segunda-feira, 14 de maio de 2012

Especialista americano adverte: o terror islâmico já está no Brasil



Em entrevista ao jornalista Leonardo Coutinho publicada pela edição de VEJA que deixa hoje as bancas, o embaixador Roger Noriega, americano neto de imigrantes mexicanos nascido em Kansas e especialista em América Latina, descreve como o terrorismo islâmico está infiltrado no continente e chega ao Brasil: ”Rezo para que as autoridades brasileiras deixem de cometer o erro de ignorar o terrorismo”, diz ele. “O risco para o país é real e iminente”.
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O Brasil não é imune a atentados

Nas últimas duas décadas, o embaixador americano Roger Noriega, de 51 anos, atuou na linha de frente na elaboração da política externa dos Estados Unidos em relação à América Latina. Trabalhou como consultor do Congresso americano e, no governo de George W. Bush, foi chefe da delegação dos EUA junto à Organização dos Estados Americanos (OEA) por dois anos.

Em 2003, assumiu o cargo de secretário adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental, do Departamento de Estado. Ficou no posto até 2005, quando deixou a vida pública para atuar no American Enterprise Institute for Public Policy Research, um centro de estudos em Washington que reúne pesquisadores das mais diversas áreas, principalmente as de segurança e políticas públicas.

Em outubro, uma semana antes da prisão do iraniano acusado de planejar um atentado contra o embaixador da Arábia Saudita em Washington, Noriega divulgou um artigo sobre as atividades do Irã e do grupo libanês Hezbollah na fronteira mexicana. Na entrevista a seguir, ele conta como foi capaz de antecipar a presença dos terroristas nas franjas do território americano e denuncia a escalada do terror na América Latina.

Como o senhor sabia que o Irã e o Hezbollah atuavam em consórcio com traficantes mexicanos? 

Nossa investigação foi baseada em meses de estudos realizados por uma equipe de quatro pessoas que percorreu, além do México, muitos países vizinhos. Essa equipe entrevistou autoridades e fontes secretas nos grupos comandados pelo libanês Hezbollah na região. Nós juntamos os nomes, ligamos os pontos e revelamos uma realidade perigosa.

O Irã e o Hezbollah têm expandido suas bases na América Latina com o objetivo de promover atentados terroristas. Eles construíram uma estrutura operacional de recrutamento, treinamento e captação de recursos. Os fatos observados indicam que os terroristas compartilharam suas experiências com os cartéis do tráfico no México.

Além do relatório publicado a respeito no site do American Enterprise Institute for Public Policy Research, que antecipou as informações sobre essas ações extremistas, nós produzimos um documento confidencial compartilhado com autoridades e vários governos da região.

Por que os Estados Unidos demoraram a detectar essa movimentação em sua fronteira sul? 

Gasto grande parte do meu tempo explicando aos políticos americanos que negligenciamos a América Latina.
Recentemente, apresentei no Congresso provas consistentes das atividades desses grupos terroristas no continente. Nossos investigadores identificaram pelo menos duas redes paralelas que colaboram entre si e crescem de forma alarmante na América Latina.

Essas redes são compostas de mais de oitenta extremistas instalados em doze países, concentrados sobretudo no Brasil, na Venezuela, na Argentina e no Chile. Nós não podemos enfrentar as ameaças transnacionais do tráfico de drogas e do terrorismo sem a cooperação de nossos amigos na região.
Por isso, os Estados Unidos precisam prestar mais atenção na região, estabelecer relações econômicas fortes e saudáveis para estimular o crescimento, a prosperidade e a estabilidade entre nossos vizinhos.

 O embaixador saudita em Washington, Adel Al-Jubeir: alvo de complô falido de traficantes mexicanos e Quds iranianos

Qual tem sido o papel da CIA, a agência de inteligência americana, em relação a esse problema? 

Praticamente, nenhum. Em paralelo com o nosso trabalho, que tornou pública a presença do Irã e do Hezbollah no México, o DEA (a agência antidrogas americana) já vinha investigando as ligações entre extremistas islâmicos e traficantes de drogas.

E eu acho que isso foi uma sorte, porque os integrantes do DEA estão acostumados a pensar além do que diz o manual. Eles não foram constrangidos pelo raciocínio convencional dos especialistas da CIA em Forças Quds (a unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã).

Na agência de inteligência, eles poderiam ter concluído que o modus operandi dos iranianos de contratação do cartel mexicano Zetas para executar o embaixador saudita em Washington era incomum demais para ser realidade — o que poderia ter sido fatal. Em vez disso, o DEA, extremamente ativo em investigações de vários tipos no continente, seguiu em frente e descobriu o plano para matar o embaixador Adel al Jubeir.

Quais são exatamente as conexões do Irã e do Hezbollah na América Latina? 

Em 2007, um terrorista que tentou cometer um atentado no Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York, foi preso em Trinidad e Tobago quando se preparava para viajar a Caracas. Da capital venezuelana, ele seguiria para Teerã, onde, segundo alegou, faria um curso de religião.

Ele sabia para onde fugir em segurança. A Venezuela é uma base avançada do terrorismo islâmico na América Latina. Na Ilha Margarita, na costa venezuelana, funciona um dos mais movimentados centros de treinamento de terroristas fora do Líbano.

A Tríplice Fronteira, região entre a Argentina, o Brasil e o Paraguai, ainda preocupa por ser um centro de operações financeiras das mais diversas organizações terroristas. Mas é na Venezuela que esses grupos terroristas têm permissão oficial para adestrar-se e planejar ataques contra os Estados Unidos.

O senhor, então, acusa o governo venezuelano de dar suporte a terroristas?

Não resta dúvida de que o presidente Hugo Chávez usa a riqueza petrolífera de seu país para fortalecer o terrorismo islâmico, cujo alvo principal é o território americano. Isso é um escândalo.

Sinceramente, em qualquer lugar em que exista uma embaixada iraniana ou mesquita ou centro islâmico patrocinado pelo Irã, e na Venezuela praticamente todos o são, pode haver uma célula do grupo libanês Hezbollah.

Não estou sugerindo que toda mesquita seja um centro de terrorismo. Essa é uma suposição ridícula e perigosa. Entretanto, quando agentes iranianos patrocinam mesquitas e centros islâmicos nas Américas, eles o fazem com a finalidade explícita de radicalizar a comunidade muçulmana local. A missão básica desses emissários do terror é identificar alguns indivíduos com potencial para ingressar no Hezbollah ou nas Forças Quds.

Como esses extremistas islâmicos atuam na Venezuela?

Há uma rede que administra a captação de recursos, o recrutamento, o treinamento e a coordenação dos agentes do Hezbollah no país. Essa rede leva o nome de seu chefe, Ghazi Nassereddine. Ele é um venezuelano nascido no Líbano que exerce um cargo diplomático na Síria.

Em 2008, Nassereddine foi identificado pelo governo dos Estados Unidos como um dos fornecedores de suporte logístico e financeiro ao Hezbollah. Apesar de sua relevância, eu o considero menos perigoso que seus comparsas. Esses atuam mais discretamente em suas atividades de treinamento. Nossas fontes confidenciais nos trouxeram evidências de que, no ano passado, ativistas iranianos e do Hezbollah realizaram, na Ilha Margarita, um curso de técnicas terroristas para alunos de países da América Latina.

Como se não bastasse, a Venezuela foi utilizada como sede de uma reunião de líderes terroristas do Hamas, do Hezbollah e da organização palestina Jihad Islâmica. Esse encontro ocorreu em Caracas em 22 de agosto de 2010, com o aval de Hugo Chávez.

 Na Bolívia de Evo Morales há "uma academia de treinamento de milicianos patrocinada pelos iranianos" (Foto: Jorge Bernal / AFP)

O presidente venezuelano é o único governante da região a apoiar terroristas?

O presidente da Bolívia, Evo Morales, hospeda uma academia de treinamento de milicianos patrocinada pelos iranianos. Essa escola foi inaugurada recentemente pelo infame ministro da Defesa do Irã, Ahmad Vahidi, identificado como um dos arquitetos dos atentados contra alvos judaicos em Buenos Aires, nos anos 90.

Tanto a Bolívia quanto o Equador estão permitindo que o Irã realize movimentações supostamente comerciais em seus territórios. A mais preocupante delas é a exploração de minérios estratégicos, como urânio.

Essas operações suspeitas podem ser úteis para acelerar o programa nuclear iraniano. Além disso, o comércio entre a Argentina e o Irã aumentou dramaticamente nos últimos anos. Temo que, com o crescimento dos interesses comerciais, exista a possibilidade de que as preocupações com segurança esmoreçam.

A Justiça argentina ainda tenta prender e julgar os diplomatas iranianos autores de dois atentados no país. O senhor acha que esse comportamento pode mudar?

Os argentinos estão totalmente cientes das atividades do Irã em seu território. Os atentados contra a Embaixada de Israel e contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), em 1992 e 1994, são prova disso.

Por isso, o Judiciário da Argentina pediu a emissão de um mandado internacional de prisão pela Interpol. Mas, francamente, algumas operações do governo argentino com o Irã são muito suspeitas. A principal delas é o acordo de cooperação na área nuclear assinado entre os dois países.

Espero que a descoberta pelo DEA de que poderia haver também outro ataque em Buenos Aires coloque a Casa Rosada em alerta.

 O atentado terrorista contra a Associação Mutual Israelita Argentina, em Buenos Aires, em 1994: a mão do Irã, e 85 mortos


Por que o Irã e o Hezbollah escolheram a América Latina como campo deoperações?

A proximidade com os Estados Unidos torna a região atraente. O presidente Hugo Chávez, como já disse, também vem construindo uma aliança estreita com o Irã, como forma de fortalecer sua agenda antiamericana. Além disso, ele usou os petrodólares de seu país para abrir as portas da Bolívia e do Equador para o Irã.
Como se não bastasse, os serviços de inteligência locais são ineficientes e a América Latina tem baixa capacidade de aplicação das leis. Essa combinação transforma os países latino-americanos em solo fértil para terroristas globais. Diante dessas circunstâncias, o governo dos Estados Unidos precisa empenhar-se mais na cooperação com nossos vizinhos amigos e, desse modo, fortalecê-los.

 Hugo Chávez e Mahmoud Ahmadineyad: laços estreitos (Foto: Atta Kenare - AFP)

O que o senhor pode dizer sobre o Brasil?

Há evidências claras de que Mohsen Rabbani, um agente das Forças Quds envolvido nos atentados perpetrados em 1992 e 1994, esteve no Brasil duas vezes nos últimos dois anos.
Embora proibido de sair do Irã, por causa de um mandado de prisão expedido contra ele pela Interpol, Rabbani se vale de documentos falsos para entrar no Brasil pela fronteira venezuelana. Isso tem de ser motivo de preocupação.

Relatórios oficiais dizem que Rabbani e seu irmão, Mohammad Baquer Rabbani Razavi, com residência fixa no Brasil, recrutaram dezenas de jovens pobres brasileiros para sua causa extremista. Sabemos que Razavi, apesar de ser xiita, uniu-se a líderes sunitas para dar suporte às operações do Hezbollah na Tríplice Fronteira.

Eu espero que as autoridades brasileiras parem de negar a existência de extremistas no país e passem a considerar a crescente atuação de organizações terroristas na América Latina. A própria segurança de cidadãos brasileiros está em jogo. O governo do Brasil não pode ignorar essa ameaça.

Qual é o risco para o Brasil?

Dentro em breve, o país será palco da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Obviamente, isso transforma o Brasil em alvo tentador. É um erro subestimar esse fato.

A presença de redes terroristas em território brasileiro obriga as autoridades responsáveis pela segurança a aumentar sua atenção. O Brasil, ou qualquer outra nação, não está imune a atentados. A comunidade internacional deu um voto de confiança ao Brasil e espera que o país não falhe em garantir a integridade física dos atletas e do público da Copa e dos Jogos Olímpicos.

Rezo para que as autoridades brasileiras deixem de cometer o erro de ignorar o terrorismo. O risco para o país é real e iminente.

Fonte: Revista Veja

Perícia aponta mentira de Thor e imprudência de Luciano Huck



Filho do homem mais rico do Brasil tentou comandar, pelo Twitter, um inquérito policial sobre a morte do ciclista pobre, o apresentador Luciano Huck inocentou o bilionário antes de ter elementos para julgar; Eike Batista, por sua vez, lamentou a perda do brinquedinho; e agora?
Raras vezes se viu no Brasil uma tentativa tão explícita de calar, pela força do dinheiro, uma investigação policial.
O caso era uma autêntica fábula brasileira, que expunha nossas mazelas e fraturas sociais.
No dia 18 de março deste ano, Thor Batista, filho do homem mais rico do Brasil, Eike Batista, atropelou em sua Mclaren um rapaz negro, Wanderson Silva, que conduzia uma bicicleta, num país onde crimes de trânsito raramente são punidos. Rapidamente, Eike e Thor passaram a bombardear internautas com mensagens no Twitter.
Em 63 mensagens sequenciais, Thor deu sua versão para o acidente. Numa delas, disse que "vinha na faixa da esquerda, com muito cuidado, sem ao menos dialogar com meu carona quando repentinamente um ciclista atravessou...".
Em outra, assegurou que "a frenagem trouxe o carro de 100km/h até 90 km/h".
Eike, por sua vez, deu força ao filhão dizendo que era a quinta vez apenas que ele dirigia a Mclaren, xodó da família. E contratou o advogado mais caro do País, Marcio Thomaz Bastos, para defender o pupilo. "Só contrato o melhor", disse Eike à época.
Em diversos veículos de comunicação, também se exerceu uma pressão imensa para que o caso não fosse analisado pela ótica da luta de classes – afinal, ricos não podem ser punidos simplesmente porque são ricos.
A cereja do bolo foi o tweet publicado pelo "bom-moço" Luciano Huck, que enriquece às custas de "Wandersons" e, assim, frequenta as rodas de "Thors" e "Eikes". "Fatalidade. Prestou socorro e não tinha bebido", tuitou Huck no dia do acidente, antes de ter qualquer elemento para julgar.
Pois bem: todos acabam de ser desmoralizados pela perícia oficial realizada pela polícia do Rio de Janeiro. Uma polícia que, diga-se de passagem, conseguiu realizar um trabalho independente apesar de todas as suspeitas que recaiam sobre seu trabalho, em razão da propalada influência de Eike Batista no governo do Rio de Janeiro.
Sabe-se agora que Thor dirigia a pelo menos 135 km/h, acima do limite de 110 km/h, e vinha realizando ultrapassagens em ziguezague segundo o depoimento de testemunhas.
Em sua defesa, o filho do bilionário pretende apresentar uma perícia privada – mas, em países sérios, o que vale é a investigação oficial, não aquela paga por quem tem interesse em se livrar de suas responsabilidades.
Thor mentiu. Luciano Huck foi falastrão. E Eike se comportou como um pai que não sabe impor limites aos filhos.
Aliás, recomenda-se que Thor feche urgentemente seu Twitter. Num post, revelou um encontro com o presidente da Caixa Econômica Federal, Jorge Hereda, que estuda realizar um aporte bilionário numa empresa de Eike Batista em má situação financeira, a LLX.
Em outro, Thor fez uma brincadeira pueril. Disse que o cruzamento de um quero-quero com um pica-pau resulta em que quero-pica-quero-pau.
Thor, que acaba de ser desmascarado pela perícia realizada pela polícia do Rio, foi indiciado por homicídio culposo.
Dias atrás, ele teve outro brinquedinho apreendido: a Ferrari que conduzia sem placa nas ruas do Rio de Janeiro.
Quantos "Wandersons" serão necessários até o Brasil aprenda a efetivamente tratar crimes de trânsito, que matam milhares de pessoas no País, como crimes, e não como fatalidades inocentadas por Luciano Huck?

À beira do abismo - Você seria um nazista?


Hélio Schwartsman 

SÃO PAULO - Você seria um nazista? A maioria de nós responde sem hesitar com um "é claro que não". Somos vítimas fáceis de nossas narrativas. Se o nazismo é identificado ao mal e nós não nos julgamos maus, não podemos ser nazistas.

O problema, como mostrou reportagem de Carolina Vila-Nova, é que esse raciocínio é utilizado de forma excessivamente generalizada: metade dos alemães julga que, em suas famílias, todos eram contra o nazismo. Só 6% admitem o envolvimento de parentes com o regime hitlerista.

Pesquisas historiográficas sobre a disseminação do nazismo aliadas a uma série de experimentos psicológicos revelam que não devemos confiar tanto em nossas narrativas.

Uma das mais impressionantes dessas experiências foi conduzida por Philip Zimbardo em 1971. Ele recrutou 24 voluntários em boa saúde mental e os pôs num simulacro de prisão montado na Universidade Stanford. Num sorteio, parte do grupo ficou com o papel de guarda, e o restante, com o de prisioneiros. Os vigias foram autorizados a assustar os presos, mas nunca usar força contra eles. Qualquer um podia abandonar a "prisão" quando quisesse.

Logo as coisas saíram de controle. Os guardas começaram a mostrar-se cada vez mais cruéis para com os prisioneiros, que, após uma tímida tentativa de rebelar-se, foram aceitando castigos e humilhações. O próprio Zimbardo se deixou absorver pela situação. Foi só depois que sua namorada visitou o local e viu que limites éticos haviam sido rompidos que o psicólogo começou a questionar a moralidade da coisa. No sexto dia, o experimento, concebido para durar duas semanas, foi interrompido.

A moral da história, reforçada por outras experiências célebres como as de Milgram e de Darley, é que basta uma pressãozinha do grupo para uma pessoa normal se enfronhar na barbárie e julgá-la a coisa mais natural do mundo. É o que Hannah Arendt chamou de banalidade do mal.

helio@uol.com.br
Folha de S.Paulo
13/05/2012 

'Militares, e não religiosos, ameaçam Egito'


Para ativista egípcio, lógica da política está minando apelo de islâmicos; risco à liberdade vem do aparato de repressão de Mubarak

13 de maio de 2012 | 3h 07
ROBERTO SIMON - O Estado de S.Paulo
Diretor da Egyptian Initiative for Personal Rights, Hossam Bahgat perde o sono com o que chama de "Estado profundo" no Egito - o entulho autoritário que sobrou da ditadura de Hosni Mubarak. Com os grupos islâmicos cada vez mais poderosos na nova política do Cairo, não.
"A grande questão hoje é como desmantelar o complexo de generais-empresários, espiões e agentes do Ministério do Interior", diz. As eleições deste mês e a nova Constituição são assuntos secundários, submetidos à essa disputa maior. Apesar da pouca idade, 32 anos, Bahgat é um dos mais respeitados ativistas egípcios, premiado pela Human Rights Watch. A ONG Conectas o trouxe a São Paulo na semana passada. A seguir, a entrevista ao Estado.
É possível dizer que são os militares que estão dando as cartas nas eleições, incluindo o veto a determinados candidatos?
Digamos que isso é um "segredo aberto". Tecnicamente, todas as desqualificações de candidatos foram corretas e tiveram base na lei. Mas é claro que elas foram ao mesmo tempo extremamente políticas.
O sr. acha que esse tipo de ação compromete a credibilidade do processo eleitoral? Quão livre é essa eleição?
Ela certamente é muito mais livres do que qualquer outra eleição que tivemos na história do Egito, embora seja necessário aguardar para ver se haverá interferência nos dias de votação. O problema principal é que as decisões da Comissão Eleitoral não podem ser contestadas em nenhuma Corte. Portanto a comissão pode livremente fazer leis para vetar candidatos, controlar campanhas, coberturas da imprensa, quem monitorará as urnas e, claro, o anúncio dos resultados finais.
E esse órgão é dos tempos de Mubarak.
Sim, a maior parte dos membros dessa instituição foi apontada ainda por Mubarak e ela é presidida pelo chefe da Corte Constitucional, que foi escolhido a dedo pelo ditador e colocado na Comissão Eleitoral justamente para preparar as eleições que Mubarak queria realizar no ano passado (o ditador, porém, foi derrubado em fevereiro). Por isso há tanta suspeita. Até agora pode-se dizer que não houve interferência política direta de modo significativo. Duas desqualificações foram desleais: a de Mohammed Khairat Shater (da Irmandade Muçulmana) e de Ayman Nour (do Partido Ghad, secular). Ambos tinham condenações, mas que datavam dos tempos de Mubarak - coisas políticas. A culpa dessa situação, porém, não é dos militares, mas da própria Irmandade Muçulmana, que está no Parlamento há três meses e não aprovou uma anistia a crimes políticos cometidos sob o antigo regime, porque ela acreditava que não precisaria disso.
Mais de 70% do Parlamento egípcio está na mão de grupos islâmicos, que defendem a sharia como base da nova Constituição. Qual é o impacto disso na construção desse "novo Egito"?
A fase em que vivemos é extremamente necessária para o amadurecimento do Egito como nação democrática. Grupos islâmicos perderam muito mais apelo nos últimos três meses em que estiveram dentro do Parlamento do que ganharam nos últimos dez anos na oposição. A força dos religiosos estava no fato de eles sempre se apresentarem - e com razão - como vítimas de uma brutal perseguição, mártires que eram excluídos da política por causa de suas crenças, por quererem seguir a palavra de Deus. Desde que se tornaram maioria no Parlamento e começaram a aparecer na imprensa, que agora está livre do controle do Estado, eles passaram a ter mais responsabilidades. Nos últimos três meses, as pessoas começaram a culpá-los por questões práticas, como a formulação de leis e as falhas no confronto com os militares. Hoje, eles estão em crise.
Em que sentido?
Não são mais vistos como anjos que não cometem erros, mas como políticos normais. Isso é extremamente saudável para nós, como país, pois não podemos postergar para sempre o debate sobre o papel da religião na política. Eu não apoio esses grupos islâmicos, mas a irmandade vem trabalhando há 80 anos, os salafistas desde os anos 90 e eles merecem estar no governo. Uma pesquisa de opinião perguntou a eleitores desses dois grupos como eles viam seus representantes agora. E o resultado foi que 80% ficaram desapontados.
Se os partidos religiosos não são o maior desafio para o Egito, quem é?
A ameaça é o "Estado profundo": militares, setores de inteligência e o Ministério do Interior. Essa é a grande questão hoje no Egito. O restante - a disputa pela Constituição, o jogo eleitoral, etc. - é uma espécie de carapaça que vemos de fora. Como desmantelar esse complexo de generais-empresários, somado à inteligência que serviu a Mubarak por tanto tempo - e ficou ainda mais poderosa depois da revolução, pois o Exército está se apoiando nela - e o Ministério do Interior? Essa é a pergunta. Eles estão trabalhando para impedir a mudança e restabelecer as coisas do jeito que elas eram. Não estão conseguindo porque jovens se recusam a deixar as ruas e ir para casa, estão dispostos a morrer. Independentemente de quem for eleito presidente, (o ex-chanceler Amr) Moussa ou (o islâmico moderado Abdel) Aboul Fotouh, esse confronto será o tema principal. Um governo de Aboul Foutoh vai combater isso diretamente e abrirá uma crise política. Moussa não mudará nada, pois ele sempre operou sob esse guarda-chuva. Mas então ficará claro que o poder está com as forças de segurança e o presidente é apenas uma fachada do Estado. E em ambos os casos a instabilidade continuará por um motivo simples: os problemas socioeconômicos que levaram à ela não irão embora tão cedo.
Postado por Carlos Eduardo Bekerman no portal Pletz@le