Meu pai fazia uma análise “sociológica” do desempenho dos países nas grandes competições internacionais e dos esportes nacionais como retratos da essência de cada povo que era “infalível”. O futebol era onde ele fechava as suas grandes sínteses dos “caráteres nacionais”.
Eu aprendi com ele esse viés e hoje é automático, qualquer jogo que vejo la me vêm essas elucubrações.
O nosso futebol tem por essências o improviso e o espírito de equipe. É o contrário do futebol americano que fuciona na definição de metas (a cada “jarda” de jogo tem uma lá, desenhada no chão) e a organização meticulosa de um plano para “supera-las” (combinado e definido “em segredo” a cada jogada a partir de uma coleção de jogadas previamente ensaiadas). É o retrato da “governança corporativa” que eles inventaram lá na virada do século 19 para o 20 e que, nas primeiras décadas do século passado, trasformaram em modelo para tudo que fazem. Chato e sem imaginação mas eficiente...
No tempo em que o Pelé fazia esses gols aí em cima, quando fomos os melhores do mundo, o Brasil era pura espontaneidade, alegria e improviso, temperado com solidariedade e “espírito de equipe”. Quando eu comecei a viajar pelo país no final dos anos 60, o “sertão” era na esquina. De Araçatuba, mais ou menos, para oeste e para norte, mudava-se de Era. Ia-se dentro de um mato só até muito além do Equador. Não tinha estradas, não tinha cercas, não tinha hospitais, não tinha polícia, não tinha nada.
Não tinha Estado!
Quem vivia naquelas latitudes sabia que viver era se virar com o que estivesse à mão na hora e que, por isso mesmo, todo mundo tinha de improvisar e de se ajudar. Todo mundo andava armado e com as armas à mostra porque também a lei era um trabalho coletivo mas o ambiente era totalmente descontraido. Todo mundo se respeitava; todo mundo te recebia sem te conhecer; todo mundo parava nos caminhos para ajudar alguem em dificuldade; todo mundo hospedava todo mundo e dividia o que tinha pra comer com quem chegasse do nada indo pra lugar nenhum.
Todo mundo jogava junto porque não tinha outro jeito de jogar.
Hoje esse Brasil acabou. Ninguém faz mais nada; compra feito. Ninguém toma iniciativa nenhuma, fica esperando que o Estado venha lhe dar de mamar.
Na pontinha “culta”, saímos do Brasil da USP dos franceses para o Brasil da universalização dos comportamentos do “bas fond” carioca de que a televisão fez lei do Oiapoque ao Chuí. Da pureza quase primitiva ao deslassamento da ultra-civilização em voo direto e sem escalas. Aquela liberdade essencial e inocente do Brasil sem fronteiras virou, não a liberdade para, mas a obrigação de esculhambar ... e ser esculhambado. A violência é filha disso. A violência é isso, melhor dizendo. Ela e o resto vão aumentar ou diminuir juntas. Não dá pra arrumar uma coisa sem arrumar a outra.
O problema é que o Brasil de hoje não tem a menor ideia do que foi o Brasil de ontem de onde ele veio, ou melhor, de onde ele foi atirado para este de hoje. É que está no pacote da presente ditadura da violência e da ignorância travestida de "correção política" sob a qual vivemos apagar qualquer traço daquele passado das escolas, da História e da memória nacionais. O passado com que as pessoas, perdidas no espaço, tentam em vão se enraizar hoje é uma falsificação. Nunca existiu.
Isso vai mudar. Já tá começando a mudar. Quando mudar mesmo, viramos uma nova síntese do que são os dois extremos, como é hoje o futebol europeu. E até lá? Até lá, vamos como estamos: tem por aí, salpicados, esses campeões individuais das modalidades olímpicas, uns “cantores sertanejos” da força física fabricados, fugitivos da miséria, puro esforço, persistência, superação. Ou gênios. São os rebentos do nosso “protestantismo” reciclado (e dinheirista).
Tem também os esportes coletivos de quadra, como o vôlei. São exceções à regra; o lado saúde da praia, conexão com o imemorial que é dos poucos espaços cuja intimidade o Estado (e a TV) não conseguem dominar. O vôlei é o retrato da classe média meritocrática sobrevivente; o pouco que sobrou de tudo quanto ainda “joga junto” entre nós.
Mas o futebol "esporte das multidões", esse deslassou. Tem os cartolas (a reboque da e rebocando a política) recobrindo tudo como cascas de feridas. E tem os jogadores. Quando surge um que nasce abençoado, logo passa a achar que é a torcida que deve a ele e não o contrário. Querem ser feitos; não querem fazer. Estão mais preocupados com o “look” do que com a bola. Os jogos são penosos, sem alegria. As reformas/trocas-de-técnicos são cosméticas. Não resolvem. Não querem resolver. Não vão ao essencial. E a corrupção continua comendo...
O Brasil do povão está no meio de um caminho mas não sabe pra onde. Não jogamos mais nada!
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quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
Futebol e filosofia de botequim
A LIÇÃO DO PAPELEIRO
A rua Salvador França, em Porto Alegre, forma uma rampa acentuada ao se aproximar da avenida Protásio Alves. Há poucos dias, em hora de tráfego intenso, eu andava por ali, lomba acima. A lentidão do trânsito evidenciava haver, adiante, algum obstáculo na pista. De fato, pouco além, avistei um carrinho de papeleiro, muito carregado e com volumosos excessos laterais. A carga era tão desproporcional que me interessei em ver como se fazia a tração de todo aquele peso. Um cavalo? Dois homens? Não. Era um homem só, e bem magro. Puxava sua carga caminhando de costas, fazendo o maior uso possível do próprio peso, jogando-se para trás.
Ao ultrapassá-lo, senti vontade de parar, descer e expressar àquele ser humano meu reconhecimento ao valor moral que transmitia. Mas seria impraticável em meio ao tráfego. Decidi que o faria aqui, narrando o fato e traduzindo em palavras a silenciosa lição que proporcionava.
A mesa do papeleiro é pobre e pouca. Há frestas em sua insalubre moradia. Agasalho escasso, extenuante o trabalho. Não conhece férias e não recebe hora extra. Bem perto de onde mora está o traficante com dinheiro no bolso e correntes de ouro no pescoço. Se é de justiça tratar desigualmente os desiguais, a tolerância e a indulgência, em nome da luta de classes, para com os crimes praticados por indivíduos supostamente pobres são uma ofensa ao papeleiro da Salvador França. Todo modo de ver a lei penal como lei do "opressor" contra o "oprimido", todo garantismo que assumidamente desprotege a sociedade são ofensivos ao seu trabalho honesto.
Assumindo como ganha-pão uma tarefa de tração animal, ele ensina o quanto a vida, mesmo comprometida diariamente com penosa rotina, pode ser dura sem deixar de ser humana e digna. Enquanto, naquele dia, arrastava sua carga ladeira acima, o papeleiro esbofeteava, sem saber, a face de cada corrupto e de cada corruptor. Ensinava a quantos fazem e aplicam a Lei, que a pobreza a merecer proteção social e institucional é a pobreza do homem bom, nunca - nunca! - por si mesma, a pobreza do malfeitor, do traficante, do ladrão, do homicida, do estuprador (que até estes voltam rapidamente às ruas!). Degenerado é degenerado, criminoso é criminoso, independentemente do extrato de renda. O lugar de quem vive do crime é a cadeia, senhores.
Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas no meu próprio, gostaria de conhecer a natureza do delito que certos homens da Lei nos imputam, leitor. Ao dar liberdade a quem tem que estar preso, esses falsos justiceiros condenam todos os demais à insegurança e à restrição da liberdade. Escrevam o que pensam, senhores! Sustentem suas teses marxistas abertamente nos jornais! Venham à luz do dia com suas doutrinas! Não se escondam nas páginas dos processos, nas dissertações acadêmicas e nos conciliábulos dos que pensam igual! Afinal, desarmados pelas exigências que cercam a posse de qualquer arma, agora estamos encarcerados por grades de proteção e temos as mãos contidas pelas algemas da impotência cívica.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
FONTE - http://www.puggina.org/artigo/puggina/a-licao-do-papeleiro/8005
Futebol, concentrações e a cultura paternalista no Brasil
Em
A corrente pausa em vigor no calendário do futebol brasileiro poderia servir para os amantes do esporte bretão refletirem a respeito de uma prática genuinamente brazuca, que não encontra eco em clubes europeus, e que retrata, em grande medida, nossa cultura de não individualização de responsabilidades: a malfadada “concentração” nas datas que antecedem jogos oficiais.
O procedimento de exigir que os atletas durmam na véspera e permaneçam as vinte e quatro horas que antecedem as partidas sob a supervisão da entidade esportiva seria justificado, em tese, pelo histórico de comportamento pouco profissional de nossos jogadores – incluindo no pacote bebida alcoólica, sono insuficiente e alimentação imprópria. Destarte, somente acorrentando-os ao pé da cama seria possível garantir que seu desempenho na partida venha a ser satisfatório – eis o receituário de “sucesso” de nossas agremiações.
Só faltou combinar com a realidade, uma vez que tal praxe administrativa dos clubes de futebol brasileiros não lhes garante um rendimento em campo melhor do que seus congêneres europeus – aliás, bem longe disso. No Velho Mundo, o expediente habitual consiste em determinar que os jogadores apresentem-se para os jogos tão somente algumas horas antes do apito inicial, permitindo que estes, entre a saída do último treino e o retorno para o estádio, façam o que bem entenderem de suas vidas, sendo-lhes cobrado, tão somente, que demonstrem durante os fatídicos noventa minutos que adotaram conduta condizente com sua profissão durante seu intervalo interjornada.
Ou seja, aos desportistas atuantes no continente europeu é conferida liberdade, sendo esperada, em retorno, responsabilidade – no sentido, inclusivo, de serem eles responsabilizados por seus atos, ficando sujeitos a pesadas sanções em caso de indisciplina que venha a repercutir dentro das quatro linhas ou que afete a imagem da instituição. Nossos clubes, a seu turno, preferem tratar seus jogadores como crianças imaturas que precisam de vigilância constante, sob o presumível risco de estes encherem a cara na balada e apresentarem-se sem condições para prática esportiva.
É claro que reproduzir esta rotina europeia no Brasil não seria tão fácil, visto que a Justiça do Trabalho costuma reverter suspensões de contrato (com desconto salarial) e demissões com justa causa com muita frequência. É recorrente atletas totalmente relapsos que são postos para treinar em separados obterem indenizações por “assédio moral” do empregador, inclusive. Coisas do nosso Judiciário e sua postura enviesada à esquerda.
Eis aí uma marcante coincidência deste hábito com a predileção de nosso povo pelo oneroso e paquidérmico Estado-babá, o qual, assim como a internação compulsória dos atletas supostamente irresponsáveis (até mesmo em extensos períodos de pré-temporada), também oferece, a preço de pesados tributos, uma aparente “proteção” a todos. E os custos de manter os boleiros longe dos suas casas e famílias não são baixos, e tal obrigação, normalmente, desagrada-os muito, afetando, visivelmente, suas performances.
Se tal costume fizesse mesmo sentido, seríamos obrigados a concluir, igualmente, que médicos deveriam ficar “concentrados” antes de uma cirurgia, da mesma forma que pilotos antes de um voo, ou parlamentares antes de uma votação importante. Haveria mais gente “concentrada” do que andando nas ruas, provavelmente.
Tal diferença na relação estabelecida entre contratantes e contratados cá e lá pode ser sentida quando da admissão de jogadores brasileiros em clubes europeus: estes, tão logo se dão conta da nova “política da empresa”, passam a portarem-se de forma muito mais séria e regrada – sendo, por isso, muito bem recompensados, inclusive com mais tempo de folga. E aqueles que assim não procedem costumam ser encaminhados de volta para a América do Sul – ou acabam indo parar no Catar ou em outros mercados incipientes do esporte.
Mas os clubes nacionais, como entes privados que são, não deveriam, a partir dos estímulos do próprio mercado em que estão inseridos, passar a agir feito seus concorrentes europeus, em busca de maior produtividade – leia-se: futebol mais vistoso e que atraia mais fãs para seu séquito de torcedores? Esta seria, pois, a atitude a ser esperada, não fosse o fato de que nossos times de futebol, assim como qualquer associação, não estão sujeitos à falência, conforme determina a Lei 11.101/05, art. 1º – inversamente ao que se observa na Europa, onde até mesmos clubes tradicionais, como a Fiorentina/Itália, já foram submetidos à execução concursal por parte de seus credores, e precisaram recomeçar do zero (da quarta divisão, no caso).
Aliás, este privilégio de não serem considerados pela legislação pátria como empresas é uma legítima jabuticaba usufruída por nossos clubes, pois até mesmos nossos vizinhos de continente permitem que seus times venham a falir – obrigando-os, de certa forma, a controlar seus gastos e a repensar seus métodos administrativos. Determinadas agremiações do Brasil ostentam dívidas superiores a meio bilhão, em meio a débitos fiscais e previdenciários, inclusive.
Qualquer empresário, em tal estado de insolvência, já teria tido sua falência decretada judicialmente, mas este tratamento diferenciado confere aos clubes um caráter de isenção ímpar, e que abre as portas para a irresponsabilidade financeira completa e para a aplicação de metodologias de eficiência duvidosa – sem que ninguém responda por tal, gerando insegurança jurídica àqueles que negociam com estas instituições e forçando o Estado, eventualmente a perdoar dívidas (renunciando impostos devidos). Tal síndrome costuma acometer, por sinal, muitos de nossos governadores, os quais, tão logo findo seus mandatos, “rapam fora” e deixam a bomba na mão de seus sucessores, os quais precisam dirigir-se a Brasília com o pires na mão, e ainda dão-se ao direito de apontar-lhes o dedo tecendo críticas – confere, Tarso Genro?
A esta altura, alguém pode estar conjecturando que os nababescos salários dos jogadores de futebol deveriam justificar tantas horas à disposição do empregador. Acontece que a contrapartida do atleta para com que lhe remunera independe do tempo que ele passa “concentrado” na sede do clube, mas sim do quanto ele consegue render em campo. Se o atacante vai marcar mais gols se não ficar confinado, tanto melhor, pois é desta forma que ele trará retorno financeiro e agregará valor à imagem e à marca do clube. Tal lógica é adotada por empresas que permitem que seus empregados até mesmo joguem videogame e durmam durante o expediente, pois consideram que assim eles produzirão mais.
É bom ressaltar, ainda, esta ascensão meteórica das remunerações pagas aos futebolistas nos últimos trinta anos. Sabem por que os clubes pagam tanto hoje até mesmo para atletas medianos? Porque podem pagar. Simples assim. A evolução dos meios de transmissão dos jogos e de transporte (que permitiram a popularização do esporte a nível planetário) fez aumentar em muito as premiações recebidas pelas agremiações; desta forma, o “leilão” pelos atletas eleva as ofertas a níveis outrora inimagináveis. E é assim, também, que os salários dos trabalhadores ordinários do Brasil poderão, um dia, subir: quando a carga tributária permitir que as empresas possam remunerar melhor seus empregados. Mais simples ainda.
Acostumar nossos atletas com a liberdade, exigindo destes, em retorno, a consciência em relação a seus deveres, é uma terapia a que precisa ser submetido boa parte do povo brasileiro, na verdade, e não é de uma hora para outra que este cenário irá mudar. Mas quanto antes começarmos, melhor. Um adolescente que aprende a administrar sua mesada desde cedo tende a tornar-se um adulto mais consciente, mas é claro que, no começo, ele vai gastar tudo no primeiro dia, e somente a persistência dos pais em incutir-lhe o comprometimento em gerir com juízo aquele dinheiro surtirá efeitos positivos em seu amadurecimento.
No mesmo sentido, como são profissionais que atingem seu auge quando ainda muito jovens, os jogadores de futebol precisam aprender logo cedo a ter responsabilidade e passar confiança ao time e ao treinador. E os clubes, ao invés de trancafiá-los como crianças, deveriam investir em sua formação não apenas como jogadores, mas como homens e cidadãos que são.0
SOBRE O AUTOR
Ricardo Bordin
Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Formado na Escola de Especialistas de Aeronáutica (EEAR) como Profissional do Tráfego Aéreo e Bacharel em Letras Português/Inglês pela UFPR. Também publica artigos em seu site:https://bordinburke.wordpress.com/
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