segunda-feira, 16 de abril de 2012

A guerra do spread bancário


Luis Nassif


Com a guerra ao spread bancário, a presidente Dilma Rousseff dá início ao lance mais audacioso da sua política econômica: o desmonte do aparato econômico introduzido pelo plano Real e que deixou praticamente todo o setor público à mercê do jogo financeiro.
Consistiu, de um lado, em redefinir a composição do Conselho Monetário Nacional (CMN), afastando representantes do meio empresarial e concentrando a decisão nas mãos do Banco Central. O BC tornou-se território exclusivo de bancos de investimento, pautando todas suas decisões pela ótica do mercado.
Dilma dá início ao lance mais audacioso da sua política econômica: o desmonte do aparato econômico introduzido pelo plano Real
No plano federativo, instituiu-se a DRU (Desvinculação das Receitas da União), tirando recursos dos estados.
A partir de 1995, com a queda acentuada da atividade econômica – em função da alta pornográfica da taxa Selic -, os estados se viram quebrados. O governo então passou a condicionar empréstimos do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social)  à venda das estatais estaduais. Como os títulos de dívidas dos estados pagavam um ágio absurdo sobre as já absurdas taxas Selic, houve a renegociação da dívida que enfiou goela abaixo dos estados contratos leoninos, praticamente acabando com sua autonomia financeira.
Conforme já demonstrado aqui, a política monetária impunha um preço altíssimo ao orçamento público – obrigado a bancar juros extorsivos – com efeitos quase irrelevantes sobre o custo do dinheiro, na ponta.
Entre as taxas de captação e de empréstimo dos bancos, os mais altos spreads do planeta.
Esse modelo pernicioso trouxe inúmeros prejuízos ao país. É verdade que criou um sistema financeiro robusto – e que terá papel relevante daqui para frente, quando as distorções forem corrigidas. Mas impediu o deslanche da atividade econômica, consumiu recursos preciosos para pagamento de juros, atrasou o desenvolvimento do mercado de capitais, devido ao primado da renda fixa.
Em fins de agosto passado, Dilma deu início ao desmonte do modelo financista. A primeira grande batalha foi a redução da taxa Selic pelo BC, provocando grita e terrorismo por parte de consultorias.
Nos meses seguintes, ao contrário dos prognósticos terroristas, a inflação começou a cair. Este ano deverá continuar caindo, exclusivamente porque influenciada pelos preços internacionais dos commodities – que começaram a cair.
Agora, começa a ofensiva pela queda dos spreads bancários, iniciando pela redução das taxas pelo Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Nesse ínterim, Dilma firmou aliança com alguns dos grandes bancos privados que têm tradição histórica de colaboração com as diretrizes de governo.
Não se trata de voluntarismo, nem de atitudes imprudentes. No início haverá resistências localizadas dos bancos. Depois, com o pragmatismo que os caracteriza, sua energia deverá se voltar para ganhos de escala em um ambiente de spreads baixos.
Será a maior mudança no ambiente econômico brasileiro desde que o Plano Real acabou com a inflação, mas deixou como herança as maiores taxas de juros do planeta e uma dívida que paralisou o crescimento público por 15 anos.

Cresce influência mundial de grupos contra-jihadistas



A rede internacional de grupos contra jihadistas vem ganhando força e aumentando sua influência mundial, segundo estudo da ONG britânica Hope Not Hate, divulgado na esteira do julgamento de Anders Behring Breivik, responsável pela morte de 77 pessoas em dois ataques na Noruega, inspirado pela retórica de livrar a Europa da “invasão muçulmana”.
Anders Behring Breivik, o retrato do potencial destrutivo da ideologia de extrema direita contra o Islã. Foto: Odd Andersen/AFP

O levantamento mostra que os grupos e indivíduos de extrema direita têm conseguido se tornar mais coesos conforme realizam alianças pela Europa e Estados Unidos, com mais de 190 grupos promotores do discurso islamofóbico identificados. Mas, ao somar organizações e indivíduos o cenário é ampliado para 300.
Desde a matança promovida por Breivik, de 33 anos, em julho passado, pela qual o norueguês alegou inocência nesta segunda-feira 16, o movimento contra-jihadista – a incluir rede de fundações, blogueiros, ativistas políticos e gangues – continuam a proliferar. Um exemplo desta tendência é a formação, há três meses, do grupo Stop Islamization of Nations (Contenha a Islamização das Nações, em tradução livre), desenvolvida para promover uma rede guarda-chuva de grupos contra jihadistas pela Europa e EUA.
A instituição pretende realizar seu encontro inicial em Nova York nas proximidades dos atentados de 11 de setembro, com a presença de figuras-chave do movimento. Entre eles, o presidente do anti-islâmico Partido da Liberdade Britânica, Paul Weston, um dos inspiradores de Breivik. “Os eventos de 11 de setembro de 2011 mudaram completamente a natureza do debate sobre extremismo, terrorismo e imigração. Muitos destes grupos [contra-jihadistas] usaram esse fator, e obviamente um perigo real de alguns grupos islâmicos extremistas, para explorar o temor em sua própria agenda extremista”, aponta Nick Lowes, diretor da Hope Not Hate, em entrevista a CartaCapital.
A conferência da Sion, explica, indica também uma forte intenção destes grupos e indivíduos de extrema-direita em estabelecer conexões com os EUA. “O país é visto como uma possibilidade de se adquirir muitos fundos.”
Naquele país, segundo o estudo, estão 60 organizações e pessoas da rede, que tentam espalhar “uma percepção negativa do Islã, minorias muçulmanas e da cultura islâmica.”
Na Europa, o Reino Unido é a região com a maior atuação destes grupos, sendo 33 organizações e indivíduos em operação. Em todo o continente, são 133 organizações, oito delas na Noruega.
O relatório aponta que esses grupos utilizam cada vez mais a retórica anti-islâmica para conquistar votos, explorando blogs e sites que propagam histórias aterrorizantes sobre o Islã. O movimento contra-jihadista “é a nova face da extrema-direita na Europa e na América do Norte em substituição às antigas políticas raciais nacionalistas de tradição neonazista, comuns aos partidos de direita, e pode conseguir apoio de mais segmentos da população.”
Os problemas econômicos nos próximos anos e o temor pela segurança também terão impacto e farão o movimento contra- jihadista crescer, destaca a ONG. Além disso, o foco da extrema-direita deve abranger ainda questões de imigração, cultura e perda de identidade.
Um cenário que para Lowes demonstra a importância de a sociedade “levar muito a sério” a extrema-direita. “Vimos na Noruega que um indivíduo pode causar grande sofrimento e destruição. Breivik tinha conexões com algumas das redes identificadas no estudo e esses grupos podem estar se coordenando e a forjar elos com políticos e financiadores, e isso é perigoso para as comunidades.”
Hope Not Hate listou ainda os 12 indivíduos de maior destaque nesta retórica no mundo, sendo que seis deles têm sedes na Europa e a outra metade nos EUA (veja aqui os perfis, em inglês). Entre eles, aparece Stephen Lennon, ou Tommy Robinson, co-fundador, porta-voz e líder da LID, maior movimento de rua contra o islamismo do mundo. Preso e condenado por agressão a um policial fora de expediente, ele é visto, segundo o levantamento, como uma figura de inspiração para militantes e a frente política contra-jihadista.
O blogueiro norueguês Peder Nøstvold Jensen, ou Fjordman, é lembrado pela ONG. Seu blog é um dos mais importantes e proeminentes no cenário europeu anti-islamismo e foi citado 118 vezes no manifesto de Anders Breivik.
As mulheres também estão entre as que advogam contra o Islã. Os nomes de maior destaque são os Ann Marchini, ou Gaia. Ligada à fundação da LDI é também um elo crucial entre respeitáveis financiadores contra-jihadistas e políticos na América do Norte e Europa. Além dela, há Pamela Gellar, uma blogueiran norte- americana, escritora e ativista politica. Ela é a cofundadora da Stop the Islamization of America e também foi uma das líderes da campanha contra a construção de um centro islâmico em Manhattan.
Pessoas com perfis de atuação distintos, que variam de rostos mais voltados à política de massas a “pessoas como Lennon, que opera na organização de manifestações contra islamismo no Reino Unido.” “Uma grande diferença do passado é que esses indivíduos antes operavam isolados, mas hoje o fazem pela primeira vez em organizações como a Sion, e querem coordenar esses movimentos juntos”, finaliza Lowles.

Internada há 36 anos em UTI lança livro de memórias escrito com a boca


CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO
Faz 36 anos que Eliana Zagui vive deitada num leito de UTI do Instituto de Ortopedia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Vítima de paralisia infantil aos dois anos, ela perdeu os movimentos do pescoço para baixo. Respira com ajuda de equipamentos.Na cama, a menina se formou no ensino médio, aprendeu inglês, italiano, fez curso de história da arte e tornou-se pintora. Tudo isso usando a boca para escrever, pintar e digitar. Hoje, lança (só para convidados) seu primeiro livro: "Pulmão de Aço - uma vida no maior hospital do Brasil" (Belaletra Editora).Pulmão de aço é o nome de uma máquina, inventada na década de 1920, parecida com um forno. As pessoas com insuficiência respiratória eram colocadas dentro dela, com a cabeça de fora.Eliana ficou cinco dias lá dentro, mas não funcionou. A pólio havia paralisado completamente o diafragma e a deglutição. Ela teve, então, que ser conectada para sempre a um respirador artificial. Só consegue ficar poucas horas longe do aparelho.
 Marisa Cauduro/Folhapress 
Eliana Zagui,38, é vítima de paralisia infantil e desde de um ano e meio mora no Hospital das Clinicas
Eliana Zagui,38, é vítima de paralisia infantil e desde de um ano e meio mora no Hospital das Clinicas
Entre 1955 e o final da década de 70, 5.789 crianças vítimas da pólio foram internadas no HC. Sete delas, atingidas com mais severidade, ficavam lado a lado na UTI. "Nós nos apegávamos um ao outro, como numa grande família. Era a única maneira de suportar aquilo tudo", lembra Eliana.Da turminha, só sobreviveram ela e Paulo Machado, 43, que divide o quarto com a amiga e cuja história de vida também aparece no livro. "A Eliana é minha irmã, a minha família. Tem temperamento forte. Quando vejo que ela está brava, coloco os fones de ouvido e fico na minha", diz.Eles poderiam viver com suas famílias, com o apoio do hospital. Mas nunca houve interesse por parte delas. Os parentes raramente os visitam. "Não me magoo mais. Já sofri muito e hoje aprendi que cada um é cada um."Eliana e Paulo passam a maior parte do tempo na internet. Ela gosta de sites de relacionamentos, de pintura e artesanato. Paulo é aficionado por cinema. Está envolvido na produção de uma animação cuja protagonista é Teca, o apelido carinhoso pelo qual chama Eliana. E, para ela, o amigo é o Teco.Quando é necessário, ele faz as vezes de irmão mais velho. "Dias atrás, eu me irritei no Face [Facebook] e postei uma mensagem malcriada. O Paulo viu e me chamou a atenção", conta Eliana, que chegou a ter 3.000 amigos virtuais. "Fiz uma limpa no final do ano e só deixei uns cem. Agora tenho uns 300, mas preciso limpar de novo."A saudade dos amigos reais, os quais viu morrer um a um, é o que mais a entristece. "Foram momentos tão bons. Mas não voltam mais."No livro, ela relata que flertou com o suicídio. "Avaliava as possibilidades: arrancar a cânula da traqueia com a boca, cortar ou furar o pescoço." E encerra com humor. "Descobrimos que até para morrer antes da hora precisamos da ajuda de alguém."Eliana diz que, volta e meia, essas ideias ainda a visitam, mas que hoje tenta aliviar suas angústias nas sessões semanais de análise.
 Marisa Cauduro/Folhapress 
Eliana Zagui, que desde os dois anos vive em hospital, escreve em seu livro dedicatória
Eliana Zagui, que desde os dois anos vive em hospital, escreve em seu livro dedicatória
Ela sonha em morar fora do hospital. Em dezembro último, pela primeira vez em 36 anos, passou o Natal fora do HC, na casa de amigos. Foi de maca e com respirador artificial portátil. "Foi uma experiência ótima, indescritível."Quanto ao livro, Eliana diz esperar que ele ajude "aqueles que não querem nada com a vida". "É claro que cada um tem as suas dores. A minha desgraça não é maior que a sua nem a sua é maior que a minha. Mas é sempre bom poder aprender a tirar o que vale a pena da vida."PULMÃO DE AÇOAUTORA Eliana ZaguiPREÇO R$ 36PÁGINAS 240EDITORA Belaletra