domingo, 19 de agosto de 2012

Como sempre, um líder


Carlos Chagas

Mantido o rito preconizado pelo ministro Joaquim Barbosa, o deputado João Paulo Cunha e o publicitário Marcos Valério serão os primeiros a ser arcabuzados no julgamento dos réus do mensalão, mas a peça principal do processo chama-se José Dirceu. Chamado de chefe da quadrilha pelo ex-procurador-geral Antônio Fernando de Souza, expressão repetida pelo atual, Roberto Gurgel, o antigo chefe da Casa Civil deve ser o terceiro na lista dos acusados a ser submetido ao voto dos onze ministros do Supremo Tribunal Federal.
Como prova contra ele, não há atos de ofício, ou seja, nenhum documento com sua assinatura. Existem provas testemunhais e, acima delas, evidências de que tamanha máquina de corrupção não se movimentaria sem sua aquiescência, no mínimo, ou seu comando, no máximo.
A conclusão surge clara: se Dirceu for condenado, muitos outros mensaleiros também serão, ficando demonstrada sua liderança e participação no escândalo. Absolvido, porém, a decisão da mais alta corte nacional de justiça evidenciará que o mensalão não existiu. Terá sido, se tanto, manobra do caixa dois de campanhas eleitorais.
Contra Dirceu pesa o comentário inicial do então presidente Lula, de que foi traído por seus companheiros. Contra o Lula, a afirmação de Dirceu de que nada se passava no palácio do Planalto sem que o presidente soubesse. E sabendo, acrescenta a lógica, autorizava.
Dos onze ministros do Supremo, oito foram indicados por Lula ou por Dilma, e a pergunta que se faz é se deverão sentir-se gratos àqueles que os indicaram. Nesse caso, até onde vai a gratidão?
Ricardo Lewandowski emite sinais desse seu sentimento estender-se bastante, a ponto de ter emitido longa peroração em favor do desdobramento do processo, hipótese que geraria a devolução à primeira instância do julgamento de Dirceu e de outros 35 réus. Ficariam no Supremo apenas os três com mandato parlamentar. Para os demais, um recomeço capaz de levar dez anos, entre novas inquirições e recursos. O resultado seria a prescrição dos crimes de que são acusados.
Por maioria, o plenário do Supremo rejeitou a proposta, levantada pelo ex-ministro da Justiça do Lula, Márcio Thomaz Bastos. Causou espécie, porém, o fato de minutos depois da intervenção do advogado, em questão de ordem, Lewandowski haver apresentado minucioso e datilografado voto a favor, evidência de que estava preparado para apoiar o desdobramento, aliás já seis vezes rejeitado pelo tribunal.
Em suma, certeza não há do resultado do julgamento, nem mesmo se os julgadores serão onze ou dez, dada a aposentadoria próxima do ministro César Peluso. Uma coisa, no entanto, é certa: a pedra de toque, o tijolo de sustentação do processo, situa-se na pessoa de José Dirceu. Como sempre, um líder.
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OS VENTOS QUE VEM DA FRANÇA
Nenhum jornalão dispôs-se a noticiar as primeiras iniciativas do novo presidente da França, François Hollande, que em poucas semanas cortou mordomias de altos funcionários e de deputados, adotou medidas de contenção no serviço público, estabeleceu impostos para a especulação financeira, taxou altos salários e grandes rendas e, com os recursos apurados, vem criando empregos, implantando centros técnicos de estudo, creches e estabelecimentos de ensino para os menos favorecidos.
O socialista posto no telhado do mundo demonstra que é possível oferecer alternativas às privatizações, ao aumento de impostos, à redução horizontal de salários e aos cortes nos investimentos sociais – fórmulas que a Alemanha recomenda e até impõe às economias européias em crise.
Uma prova de que o mundo ainda tem jeito, se houver menos egoísmo…
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RENAN EM DOIS TEMPOS
Existem poucas dúvidas de que Renan Calheiros sucederá José Sarney na presidência do Senado. Se havia má vontade no palácio do Planalto diante de sua indicação, não há mais. Tudo indica que o representante de Alagoas não completará o biênio 2013-14 na função, porque é candidato certo ao governo de seu estado.

Destaque da revista IstoÉ na semana: A máfia dos uniformes


Destaque da revista IstoÉ na semana

09:56:51

Ex-executivo de empresa investigada pela PF, Djalma Silva conta como funciona o esquema de fraudes com a Prefeitura de São Paulo. E diz que o fornecimento dos kits de uniformes envolve pagamento de propina acertada por Alexandre Schneider

"Acertamos 4%. Isso foi negociado pelo Schneider, vice do Serra"
MEDO
Djalma Silva não quer mostrar o rosto porque teme por sua integridade física

Empresário de 42 anos, natural de Pindamonhangaba (SP), Djalma S. Silva trabalhou por mais de um ano na Diana Paolucci, empresa investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público por integrar um cartel de fornecedoras de uniformes para escolas da rede pública. A Diana Paolucci chegou a ser proibida, por 11 meses, de firmar contratos com a Prefeitura de São Paulo. Com salário fixo de R$ 10 mil e uma comissão de 30%, Djalma era diretor-comercial da companhia e tinha a tarefa de abrir portas no poder público. Foi nesta condição que ele participou de reuniões e negociatas que tentavam ampliar a participação da Diana Paolucci no mercado de fornecimento de kits escolares. Agora Djalma está fora da empresa e diz que se desligou por não concordar com os métodos adotados durante a negociação dos contratos. Na quarta-feira 15, Djalma Silva recebeu a reportagem de ISTOÉ. Em entrevista exclusiva, resolveu escancarar o funcionamento do submundo da máfia dos uniformes em São Paulo, denunciada pela revista em sua última edição. ...

De acordo com o empresário, que pediu para não mostrar o rosto, temendo colocar em risco sua integridade física, o esquema não apenas está ativo como envolve o pagamento de propina para integrantes da Prefeitura de São Paulo. O relato compromete o candidato a vice na chapa de José Serra à Prefeitura de São Paulo, Alexandre Schneider. Segundo revelou ISTOÉ na reportagem da última semana, Schneider deu aval para a atuação da máfia no período em que ocupou a Secretaria da Educação. Na entrevista, Djalma foi além. Disse que o grupo de empresários estava preocupado com o avanço do candidato Celso Russomanno (PRB) nas pesquisas de intenção de voto. Já a vitória de José Serra seria, segundo ele, a garantia de que o esquema continuará em pleno funcionamento. “Acertamos (uma comissão de) 4%. Se o Serra ganhar, você paga isso; se for o Russomanno, tem que renegociar. Aí tem que fazer um novo processo. Isso foi negociado pelo Alexandre Schneider, vice do Serra, e Julio Manfredini”, disse Djalma.

ENROLADO
Alexandre Schneider, vice de Serra, teria negociado comissão

Julio Manfredini é proprietário da empresa Capricórnio, uma das investigadas pela PF e o MP por formação de cartel. Segundo Djalma, o percentual de 4% foi revelado em reunião no dia 8 de agosto. Nesse dia, os empresários se reuniram para discutir o impacto da eleição municipal nos negócios do grupo, precisamente a renovação dos contratos de fornecimento de uniformes e material escolar, que somam mais de R$ 140 milhões. O encontro ocorreu no café de um hotel a poucos metros da Coordenadoria dos Núcleos de Ação Educativa (Conae), órgão responsável pelas licitações da secretaria. Quem conduziu a conversa, segundo Silva, foi Eldo Castello Umbelino, dono da Nilcatex, fornecedora de uniformes. Ele contou que vinha de uma reunião anterior com Julio Manfredini e que ele estaria muito preocupado que a vitória de Russomanno atrapalhasse as pretensões do grupo. O bate-papo entre os empresários foi gravado pelo ex-executivo da Diana Paolucci e encaminhado ao Ministério Público.

O empresário se diz arrependido de ter integrado o esquema, conta que começou a atuar na área de licitações de merenda escolar há quase dez anos e, a partir de 2008, resolveu ampliar sua atuação para outros insumos. À reportagem, Djalma Silva apresentou cópias de denúncias protocoladas por seu advogado junto aos gestores públicos e órgãos de controle, alertando sobre as fraudes nos editais e a combinação de preços entre as empresas, antecipando até o resultado de licitações. Desde então, diz que vem sofrendo perseguições e ameaças de morte contra si e sua família. “Um dia desses me enviaram um envelope com a foto do meu filho saindo da escola. Era um recado claro”, afirma.

NEGOCIATA
Segundo testemunha, vitória de Serra é garantia de manutenção do esquema

Um dos que o teria ameaçado seria seu ex-patrão, Abelardo Paolucci. “Ele disse que vai acabar comigo, que é mais bandido do que eu imagino. Eu gravei tudo”, diz. Silva espera assinar nos próximos dias um acordo com o Ministério Público e avalia pedir proteção policial. De fato, o executivo tornou-se uma testemunha-chave. Segundo ele, o esquema foi implementado por Serra ainda no governo do Estado e importado para a Prefeitura paulistana, onde operou desde 2006 pelas mãos do secretário Schneider, que deixou o cargo justamente para concorrer como vice na chapa tucana. Tanto em nível municipal como no estadual, o esquema seria coordenado pela empresa Capricórnio. De acordo com Djalma Silva, Manfredini, o dono da empresa, mantém relação estreita com Schneider. “Ele tem acesso aos editais com antecedência, faz as alterações para beneficiar o seu grupo de empresas. Combinam preços e pagam comissões aos políticos”, afirma Silva. Esses pagamentos, acrescentou a testemunha, ocorreriam em restaurantes na via Dutra e no escritório da Capricórnio na avenida Angélica, em Higienópolis.

Essas empresas, na semana passada, saíram a público para rejeitar as denúncias publicadas por ISTOÉ. Em “informe publicitário” nos jornais de São Paulo, a Diana classificou de “inverídicas” as informações. Documentos entregues por Silva ao Ministério Público, porém, mostram o contrário. São cópias de e-mails e mensagens de celular trocadas com os empresários e políticos envolvidos no esquema. Esses documentos mostram, por exemplo, a negociata entre o ex-diretor da Diana Paolucci e Ortiz Júnior, que é candidato a prefeito de Taubaté pelo PSDB e filho do presidente da Fundação para o Desenvolvimento da Educação (FDE), José Bernardo Ortiz.

ACERTO
Ortiz Júnior, candidato a prefeito de Taubaté, pediu comissão

O órgão é responsável por todas as licitações do governo de São Paulo na área da educação e possui orçamento de quase R$ 3 bilhões. Falando em nome do pai e usando sua influência de cacique tucano, Júnior teria procurado Djalma Silva no ano passado para levantar recursos para sua campanha. “Ele queria R$ 7 milhões e pediu 10% do contrato. Consegui 5%”, lembra. A oferta de Júnior incluía, segundo Silva, milionários contratos para fornecimento de mochilas e uniforme escolar. Na semana passada, Manfredini e Schneider foram procurados por ISTOÉ, mas não se pronunciaram até o fechamento desta edição.


Por Claudio Dantas Sequeira
Fonte: IstoÉ - Edição Nº 2232 - 18/08/2012

Contrabando de eleitores


Destaque da revista Veja na semana 

10:33:46

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Fonte: Veja - Edição Nº 2283 - 18/08/2012

Destaque da revista Veja na semana: Tensão na Corte



10:51:39

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Fonte: Veja - Edição Nº 2283 - 18/08/2012

Esqueceram do Afeganistão?



O debate eleitoral americano está ignorando a guerra, sinal de como ela não é central para os interesses dos EUA

Lembra-se da guerra do Afeganistão? Você sabe: a "guerra justa" travada em resposta aos ataques de 11 de Setembro pela Al-Qaeda e à recusa do Taleban de entregar os insurgentes. Aquela que foi justificada, em primeiro lugar, pela necessidade de evitar futuros "refúgios" a terroristas; em segundo, pelo desejo de libertar as mulheres afegãs; em terceiro lugar, pelo imperativo de levar democracia e governança moderna a uma sociedade tribal subdesenvolvida; e por último, como sempre, pela necessidade de preservar a "credibilidade" americana. ...

Escrevendo no site da New Yorker, o jornalista Dexter Filkins adverte que nossos longos e dispendiosos esforços no Afeganistão provavelmente serão um fracasso. Estamos nos retirando do país, afirma ele, mas há poucas indicações de que deixaremos um Estado afegão funcionando adequadamente.

Filkins observa que nem o presidente democrata Barack Obama nem seu rival republicano, Mitt Romney, têm se manifestado muito sobre a guerra nessa campanha eleitoral - em parte porque, nesse assunto, não existe praticamente nenhuma diferença nas suas respectivas posições. Mas, segundo ele, "você pode apostar que, seja qual for o presidente, ele vai se referir a ela (depois da retirada americana)".

Três pontos a levantar. Primeiro, não é novidade alguém dizer que o projeto afegão é um fracasso, porque o plano de impor um Estado centralizado a partir do exterior estava condenado desde o início. Era possível que uma iniciativa internacional, a partir de 2002, fosse bem sucedida - especialmente se os gênios do governo George W. Bush não tivessem desviado a atenção para invadir o Iraque. O mais provável, contudo, era que ocorresse o oposto.

Muitas pessoas alertaram, durante a invasão e ainda hoje, que essa guerra terminaria em fracasso. Alguns, como nós, opuseram-se à decisão de Obama de promover uma escalada na guerra, em 2009, e insistiram numa desmobilização.

Estratégia. O segundo ponto: mesmo que o pessimismo de Filkins esteja certo, não está claro por que o próximo presidente desejará ou terá de perder parte do seu tempo se preocupando com o Afeganistão. Se o Estado afegão realmente fosse de um interesse estratégico vital, não seria difícil convencer os americanos a investir recursos para permanecer ali. Mas o Afeganistão não é isso: é um país pobre, sem saída para o mar e situado a milhares de quilômetros dos EUA.

A única razão pela qual entramos nessa guerra foi, em primeiro lugar, porque alguns malucos desorientados decidiram se esconder por lá e, consequentemente, tiveram muita sorte em realizar um violento ataque em solo americano. Uma vez que eles fossem dispersados, ou mortos, o Afeganistão voltaria a ser o lugar atrasado sem interesse estratégico que sempre foi.

O povo americano compreende isso, mas Obama teve de implementar uma estratégia para salvar as aparências, primeiro intensificando a guerra, para mais tarde se retirar. Se o próximo presidente - não importa quem seja - for inteligente, passará tanto tempo se preocupando com o Afeganistão quanto Jimmy Carter e Ronald Reagan passaram se preocupando com o Vietnã. Ou seja, nada.

Em terceiro lugar, na verdade, todo esse lamentável episódio deve ser visto como um fracasso colossal do establishment de segurança nacional americano. A futilidade da campanha afegã já era aparente anos atrás e ouvimos muitos depoimentos de soldados que retornaram de lá, diplomatas e pessoal ligado às organizações de ajuda humanitária, afirmando que os esforços, provavelmente, não surtiriam efeito.

Mesmo aqueles que continuaram defendendo a guerra admitiram que o sucesso exigiria uma década ou mais de envolvimento, além de mais centenas de bilhões de dólares de ajuda adicional. Nosso sistema de segurança nacional, entretanto, só conseguiu chegar à conclusão de que devia se retirar depois de promover uma escalada da guerra e desperdiçar mais vidas de soldados e consumir mais algumas centenas de bilhões de dólares.

Idealismo. Expus minha opinião sobre por que é difícil pôr fim a guerras dispendiosas. Hoje, simplesmente afirmo que é ainda mais difícil quando a cultura do establishment de segurança do nosso país recompensa a atitude belicosa e encara aquele que aconselha moderação ou prudência como um idealista covarde. Nada ajuda mais do que avaliações realistas e práticas dos custos e benefícios de medidas alternativas, mesmo quando a advertência já foi feita há muito tempo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

É CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR DE HARVARD, STEPHEN , WALT, FOREIGN POLICY, É CIENTISTA POLÍTICO, PROFESSOR DE HARVARD, STEPHEN , WALT, FOREIGN POLICY - O Estado de S.Paulo
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 18/08/2012

O strip-tease da política, por Ruy Fabiano



A julgar pela leitura inicial do voto do relator Joaquim Barbosa, não haverá concessão aos principais réus do Mensalão.
O tom acusatório do ministro, indiferente – e contrário - aos argumentos da defesa, está em sintonia com o raciocínio expresso pelo Procurador Geral, segundo o qual os múltiplos delitos dessa ação penal configuram uma ação orquestrada.
Sabe-se também, pelos sinais já emitidos – e reiterados -, que o voto do revisor, Ricardo Lewandowski, não é exatamente esse. Essa dicotomia entre relator e revisor, manifestada já na primeira sessão, autoriza também a previsão de que esse será um julgamento “tumultuado”. Está sendo.
A previsão, aliás, foi feita pelo próprio Lewandowski, já na questão de ordem inicial, da defesa, em que aderiu à tese de desmembramento do processo, de que resultaria o esvaziamento da ação penal, que ficaria assim restrita a três réus, detentores de mandato parlamentar. Os demais iriam à primeira instância.
Causou estranheza não apenas o tempo que levou para enunciar seu ponto de vista – uma hora e meia -, mas o fato de que já o manifestara, em sentido contrário, em uma das três oportunidades anteriores em que o STF já se pronunciara contrariamente a respeito. Era, como se diz, questão preclusa.
O revisor – embora não esteja obrigado a chancelar o relator - age habitualmente como um colaborador.
Acompanha-o na formulação de seu relatório, apontando e suprindo as eventuais falhas processuais. Lewandowski não agiu assim.
Nem percebeu, por exemplo, uma falha processual grave, apontada por um defensor público, de que resultou a exclusão do réu Carlos Alberto Quaglia da ação penal por cerceamento de defesa. O olho técnico do revisor comeu mosca.
Sua primeira intervenção, na sessão inaugural, surpreendeu o relator, que indagou por que não o alertara antes de seu ponto de vista, que mudaria o destino da ação. Poderia ser um dado isolado, mas o desdobramento das sessões mostrou que não. O próprio Lewandowski avisou que seu relatório seria distinto, alternativo.
Criou-se, assim, uma situação singular, em que o relator perde a condição de figura central do julgamento. E confirma, para quem tinha dúvidas, o sentido político dessa ação penal.
Por mais que os ministros insistam em dizer que se trata de um processo como outro qualquer, a ser examinado de um ponto de vista técnico, dentro da rotina judiciária, eles próprios sabem que não é, de modo algum, assim.
Se essa fronteira entre o técnico e o político já não é nítida em processos comuns, nos quais sempre há uma dose de subjetividade, muito menos o será numa ação penal que mobiliza a opinião pública e põe em cena não apenas os réus que lá estão, mas a própria política brasileira, no seu aspecto moral e funcional.
Os advogados de defesa, que postulam um julgamento técnico, são os primeiros a negá-lo. Todos, sem exceção, buscaram reduzir o leque de delitos – muitos dos quais por eles reconhecidos – a um “mero” caixa dois de campanha.
Não há dúvida de que caixa dois não é um crime novo (aliás, não consta que haja algum), nem é menos verdade que é cometido com a maior sem cerimônia. Isso, porém, não o legitima, nem exclui das penas da lei quem o pratica.
A propósito, a Justiça Eleitoral tem sido implacável quando algum se apresenta. Que o digam os governadores que perderam o mandato por tê-lo cometido de uns anos para cá.
A questão central, porém, não é essa – e o relator Joaquim Barbosa deixou isso claro: pouco importa em nome do quê um delito é praticado, importa que o foi.
E o Mensalão não é mais que isso: um conjunto de delitos, com o dinheiro público, praticado em conluio por agentes públicos e privados, para, segundo a acusação, remunerar ilegalmente parlamentares para votar com o governo; e, segundo a defesa, para bancar despesas eleitorais.
Numa ou noutra hipótese, a ré maior é a política brasileira, personalizada naqueles 37 réus. O duelo entre relator e revisor antecipa o que está em pauta: a preservação de um modelo ou a declaração de sua falência. O relator o está submetendo a um strip-tease implacável. Vejamos como o revisor sustentará que nem toda nudez deve ser castigada.

Ruy Fabiano é jornalista

Joaquim Barbosa: Juiz e Personagem, por Vitor Hugo Soares



Julian Assange ou Joaquim Barbosa?, eis a questão. O personagem desta surpreendente semana de agosto bem poderia ser o criador do Wikileaks. Afinal, apostando contra as probabilidades mais óbvias, Assange conseguiu o asilo solicitado ao Governo do Equador, "vitória importante", como ele próprio definiu, na mais recente batalha política, na guerra sem fim à vista, pelo direito à plena liberdade de informação e contra as infamantes acusações pessoais que pesam contra ele.
Cercado na embaixada equatoriana, em Londres, - sob forte pressão do Reino Unido, inconformado com a decisão partida de Quito; acusado de estupro na Suécia; fígado à prêmio nos Estados Unidos -, Assange resiste sem vacilações ou maiores temores aparentes.
Até a sexta-feira, 17, enquanto batucava estas linhas semanais, ele saboreava o tento conseguido. O que virá depois ainda é cedo para prever, mas isso é outra batalha, outra história sem tempo previsível para o desenlace. Pode esperar.
Diante disso, prefiro destacar o mineiro Joaquim Barbosa, ministro do Supremo Tribunal Federal, relator do intrincado e intrigante processo de julgamento dos réus do caso Mensalão, como a figura de maior destaque dos últimos sete dias.
Não só sob o ponto de vista dos fatos jornalísticos produzidos. Também pelos méritos por seu vigoroso e brilhante desempenho jurídico - profissional, aliados a uma dolorida performance pessoal - inesperada para alguns, improvável para outros, mas sempre marcada pelos princípios e os ditames da lei em busca da justiça.
O comportamento reto e inatacável, até aqui, do ministro relator neste rumoroso processo que mexe com os nervos do país - réus, juristas, empresas da mídia e seus jornalistas, políticos, donos do poder, ex-governantes, e a voz das ruas em geral - faz toda diferença na comparação entre Barbosa e Assange. E facilita a opção em favor do primeiro.
Pode parecer exagero, mas, ainda assim, corro o risco de afirmar: a atuação do ministro Joaquim Barbosa - marcada pela dor física implacável que o persegue há anos e a vontade inabalável de não perder o rumo em seus deveres de magistrado - tem sido até aqui a marca principal do polêmico julgamento. Merecedora de apreciação de Jorge Luis Borges, se vivo estivesse o notável escritor argentino.
Borges, afinal, é um mestre maior quando o assunto é o homem em seus labirintos. Na apresentação do livro de narrativas "Ficções", que aproveito para reler nesse agosto de 2012, encontro justificativas para o que penso e escrevo neste artigo semanal. Vale transcrever:
"Borges desce até às minúcias, na descrição desse labirinto, apresentando o reino do absurdo através do excesso do real... Este é o mundo de Borges e também o nosso: instituições, praxes, normas, hábitos, hipocrisia e perplexidades - o nosso controverso, solitário, "inútil e incorruptível mundo, tão lógico e tão real, onde "também a cicatriz antecede a ferida" e a vida sucede a morte", onde existimos, clones de seu (e nossos) labirinto".
Aspas fechadas, voltemos ao plenário do STF, na tarde da última quinta-feira.
Terminada a fase de apresentação das teses de defesa, pelos advogados dos 38 acusados no caso Mensalão - que fez muita gente bocejar e pegar no sono no pleno e na platéia - começou um debate aceso dos julgadores, de repente revigorados e atentos, sobre a forma de apresentação dos votos do julgamento.
Assim como no primeiro dia dos trabalhos, de novo duelaram o relator e o revisor do montanhoso e desgastante processo. Outra vez, o ministro Joaquim Barbosa fez o seu colega Ricardo Lewandowski beijar a lona, embora sem nocaute como da primeira vez, quando o revisor tentou desmembrar o julgamento.
Permitam a vulgar expressão do boxe, para confronto entre magistrados, mas é a melhor, figurativamente, neste caso exemplar. Barbosa defendeu votação em blocos, segundo os crimes. Ele, relator, votaria primeiro. Em seguida, o voto do revisor Lewandowski. Depois os demais ministros.
Lewandowski discordou, e defendeu que o certo seria o fatiamento das sentenças. Ele faria a leitura de todo o seu relatório - um arrazoado de mais de 1.200 páginas - e depois daria os votos sobre todos os réus. Finalmente os demais ministros.
O presidente do Supremo, Ayres Brito, ao intermediar a disputa, decidiu que cada ministro será livre para votar como queira. Mas ontem, em entrevista, foi claro ao adiantar que na retomada do julgamento, na semana que vem, os votos dos ministros serão dados conforme o proposto pelo relator.
Poupo o leitor de mais detalhes. A não ser para destacar o primeiro voto do ministro relator, pedindo a condenação, por corrupção, do ex-presidente da Câmara, João Paulo e do publicitário Marcos Valério, dois nomes emblemáticos do Mensalão.
É isso que faz do ministro Joaquim Barbosa o personagem da semana, por mérito. O resto, a conferir a partir de segunda-feira (20).