terça-feira, 27 de maio de 2014

Collor, um cara de pau, por Ricardo Noblat


É muito simples: o juiz federal do Paraná Sérgio Moro informou, na semana passada, ao ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, que a Polícia Federal apreendeu no escritório do doleiro preso Alberto Youssef comprovantes de depósitos bancários que tiveram o senador Fernando Collor (PTB-AL) como beneficiário. São oito comprovantes de depósitos, que somam R$ 50 mil.
O que fez Collor? Assomou à tribuna do Senado, ontem, para se dizer vítima de uma campanha da mídia. Gastou mais da metade do seu discurso criticando a revista VEJA. Negou que conheça o doleiro. Quanto aos depósitos... Limitou-se a comentar:
- [...] Tudo precisa ser bem esclarecido, no seu devido tempo, e no seu devido lugar. Por isso, estou providenciando uma consulta oficial à Polícia Federal, ao juiz Sérgio Moro e ao Ministro Teori Zavascki no sentido de ter acesso aos documentos e a todas as informações que me dizem respeito, a começar pela exata descrição de como, por quem e em que condições foram achados e vazados os ditos comprovantes.

Fernando Collor, senador. Foto: Divulgação

Ou seja: não negou os depósitos, amparados em comprovantes. Está interessado, apenas, em saber como foram achados e vazados para a imprensa.
Políticos do tipo de Collor parecem imaginar que sempre conseguirão enganar o distinto público. Não aprendem.

CHARGE DO XICO CARUSO


Cartas de Berlim: O poder das urnas, por Albert Steinberger


No último domingo foi dia de ir às urnas em Berlim por dois motivos. O primeiro era a eleição para o parlamento europeu e o segundo foi um referendo sobre o destino do aeroporto Tempelhof.
Construído ainda na década de 20, o Tempelhof ficou famoso após a reforma feita nos tempos sombrios do nazismo, quando passou a ter uma arquitetura bem marcante. Durante a Guerra Fria foi usado como ponte aérea para trazer suprimentos a Berlim, inclusive sendo um importante ponto para as tropas norte-americanas.
Desde 2008 foi desativado e hoje é um parque, onde se pode andar de bicicleta em uma pista de avião. Um dos lugares mais interessantes e inusitados de Berlim.
A votação era para ouvir a população sobre o que deve ser feito do lugar. Continuar com o parque nas medidas atuais, ou permitir novas construções, inclusive conjuntos habitacionais?
Desde que chegue aqui, há pouco mais de um ano, foi o segundo referendo do qual participei. O outro era sobre uma possível troca na empresa que fornece energia. Reclamar, protestar e cada vez mais convocar referendos fazem parte da cultura da cidade.


Os berlinenses escolheram manter o parque como está. Sinal de um receio da especulação imobiliária desenfreada que tem ocorrido na capital alemã. Já o outro resultado foi mais preocupante. Na Alemanha, os partidos anti-euro e contrários à União Européia da extrema-direita ganharam espaço, mas ao menos a correlação de forças se manteve relativamente estável.
Em um continente que já foi destruído várias vezes por guerras, a União Européia é um avanço inquestionável: países que antes se matavam, hoje se sentam no mesmo parlamento e tem programas de intercâmbio comuns.
Principalmente na Alemanha, o fantasma da extrema-direita causa arrepios. Por isso, quando grupos nacionalistas vêm com um discurso fácil de em tempos de crise diminuir os poderes da Europa é preciso ter cuidado.
Os franceses no domingo, ao darem 25% dos votos à Frente Nacional de Marie Le Penn, parecem ter esquecido a história do continente em que vivem. Neste caso, o caminho apontado por muitos por aqui é o de radicalizar nos meios democráticos possíveis, com mais referendos, plebiscitos e todo o tipo de votações. Seja na cidade de Berlim, ou por toda a Europa.

Albert Steinberger é repórter freelancer, ciclista e curioso. Formado em Jornalismo pela UnB, fez um mestrado em Jornalismo de Televisão na Golsmiths College, University of London. Atualmente, mora em Berlim de onde trabalha como repórter multimídia para jornais, sites e TVs. 

BNDES já repassou R$ 1 bi para Odebrecht construir porto em Cuba


Para evitar “questionamentos desnecessários”, governo e banco mantêm sigilo sobre o empréstimo total de US$ 692 milhões para construtora modernizar terminal em Cuba. Parte dos recursos foi transferida “a fundo perdido”, isto é, sem nenhum ônus para o tomador

Documento mostra alguns detalhes da operação financeira para bancar porto
O Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já repassou o equivalente a mais de R$ 1 bilhão à construtora Odebrecht pela reforma do porto de Mariel, em Cuba, um negócio mantido em sigilo, por até 30 anos, pelo governo brasileiro, que considera que a revelação dos detalhes do financiamento “põe em risco as relações internacionais do Brasil” e pode “levantar questionamentos desnecessários”, conforme extrato de classificação de documentos obtido peloCongresso em Foco. Esses papéis mostram que uma parte do custo do financiamento envolveu parcelas pagas “a fundo perdido pela União” – o governo diz que isso não motivou sigilo. A empreiteira baiana ainda tem o equivalente a mais de R$ 500 milhões a receber do governo brasileiro por essa obra em Cuba.
Para modernizar o porto de Mariel, o governo cubano, dos irmãos Fidel e Raul Castro, escolheu a construtora brasileira. Depois, o BNDES financiou o empreendimento de US$ 957 milhões com US$ 692 milhões (R$ 1,5 bilhão), repassando os valores integralmente à Odebrecht. Mas os detalhes da operação, como garantias e prazos de pagamento, são mantidos em sigilo pelo Brasil. Um empréstimo da construtora a uma empresa de consultoria, que o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf) considera como possibilidade de “desvio de recursos públicos”, deve ser um dos temas de audiência pública com o presidente do banco, Luciano Coutinho, na Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara, nesta terça-feira (27). O negócio foi revelado pelo Congresso em Foco no último dia 19.
Em janeiro, Dilma Rousseff e o presidente Raul Castro inauguraram a reformulação do porto cubano. De acordo com o BNDES, a obra está “praticamente concluída” e, por isso, nem todo o dinheiro foi repassado à Odebrecht, mas só 70%. Os desembolsos são feitos à medida que a construção vai ficando pronta. O BNDES diz que não financia o governo cubano, mas “o exportador brasileiro” de obras e serviços. Em caso de eventual calote de Cuba, hipótese abraçada pela oposição no Congresso, a Odebrecht não será responsabilizada.
Como mostrou o Congresso em Foco, em 2012, dois anos após iniciar as obras no porto, a Odebrecht concedeu um empréstimo de R$ 3 milhões a uma consultoria, a Noronha Engenharia. No ano seguinte, sem que o débito fosse quitado, a construtora firmou um contrato de R$ 3,6 milhões para que a empresa carioca avaliasse a qualidade das estruturas do porto. Mas um email atribuído ao setor financeiro da empreiteira cobra da Noronha a devolução de R$ 2,5 milhões desses valores. Os “pagamentos-espelho” foram negados pela Odebrecht, que disse não reconhecer a autenticidade da mensagem eletrônica e negou a devolução de dinheiro. Já a Noronha respondeu que os pagamentos eram atrelados ao serviço em Cuba como forma de quitar o empréstimo anterior. O Coaf, porém, estranha a operação. Deputados do Solidariedade e do PPS prometem questionar Luciano Coutinho sobre o assunto.

O líder do PPS, Rubens Bueno (PR), diz que a alegação de segredo não pode impedir a fiscalização do negócio pelo Congresso Nacional. “Tudo isso com que os bancos se blindam é o tal do sigilo bancário. A comissão pede as informações, em sigilo, para saber se houve crime ou não, se houve privilégio ou não”, disse o deputado ao site. Bueno pede a aprovação de uma Proposta de Fiscalização e Controle (PFC), espécie de mini-CPI dentro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, e pretende questionar Luciano Coutinho sobre o assunto na audiência da Comissão de Fiscalização e Controle. “Queremos tirar essa blindagem do sigilo e partir para a investigação.”
Simplício Araújo (SD-MA) disse que vai fazer um requerimento formal do BNDES para esclarecer o negócio da consultoria que atestou as obras da Odebrecht. “Parece negociação de prefeito corrupto do interior”, diz Simplício.
Fundo perdido
O BNDES se negou a informar ao Congresso em Foco em quantas parcelas emprestou os US$ 692 milhões a Cuba para a construção do porto de Mariel e quando vencem a primeira e a última prestações. “Questões relativas a condições financeiras de contratos são protegidas pela lei de sigilo bancário”, disse a assessoria do banco.
Um Termo de Classificação de Informação produzido há dois anos pelo gabinete do então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Fernando Pimentel, e obtido pelo Congresso em Foco mostra alguns detalhes da operação. De acordo com ele, o empréstimo acertado em 2008 era um pouco menor, de US$ 600 milhões, para serem usados durante quatro anos. Há condições específicas para Cuba, como prazo de pagamento para começar a quitar o empréstimo e as contrapartidas dos cubanos no negócio.
O documento menciona que as condições de financiamento envolvem o custo da operação. E que essa operação é formada também por uma parcela paga, “a fundo perdido pela União”, do Programa de Financiamento à Exportação (Proex), na modalidade Equalização. Nesse sistema, o programa, cujo agente é o Banco do Brasil, o Proex “assume parte dos encargos financeiros, tornando-os equivalentes àqueles praticados no mercado internacional”, conforme definição constante em outros documentos do MDIC.
Procurada, a assessoria do ministério afirmou que o sigilo das informações foi motivado porque a publicidade do caso “comprometer a condução de outras negociações e as relações internacionais do Brasil”, com base na Lei de Acesso à Informação. “Não há que se falar que a classificação dessas informações se deu por se tratar de recurso “a fundo perdido”.
“Questionamentos desnecessários”
De acordo com o Termo de Classificação, o negócio foi classifico com o grau de “sigilo secreto”. Por isso, deve ficar em segredo por 15 anos a partir de 2008, prazo prorrogável uma vez, ou seja, até 2038.
No termo, o gabinete de Pimentel afirma, em 18 de junho de 2012, que memorandos de entendimento, protocolos, cartas, pareceres, correspondências e notas técnicas sobre o financiamento, à época avaliado em US$ 600 milhões, devem ficar em sigilo porque as informações “põem em risco” as relações internacionais, outras negociações entre Brasil e Cuba e ainda revelarão papeis de outros Estados e organismos internacionais fornecidos em caráter reservado. A divulgação das condições do empréstimo pode “inviabilizar outros projetos e levantar questionamentos desnecessários” e “resultar em constrangimentos diplomáticos”.
Operações com outros países poderiam ficar prejudicadas, porque as condições específicas seriam outras, “apesar de seguirem parâmetros internacionais”.
Exportações
A assessoria do MDIC disse que “dados referentes ao financiamento de exportações brasileiras” foram considerados sigilosos, e listou três documentos que estão nesta situação, inclusive Cuba. De acordo com a assessoria, os valores desembolsados não estão sob segredo e podem ser acessados no site do BNDES.
Na página do banco, observa-se que foram exportados para Cuba, com apoio do banco, US$ 802 milhões entre 1998 e 2013. No segundo governo Fernando Henrique (PSDB), de 1998 a 2002, o volume de exportações bancadas pelo BNDES para Cuba foi de US$ 7,5 milhões por ano. Já na era Lula-Dilma (PT), de 2003 a 2013, a média anual saltou para US$ 69,5 milhões.
Vistorias
Assim como o BNDES, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio não comentou a operação financeira entre a Odebrecht e a consultoria. O banco disse ao site que, por padrão de controle, fiscaliza as obras que financia por meio de vistorias in loco e conferência de gastos na execução do projeto. A assessoria do BNDES disse que a empreiteira já havia sido escolhida pelo governo cubano para reformar o porto de Mariel e só depois pediu o financiamento bancário, cuja aprovação “obedeceu aos ritos ordinários de concessão de qualquer empréstimo” na instituição dirigida por Luciano Coutinho.
O banco frisou que o dinheiro não saiu do Brasil, mas foi integralmente usado em empresas nacionais. “O Brasil atua de modo análogo à maioria dos países, já que o apoio às exportações por meio de instituições estatais é parte de estratégia nacional para promover o desenvolvimento”, disseram, em artigo no Valor Econômico, a superintendente e o chefe de Comércio Exterior do banco, Luciene Machado e Luiz de Castro Neves. Pelas normas divulgadas no site da instituição, a construção de portos financiada pelo banco exige nacionalização de pelo menos 60% das peças.
Seguro
O presidente da Odebrecht, Marcelo Odbrecht, que esteve com Dilma Rousseff na inauguração do porto de Mariel, defendeu o sigilo, em artigo na Folha de S.Paulo. “As únicas informações que não são públicas são as usuais das operações bancárias, como o valor do seguro, eventuais contragarantias e taxas que compõem a operação”.
Dados do BNDES mostram que, no ano passado, a instituição teve lucro líquido de R$ 8,15 bilhões. A inadimplência foi de apenas 0,01%. Marcelo Odebrecht rebateu as especulações sobre um eventual calote cubano, responsável por pagar o empréstimo canalizado para a empreiteira. “A ocorrência de calotes não está relacionada a alinhamentos ideológicos: os maiores defaultsrecentemente enfrentados vieram dos EUA e Chile”, disse o presidente da construtora.
http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/bndes-ja-repassou-r-1-bi-para-odebrecht-em-porto/

Esplêndidos mentirosos


"Manning e Assange são acusados do crime de divulgar crimes"
DANIEL AARÃO REIS
Daqui a dias, Julian Assange completará dois anos de confinamento na Embaixada do Equador em Londres, onde se refugiou, em 18 de junho de 2012. Ali vive como um prisioneiro, apertado num pequeno escritório adaptado, onde dispõe de cama, telefone, computador, chuveiro, quitinete e uma esteira para fazer exercícios. Em volta do prédio, a polícia monta guarda com um custoso dispositivo: nos primeiros meses, gastaram-se US$ 4,5 milhões para vigiá-lo.
Assange é objeto de dois processos. O primeiro refere-se a um imbróglio em que se envolveu na Suécia, onde duas mulheres o acusam, desde agosto de 2010, de "comportamento não consensual em encontros sexuais consensuais". Requerida sua extradição, seguiu-se uma batalha jurídica que se prolongou por quase dois anos. Perdendo o último recurso, ele solicitou asilo ao governo equatoriano. E o fez, não por temor às eventuais consequências deste primeiro processo.
O que o preocupava — e o preocupa até hoje — é o segundo, bem mais tortuoso e perigoso. Quem o persegue, embora ainda não de forma oficial, é o governo dos Estados Unidos, que deseja inquiri-lo sobre os documentos confidenciais cedidos à ONG Wikileaks, da qual Assange é um dos editores, e que se dedica a divulgar relatórios secretos que evidenciem malfeitos que estados e empresas tentam esconder.
A narrativa que se segue evidencia que os receios do perseguido têm fundamento.
Quando vieram à luz, os documentos provocaram sensação, sobretudo os registros referentes às guerras conduzidas pelos EUA no Iraque e no Afeganistão. Milhões de pessoas puderam ler e ver (havia também filmes) crimes praticados por soldados estadunidenses, entre os quais assassinatos, acobertados pelas cadeias de comando. Já nos telegramas diplomáticos, apareceram manobras escusas e manifestações explícitas de hipocrisia, dessas que permanecem para sempre no olvido da história ou, na melhor das hipóteses, são conhecidas apenas dezenas de anos depois.
Reagiram com sagrada ira os homens honrados envolvidos, porque "so are they all, all honourable men" (assim são todos eles, todos honrados homens), na indignada fala — amargamente irônica — atribuída por Shakespeare a Marco Antônio, sobre os assassinos de Júlio César.
A divulgação daqueles papéis confidenciais era "ilegal", e mais: um "ato terrorista". De qualquer forma, uma "traição". Na precipitação, houve gente clamando pela execução de Assange, sob os auspícios de uma Lei contra a Espionagem, de 1917, que prevê a pena de morte para os que entregam informações ao inimigo.
A fonte dos segredos revelados foi logo identificada: o soldado Bradley Manning, denunciado à polícia por um triste dedo-duro, já caído em merecido ostracismo.
Preso em 27 de maio de 2010, no Iraque, onde estava, levaram Manning para Quantico, uma base dos fuzileiros navais no Estado de Virgínia. Ali foi tão barbarizado que Juan E. Mendez, encarregado especial da ONU para denúncias relativas à tortura, descreveu as condições da cadeia como "cruéis, desumanas e degradantes". Em janeiro de 2011, a Anistia Internacional apoiou Mendez. Em março, o próprio porta-voz do Departamento de Estado, Philip J. Crowley, criticou o tratamento dispensado ao preso e renunciou ao cargo. No mês seguinte, centenas de acadêmicos assinaram uma petição no mesmo sentido, denunciando violações da Constituição dos Estados Unidos. Manning ainda teve que suportar outros vexames, decorrentes de solicitação de assistência médica para mudança de sexo — desde agosto do ano passado, por se sentir mulher, quer ser tratada como tal e já mudou, inclusive, de nome, para Chelsea Manning, mas suas demandas chocam-se com a insensibilidade dos carcereiros que se escudam no fato de que os códigos militares não preveem a figura do "transgênero".
O julgamento foi rápido e a sentença, brutal: 35 anos de prisão, decidida em 21 de agosto de 2013.
Manning e Assange são acusados do crime de divulgar crimes. De nada valem seus argumentos de que desejam uma discussão mundial, aberta e "esperançosa", que pudesse ensejar reformas, sem as quais, como disse Manning no tribunal, "estamos condenados como espécie". Estas frágeis e verdadeiras palavras, porém, suscitam, entre as autoridades, apenas acusações e condenações. Para elas, os dois não passam de traidores e mentirosos.
Esplêndidos mentirosos!
Assim referiu-se Horácio a Hypermnestra, a única danaide, entre 50, que mentiu ao pai — e o traiu — pelo nobre sentimento do amor. Os deuses a perdoaram, assegurando-lhe reconhecimento em vida e, depois da morte, pela eternidade, acesso aos Campos Elíseos, o paraíso dos antigos gregos.
As pessoas livres e que amam a liberdade não podem, infelizmente, oferecer a Manning e a Assange nenhum paraíso, mas lhes ofertarão o que têm de melhor: a solidariedade. E palavras de admiração, coragem e amizade.
Publicado no Globo de hoje. Daniel Aarão Reis é professor de História Contemporânea da UFF.

Investidores questionam conflito de interesse na nomeação de membros do governo para auditar a Petrobras

Posted: 27 May 2014 06:18 AM PDT

Edição do Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Jorge Serrão - serrao@alertatotal.net

A Presidenta Dilma Rousseff obrou na cabeça do Exército e dos acionistas minoritários da Petrobras, com a nova composição do Comitê de Auditoria da empresa. Investidores vão acionar a estatal de economia mista na Securities and Exchange Commission dos EUA para denunciar que o governo brasileiro nomeou auditores em franco conflito de interesses. A velha jogada de escalar raposas para tomar conta do galinheiro soou péssima no mercado.

A presidente da estatal, Maria das Graças Foster, teve a ousadia de comunicar à SEC que os novos conselheiros de auditoria "atendem os requisitos de independência previstos". Graça só pode estar fazendo graça com o mercado, já que Luciano Coutinho (presidente do BNDES) e Miriam Belchior (Ministra do Planejamento) fazem parte do governo – que comanda a União, o acionista controlador. Logo, o conflito de interesses destes auditores fica evidente.

Coutinho e Belchior – claramente ligados ao governo - substituem os representantes dos acionistas minoritários no Conselho de Auditoria: o executivo Mauro Cunha e o General de quatro estrelas, Francisco Roberto de Albuquerque, ex-comandante do Exército. Formado por integrantes do Conselho de Administração da empresa, o Comitê de Auditoria cuida da fiscalização e apoio ao trabalho do auditor independente da companhia, além de analisar as demonstrações financeiras e a eficácia dos controles internos.

A saída do General Albuquerque não tem justificativa, já que ele não criava problemas para o governo. Ao contrário de Mauro Cunha que foi o único membro do Conselho Fiscal a se opor à aprovação dos resultados de 2013 da Petrobras. Mauro Cunha avalia que foi "expelido" do comitê em retaliação por seus questionamentos sobre a conduta financeira da empresa. E, também, pelas críticas e cobranças de informações sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas – ato que compromete a imagem de “gestora eficiente” da hoje Presidenta Dilma, que apoiou a operação quando presidiu o Conselho de Administração da Petrobras.

Além de Sergio Franklin Quintella, vice-presidente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e integrante do Conselho de Administração desde 2009, a hegemonia do acionista controlador da Petrobras fica totalmente assegurada com a chegada de Luciano Coutinho (conselheiro da empresa desde  2008) e de Miriam Belchior, conselheira desde 2011. A mudança no comitê de auditoria é mais uma jogada política para blindar a empresa nos atuais escândalos e nas novas broncas previstas para estourarem na fase eleitoral.

Super Alerta


Justiça de transição

Advogado Rodrigo Roca - que defende três dos cinco militares acusados pelo homicídio e ocultação do cadáver do ex-deputado federal Rubens Paiva, em janeiro de 1971 – vai ingressar com um habeas corpus para bloquear a ação penal movida pelo Ministério Público Federal.

O defensor dos militares alega que o caso não tem como ir adiante, pela prescrição dos crimes e pela incidência da Lei de Anistia.

O juiz federal Caio Márcio Gutterres Taranto aceitou denúncia contra o general reformado José Antônio Nogueira Belham, os coronéis reformados Raymundo Ronaldo Campos e Rubens Paim Sampaio e os sargentos reformados Jurandyr e Jacy Ochsendorf e Souza.

Tese contrária

O juiz Taranto prega que a morte de Paiva se insere “na qualidade de crimes contra a humanidade”, que impede a incidência da prescrição:

“O homicídio qualificado pela prática de tortura, a ocultação do cadáver (após tortura), a fraude processual para a impunidade (da prática de tortura) e a formação de quadrilha armada (que incluía a tortura em suas práticas) foram cometidos por agentes do Estado como forma de perseguição política. A esse fato, acrescenta-se que o Brasil reconhece o caráter normativo dos princípios de Direito costumeiro internacional preconizados pelas leis de humanidade e pelas exigências da consciência pública”.

Ao cruzar depoimentos de militares e ex-presos com documentos históricos, os procuradores da República decidiram denunciar o general Belham e o coronel reformado Paim Sampaio, ex-agente do Centro de Informações do Exército (CIE), que estaria no DOI quando Paiva chegou, por homicídio triplamente qualificado, ocultação de cadáver e associação criminosa armada.

O coronel Raymundo Ronaldo Campos, oficial de plantão no DOI-I no dia 22 de janeiro, e os sargentos Jurandir e Jacy foram acusados de fraude processual e associação criminosa armada.

Anistia ignorada

O juiz Taranto explicou, na decisão, que a denúncia do MPF trata de crimes previstos no Código Penal não protegidos pelas disposições da Lei da Anistia concedida em 1979

Para o magistrado, o Artigo 1º da Lei de Anistia (Lei 6.683/79) não perdoa os crimes previstos na legislação comum, mas apenas os crimes políticos ou conexos a esses, “punidos com fundamento em atos institucionais e complementares”.

Se a lei vale para todos, os terroristas, sequestradores e assassinos hediondos da esquerda também podem acabar processados pelo mesmo motivo...

Ameaça Mensaleira


Profeta às avessas

Falhou a Presidenta Dilma Rousseff na promessa feita em recente jantar com jornalistas esportivos no Palácio do Planalto, quando bravateou que “ninguém vai encostar a mão nas delegações das seleções”.

Uns 70 manifestantes, entre professores das redes municipal e estadual, que estão em greve, encheram de tapas o ônibus que levou ontem a seleção brasileira da CBF da porta de um hotel perto do aeroporto do Galeão, no Rio, até a Granja Comary, em Teresópolis.

Entre gritos que condenavam os gastos absurdos com o mundial da Fifa, os professores colaram adesivos na lataria do veículo, com a frase: “Não vai ter Copa”.

Resumo da bronca

Do professor de História, Antônio Jorge Braga, um dos manifestantes contra o busão da Seleção, resumindo a motivação do ato:

“Não temos nada contra a seleção ou os jogadores. Somos contrários à socialização das despesas e à privatização dos lucros. O governo gasta fortunas construindo estádios, enquanto escolas e hospitais públicos estão caindo aos pedaços”.

A “Copa das Copas” promete ser a “Copa das Broncas”...
PT morto

Problema dos outros


Torcida distorcida


Vida que segue... Ave atque Vale! Fiquem com Deus.

O Alerta Total tem a missão de praticar um Jornalismo Independente, analítico e provocador de novos valores humanos, pela análise política e estratégica, com conhecimento criativo, informação fidedigna e verdade objetiva. Jorge Serrão é Jornalista, Radialista, Publicitário e Professor. Editor-chefe do blog Alerta Total: www.alertatotal.net. Especialista em Política, Economia, Administração Pública e Assuntos Estratégicos.

A transcrição ou copia dos textos publicados neste blog é livre. Em nome da ética democrática, solicitamos que a origem e a data original da publicação sejam identificadas. Nada custa um aviso sobre a livre publicação, para nosso simples conhecimento.

© Jorge Serrão. Edição do Blog Alerta Total de 27 de Maio de 2014.

A vida de um homem após 40 anos no hospício: ‘Não quero mais ser louco. Nunca mais!’

Posted: 25 May 2014 08:31 PM PDT

Pernambucano, Moisés conta como foi passar 40 anos de sua vida dentro de um hospício. Hiperativo, foi abandonado pela família e tratado como esquizofrênico

Tomou remédios pesados e até eletrochoque. Hoje, aos 66 anos, participa da luta antimanicomial, ministra palestras e faz planos para um dia escrever a história de sua vida

Moisés da Silva: depois de 40 anos internado num hospício, ele fundou uma associação e participa da luta antimanicomial Leo Martins / Agência O Globo

no Globo

RIO - Com passos curtos e lentos, ombros curvados, Moisés Ferreira da Silva entrou, tímido e com um leve sorriso, na sala da Associação de Saúde Mental Juliano Moreira (Apacojum), que fundou e onde hoje é diretor consultivo. As marcas de expressão e as mãos calejadas não são de uma vida de trabalhador do campo. Durante quatro décadas, ele ficou internado no Hospital Psiquiátrico da antiga Colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, com o diagnóstico de esquizofrenia e epilepsia. Mesmo com um pouco de dificuldade para falar — devido aos tratamentos pesados a que foi submetido —, Moisés relembra.


VEJA TAMBÉMVÍDEO A vida após 40 anos no hospício


— Passei 40 anos tomando prometazina (um composto orgânico existente em várias drogas antipsicóticas e anti-histamínicas). Foi o pior remédio. Ele ficou em mim, impregnado — diz ele, que, na Apacojum, luta pelos direitos dos pacientes psiquiátricos e por um tratamento mais humano para esse tipo de doente.

Moisés, que nasceu em Pernambuco, já estava no Rio quando, em 1961, aos 12 anos, foi levado pela própria família para o Hospital Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de Dentro. Segundo ele, “era muito agitado e não parava quieto”. Nos dias de hoje, nas palavras de Moisés, seria considerado hiperativo. Mas, naquela época, os pais não sabiam como lidar com algo que desconheciam e o internaram como “louco”. Abandonado no local, foi transferido, quatro anos depois, para a Colônia Juliano Moreira.

— Já fui um corpo morto e hoje não sou mais. Não quero mais ser louco. Louco, para mim, nunca mais! — diz Moisés, com um olhar triste.

Espancamentos e eletrochoques


Na época de interno, os dias eram longos. Quando não era obrigado a tomar calmantes para dormir, tentava ajudar outros pacientes, que ele classifica em dois tipos: “os alterados” (internos com problemas mentais mais graves) e “os melhorados” (pacientes em estado menos grave). Água ou café, só tomava em latas vazias de óleo, a maioria com ferrugem. E a comida só vinha em pratos de alumínio.

— Era uma covardia. Existiam funcionários que não gostavam da gente e, muitas vezes, nos batiam com cassetete. Não podíamos fazer nada, pois éramos levados, como castigo, para o quarto-forte (uma cela escura, sem comida) ou o eletrochoque. Aquilo era uma colônia de presos — diz Moisés, com lágrimas nos olhos.

Um dos piores períodos de sua vida foi quando ficou um mês “impregnado” (anestesiado) de tantos remédios:

— Fiquei paralisado. Os músculos estavam retorcidos, e eu não conseguia comer. Achei que morreria ali.

Na memória, ele guarda imagens de pessoas agonizando e o som dos gemidos. Para fugir da tristeza dos dias, tentava se ocupar. Conseguiu, já na década de 90, ser o carteiro oficial da colônia. Percorria as casas (as residências eram ocupadas por parentes dos internos), visitava as pessoas e ajudava na limpeza.

Depois de tanto tempo passado numa instituição psiquiátrica, Moisés hoje tem seu próprio conceito de loucura.

— Louco é a pessoa que mata, que agride e violenta o próximo. Esse é o verdadeiro louco. A loucura é real, e eu deixo essa derrota (esse passado) para trás — diz ele, emocionado ao lembrar as noites no quarto-forte.

Para o fundador da Apacojum, o melhor tratamento para quem sofre de problemas mentais é o carinho da família. Apesar de ter sido abandonado por seus pais e de ter ficado anos sem contato com parentes, Moisés conseguiu recentemente rever sua irmã e uma sobrinha.

— Passei grande parte da minha vida enjaulado. Já carreguei a minha cruz, e hoje estou curado pelo sangue de Jesus — diz Moisés, que frequenta semanalmente cultos evangélicos.

Se por um lado guarda lembranças ruins do hospício, por outro foi lá que ele fez grandes amizades. Por Moisés ser prestativo, funcionários e moradores da colônia tinham carinho especial por ele. O mesmo sentiam outros pacientes, que Moisés tentava ajudar sempre que podia. O ex-interno Oswaldo Fernandes de Moraes, de 65 anos, por exemplo, lembra o tempo em que os dois conviveram no mesmo pavilhão.

— Moisés sempre foi uma pessoa normal. Não tinha doença nenhuma, só problema com a sua família. Passamos muitas coisas juntos. Na época, éramos jovens e sofremos. Logo que entrei, fiquei nervoso, alterado, e fui tratado com eletrochoque — lembra Oswaldo, que mora hoje numa das casas do programa de ressocialização da própria colônia e é casado com uma ex-interna.

Outra grande amiga de Moisés é Cleusoni Soares, funcionária do hospital há 32 anos. Segundo ela, alguns pacientes andavam pela colônia, principalmente os que tinham famílias residindo no local.

— Moisés, por não ter problemas graves, era um desses que andavam por tudo que é lugar. Foi assim que ele passou a entregar as cartas, pois todos confiavam nele. Sempre foi muito bonzinho. Até com os meus filhos ele brincava.

O sonho de lançar um cd e um livro


Em 1991, Moisés passou a residir numa das casas do núcleo do hospital. Ele foi um dos primeiros moradores do programa de residência terapêutica. No início de 2001, teve alta. Fora do internato, começou uma nova vida. Aprendeu a discutir política pública e decidiu lutar pelos direitos dos pacientes.

Independente, Moisés alugou seu próprio imóvel na Taquara e gosta de passear pelo Rio. Aposentado, mas ainda trabalhando em serviços gerais (limpeza), uma de suas paixões é ver televisão e assistir a todos os filmes que pode. Atualmente, acalenta dois sonhos: escrever um livro sobre a sua história e lançar um CD (ele também compõe músicas).

— Só não fiz isso ainda porque não tenho patrocínio. Mas não vou desistir — diz ele.

Após a ditadura militar, na década de 80, tudo começou a melhorar para Moisés. Foi quando surgiram, com a reforma psiquiátrica, as primeiras leis beneficiando os pacientes. E foi lutando pela causa dos doentes mentais que Moisés conheceu Iracema Polidoro, outra militante. Em 30 de maio de 1992, eles fundaram a Apacojum.

Por causa de sua tia, na década de 70, Iracema se envolveu com a causa antimanicomial.

— Minha avó recebeu uma carta da colônia dizendo que minha tia estava internada. Nossa família havia recebido a notícia, pelo marido da minha tia, de que ela havia morrido. Vinte anos depois, foi surpreendente ver o estado dela e o dos demais pacientes: todos sofriam maus-tratos. Foi aí que comecei minha luta.

O diretor do Instituto Juliano Moreira, Marcos Martins, já conhecia a história de Moisés, antes de ingressar na unidade:

— Ele é simpático e prestativo. Tem uma história de superação.