quinta-feira, 17 de maio de 2012

Uma aula de economia com o taxista


Disponível para saque




"Nos Estados Unidos, a pessoa compra com cartão porque tem dinheiro para pagar", me disse o taxista. "Aqui não. Aqui ele pensa assim: Não tenho dinheiro? Vou comprar no cartão"
Entendo pouco, muito pouco mesmo de economia. Confesso que quando a minha empregada pergunta que parte do jornal ela pode forrar o chão da cozinha na hora de fritar batatas, eu não penso duas vezes e digo: o caderno de economia! Sei que vocês podem achar isso um sacrilégio, mas é verdade.  E não é só parar aparar o óleo de canola que espirra da frigideira que servem os cadernos de economia aqui na minha casa. Seu Antônio, o pintor, já sabe que quando vem pintar o apartamento a cada dois anos, para forrar o chão, caderno de Economia!
Que Lilian Wite Fibe não me ouça porque como editor-chefe do jornal que ela apresentava outrora, eu tinha de fazer cara não só de entendido como de interessado pelo assunto. E olha que a economia era assunto de primeira ordem no telejornal que fechávamos todos os dias úteis. IPCA, IGP-M, INPC, TR, CDI… ela falava disso como quem estivesse falando de arroz com feijão.
A Lilian informava o valor do ouro, o rendimento da poupança, o movimento nas Bolsas, a  cotação do dólar, da libra esterlina, do franco francês, do marco alemão com a mesma empolgação de um narrador gritando gol num Fla-Flu, num Gre-Nal ou num Atlético e Cruzeiro em dia de decisão.
Confesso que gostaria de entender pelo menos um pouquinho de economia. O máximo que sei são as contas que tenho de pagar e que faço questão de não atrasar nunca porque senão tem multa e um tal de juros que são de doer.
Sei que os tempos mudaram e nessa era virtual é possível passar o mês sem ver a cor do dinheiro, só fazendo transações pra lá e pra cá pela internet. Lá pelos anos 60, todo dia primeiro o meu pai ia ao Banco do Brasil receber o ordenado. Levava todo o dinheiro pra casa e colocava em envelopes que entregava para a minha mãe: mercado, feira, escola, água, luz, gás, telefone, remédios, prestação da Rural e um tal de… diversos.
i no Aeroporto de Congonhas e o motorista, como eu, parecia não entender nada ou quase nada de economia. Analisando assim por alto ele poderia até mesmo ser  chamado de irresponsável. Mas a vida do Marcelo corre assim.
- Quando tiro aquele papelzinho no caixa 24 horas eu não quero saber o que entrou, o que saiu, só quero saber quanto tenho disponível para saque. Vou direto no tal do disponível para saque e é ali que está a minha fortuna.
O Marcelo confessou que nunca faz contas.
- Esse carro aqui é novo, troquei semana passada. Quando vi  quanto tinha disponível para saque e que dava para fazer a troca, fiz. Quanto estou devendo pro banco? Não faço a menor idéia.
Foi assim que o motorista de táxi Marcelo trocou a geladeira, o fogão, comprou um BlackBerry e construiu um puxadinho na casa onde mora no bairro de Pirituba com direito a churrasco na laje e tudo mais.
No percurso até a Vila Romana, ele me deu uma aula.
- O brasileiro perdeu o medo. Antes fazia contas quando ia comprar um carro financiado em 60 vezes. Se antigamente ele pensava que quando fosse pagar a última prestação o carro já não existia mais, hoje ele não esquenta a cabeça, não  está nem ai.  Sabe que vai comprar um microondas a prestação pagando o valor de dois mas compra. Essa é a filosofia do Marcelo, brasileiro, motorista de táxi.
- Nos Estados Unidos, a pessoa compra com cartão porque tem dinheiro para pagar. Aqui não. Aqui ele pensa assim: Não tenho dinheiro? Vou comprar no cartão.
Ele me disse que há muitos anos o cheque especial foi incorporado ao seu salário e que só é chato com dinheiro na hora do troco.
- Esse negócio de vender a 3.99, 8.99, 19.99, tudo com 99 no final não me engana não. Se custa 9.99 e dou uma nota de 10 faço questão do troco, do um centavo.
Ah, como deve ser bom viver como o Marcelo sem ter a mínima ideia do que significa produto interno bruto, encaixe compulsório, alienação fiduciária, taxa Selic e o tal do índice Nasdaq que falam todos os dias na televisão.

O ministro está certo! - Juca Kfouri




Os novos neonazistas da Alemanha


Por Renate Krieger, de Bonn

Manifestações neonazistas ocuparam as ruas de várias cidades alemãs nas últimas semanas, causando reação contrária. "Nazis Raus" significa "Fora Nazistas". Foto: Bonn stellt sich quer
Durante seis meses, um informante que trabalhava para a polícia do Estado federado da Baviera (sul da Alemanha) montou um estande de kebab em Nuremberg para tentar esclarecer misteriosas mortes de pequenos empresários estrangeiros. A partir deste informante, a polícia descobriu no fim de 2011 que os crimes eram de autoria de uma célula neonazista. A informação foi divulgada na quinta-feira 10 por Walter Kimmel, promotor geral de Nuremberg, durante sessão da comissão de investigação da chamada “Célula de Zwickau” no Bundestag, a Câmara Baixa do Parlamento alemão.
A existência dessa célula formada por três neonazistas e também conhecida como o grupo NSU (Nationalsozialistischer Untegrund, ou Nacional-Socialismo Clandestino, em tradução livre) chocou algumas regiões da Alemanha.
O NSU seria responsável pela morte de nove microempresários estrangeiros (oito turcos e um grego) entre 2000 e 2005, e existiu durante quase 13 anos sem que as ligações entre os assassinatos cometidos fossem descobertas. Foi precisamente a negligência em relação ao terror de direita a responsável pelo espanto em toda a Alemanha. O promotor federal do país, Harald Range, descreveu a existência do NSU como “o 11 de setembro alemão”.
Para Michael Sturm, conselheiro na Mobim (sigla em alemão para Centro de Aconselhamento contra o Extremismo de Direita e para a Democracia) em Münster, no oeste da Alemanha, o problema do NSU não é novo e não veio à tona com o grupo. “Nos últimos 20 anos, esse tipo de situação foi recorrente, a exemplo dos ataques incendiários de Solingen (oeste) no início dos anos 1990. Ou então casos de violência que aconteceram em Rostock (nordeste) em 1992, diante de residências de estrangeiros. Foram incidentes que aconteceram diante dos olhos de todos”, lembra.
Sturm aponta que muitas cidades ainda minimizam o crescimento da extrema direita para casos isolados envolvendo jovens. “Existem ameaças, como no caso do NSU, que já partem de grupos muito pequenos”, relata Sturm, para quem os motivos para a “negligência” são vários.
“O governo alemão – independentemente de ser o atual ou as coalizões que dirigiam o país nos anos 1990 – se preocupa com a imagem no exterior, então não faz muito alarde sobre o assunto. Outro aspecto é que a sociedade alemã tem um racismo amplamente difundido no cotidiano. É uma postura de exclusão que não é privilégio de neonazistas. Isso se mostra de várias maneiras, como por exemplo por expressões idiomáticas na mesa de bar, em pontos de ônibus ou em festas populares”, explica.
Modernizar-se para conquistar adeptos nos trabalhadores
Manifestação contra os nazistas em Bonn. Foto: Bonn stellt sich quer
No início do mês, decisões de tribunais nas cidades de Hagen e Minden (oeste da Alemanha) autorizaram manifestações do partido de extrema direita Pro-NRW a exibir caricaturas críticas ao Islã. A agremiação política já havia protagonizado uma marcha com as caricaturas no sábado 5 em Bonn, causando reações violentas de radicais islâmicos salafistas.
As manifestações tiveram grande efeito no país. Segundo a polícia, 29 membros das forças de segurança ficaram feridos – dois deles estão em estado grave após levarem facadas. A polícia prendeu 109 pessoas em Bonn.
Os tribunais justificaram que proibiriam as manifestações em Hagen e Bielefeld apenas se houvesse provas suficientes de que haveria atos de violência. Outros já proibiram de antemão.
O temor atual de autoridades na Alemanha é de mais violência envolvendo o partido Pro-NRW. Em várias cidades da Renânia do Norte-Westfália (oeste), os cartazes do Pro-NRW chamam a atenção pela crítica ao Islã. Um deles, avistado pela reportagem em Aachen, na fronteira com a Bélgica e a Holanda, diz: Freiheit statt Islam (Liberdade em vez de Islã) e mostra o desenho de uma mesquita riscada.
Milhares de pessoas protestaram contra ações de grupos neonazistas e também do partido radical de direita NPD (Nationaldemokratische Partei Deutschlands) em várias cidades alemãs no 1º de maio. O objetivo é pegar carona nas reinvindicações trabalhistas dos partidos de esquerda.
Anti-nazistas se articulam
A ação neonazista ganhou uma reação de pessoas que não querem conviver com este fantasma novamente. Patrick Schulze, de 20 anos, participou de manifestação contra uma marcha de neonazistas em Bonn. “Não quero isso aqui nunca mais”, diz, arranjando os óculos de grau que disfarçam seus olhos azuis, arqueando-se para frente. O cabelo, aparentemente curto e loiro, está quase todo escondido debaixo de uma boina de lã. “Não somos culpados pelo que aconteceu lá atrás, na História. Mas isso não pode se repetir”, diz.
Sentada ao lado de Schulze, sua melhor amiga Pia Deeg, 17, mata a fome comendo um prato de batatas fritas com maionese. Ao falar da manifestação, arqueia o corpo para frente e para de mastigar. “Nunca vi uma manifestação tão pacífica e que mobilizou tanta gente contra os neonazistas”, relata, sorrindo. Mas complementa: “Para acabar com os neonazistas, vale qualquer negócio. Não entendi o spray de pimenta, porque não somos violentos como os neonazistas, mas vale desobedecer à lei para impedi-los”, desafia.
O trabalho dos dois jovens ficou mais intenso nos últimos meses quando ficaram sabendo da manifestação. “Engraçado que a polícia avisou que haveria essa manifestação neonazista em fevereiro. Eles sabiam faz tempo”, afirma Patrick.
Neonazistas com nova roupa
Nas faixas que carregaram em Bonn no Dia do Trabalho, os radicais de direita escreveram: “O povo que passa necessidade precisa de trabalho e pão” e “É preciso quebrar os sistemas financeiros” e “Nacionalismo em vez de globalização”.
Com exceção do último, alguns dos slogans podem até lembrar gritos de guerra da esquerda – por isso os sindicatos reclamam sobre a “carona” nas reivindicações sociais. Muitos dos neonazistas que foram a Bonn usavam roupas pretas – mas viam-se igualmente meninas com faixas coloridas nos cabelos e rapazes usando bonés e roupas claras.
Porém, segundo o sociólogo Alexander Häusler, do departamento de pesquisa sobre neonazismo na Faculdade de Düsseldorf, a semelhança dos militantes neonazistas com os de esquerda está mais visual. “A imagem clichê do neonazista alemão, com botas de plataforma, cabelos raspados e jaqueta de couro preta não corresponde mais às imagens reais. Já estão há dez anos se modificando, se modernizaram culturalmente”, afirma.
Mas, enquanto os movimentos de esquerda pregam valores igualitários e anarquia contra o sistema, os chamados “nacionalistas autônomos”, segundo o sociólogo, ainda “têm na cabeça valores de desigualdade, diferenciação, racismo e que ainda idealizam, mais ou menos, o Nacional-Socialismo [de Adolf Hitler]”.
Por outro lado, a mistura de visual apontada por Häusler e também pelos jovens Patrick e Pia dificulta o trabalho, por exemplo, de educadores, que acabam não diferenciando bem os dois lados. A cena neonazista alemã, atualmente, está bastante difusa e presente em toda a Alemanha, segundo Häusler, a exemplo dos “nacionalistas autônomos”, sobre os quais o estudioso escreveu um livro com o autor Jan Schedler.
Em entrevista ao semanário Die Zeit, Häusler deu o exemplo de um grupo de “camaradas neonazistas” atuante em Dortmund, cidade considerada um bastião de neonazistas no oeste da Alemanha. Segundo Schedler, o grupo Resistência Nacional de Dortmund, ou Nationaler Widerstand Dortmund, “é determinante para os chamados nacionalistas autônomos: eles tem uma apresentação moderna, atual, organizam muitos eventos, como shows e comícios”.
Eleitor de extrema direita
Para o analista Alexander Häusler, a cena militante neonazista não representa “perigo” do ponto de vista eleitoral – porque, mesmo que haja, na sociedade alemã, uma “resistência ao estrangeiro”, essa postura não se reflete no comportamento dos eleitores alemães. “É preciso deixar claro que a maior parte militância neonazista aqui na Alemanha não é organizada partidariamente”.
Por outro lado, para o sociólogo, essa militância “é perigosa por causa da pré-disposição à violência. Aqui na Alemanha, o neonazismo não é concebível sem aplicação da violência”.
É para combater essa violência que Pia e Patrick deverão continuar trabalhando, apesar de não terem dormido bem nos últimos meses, preparando a marcha contra os neonazistas. Patrick leva a mão à boca para bocejar, mas os cotovelos do jovem continuam sobre seus joelhos. A postura bélica, diz, ele só abandona “quando não houver mais nazistas no país”. “Daí vou poder sentar para trás e esticar as pernas”, sorri.