Na sequência do primeiro artigosobre o processo de influência descrito por Robert Cialdini, vamos então começar a dissecar as 6 armas de influência. Iniciamos esta viagem pela reciprocidade.
De acordo com a regra da reciprocidade,devemos retribuir aquilo que outra pessoa nos deu com um favor do mesmo tipo.Podemos dizer que ficamos obrigados a retribuir futuramente favores, prendas, convites, etc. Exemplos deste comportamento: se alguém nos convida e paga um almoço, devemos retribuir-lhe esse convite, pagando o almoço.
Segundo Cialdini, esta regra está solidamente implantada em nós através do processo de socialização a que todos somos sujeitos. Todos nós fomos ensinados a obedecer-lhe, e todos conhecemos as sanções e o desprezo que atingem todos os que a violam (chamamos-lhes de ingratos, oportunistas, …).

A regra é irresistível
A força desta regra é tão forte que acaba por convencer alguém a tomar uma decisão que não teria tomado caso não fosse exposto a este princípio. Sabemos que o facto de se gostar de alguém é facilitador de um processo de influencia, afectando positivamente a decisão de anuir. Ora, a regra de reciprocidade é tão poderosa que, mesmo não gostando de quem nos está a aplicar a regra, acabamos por aceitar o pedido formulado neste enquadramento.
Uma área muito propensa a esta regra é a política. É claramente um terreno fértil e propício a troca de favores. Todos reconhecemos e conhecemos inúmeros casos em que os políticos utilizam esta técnica.
Ao nível comercial, existem muitos exemplos de estratégias e táticas que têm por base esta regra da reciprocidade. A oferta de amostras é um bom exemplo. Gosto particularmente daquelas pequenas bancadas nos hipermercados onde nos oferecem uma amostra de produto (queijo, iogurte, bolachas,…) para provarmos. O que é que normalmente acontece? Acabamos por levar o produto. Para a maior parte das pessoas é difícil aceitar a amostra de uma pessoa sorridente e simpática e apenas devolver o palito e voltar as costas. A questão aqui é que para além de ser uma amostra é também uma prenda, e como tal, faz o apelo ao princípio da reciprocidade.
O autor refere ainda o exemplo da Amway que passou a utilizar uma estratégia que passava por deixar um pack de amostras na casa dos clientes, voltando 24 a 72 horas depois para levantar o que restava do pack. Os clientes que aceitam o pack de amostras ficam normalmente presos a esta regra, sentindo-se na obrigação de encomendar os produtos que experimentaram e utilizaram parcialmente. As vendas da Amway dispararam com esta nova estratégia das amostras.
Segundo o antropólogo francês Marcelo Mauss, “há uma obrigação de dar, uma obrigação de receber e uma obrigação de retribuir.”. Ainda que a obrigação de retribuir constitua a essência da regra da reciprocidade, a obrigação de receber é aquela que normalmente é explorada para desencadear aquela regra. A obrigação de receber reduz a nossa capacidade de escolha. Penso que todos nós já fomos vítimas destes favores não solicitados, ofertas com segundas intenções. Se aceitamos a oferta de uma avaliação gratuita aos nossos dentes, é provável que saiamos do dentista com um plano de tratamento dentário de alguns milhares de euros.

A regra pode dar origem a trocas desiguais
O princípio da reciprocidade foi desenvolvido com a finalidade de promover trocas equilibradas entre os parceiros. Apesar disso, existe uma flexibilidade considerável, podendo um pequeno favor desencadear uma obrigação de proporções muito maiores.
Como a regra pode ser desencadeada por alguém que tenha em mente o que pretende em troca do favor entregue, podemos facilmente ser manipulados de forma a responder de maneira que a troca seja desequilibrada em nosso desfavor.  Na essência estamos aqui a falar dos pequenos favores que desencadeiam favores recíprocos de valor muito superior. A maior parte das pessoas considera o estado de dívida extremamente incómodo, o que motiva as pessoas a removerem esse incómodo através da retribuição do favor, não sendo surpreendente que por vezes damos muito mais do que recebemos em nome da reciprocidade.
Existem muitos exemplos: Aceitamos a oferta de um test drive e saímos da concessão com um automóvel novo. Decidimos aceitar a oferta de uma noite gratuita num hotel para assistirmos a um evento de divulgação de uma oferta turística e saímos de lá com um pack de estadias para os próximos 4 anos.

Concessões recíprocas / Rejeição seguida de retirada
Existe ainda uma segunda forma de empregar a regra da reciprocidade, mais subtil, para conseguir que alguém faça aquilo que pedimos: Fazer um favor a alguém para depois lhe pedir outro em troca, havendo normalmente uma concessão do primeiro para o segundo favor solicitado. Um pequeno exemplo para se perceber melhor o que está em causa aqui: vou adquirir um software específico para a minha empresa industrial. O vendedor que sabe que é mais difícil comparar preços de produtos e serviços feitos à medida, começa por pedir um valor 50% acima do que pretende para de seguida, após a minha rejeição inicial e seguida de uma negociação, vir dizer que pelo facto de já terem a base pronta para um projeto semelhante, estão dispostos a fazer um desconto de 50% para fechar o negocio.
De acordo com Cialdini, e dado que o processo de compromisso obedece à regra de reciprocidade, é possível usar uma concessão incial como parte de um plano altamente eficaz de persuasão. É a técnica da “rejeição e retirada”. Na essência o que se trata aqui é de começar a pedir algo maior para depois recuar, fazendo um novo pedido, aquele que queria fazer inicialmente, que terá assim maiores probabilidades de ser aceite. Um pedido assim será visto como uma concessão, que o fará sentir-se inclinado a responder com uma outra concessão. Atenção que o primeiro pedido não pode ser percepcionado como exagerado ou pouco razoável, já que isso produzirá um resultado oposto ao desejado.
O negociador verdadeiramente dotado é aquele cuja posição inicial é suficientemente exagerada para permitir uma série de concessões recíprocas que desencadeiem a oferta final desejada pelo opositor, mas que não seja tão exagerada que pareça ilegítima desde o inicio. Quem normalmente utiliza esta forma de aplicar a regra da reciprocidade são os sindicatos, fazendo algumas exigências exageradas para depois ir cedendo até chegarem aos valores que realmente pretendem.
Por último, importa referir que a combinação da regra da reciprocidade e do contraste perceptual (ver este conceito no primeiro artigo sobre este tema) podem produzir efeitos verdadeiramente surpreendentes e poderosos. Dado que existe uma aparente negociação por parte de quem está a ser vítima desta técnica, eles pensam que estão a conseguir, através da negociação, levar a outra parte a ceder, sentindo-se assim os principais responsáveis pelo êxito na negociação, e apesar de terem sido vítimas da arma da reciprocidade e do contraste, acabam por ficar satisfeitos com todo o desenrolar do processo. São vítimas satisfeitas!