri, no Acre, filho de um seringueiro e uma dona de armarinho, foi criado em Uberaba, no Triângulo Mineiro. Chegou a São Paulo para estudar na USP, onde conheceu seu grande mentor, Euryclides Zerbini (1912-1993), que realizou em 1968 o primeiro transplante de coração no Brasil. Com diversos convites para ocupar cargos políticos, aceitou três: tornou-se secretário estadual de Saúde, quando o governador era Paulo Maluf, e ministro da mesma área duas vezes, nas gestões Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.
Foi nos anos FHC que emplacou a ideia da contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF), para aumentar a arrecadação na saúde pública e, de quebra, coibir a sonegação. Seus múltiplos interesses não param por aí. Vai mensalmente a sua fazenda nos arredores de Catanduva (a 390 quilômetros da capital) para conferir as plantações e a criação de gado. Dono de uma coleção particular de quadros que inclui artistas como Di Cavalcanti, Alfredo Volpi e Tarsila do Amaral, preside o conselho deliberativo do Museu de Arte de São Paulo (Masp). “Estou sempre procurando mais trabalho.”

Nas mãos de um amigo do peito
José Eduardo Sousa: correria para tratar o infarto de Jatene (Foto: Mario Rodrigues)
José Eduardo Sousa: correria para tratar o infarto de Jatene (Foto: Mario Rodrigues)
Quando recebeu o telefonema de Adib Jatene avisando do infarto, José Eduardo Sousa se preparava para fazer um cateterismo em outro paciente, em procedimento eletivo (ou seja, sem urgência, que poderia ser remarcado), no Instituto Dante Pazzanese, na região do Ibirapuera. Mandou cancelar o compromisso, pegou o carro e, “em uns dez minutos”, havia chegado ao HCor, no Paraíso, onde trabalha no mesmo andar que Jatene.
Por trás da correria, além do dever médico, estava uma longa amizade, que começou em 1959, quando Sousa, hoje com 78 anos, era residente do Dante, e o colega trabalhava como cirurgião. Atuou na equipe liderada por Jatene na primeira cirurgia de ponte de safena do Brasil. Depois, recebeu o incentivo do colega em suas próprias realizações: fez um procedimento pioneiro com stent no mundo, em 1978, e repetiu o feito na versão farmacológica da estrutura (dotada de medicamento que previne novas obstruções), em 1999.
Quando viu o velho conhecido na mesa de cateterismo, porém, esse histórico sumiu de sua cabeça. “Ali, era um paciente qualquer. Eu me afasto totalmente da pessoa”, diz Sousa, que fez o mesmo procedimento na mãe e no sogro.

Sobrenome a serviço da medicina
Os médicos Ieda, Marcelo e Fábio e a arquiteta Iara (da esq. para a dir.): filhos com uma carreira de brilho próprio (Foto: Mario Rodrigues)
Os médicos Ieda, Marcelo e Fábio e a arquiteta Iara (da esq. para a dir.): filhos com uma carreira de brilho próprio (Foto: Mario Rodrigues)
Quando criança, Iara Jatene andava no carro do pai torcendo para não encontrar algum acidente de trânsito pela frente. “Ele sempre corria para socorrer a pessoa e eu morro de medo de ver alguém passando mal”, recorda a arquiteta de 54 anos, formada pela USP, única dos quatro filhos de Adib a não seguir a profissão do pai. Com sobrenome de peso, todos construíram uma carreira de brilho próprio.
Fabio, 57, comanda o Instituto do Coração (Incor) do Hospital das Clínicas e foi eleito (empatado com Sergio Almeida de Oliveira) o melhor cirurgião cardíaco da cidade em edição de VEJA SÃO PAULO de 2007, na qual votaram 110 médicos. Graduou-se pela Faculdade de Medicina da Fundação Universitária do ABC, instituição particular de Santo André, assim como a irmã Ieda, 56, hoje cardiologista pediátrica.
Marcelo, o caçula, com 50 anos, também cuida de corações infantis, mas na cirurgia. “Nunca houve pressão para seguirmos na área, mas meu pai não esconde o orgulho dessa escolha”, reconhece ele, que fez o curso na Unifesp. Como Adib, nenhum deles procurou continuar os estudos no exterior. “Não achamos necessário, pois temos ótimas escolas por aqui”, diz Marcelo. Três dos dez netos do patriarca são estudantes de medicina, em diferentes faculdades da cidade (na federal Unifesp e nas particulares Unip e Uninove). São todos incentivados pela avó, a nutricionista Aurice, de 83 anos, que, reservada, preferiu não dar entrevista. “Ela sempre apoiou muito meu pai, mas fica uma fera quando ele fura as gravatas ao ir ao torno do Dante Pazzanese lapidar pessoalmente peças para seus experimentos”, conta Ieda.

O estilo Jatene…
…Segundo renomados colegas de profissão

Dr. Aron Andrade, engenheiro biomédico (Foto: Cida Souza)
Dr. Aron Andrade, engenheiro biomédico (Foto: Cida Souza)
“Convivemos atualmente no Dante Pazzanese. Para ele, não há obstáculo que não possa ser ultrapassado. Adib sempre diz: `Se alguém já fez, é possível fazer. Se ninguém nunca fez, temos de encontrar um meio’. Detesta corpo mole. Se demoram a fazer o que pediu, deixa essa pessoa de lado e pede a outro. Se o profissional vai ao banco no meio do expediente, ele fica chateado.”
Aron Andrade, engenheiro biomédico


Roberto Kalil Filho, cardiologista (Foto: Divulgação)
Roberto Kalil Filho, cardiologista (Foto: Mario Rodrigues)
“Dizem que faço jornadas muito longas, e era sempre bom escutar do professor Adib: `Trabalho não mata. O que mata é raiva’. Falar com ele é animador. No ano passado, quando estudava para o concurso de professor titular da cardiologia da USP, às vezes eu ficava um pouco cansado e deprimido, mas era só ser recebido em sua sala e ouvir ideias para a saúde pública que saía extremamente motivado.”
Roberto Kalil Filho, cardiologista


Sergio Almeida de Oliveira (à esq.), cirurgião cardíaco (Foto: Mario Rodrigues)
Sergio Almeida de Oliveira (à esq.), cirurgião cardíaco (Foto: Mario Rodrigues)
“O doutor Adib quase nunca tira férias e é uma pessoa muito séria, apesar de cordial. Rigoroso com horários, não tolera atrasos, mas sem crueldade. Quando sofreu o infarto, que a todos surpreendeu, o fato de ter corrido para o hospital fez toda a diferença. A maioria dos médicos é mais displicente com a própria saúde.”
Sergio Almeida de Oliveira, cirurgião cardíaco

Nabil Ghorayeb, cardiologista (Foto: Vivi Zanatta)
Nabil Ghorayeb, cardiologista (Foto: Vivi Zanatta)
“Acompanhei muitas cirurgias feitas por ele nos anos 70, quando eu era residente. Em uma delas, na qual o paciente teve infarto gravíssimo, percebeu que precisaria de um sistema de irrigação extra para as coronárias, mas não havia instrumento para fazer essa função. Apelou para o estilo heroico: improvisou cortando um tubo de soro e em instantes o mecanismo estava funcionando.”
Nabil Ghorayeb, cardiologista


Drauzio Varella, oncologista (Foto: Divulgação)
Drauzio Varella, oncologista (Foto: Divulgação)
“É uma unanimidade e sempre se cercou de gente competente. Só ouvi críticas sobre a atuação em áreas administrativas, mas não sei se ele teria condições de proceder de modo diferente. Quando a cardiologia começou a se estabelecer no Brasil, o Incor (liderado por ele) se destacou. Muitos políticos se tratavam lá. Ao mesmo tempo, o hospital precisava de verba. Isso criava uma relação complicada, já que o hospital é público.”
Drauzio Varella, oncologista