sábado, 30 de março de 2013

Um peso e duas medidas


ZUENIR VENTURA


Para os incultos mortais como eu, nem sempre é possível decifrar os desígnios da justiça, entender a lógica de muitas de suas decisões. Por exemplo:
Um motorista em alta velocidade, bêbado, voltando de uma balada, ziguezagueando, atropela um ciclista, arranca-lhe o braço, que cai dentro do carro, pega, joga num riacho, foge, volta depois, é preso, permanece sete dias na cadeia e é solto. Os médicos disseram que se ele, estudante de psicologia, tivesse prestado socorro, o braço poderia ter sido reimplantado. Ele ficou na prisão menos tempo do que a vítima no hospital, de onde só saiu anteontem. O desembargador alegou, para lhe conceder habeas corpus, que o atropelador "não tem envolvimento criminal anterior". Quer dizer: é provável que só reincidente ele permaneceria na prisão.
Outro caso. A chefe da UTI de um hospital é denunciada por vários homicídios duplamente qualificados e formação de quadrilha, num episódio macabro que chocou Curitiba. Como vem sendo noticiado, ela "antecipou a morte" (parece que hoje ninguém mata mais, apenas antecipa a morte) de sete pacientes por asfixia, depois de receberem medicamentos que paralisaram seus movimentos respiratórios e após terem reduzida a ventilação por aparelhos. A médica esteve presa um mês e, como o processo corre em segredo de justiça, não se sabe por que foi libertada, assim como outros cinco cúmplices.
Enquanto isso, no Rio, como mostrou o artigo "Incompreensível e injustificável", publicado nesta página no dia 20, o líder comunitário da Rocinha William de Oliveira está preso sem sentença há um ano e cinco meses, acusado de vender armas para um traficante. A prova parecia robusta: um vídeo exibindo a transação. Acontece que se tratava de uma farsa com motivação política. Um morador da favela, em depoimento em juízo, acabou confessando que, por ordem do tráfico, ele editara o material para incriminar e desmoralizar o inimigo, cujo prestígio junto aos moradores e às autoridades incomodava o poder dos bandidos locais. A adulteração foi confirmada por dois peritos, um da própria Polícia Civil e outro da defesa, Ricardo Molina.
Na semana passada, a justificativa para mais uma negativa de liberdade provisória foi a suposta "periculosidade" do acusado, sem levar em consideração que sua ação na Rocinha há dez anos resistindo ao tráfico foi reconhecida por organizações de Direitos Humanos e pelo governador Sérgio Cabral.
Diante disso, vai convencer quem está preso há 17 meses sem culpa formada que a Justiça é igual para todos, mesmo que o acusado seja, como William, negro, pobre e favelado.
Nem sempre é possível decifrar os desígnios da Justiça, entender a  lógica de muitas de suas decisões.
Publicado no Globo de hoje.

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA O mistério do Espelho



CARLOS VIEIRA
Relendo um profundo texto de Guimarães Rosa – O Espelho – em “João Guimarães Rosa – Primeiras Estórias, Editora Comemorativa 40 anos, Nova Fronteira, 2006”, tive e senti susto, desconforto emocional, perplexidade e um sentimento de angústia e curiosidade pela “experiência” de Rosa ao narrar suas percepções e intuições frente a um espelho, ou a si mesmo. 
O texto é uma conversa do autor com um personagem que ele não nomeia mas que narra sua experiência: “– SE QUER SEGUIR-ME, NARRO-LHE; NÃO UMA AVENTURA, mas experiência, a que nos induziram, alternadamente, séries de raciocínios e intuições. Tomou-me tempo, desânimos, esforços. Dela me prezo, sem vangloriar-me. Surpreendo-me, porém, um tanto à parte de todos, penetrando conhecimento que os outros ignoram. O senhor, por exemplo, que sabe e estuda, suponho nem tenha ideia do que seja na verdade – um espelho? Demais, decerto, das noções de física, com que se familiarizou as leis da óptica. Reporto-me ao transcendente. Tudo aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.” 
O que vejo diante de um espelho? Do ponto de vista óptico vejo minha imagem invertida, do jeito que sou sensorialmente, com os “olhos da cara”, e não necessariamente com “os olhos da minha mente”. O espelho é a entrada para a minha curiosidade sobre mim mesmo; é uma viagem nem sempre agradável, mas que requer coragem e ousadia. 
Para Narciso, tudo que não é espelho é feio, cantou um dia Caetano Veloso. No mito de Narciso existe uma peculiaridade que quase sempre não se percebe: angustiado com o fato de que Narciso não poderia se olhar, caso se destruiria, seu pai, ao pedido do filho lhe entrega um “espelho quebrado”. Mesmo quebrado, defeituoso, Narciso nega o que enxerga e, ainda assim continua vendo sua beleza e perfeição. 
A perfeição é um ideal, uma fantasia, ou uma estratégia defensiva para que eu não possa tolerar as minhas imperfeições. É óbvio que toda pessoa gostaria de ser perfeito, completo, mas a dimensão humana é de “anjos caídos” e não de “anjos celestiais”. Por exemplo, quando eu nasço estou denunciado também a minha finitude, a minha mortalidade, minha limitação, fragilidade e vulnerabilidade. 
Olhar para dentro de mim é me reconhecer como um animal humano. Amor, ódio, inveja, ciúme, competição, perversidade, compaixão, generosidade, ressentimento, sede de vingança quando ferido, fraternidade, impulsos homicidas, suicidas, enfim, essa é a natureza que se ama e se odeia diante do espelho. 
É preciso ter a coragem, sem enlouquecer nem se apunhalar, de ver e sentir o que escreve Rosa em seu texto: “...E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem da viciação de origem, defeitos que cresceram e a que se afizeram, mais e mais... os olhos, por enquanto, são a porta do engano; duvide deles, dos seus, não de mim... Desde aí, comecei a procurar-me – ao eu por detrás de mim – à tona dos espelhos, em sua lisa, funda lâmina, em seu lume frio... quem se olha em espelho, o faz partindo de preconceito afetivo, de um mais ou menos falaz pressuposto: ninguém se acha na verdade feio: quando muito, em certos momentos, desgostamo-nos por provisoriamente discrepantes de um ideal estético já aceito... Se, por exemplo, em estado de ódio, o senhor enfrenta objetivamente a sua imagem, o ódio reflui e recrudesce, em tremendas multiplicações: e se o senhor vê, então, que de fato, só se odeia é a si mesmo. Os olhos contra os olhos... E... Sim, vi, a mim mesmo, de novo, meu rosto, um rosto; não este, que o senhor razoavelmente me atribui. Mas o ainda-nem-rosto – quase delineado, apenas – mal emergindo, qual uma flor pelágica, de nascimento abissal... E era não mais que: rostinho de menino, de menos-que-menino, só. Só. Será que o senhor nunca compreenderá?” 
A linda prosa poética de Guimarães Rosa tem o respeito pela beleza e pela feiura, porque tanto uma como outra são partes do Belo. É claro que não somos nem seremos nunca o nosso Ideal. O espelho mostra o conjunto de virtudes e defeitos, e não ilusão que só sou feio ou belo. O que faz colírios para os meus olhos é poder ver, saber, sentir e admitir que as várias “partes do meu Eu”, ainda que paradoxais ou contraditórias me definem como um ser especial, eu mesmo, diferente de qualquer outra pessoa. E naquilo que sou original, eu posso enxergar por detrás do espelho e não ficar sofrendo eternamente de baixa autoestima (depressão). Meu desejo é ter autoestima. Baixa autoestima e hiper-estima são extremos absolutos de uma mentira, de uma ilusão que o Espelho não alimenta. O que a psicanálise e outras técnicas psicoterápicas mostram, é a realidade interior, o que mostra do espelho da mente, não aquele que está diante de mim. Por isso se detesta tanto e se resiste ao trabalho psicoterápico! 
Não sou contra a cirurgia plástica, sou avesso à epidemia de cirurgias como um meio de negar o que se é, até porque não resolve. A maior plástica é a da alma. Nela encontro minha natureza, meu mal de raiz, como cantava Vinicius de Moraes. Aí, sabendo disso, posso cuidar para melhorar minha imagem, sem sofrer à procura da perfeição, mas viver acompanhado de mim, como sou, Olhar-se no Espelho é a porta de entrada para ficar de bem comigo mesmo, mesmo que em algum momento tenha ódio de não ser quem eu queria que fosse. 
O caminho para se cultuar a sanidade é aquele que me faz tolerar o que sou, a minha natureza; fazer transformações para me desenvolver, crescer, e admitir que não nasci para ser um Mito, o Mito do Narciso. Caso contrário, minha vida será um eterno vazio, uma eterna tristeza e uma eterna necessidade de consumir tudo e todos na busca pela Beleza Absoluta, pela Plenitude Eterna, atributos dos Divinos e não dos humanos.
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasilia e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

Golpistas de araque, por Nelson Motta



Nelson Motta, O Globo
Zé Dirceu e Rui Falcão não devem ter notado, mas a mesma pesquisa do Ibope que deu 76% de aprovação à presidente Dilma revelou que 38% dos entrevistados acham o noticiário da mídia favorável ao governo, 34% consideram neutro, e só 11% avaliam como negativo. Que imprensa golpista de araque é essa que trata tão bem o governo petista? E ainda precisa ser controlada?
Mais de 500 emissoras de televisão, 11 mil rádios, 5 mil revistas e centenas de jornais, sem contar os incontáveis sites e blogs, inúmeros mantidos por verbas oficiais, são a prova viva da liberdade e pluralidade de opinião no Brasil.
Qualquer proposta de real democratização da mídia começa pela proibição de que políticos controlem meios de comunicação. E para isto nem é preciso uma nova lei, basta aplicar com rigor a que está em vigor, e juízes que obriguem Sarney, Renan, Collor, Jader Barbalho e todos os políticos — e seus parentes e laranjas — que têm rádios, jornais e televisões, a cumpri-la.
Na Venezuela, a Globovision, ultima rede de televisão que ainda fazia a possível oposição a Chávez, jogou a toalha e foi vendida a um empresário chavista. Na Argentina, os empresários kirchneristas já dominam a maior parte dos meios de comunicação. E tanto a mídia governista platina como a bolivariana faturam a parte do leão das verbas oficiais de publicidade, que crescem a cada ano. É esse “controle social” que eles sonham para o Brasil.


Mas mesmo se um dia essa sonhada “Lei Dirceu” for discutida, já será tarde demais: a internet será acessível a todos e incontrolável, dando à liberdade de informação e opinião um poder que tornará qualquer tentativa de controlar jornais, revistas e televisões tão defasada quanto inútil.
Não há conflito de opinião, calúnia ou difamação, em qualquer mídia, que não possa ser resolvido na Justiça, onde cada um responde pelo que diz e faz. Já são muitos, serão cada vez mais, os mentirosos e difamadores que pagam pesadas indenizações e são obrigados a humilhantes retratações públicas.
Mas nenhuma Lei de Meios teria evitado a denúncia, a cobertura, o julgamento e a condenação do mensalão.

Nelson Motta é jornalista

Na suposta economia de despesas, presidente da Câmara dos Deputados morde — mas assopra



BÔNUS -- Os deputados tiveram as cotas de reembolso de despesas reajustadas para até 38 600 reais por mês (Foto: Dida Sampaio / Estadão Conteúdo)
BÔNUS -- Os deputados tiveram as cotas de reembolso de despesas reajustadas para até 38 600 reais por mês (Foto: Dida Sampaio / Estadão Conteúdo)
Reportagem de Robson Bonin, publicada em edição impressa de VEJA
 CÂMARA DE COMPENSAÇÃO
O 14º e 15º salários anuais dos deputados acabaram, mas depois da mordida veio o assopro do aumento das verbas
Com 42 anos de mandato, o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) assumiu a presidência da Câmara, em fevereiro, prometendo um choque de gestão na Casa, cujo orçamento é de 4 bilhões de reais só neste ano. Esse plano começou a ser posto em prática quando a Câmara aprovou o projeto que limita o pagamento do 14º e 15º salários aos parlamentares, reduzindo em 25 milhões de reais o custo anual de uma mamata existente há 67 anos.
Na semana passada, no entanto, Alves deixou claro que seu ímpeto moralizante não passara de uma jogada de marketing, posta de lado para que ele pudesse honrar parte dos acordos que lhe garantiram a vitória na disputa pelo comando da Câmara. Em vez de brindar a opinião pública, como anunciara, Alves decidiu reverenciar o baixo clero e o espírito de corpo reinante no Congresso, justamente como fizeram seus antecessores.
Sob o comando do novo presidente, a mesa diretora aprovou, numa só tacada, três bondades para as excelências. Uma delas, o reajuste da famosa verba de gabinete. Trata-se daquela remuneração usada pelos deputados para pagar despesas com alimentação, telefone, aluguel de carros, combustível, passagem aérea e até assinatura de jornais e revistas — tudo sem ter de mexer num único tostão do salário de 26 700 reais.
SUPERÁVIT -- Henrique Alves vê saldo positivo apesar das mordomias (Foto: Sérgio Lima / Folhapress)
SUPERÁVIT -- Henrique Alves vê saldo positivo apesar das mordomias (Foto: Sérgio Lima / Folhapress)
valor máximo do cotão, como é chamada a mordomia, passará de 34 000 reais para 38 600 reais por mês. Detalhe: o reembolso desses gastos é feito tão logo o deputado apresente a nota fiscal. Não há uma checagem para saber se a despesa foi de fato realizada. Não à toa, o cotão é considerado pelos próprios parlamentares, à boca miúda, uma espécie de salário indireto.
Alves alegou que a verba de gabinete estava sem reajuste desde 2009 e precisava ser corrigida. Sob o mesmo argumento, ele também patrocinou o aumento do auxílio-moradia, que passará de 3 000 para 3 800 reais, e aprovou a criação de 59 cargos comissionados. 
Numa tentativa de amenizar o impacto negativo do pacote de bondades destinado aos deputados, o presidente anunciou regras mais rígidas para o controle das horas extras pagas aos servidores, outra área na qual a gastança corre solta. Há anos, todos os funcionários recebem o adicional tendo ou não trabalhado. Agora, a promessa é que a hora extra só será embolsada por quem efetivamente for obrigado a permanecer até mais tarde.
Alves tentou se justificar com números. Ele disse que as medidas de corte de gastos já anunciadas gerarão uma economia de 49 milhões de reais, enquanto as benesses somarão 30 milhões. Haveria, portanto, um saldo positivo de 19 milhões de reais. O deputado tem razão. As mordomias eram indecorosas. Agora, na melhor das hipóteses, são apenas vergonhosas.

CRÔNICA Cartas de Buenos Aires: Argentina, papel, pincel, caneta e história



Gabriela Antunes
A Argentina é um país de gente que pinta e desenha. É a pátria mãe de Roberto Fontanarrosa, Quino (mão por detrás da pequena intelectual que conquistou o mundo, Mafalda), Maitena, Liniers e tantos outros. Um país cujo imaginário coletivo se encontra ilustrado em tirinhas, desenhos ecomics. Celeiro de ilustradores, o país vem derramando em tinta sua história.
Nesta semana, no entanto, perdeu um de seus grandes nomes: Manuel García Ferré. Uma espécie de “Mauricio de Souza” para os argentinos, Ferré foi criador de personagens que acompanharam muitos hermanos durante décadas, como Hijitus, Larguirucho, Anteojito e Petete.
Refugiado de guerra, radicado na Argentina, Ferré acreditava em personagens edificantes. “Creio que, por ter sofrido a Guerra Civil Espanhola, tenha tido a ideia de personagens que sejam símbolos da compreensão e da paz”, dizia. O desenhista pode ter escapado da guerra, mas não da política.
O vínculo do desenho com a política no país vem de longa data. Já no seculo XIX, a revista Cara y Caretas trazia sátiras políticas e as primeiras caricaturas que o país viu. De lá pra cá, política e desenho não se separaram mais.
Nos dias que se seguiram à morte do Presidente Néstor Kirchner, por exemplo, a cidade foi invadida por grafites de Kirchner vestido como o emblemático personagem dos quadrinhos dos anos setenta “Eternauta”. No comic, Buenos Aires vive um momento apocalíptico em uma luta contra uma invasão alienígena.

Kirchner como eternauta (Imagem: Grafittimundo)

Os quadrinhos são vistos até hoje como uma metáfora de um país “invadido” por um golpe militar. A comparação entre Kirchner e o eternauta vem depois, graças ao trabalho do Presidente por julgar os opressores da ditadura.
Já em dias melhores, a Argentina continua berço de cartunistas de primeira linha, como Ricardo Liniers. Ex-publicitário, começou sua carreira no jornal Pg 12. Em 2002, a cartunista Maitena o apresentou aos editores do jornal La Nación, aonde vem publicando suas tirinhas desde então. “Meus quadrinhos têm uma alma meio do tango, uma coisa argentina de alimentar frustrações”, define sua obra.
Esta semana, a Argentina provou mais uma vez ser digna do título de celeiro do desenho, quando a ilustradora Isol ganhou uma espécie de Nobel da literatura infantil, Astrid Lindgren Memorial Reward. Nascida em Buenos Aires, Isol escreveu e ilustrou sozinha seus dez livros. “Eu rio de certas misérias que temos, mas com amor e carinho. Se você não pode rir, não pode pensar e nem dormir”, explica Isol.
“Não é incrível tudo que pode caber dentro de um lápis?”, dizia o criador de Mafalda, Quino.

Gabriela Antunes é jornalista e nômade. Cresceu no Brasil, mas morou nos Estados Unidos e Espanha antes de se apaixonar por Buenos Aires. Na cidade, trabalhou no jornal Buenos Aires Herald e mantém o blog Conexão Buenos Aires. 

O que os homens esperam das mulheres



RUTH DE AQUINO
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RUTH DE AQUINO  é colunista de ÉPOCA raquino@edglobo.com.br (Foto: ÉPOCA)
"Talvez os homens sejam realmente mais básicos ou tenham expectativas mais reais. De minha parte, espero sobretudo que minha mulher me ame, seja companheira, leal, que me motive a andar para a frente, e que sejamos felizes juntos.”

Reproduzo acima o que ouvi de um amigo após a edição da revista ÉPOCA com um especial dedicado a 50 anos de feminismo. O título era “O que as mulheres esperam dos homens”. Em 1963, a mulher tentava escapar da armadilha de mãe doméstica, submissa e dependente, sem direito a divórcio. Era a pré-história da pílula anticoncepcional.

Hoje, meio século depois, me incomoda a maneira como meninas e meninos são educados pelas mães e pelos pais. A menina, desde que nasce, é “a princesinha”. Veste rosa, pinta as unhas e faz festa de castelo encantado. De tanto ouvir que é princesa, desejará um príncipe mais tarde. O menino é tratado como um super-herói, um durão. Seu nome raramente é falado no diminutivo em casa. Mimamos a “Flavinha” e estimulamos o “Paulão”. Por que a família e a escola perpetuam esses papéis e o desencontro na vida adulta?

Como o homem costuma falar menos e ocupa as posições de poder, a mídia relega os machos a um segundo plano. Isso até os favorece, porque não são tratados como um bloco homogêneo. Segundo estudos, a mulher fala 20 mil palavras por dia, e o homem 7 mil. O triplo, será? Para alguns especialistas em linguagem, isso não passa de mito. Se levarmos a generalização ao extremo, os assuntos favoritos costumam ser diferentes.

“Homem fala de futebol e mulher. Mulher fala, fala, fala...De empregada, filhos, sapatos, bolsas, cabelos, homens.” Esse é o comentário de um amigo poeta e provocador. Perguntei o que ele espera de uma mulher. “Que seja inteligente, sedutora, não fale muito e seja boa de cama.” Machista ou básico? Também prefiro homens que não sejam tagarelas e apreciem a cama não só para dormir. Mulheres que se queixam de falta de preliminares devem perguntar-se: eu me debruço sobre o corpo de meu parceiro ou fico deitada aguardando carinhos? Mãos à obra, moças.
Tenho a impressão de que eles gostariam apenas que elas parassem de reclamar deles  
Reportagens sobre gêneros costumam concluir que “eles” estão confusos, perdidos e precisam de uma revolução, já que “elas” fizeram a sua. Será que os homens concordam? Duvido. Tenho a impressão, nada científica, de que os homens gostariam apenas que as mulheres parassem de reclamar deles o tempo todo. Ou reclamam deles ou da falta deles.

“As mulheres nunca parecem satisfeitas com nada. Se eles fazem o lanchinho do bebê, elas acham que não fazem direito. Se buscam o filho na escola, ah... por que não corrigiram o dever de casa? Uma lamúria sem fim”, disse uma amiga minha, mãe e profissional bem-sucedida, após ler ÉPOCA. “Acho as mulheres muito chatas. E os homens, à medida que vão se parecendo mais com as mulheres, ficam também cada vez mais chatos.”

Perguntei a um amigo, separado, pai de adolescentes e recém-casado novamente, como ele se sente. “De fato, é muito difícil ser esse macho ideal, que mata um leão por dia no trabalho e ainda precisa levá-la para jantar, cortejá-la, diverti-la e comê-la ardorosamente”.

O que a mulher espera de um homem mudou pouco. Encontrei, num mercado do Brooklyn, em Nova York, um cartão-postal de 1941 sobre “your ideal love mate” (seu amor ideal). A imagem é de um homem de cabelos bem cortados e gravata – bem parecido com o da capa de ÉPOCA. A descrição: “O companheiro ideal é um homem com coração grande, caloroso. Impulsivo, mas com profundo senso de valores. Assume riscos, mas não riscos tolos. Encara suas responsabilidades sem hesitar, é honesto e gentil. Tem um talento real para aproveitar a vida e ajuda sua mulher a aproveitar a dela”. Esse perfil tem mais de 70 anos. Semelhante ao de agora?

O homem deseja o mesmo de sua mulher. Indagado sobre o segredo de 50 anos de casamento com a mesma mulher, tema de um de seus livros, o escritor americano Gay Talese respondeu: “Paciência e bom sexo”. Concordo. De ambos os lados. O ponto alto do especial de ÉPOCA é a entrevista com a socióloga americana Stephanie Coontz. O feminismo do século XXI é sobre defender pessoas e não gêneros. Há quem acredite na besteira de que o mundo é diferente quando dirigido por mulheres. Não sei onde.

A melhor pergunta hoje – especialmente quando vemos o mala do pastor Feliciano agarrado à função insustentável de defensor de direitos humanos – seria: “O que as pessoas esperam das pessoas?”. Que não sejam hipócritas é um bom começo.

A GRANDE LIQUIDAÇÃO DA PETROBRÁS QUE ESTÁ SENDO PROMOVIDA PELO DESGOVERNO DA PETISTA DILMA ROUSSEFF


SEXTA-FEIRA, 29 DE MARÇO DE 2013



Da revista Época - pelos jornalistas Diego Escosteguy, Murilo Ramos, Leando Loyola, Marcelo Rocha e Flávia Tavares
Na quarta-feira, dia 27 de março, o executivo Carlos Fabián, do grupo argentino Indalo, esteve no 22º andar da sede da Petrobras, no Rio de Janeiro, para fechar o negócio de sua vida. É lá que funciona a Gerência de Novos Negócios da Petrobras, a unidade que promove o maior feirão da história da estatal – e talvez do País. Sem dinheiro em caixa, a Petrobras resolveu vender grande parte de seu patrimônio no Exterior, que inclui de tudo: refinarias, poços de petróleo, equipamentos, participações em empresas, postos de combustível. Com o feirão, chamado no jargão da empresa de “plano de desinvestimentos”, a Petrobras espera arrecadar cerca de US$ 10 bilhões. De tão estratégica, a Gerência de Novos Negócios reporta-se diretamente à presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster. Ela acompanha detidamente cada oferta do feirão. Nenhuma causou tanta polêmica dentro da Petrobras quanto a que o executivo Fabián viria a fechar em sua visita sigilosa ao Rio de Janeiro: a venda de metade do que a estatal tem na Petrobras Argentina, a Pesa. ÉPOCA teve acesso, com exclusividade, ao acordo confidencial fechado entre as duas partes, há um mês. Nele, prevê-se que a Indalo pagará US$ 900 milhões por 50% das ações que a Petrobras detém na Pesa. Apesar do nome, a Petrobras não é a única dona da Pesa: 33% das ações dela são públicas, negociadas nas Bolsas de Buenos Aires e de Nova York. A Indalo se tornará dona de 33% da Pesa, será sócia da Petrobras no negócio e, segundo o acordo, ainda comprará, por US$ 238 milhões, todas as refinarias, distribuidoras e unidades de petroquímica operadas pela estatal brasileira – em resumo, tudo o que a Petrobras tem de mais valioso na Argentina. O negócio provocou rebuliço dentro da Petrobras por três motivos: o valor e o momento da venda, a identidade do novo sócio e, sobretudo, o tortuoso modo como ele entrou na jogada. Não se trata de uma preocupação irrelevante – a Petrobras investiu muito na Argentina nos últimos dez anos. Metade do petróleo produzido pela Petrobras no exterior vem de lá. Em 2002, a estatal brasileira gastou US$ 1,1 bilhão e assumiu uma dívida estimada em US$ 2 bilhões, para comprar 58% da Perez Companc, então a maior empresa privada de petróleo da Argentina, que já tinha ações negociadas na Bolsa. Após sucessivos investimentos, a Perez Companc passou a se chamar Pesa, e a Petrobras tornou-se dona de 67% da empresa. Nos anos seguintes, a Petrobras continuou investindo maciçamente na Pesa: ao menos US$ 2,1 bilhões até 2009. Valeu a pena. A Pesa atua na exploração, no refino, na distribuição de petróleo e gás e também na área petroquímica. Tem refinarias, gasodutos, centenas de postos de combustível. Em maio de 2011, a Argentina anunciou ter descoberto a terceira maior reserva mundial de xisto – fonte de energia em forma de óleo e gás –, estimada em 23 bilhões de barris, equivalentes à metade do petróleo do pré-sal brasileiro. A Pesa tem 17% das áreas na Argentina onde se identificou esse produto. No ano passado, por fim, a Pesa adquiriu uma petroleira argentina, a Entre Lomos, que proporcionou um aumento em sua produção. Apesar dos investimentos da Petrobras, quando a economia da Argentina entrou em declínio, há cerca de dois anos, as ações da Pesa desvalorizaram. As desastrosas políticas intervencionistas da presidente Cristina Kirchner contribuíram para a perda de valor da Pesa. De 2011 para cá, as ações da empresa caíram mais de 60%. É por isso que técnicos da Petrobras envolvidos na operação questionam se agora é o melhor momento para fazer negócio – por mais que a Petrobras precise de dinheiro. Seria mais inteligente, dizem os técnicos, esperar que a Pesa recupere valor no mercado. Reservadamente, por medo de sofrer represálias, eles também afirmam que os bens da Petrobras na Argentina – as distribuidoras, refinarias e unidades de petroquímica que constituem a parte física do negócio – valem, ao menos, US$ 400 milhões. Um valor bem maior, portanto, que os US$ 238 milhões acordados com a Indalo. “Se o governo não intervier tanto, a Pesa pode valer muito mais”, diz um dos técnicos. A Petrobras, até dezembro do ano passado, tinha um discurso semelhante. Na última carta aos acionistas, a Pesa diz: “Estamos otimistas em relação ao futuro da Petrobras Argentina. E agora renovamos o compromisso de consolidar uma companhia lucrativa, competitiva e sustentável, comprometida com os interesses do país (Argentina)...”. Em outro trecho da carta, informa-se que os resultados do ano passado foram “encorajadores” e permitiram, como nos cinco anos anteriores, a distribuição de dividendos milionários aos acionistas. Mesmo que os valores do negócio pudessem ser considerados vantajosos para a Petrobras, nada provocou tanto desconforto dentro da estatal como o sócio escolhido. O executivo Fabián trabalha para o bilionário argentino Cristóbal López, dono do grupo Indalo. Ele é conhecido como “czar do jogo”, em virtude de seu vasto domínio no mundo dos cassinos (na Argentina, o jogo é legal). López é amigo e apoiador da presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Como o “czar do jogo” da Argentina virou sócio da Petrobras? No dia 5 de novembro do ano passado, López enviou uma carta, em espanhol, à presidente da Petrobras, Graça Foster. Na carta, a que ÉPOCA teve acesso, López revela ser um homem bem informado. Não se sabe como, mas ele descobrira que a Petrobras estava negociando a venda da Pesa com três de seus concorrentes. O assunto da carta, embora em economês, deixava claras as intenções do empresário López: “Ref. Pesa Proposta de aquisição e integração de ativos”. López, portanto, queria comprar um pedaço da Pesa. Na carta, ele manifestou a “firme intenção de chegar a um entendimento entre Pesa e Oíl Combustibles S.A.”, a empresa de petróleo de López, para que a operação viesse a ser fechada. No documento, López propôs comprar 25% das ações que a Petrobras detinha na Pesa. Queria também a opção de, se a parceria desse certo, comprar mais 23,52% das ações – uma proposta mais modesta do que o acordo que ele conseguiu depois. A resposta da Petrobras também veio por escrito, semanas depois. No dia 21 de novembro, Ubiratan Clair, executivo de confiança de Graça Foster, que toca o feirão da Petrobras e negociava a venda da Pesa aos concorrentes do “czar do jogo”, escreveu a López: “Nos sentimos honrados pelo interesse manifestado na compra de 25% (da Pesa). No entanto, devemos indicar que as ações da Pesa não fazem parte de nossa carteira de desinvestimentos, razão pela qual não podemos iniciar qualquer negociação relativa às mesmas”. Diante do que aconteceu em seguida, a carta do assessor de Graça Foster causa espanto. Não só ele escondeu que a Pesa estava, sim, à venda – como, semanas depois, fechou acordo com o próprio López. No dia 18 de dezembro, menos de um mês após a inequívoca negativa, o mesmo assessor de Graça Foster firmou um “convênio de confidencialidade” com López para lhe vender a Pesa. O que houve nesse espaço de um mês? Por que a Petrobras mudou de ideia e resolveu fechar negócio com López? A estatal não explica. Assessores envolvidos na operação dizem apenas que “veio a ordem” de fechar com o amigo de Cristina Kirchner. Procurada por ÉPOCA em três oportunidades, a assessoria da Petrobras limitou-se a responder que “não vai emitir comentários sobre assuntos relacionados com o seu Programa de Desinvestimento”. Graça Foster e o executivo Ubiratan não responderam às ligações. A assessoria de López confirmou apenas que o grupo Indalo fez uma proposta pela Pesa. López é o que a imprensa argentina chama de “empresário K”, como são conhecidos os empresários que têm proximidade com o governo Kirchner. Ele tem empresas de transporte, construção civil, petróleo, alimentação, concessionárias e meios de comunicação. É famoso por suas redes de cassino e caça-níquel. É sócio em pelo menos 14 cassinos, incluindo o Hipódromo de Palermo, para o qual ganhou de Néstor Kirchner, nos últimos dias como presidente da Argentina, uma extensão da concessão para os caça-níqueis – o prazo foi estendido de 2017 a 2032. A relação entre López e Néstor Kirchner, o marido de Cristina, que governou o país antes dela e morreu em 2010, começou em 1998. Néstor, quando governador de Santa Cruz, ajudou uma empresa de López a fechar negócios com petroleiras. Desde então, López nunca escondeu de ninguém: sentia que tinha uma “dívida eterna” com Néstor. Para pagar a “dívida eterna”, convidava Néstor, que sempre gostou de uma mesa de jogo, a se divertir num dos cassinos dele em Comodoro Rivadavia. A amizade era recíproca. Em 2006, López recebeu de Néstor concessão para explorar sete reservas de petróleo em Santa Cruz. Cristina, a sucessora, também o ajudou. Fez-lhe um favorzinho depois que ele gastou US$ 40 milhões na compra da concessão do canal de TV C5N, a fim de torná-lo governista. Para que fechasse o negócio, Cristina abriu exceções na lei de audiovisual, que proíbe negociar concessões. Depois que a Petrobras fechou o acordo de confidencialidade com López, o negócio andou rápido. Ele apresentou uma proposta em 7 de janeiro, aumentou o valor numa segunda proposta, um mês depois – e fechou a compra das ações por US$ 900 milhões em 22 de fevereiro. Com o acordo, López e a Petrobras discutem agora os detalhes do contrato a ser assinado. Se tudo correr como previsto, resta apenas a aprovação do Conselho de Administração da Petrobras, que se reunirá no final de abril. A Pesa, porém, enfrentará resistências na Argentina se assinar o contrato. O atual governador de Santa Cruz, Daniel Peralta, um desafeto de López, ameaçou tirar dele as concessões das sete reservas de petróleo que López tem na região. Peralta diz que ele não fez os investimentos previstos. Diz, ainda, que a situação em Santa Cruz pode “inviabilizar” o negócio com a Petrobras – mas não diz como. O maior problema do negócio da Petrobras com o “czar do jogo”, e com todas as operações do feirão, é a falta de transparência. Como demonstra o caso da Argentina, não há critérios claros para a escolha das empresas que farão negócio com a Petrobras. Esse modelo sigiloso e sem controle resultou em calamidades, como a compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos. Em 2004, a Astra Trading pagou US$ 42 milhões pela refinaria. Meses depois, a Petrobras pagou US$ 360 milhões por metade do negócio. Tempos depois, um desentendimento entre as sócias levou a questão à Justiça. A Petrobras perdeu e foi condenada a comprar não só a parte da sócia, como a pagar multa, juros e indenização. Em junho, a Petrobras anunciou que pagaria mais US$ 820 milhões. ÉPOCA teve acesso a um documento interno da Petrobras, elaborado em 2009. Um trecho afirma que a então diretoria, comandada pelo petista José Sergio Gabrielli, decidiu manter o processo devido à “prepotência” com que a Astra se colocava no caso. Logo depois, o documento lista razões para fazer um acordo. Uma delas é que um representante da Astra procurara a Petrobras em busca de entendimento. A razão mais forte era clara: “Caso no litígio a Petrobras perca, o custo total irá para cima de US$ 1 bilhão (...). Vale lembrar que a Petrobras já perdeu na arbitragem, e a possibilidade de perder na corte é preocupante”. A opção do acordo era a menos pior. A Petrobras gastaria, no máximo, US$ 639 milhões. O documento afirma que a (então) “ministra (de Minas e Energia) Dilma Rousseff deverá ser procurada para ser informada de que a Astra está procurando entendimentos, inicialmente por canais informais”. O texto diz que Dilma Rousseff deveria comunicar isso na reunião do Conselho da Petrobras, marcada para 17 de julho de 2009. O Conselho daria então um prazo para um acordo com a Astra. O pior cenário sobreveio. A Petrobras não fez nenhum acordo com a Astra, perdeu na Justiça e gastou mais de US$ 1 bilhão (boa parte dele dinheiro público) – 24 vezes o que a Astra pagou pela refinaria. O Tribunal de Contas da União investiga como a Petrobras pôde fazer um negócio tão ruim – pelo menos para seu caixa e para os cofres públicos. A ausência de critério, segundo executivos da Petrobras, aparece também na parte mais valiosa do feirão: as operações da estatal na África. Cálculos do mercado e da Petrobras estimam o patrimônio no continente num patamar entre US$ 5 bilhões e US$ 8 bilhões. A Petrobras produz e explora petróleo em Angola, Benin, Gabão, Líbia, Namíbia, Nigéria e Tanzânia. De 2003 a 2010, investiu cerca de US$ 4 bilhões na África. ÉPOCA teve acesso a documentos internos da Petrobras que apresentam um diagnóstico sobre os negócios na África que devem ser vendidos, incluindo mapas com a localização dos poços e informações sobre seu potencial produtivo. O material mostra muitas possibilidades de lucro. A maior fatia de investimento está na Nigéria, responsável por 23% da produção atual de toda a área internacional da companhia – uma média equivalente a 55 mil barris de óleo por dia. São três poços na Nigéria: Agbami, Akpo e Engina. Os documentos da Petrobras mostram que os três poços têm “reservas provadas” de 150 milhões de barris de petróleo. Para quem a Petrobras planeja vender tamanho tesouro? A estatal, de novo, não explica os critérios. Até agora, a única negociação avançada é com o grupo BTG, do banqueiro André Esteves. Por meio do investidor Hamylton Padilha, uma das mais poderosas influências na Petrobras, Esteves, segundo executivos da estatal envolvidos com a transação, negocia a compra de parte das operações na Nigéria. Questionado por ÉPOCA, Padilha afirmou ter se reunido com representantes do banco para avaliar investimentos na Petrobras. “Conversei com o pessoal (BTG) sobre esse assunto (venda de ativos da Petrobras). A Petrobras convidou diversas empresas estrangeiras para poder fazer ofertas no Golfo do México, África e até na América Latina. Sei que na área de petróleo eles (BTG) estão olhando. Têm participação em duas empresas ligadas ao setor: Bravante e Sete Brasil”, disse. “Não trabalho para o BTG. Sou investidor. Investi algum dinheiro na Sete Brasil (ligada à construção de plataformas de petróleo).” Indagado sobre quem é a pessoa mais indicada para falar, pelo BTG, sobre investimentos na Petrobras, sobretudo na África, Padilha disse: “A pessoa que trata desse assunto diretamente é o André Esteves”. O BTG disse que não se manifestaria.

Um ano de trevas?



Posted: 30 Mar 2013 02:24 AM PDT

POR CLÓVIS GRUNER

 Enquanto escrevo este texto, circula nos sites de notícia a informação de que o PSC – Partido Social Cristão – decidiu, à revelia de parcela significativa da chamada “opinião pública” e contrariando, inclusive, solicitação de alguns parlamentares, manter à frente da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, o pastor Marco Feliciano. Não é exagero retórico: a sua eleição há algumas semanas, deixou-me envergonhado. Agora, sua confirmação na presidência, quando muitos de nós esperávamos pela sua renúncia, faz aumentar a sensação de derrota e impotência. No dia de sua eleição, um aluno me disse que é só um ano. Respondi que, se fosse um único dia, já seria demais. 365 dias é simplesmente intolerável.


E não se trata das convicções religiosas do deputado-pastor. A princípio, não há nenhum problema em se eleger um religioso à câmara dos deputados, que conta entre seus membros com ex-jogadores de futebol, empresários, latifundiários, negros, trabalhadores rurais, sindicalistas, feministas, gays, etc... É um pressuposto das democracias modernas que o poder legislativo seja, por assim dizer, uma amostra da diversidade de um país e de seus interesses. E se os gays, por exemplo, contam com Jean Willys como seu porta-voz, não haveria equívoco algum em Marco Feliciano ser, além de deputado, evangélico.


DISCURSO DE ÓDIO - O problema não são suas convicções religiosas, mas ele valer-se delas para justificar seu discurso de ódio contra as mesmas minorias das quais passou a ser, eleito presidente da CDH, o principal representante no poder legislativo. Oras, não há absolutamente como esperar de um deputado e pastor que já deixou claro seu asco e intolerância contra negros e gays, principalmente; não há como esperar de um deputado e pastor que em sua prática, seja legislativa ou missionária, propaga o ódio, reproduz o medo e legitima a violência contra minorias – notadamente contra os gays –, que ele seja capaz de representar estas mesmas minorias naquilo que lhes é fundamental: a garantia de seu direito mínimo, qual seja, o de simplesmente existir.

Aliás, o tom de como funcionará a comissão a partir da presidência de Feliciano já foi dado nas primeiras sessões, com a cassação ao direito de palavra, entre outros absurdos, entre eles a manifestação do deputado Jair Bolsonaro, defensor da ditadura e da tortura, e também ele notório homofóbico, agora maioria em uma comissão que, nos últimos anos, havia se tornado fórum privilegiado de discussão e defesa da diversidade: “Não assistiremos mais aqui seminário LGBT infantil, com crianças sendo estimuladas uma a fazer sexo com a outra.” E não, não vou lembrar aqui do cartaz infeliz que o mesmo deputado empunhou em pleno congresso: ele sintetiza o estado de coisas a que chegamos.


A RESPONSABILIDADE DO PT - Por outro lado, insisto em lembrar que grande parte da responsabilidade pela condução de Feliciano à presidência da Comissão é do PT. E não se trata apenas de ressentimento ou frustração – embora, admita, há um pouco de ambos quando faço o balanço dos frutos que estamos a colher das alianças que o partido vem fazendo desde a última década. Sim, porque não basta recordar que a presidência da comissão já foi do PT. Nem que as lideranças partidárias decidiram praticamente franqueá-la ao PSC – partido da base governista – porque, interessados em comissões certamente mais estratégicas do ponto de vista político-partidário (quiçá, eleitoral), não viram problema algum em lotear a penúltima comissão a ser escolhida entre as lideranças partidárias.

A atitude, entre outras coisas, serviu para demonstrar a profunda indiferença que tem a maioria de nossos parlamentares, inclusive parte da bancada de esquerda, pelo tema dos direitos humanos e das minorias. Igualmente, não basta reafirmar que foi em grande parte graças ao PT que não apenas a presidência da Comissão foi assegurada a um partido que pouco ou nada tem a ver com ela. Ainda mais grave, foi conferir a PSC ampla e irrestrita autonomia para indicar um parlamentar de sua bancada para presidi-la.


TONS DE FARSA - Isto é muito, mas ainda não basta. A eleição de Marco Feliciano e sua agora permanência como presidente, coroa em tons de farsa o que começou como tragédia: em 2002, como parte da estratégia eleitoral que visava a eleição de Lula, tratou-se não apenas de amenizar-lhe a face e o discurso, mas de ampliar o leque de alianças, incluindo entre os que apoiavam o então candidato o Partido Liberal que, apesar do nome, era à época o principal braço parlamentar das igrejas evangélicas de matriz fundamentalista, entre elas a famigerada Universal do Reino de Deus. Mais recentemente, em 2010, enquanto a militância petista e demais eleitores de Dilma Roussef – eu inclusive – denunciavam, e com razão, a guinada conservadora do PSDB e de José Serra, a hoje presidenta rezava com Gabriel Chalita, beijava a mão de padres e bispos católicos, pedia e em alguns casos ganhou, o apoio de pastores evangélicos – entre eles, Marco Feliciano.

Mas a lamentável condução de Feliciano ao talvez único lugar no parlamento onde ele, definitivamente, não deveria estar, não apenas mancha ainda mais a já maculada reputação do congresso brasileiro: ela fere e corrompe um princípio caro às sociedades modernas e democráticas, que é o da laicidade do Estado. Em texto onde distingue o ‘laicismo’ de uma ‘cultura laica’, o pensador italiano Norberto Bobbio assim define a segunda: “El espiritu laico no es en sí mismo una nuevacultura, sino la condición para la convivencia de todas las posibles culturas. La laicidad expresa más bien um método que um contenido.”


SEDIAR A IDADE MÉDIA - A manutenção de Marco Feliciano na presidência da CDH, junto com a crescente influência que igrejas, principalmente evangélicas – embora não só – e suas lideranças tem exercido junto à instâncias partidárias e governamentais, coloca em risco “as condições para a convivência de todas as possíveis culturas” que é, ao concordarmos com Bobbio, elemento fundamental de um Estado e uma sociedade laicos. Já se disse, em tom de galhofa, que se o Brasil não for bem sucedido ao sediar, em 2014, a Copa do Mundo, pelo menos estaremos prontos para sediar a idade média. Já não consigo mais rir disso que, para mim, deixou de ser uma brincadeira. Não, certamente não acho que voltaremos ao medievo, tampouco acredito, como historiador, que se pode explicar dez séculos de história recorrendo a alguns chavões reducionistas, tais como os de que vivemos, no período, “mil anos de escuridão”.


O que me preocupa e amedronta é que estamos a assistir, impotentes e em alguns casos resignados, a escalada da intolerância, do ódio e do medo onde deveríamos experimentar, em pleno século XXI, uma sociedade mais plural e mais capaz de conviver na e com a diversidade. O que me preocupa e amedronta é assistir, praticamente imobilizado e impassível, o fundamentalismo religioso pautar a agenda política e usar o parlamento como espaço de legitimação do processo crescente de estigmatização e demonização do “outro” – o gay, principalmente, mas também o negro, o pobre, as mulheres feministas, etc... –, estigmatização e demonização de que o fundamentalismo religioso talvez não seja o único, mas é inegavelmente o principal artífice. O que me preocupa e amedronta não é o ano que passaremos com o deputado e pastor Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, mas o quanto retrocederemos neste ano no pouco que já conquistamos até aqui e, não menos importante, a obscuridade do depois.

Clóvis Gruner é historiador e professor universitário