sexta-feira, 21 de abril de 2017

Fim Do Mundo, Novo Mundo. Por Fernando Gabeira



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Fim do mundo, novo mundo

Por Fernando Gabeira

… Foi graças às investigações e sólidas provas da Lava Jato que a imprensa conseguiu avançar, contribuindo com seu esforço para desvendar a engrenagem que sufocava o Brasil. O interessante é a crítica pendular que ela sofre…

 PUBLICADO ORIGINALMENTE NO ESTADÃO, "OPINIÃO", E NO SITE OFICIAL DE FERNANDO GABEIRA, WWW.GABEIRA.COM.BR, 21 de abril de 2017

A delação dos dirigentes da Odebrecht não trouxe tantas novidades para quem leu os vazamentos. No entanto, a forma como se apresentou – vídeos dos delatores, riqueza de detalhes e algumas surpresas – trouxe grande impacto mesmo para os que conheciam os dados principais da trama.

Para começar, alguns obstáculos técnicos: as denúncias não foram hierarquizadas e divididas em blocos. E o áudio das delações era bastante sofrível. Aliás, a qualidade do áudio é uma crítica que faço não apenas à Lava Jato. Parece que vivemos numa era pré-estereofônica, na contramão de uma tecnologia cada vez mais acessível.

Percebo à distância que grandes peixes passaram quase em branco, como o negócio dos submarinos com a França. Aliás, dos 200 depoimentos ainda em sigilo, quase todos tratam de aventuras internacionais e da participação do BNDES, algo que me interessa na proporção em que se esforçam para escondê-los. Nesse oceano de informações, algumas dolorosas, porque trazem também decepção sobre certas pessoas, escolhi uma frase de Emílio Odebrecht para comentar, aquela em que ele diz que a corrupção existe há 30 anos e ele não entende a surpresa da imprensa, que não a teria denunciado.

Reconheço que mostrar-se surpreso e ser ao mesmo tempo um observador da vida política nacional é contraditório. Só posso entender esse movimento de alguns comentaristas pelo desejo de empatia com seus leitores ou espectadores, estes, sim, sem o mesmo nível de informação, estupefatos com os bastidores das relações entre políticos e empreiteiros.

Percebo à distância que grandes peixes passaram quase em branco, como o negócio dos submarinos com a França. Aliás, dos 200 depoimentos ainda em sigilo, quase todos tratam de aventuras internacionais e da participação do BNDES, algo que me interessa na proporção em que se esforçam para escondê-los...

Não é verdade que o sistema de corrupção, ao longo dos anos de redemocratização, não tenha sido denunciado. A própria Odebrecht confirma isso ao confessar que sofisticou o processo depois da CPI dos Anões do Orçamento. O jornalista Jânio de Freitas foi um pioneiro ao desmascarar licitações fraudadas na Ferrovia Norte-Sul. Grandes operações da Polícia Federal, como a Castelo de Areia, morreram na praia porque a Justiça anulou as provas, algo que o ministro Gilmar Mendes chegou a sugerir para a Lava Jato.

O que a CPI não tinha nem a imprensa conseguiu foi o detalhe revelado agora pela delação: num dos maços de notas destinados a comprar o dossiê contra Serra havia uma etiqueta de uma empresa da cervejaria Itaipava. No contexto atual, o caso seria esclarecido a partir desse detalhe, desprezado nas investigações…

E posso me concentrar num episódio que conheço bem, para contestar parcialmente a fala de Emílio Odebrecht. Refiro-me ao caso que ficou conhecido, graças à esperteza de Lula, como o dos aloprados do PT. É a história dos petistas detidos com R$ 1,6 milhão em dinheiro, nas eleições de 2006. Eu era o relator da CPI dos Sanguessugas incumbido desse caso.

Ele tinha relação com a CPI porque José Serra, supostamente, seria denunciado pelos principais acusados de superfaturar ambulâncias.

Tentei desvendá-lo ouvindo depoimentos, era o instrumento que tinha. Os petistas estavam eufóricos com a reeleição de Lula. Não davam pistas.

A imprensa trabalhou muito. Dois repórteres da Veja chegaram a ser detidos na Polícia Federal de São Paulo. O então diretor da revista, Mário Sabino, foi indiciado por tentar informar os seus leitores.

O que a CPI não tinha nem a imprensa conseguiu foi o detalhe revelado agora pela delação: num dos maços de notas destinados a comprar o dossiê contra Serra havia uma etiqueta de uma empresa da cervejaria Itaipava. No contexto atual, o caso seria esclarecido a partir desse detalhe, desprezado nas investigações.

Não quero afirmar que a imprensa tenha sido uma combatente heroica da corrupção, sobretudo porque sob esse conceito mais geral há comportamentos muito distintos. Quero afirmar apenas suas limitações. Ela não pode quebrar sigilos bancários e telefônicos, muito menos realizar entrevistas seguidas de condução coercitiva.

O que mudou essencialmente o quadro foi a eficácia da Lava Jato. Ela evitou todas as armadilhas em que caíram as operações derrotadas pelo poderoso sistema de corrupção.

Foi graças às investigações e sólidas provas da Lava Jato que a imprensa conseguiu avançar, contribuindo com seu esforço para desvendar a engrenagem que sufocava o Brasil. O interessante é a crítica pendular que ela sofre. Quase sempre foi acusada de inventar denúncias. Recentemente, o PT qualificava os escândalos que o envolvem como uma “conspiração midiática”. Emílio Odebrecht a acusa-a de ter silenciado ao longo dos anos e fazer agora um grande estardalhaço. Mas a verdade é o quanto tanto a PF como os procuradores evoluíram com o tempo e com os fracassos relativos. E a própria imprensa se tornou mais cautelosa ao se mover em terreno tão delicado.

Alguns fatores tornaram a corrupção conhecida de quem observava friamente o processo, mais vulnerável que no passado. Um desses fatores é a maior transparência impulsionada também pela revolução digital…

Alguns dos mais importantes vazamentos foram em blogs, que têm uma estrutura mais leve e, por causa disso, ousam mais. O que Emílio Odebrecht não considerou em sua fala foram os enormes avanços havidos no Brasil, enquanto empreiteiras e políticos vivam num mundo à parte.

A experiência de vida mostra que muitas coisas que eram proibidas no passado passam a ser permitidas com o tempo, como, por exemplo, o divórcio e a união de gays. Mas história é mais complicada. Muitas coisas, antes toleradas, passam a ser proibidas com o tempo, como o assédio sexual por exemplo.

Alguns fatores tornaram a corrupção conhecida de quem observava friamente o processo, mais vulnerável que no passado. Um desses fatores é a maior transparência impulsionada também pela revolução digital. Outro aspecto importante, talvez inspirado pela Justiça americana, é a tática de rastreamento do dinheiro de propinas através dos labirintos do sistema financeiro internacional.

Finalmente, certas mudanças de atitude, como a da Suíça, foram fundamentais. A Suíça se abriu, a polícia brasileira mudou, a tolerância das pessoas comuns mudou, foram tantas mudanças que é bastante compreensível que a bolha tenha estourado agora, e não antes, apesar de inúmeras tentativas frustradas.

Mesmo sem me importar com os risos pragmáticos, diria que Emílio poderia aprender com o escândalo uma lição mais valiosa que sua fortuna: a impermanência de tudo, o constante processo de mudanças.

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10458485_1376891839298406_6201929245490399277_nFernando Gabeira*– é escritor, jornalista e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro. Atualmente na Globo News, onde produz semanalmente reportagens sobre temas especiais, por ele próprio filmadas (no ar aos domingos, 18h30, e em reprises na programação). Foi candidato ao Governo do Rio de Janeiro. Articulista para, entre outros veículos, O Estado de S. Paulo e O Globo, onde escreve aos domingos.

“CHEGAMOS AQUI ATRAVÉS DO VOTO POPULAR!” - por Percival Puggina



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Percival Puggina

É o que tenho ouvido de muitos congressistas empenhados em drenar da dignidade do voto algumas gotas de virtude para substituir os hectolitros dessa mesma substância moral que deixaram verter pelo caminho.

Como assim, Excelência? Não dá para resgatar a honra do voto popular se ele foi obtido por péssimos meios para ainda piores fins. O que a cada dia fica mais evidente perante os olhos da sociedade brasileira é que um número substancial de mandatos em pleno uso de seu poder de fogo são mandatos usurpados, obtidos fora das regras do jogo e perverteram a representação democrática.

A questão já foi posta por outros analistas, mas cabe reavivá-la aqui: o que é social e moralmente mais danoso? Fazer uso de dinheiro roubado para robustecer o patrimônio pessoal, ou para perverter a democracia mediante abuso do poder econômico durante a disputa eleitoral? Parece claro que atacar a virtude da disputa política, viciar a representação, corromper o voto popular é muito mais funesto. A certeza se extrai de realidade palpável porque – feitas as muitas devidas, honradas e honrosas exceções -, é impossível negar que tais práticas têm contribuído, de modo crescente, para desqualificar a representação, apetrechando o país com uma cada vez menos confiável, menos competente e menos esclarecida elite política.

Converse com antigos servidores de qualquer poder legislativo e ouvirá o testemunho do fato: a cada legislatura decai a qualidade da representação parlamentar, até sermos arrastados às atuais societas sceleris. Depois, observe os resultados dos pleitos presidenciais e me diga se alguma empresa, de capital aberto ou fechado, com acionistas ou proprietários, entregaria seu comando a pessoas como Lula e Dilma Rousseff. No entanto, o Brasil confiou-se a eles em quatro pleitos sucessivos.

Acompanhei em Porto Alegre, a última eleição da Câmara Municipal e sei o quanto ela, com recursos limitados a pequenas doações pessoais, dependeu principalmente da atividade voluntária de apoiadores e do trabalho diuturno dos candidatos. Bem diferente do que estava habituado a observar, quando, às primeiras horas do início efetivo das campanhas, a cidade amanhecia com suas principais avenidas tomadas por material publicitário de meia dúzia de candidatos.

Obviamente, a democracia ganha muito mais quando quem tem que buscar voto é a pessoa do candidato, quando é ele que trabalha e não sua máquina eleitoral, formada por legiões de militantes pagos, frotas de veículos e muito recurso sonante para atender demandas de cabos eleitorais espalhados de uma forma que lembra a tomada de território em guerra de ocupação. 

Não venham, então, os que se locupletam com caixa dois, os mercadores de emendas, os que mascateiam favores, os beneficiários de exuberantes e mal havidos fundos partidários, advogar, em benefício dos próprios pescoços, por listas fechadas, abuso de autoridade, anistia de caixa 2. A nação dispensa tais trabalhos! É hora, então, de os bons congressistas se unirem para o expurgo dos maus.


* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site http://www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

O VENENO DA MENTIRA E A EDUCAÇÃO -por Percival Puggina


 Percival Puggina – 19.04.2017

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Percival Puggina

 “Um país se faz com homens e livros”, ensinou Monteiro Lobato ao Brasil de seu tempo, de maioria analfabeta. Por via de consequência, podemos afirmar que a construção de um país passa, também, por professores e livros didáticos. Estas verdades acacianas foram entendidas pelos totalitarismos, que sempre usaram o sistema de ensino para a indigna tarefa de moldar gerações segundo os devaneios de seus dirigentes políticos. E a missão prossegue, mesmo em regimes de feição democrática, mediante infiltração, para idêntico fim, de modo militante, nas mentes dos homens e na alma dos livros.

 Não é só a escola, portanto, que deve ser sem partido. Também ao material didático impõe-se essa condição. Contam-se às dezenas de milhões os livros que os governos de esquerda e centro-esquerda enviaram às escolas para transmitir aos estudantes brasileiros visões distorcidas da política, da economia, da história, da vida social, do cristianismo e da Igreja Católica. Tivessem maior credibilidade os militantes da causa, não fossem tão escandalosamente sectários, não abusassem tanto do poder de ensinar que lhes foi outorgado, não fossem tão desautorizados pelos fatos, e o estrago teria sido muito maior.

 A mais recente edição do Fórum da Liberdade – “O futuro da democracia” – foi uma evidência de que nem tudo está perdido. Milhares de estudantes lotaram espontaneamente o auditório da PUC/RS, durante dois dias, para assistir e aplaudir, com entusiasmo, conferencistas nacionais e internacionais que discorreram sobre liberdades políticas e econômicas, autonomia do indivíduo, papel subsidiário do Estado, empreendedorismo e causas estruturais da pobreza e da riqueza. Chega a ser surpreendente que aqueles jovens procedessem de salas de aula nas quais apenas 20% dos professores se consideram politicamente neutros; onde 86% deles, na opinião dos alunos, transmitem um conceito positivo de Che Guevara, e 78% creem que seu principal papel seja o de “formar cidadãos” já se sabe para quê (matéria completa do Spotniks aqui).

 Mas não é só por livros didáticos e professores militantes que o veneno da mentira e da ocultação da verdade a serviço da causa se infiltra no meio estudantil. Tal prática parece correr solta, também, em sites com conteúdos escolares. É o de que me adverte um leitor, diante de matéria no portal “Brasil Escola”. No meio de um texto que descreve a situação da Alemanha no período entre as duas grandes guerras e o surgimento do nazismo, o autor do conteúdo permitiu-se instalar este “jaboti”:

“Em 1917, a Rússia, comandada pelo socialista Lênin, derrubou o governo do Czar Nicolau II e instaurou uma nova forma de governo democrático: o comunismo. Os países que baseavam suas economias no capitalismo e na exploração do trabalhador se viram ameaçados. Uma onda de movimentos antidemocráticos surgiu no cenário mundial, com o intuito de conter o crescimento do comunismo.”

Se você enxerta uma opinião pessoal em meio a um relato histórico neutro, você amplia a credibilidade da propaganda que faz. Mutretas como essa saltam de livros didáticos, sites de educação, polígrafos, provas escolares, exames do ENEM, mostrando que Escola sem Partido é uma imposição da realidade. Para dizer como os “companheiros”: é preciso problematizar essa falta de escrúpulos e de limites. O país não pode ficar refém do atraso e da perfídia de deseducadores.


* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site http://www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

6 fatos que mostram por que a nossa Constituição não faz o menor sentido




Geralmente criadas após momentos de ruptura, Constituições costumam marcar a história de um povo, decretando o fim de um período e abrindo alas para um novo arranjo político.
Na França, a Constituição de 1791 foi fruto da Revolução Francesa. Os Estados Unidos, por sua vez, até hoje mantêm a constituição feita em 1787 na esteira do seu processo de independência.  
O documento americano chegou a ser único no mundo. Suas três primeiras palavras (“We, the People” / “Nós, o povo”) mostraram pela primeira vez na história um país onde o poder não emanaria do rei, de deuses, ou de aristocratas – mas do povo. Diferente do usual até então, não seria o povo a servir ao estado, mas o povo que faria o estado servi-lo, atendendo propósitos específicos.

Ao contrário dos EUA, nós somos um país que sofre com rupturas com extrema facilidade. Não por acaso, desde nossa independência tivemos nove constituições diferentes. Algumas com o único propósito de dar poderes ditatoriais ao chefe do Executivo e acabar com qualquer resquício de liberdade garantido pelo texto constitucional anterior.
A Constituição de 1988, por outro lado, pretendia o oposto – queria garantir que o Brasil nunca mais enfrentasse uma ditadura. Ainda assim, na Assembleia Constituinte, sobravam deputados e senadores que até pouco tempo tinham apoiado o regime militar.
A falta de um espírito unificador, que fosse além do fim da ditadura, somado ao momento histórico que o mundo vivia, com o Muro de Berlim ainda em pé, acabaram produzindo umas das constituições mais bizarras e sem sentido da história. E se você não acredita nisso, precisa dar uma olhada nos pontos a seguir.

1. Promete o Jardim do Éden, mas entrega o Brasil

Em sua redação original, o Art. 6 da Constituição pôs como direito de todo brasileiro “a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Sucessivas emendas incluíram cada vez mais coisas – na última, o transporte também virou um direito social.
Constitucionalistas chamam este tipo de norma, que apenas enuncia “direitos”, mas não diz como alcançá-los, de normas programáticas enunciativas. Afirmam que sua função é justamente apontar o caminho que o país deve seguir, e não o tornar perfeito da noite para o dia. A despeito disso, sua existência define o trabalho que juízes, legisladores e administradores públicos farão.
Ao declarar que a saúde é um direito de todos e dever do estado, o constituinte abriu espaço para uma enxurrada de ações judiciais exigindo tratamentos e remédios cada vez mais caros.  E não há como escapar da lógica: ao atender o pedido de um paciente, o magistrado pode estar deixando vários outros sem atendimento.
Em São Paulo, um orçamento de R$ 600 milhões atende 700 mil pacientes inscritos no programa normal de assistência farmacêutica. Não obstante, nos últimos anos, a Secretaria de Saúde teve que separar R$ 900 milhões de reais para atender 2.000 pessoas que conseguiram na Justiça o direito de o estado bancar remédios de alto custo.
Apesar de medidas como esta serem defendidas em nome dos mais pobres, a judicialização destas questões tem como efeito imediato o aumento das desigualdades. No estado de São Paulo, apenas 1 em cada 10 processos sobre o tema tem origem na Defensoria Pública, que atende aqueles que não tem como pagar um advogado.
Em 2014, quase 7 em cada 10 pedidos tinham como base laudos de médicos que atenderam na rede privada. Se o texto diz que todos têm “direito à saúde”, a bem da verdade quem pode pagar bons advogados consegue furar a fila. E o brasileiro comum continua onde sempre esteve.
Hoje, constituintes importantes admitem que não sabiam exatamente o que estavam fazendo. O fato da União Soviética ter se desintegrado apenas alguns anos depois, fez com que muitos membros da Assembleia Constituinte sonhassem com um estado máximo, interventor de tudo e todos, durante a votação de projetos.
Para Nelson Jobim, ex-ministro da Defesa nos governos Lula e Dilma, ex-presidente no Supremo Tribunal Federal (STF), ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso e ex-Constituinte pelo PMDB, o fato da maioria expressiva da Constituinte não ter tido experiências no Executivo também contribuiu para a falta de visão do que poderia ocorrer.
Infelizmente, o legislador constitucional não percebeu o básico: qualidade de vida está diretamente associada à riqueza. E riqueza está associada à liberdade.
Países mais livres economicamente permitem que seus cidadãos possam ganhar seu próprio dinheiro e “comprar” seus direitos sociais. Países mensurados de forma objetiva como mais livres têm renda per capita 800% maior que os menos livres. O crescimento do seu PIB também é três vezes mais rápido.
Países livres também são mais felizes. Um estudo recente feito com 86 países pela pesquisadora Kai Gehring, da University of Goettingen, na Alemanha, concluiu que a liberdade, além de estar associada à riqueza, eleva o bem-estar dos cidadãos, ao permitir que eles busquem sua própria felicidade, e não aquela definida pelo estado.
A nossa Constituição nos joga na contramão deste caminho. Um rol tão grande de serviços a serem ofertados pelo estado exige cargas tributárias e controle cada vez maiores, inviabilizando completamente a produção de riqueza pelo povo.

2. Dificulta a administração do país

“O que ocorreria se se um dos melhores gestores do mundo estivesse à frente do Ministério da Saúde e tivesse conseguido de forma excepcional renegociar todos os contratos com fornecedores e economizar 50% do orçamento do ministério?”
Foi essa a pergunta que os economistas Bernard Appy, Marcos de Barros Lisboa, Marcos Mendes, e Sérgio Lazzarini fizeram no artigo “A Rigidez do Gasto Público: Problemas e Soluções”. A resposta? Bem, ela é surpreendente: o estado continuaria gastando a mesma coisa.  
Os gastos com saúde, educação e assistência social foram enrijecidos pela Constituição. O gestor não tem margem para mexer nesses parâmetros, exceto hipótese de conseguir aprovar uma emenda constitucional.
O que num primeiro momento parece positivo, vem se revelando um desastre. Como a quantidade de dinheiro repassada não pode diminuir, o gestor público tem incentivos para sempre gastar mais, dando pouco importância à eficiência. Em apenas 7 anos, entre 2007 e 2014, o Ministério da Educação contratou 90 mil pessoas. O resultado? A despeito do orçamento do MEC aumentar continuamente, a qualidade do ensino permanece estagnada.
Para piorar, a rigidez imposta pelo texto constitucional acaba ignorando transformações básicas de um país. Com a fertilidade caindo, em breve o Brasil terá que gastar menos com educação e mais com idosos – mas o orçamento continuará o mesmo.  
De fato, como a Constituição determina que os gastos devem ser feitos de forma anual, o administrador público fica impossibilitado de organizar uma poupança para tempos ruins. Quando a crise chega e o país se vê obrigado a economizar para sair mais rápido dela, a nossa estrutura de gastos, imposta pela Constituição, nos amarra no fundo do poço.

3. É corporativista em sua essência

Como você deve supor, a palavra “povo” aparece com frequência ao longo da nossa Constituição: nove vezes. O que você desconhece, provavelmente, é que “Ordem dos Advogados do Brasil” aparece apenas duas vezes menos. É evidente que a OAB não tem a mesma importância para o país que o seu povo, mas o dado curioso revela muito sobre como a Constituição foi escrita.
O jurista Miguel Reale Júnior costumava dizer que “a Constituinte servia da tanga à toga”. Todos os grupos de pressão se sentiram bem representados pelo texto constitucional.
As grandes indústrias garantiram financiamento, pago com dinheiro do trabalhador, para “programas de desenvolvimento econômico“ promovidos através do BNDES. As empresas jornalísticas? Proibiram a concorrência de fora do país. Esportistas? É dever do estado fomentar suas práticas.
O lobby foi tão intenso dentro da Assembleia Constituinte, que a Constituição faz menção até mesmo a um colégio. De acordo com o parágrafo II, do art. 242, o colégio Pedro II deve permanecer sendo sustentado e administrado pelo governo federal.
Nelson Jobim afirma que naquela época ele aprendeu o que se chamava de sociedade civil:
“Eram grupos organizados, que queriam defender seus interesses ou congelar seus interesses na apreensão do Estado.”
Em parte, muita coisa acabou indo parar dentro da Constituição por um descuido. Para aprovar um texto na Assembleia Constituinte, era necessário apenas conquistar maioria absoluta em uma sessão unicameral. Uma legislação que fosse passar pelo rito comum precisava de maioria absoluta ou simples na Câmara, a depender do tipo de lei, depois no Senado, e ser sancionada pelo Chefe do Executivo, que ainda poderia vetá-la. Em dado momento, foi mais fácil por um texto na Constituição do que na legislação ordinária – e os nossos congressistas abusaram deste poder.

4. Protege a liberdade de expressão, mas nem tanto

Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos é um dos grandes pilares em defesa da liberdade de expressão em todo o mundo. O texto é claro: o Congresso não tem o poder de fazer leis que restrinjam a liberdade de expressão, o exercício de uma religião ou a livre associação.
E a coisa é levada a sério. Quando a Ku Klux Klan teve seu direito de marchar nas ruas do estado do Texas, a União pelas Liberdades Civis Americanas escalou o advogado negro Anthony P. Griffin para defendê-los. Griffin não via problema em defender a liberdade de expressão de racistas – um membro da Associação Nacional pelo Progresso das Pessoas de Cor, ele lembrava que na década de 60 era a sua organização a ser protegida pela Primeira Emenda dos ataques da lei.
Na terra dos ianques, a liberdade de expressão não é encarada apenas como um simples direito, mas uma forma pela qual a sociedade pode promover mudanças. De tal maneira que, até mesmo o discurso feito de forma anônima é protegido. A ideia é que indivíduos com opiniões impopulares não se sintam compelidos a ficarem calados.
Não poderia ser diferente – grandes documentos foram escritos dessa forma. Alexander Hamilton e James Madison, por exemplo: escreveram os famosos “Artigos Federalistas”, em que argumentam pela ratificação da Constituição americana, sob pseudônimos.
No Brasil, a nossa Constituição trata o assunto de maneira diferente. Ela até diz que a manifestação de pensamento é livre, mas o anonimato, por outro lado, é vedado, nos fazendo perder umas das mais importantes proteções ao discurso.
Além disso, a interpretação que os nossos magistrados dão a esta proteção é restrita. Enquanto nos EUA, a Suprema Corte decidiu que ocupantes de cargos públicos só podem processar veículos de notícias se provarem a má fé de quem publicou uma reportagem errada, aqui, um dos maiores jornais do país, O Estado de São Paulo, encontra-se há oito anos sem poder falar dos desdobramentos da Operação Boi Barrica, que atinge José Sarney e sua família.
Somado a isso, o lobby feito para impedir a entrada de estrangeiros no mercado jornalístico no Brasil, e a obrigação que o serviço de radiodifusão seja feita apenas mediante concessão – isto é, aprovação do estado – tornou nossa imprensa incrivelmente concentrada e blindada à concorrência externa.
Repórter Sem Fronteiras vê isso como um problema. Além da concentração, uma parte razoável da mídia brasileira, principalmente no interior do país, está ligada a grupos políticos e depende do dinheiro estatal. No Maranhão, o Sistema Mirante de Comunicação – dono da TV Mirante, afiliada local da Globo, Mirante FM e Jornal Mirante – até 2014 pertencia formalmente a Fernando Sarney, filho de José Sarney.
Com a internet, portais de notícias estrangeiros como El País e BBC vêm tentando se estabelecer no país. Mas a festa pode não durar muito. Recentemente, a Associação Nacional de Jornais (ANJ), ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.613) pedindo para que o Supremo Tribunal Federal dê fim às suas atividades.

5. Ela é propositalmente ambígua

No Brasil, o direito de propriedade é garantido, desde que a propriedade cumpra sua função social e sua desapropriação por necessidade ou interesse público não sejam necessários, caso em que o estado pagará justa e prévia indenização em dinheiro – exceto, é claro, nos casos que a Constituição prever o contrário.
Em apenas três incisos do mesmo artigo (XXII, XII, e XIV do Art. 5) é possível encontrar tanto garantias, quanto ressalvas às garantias, e garantias dentro das ressalvas, que, por sua vez, também apresentam ressalvas.
É difícil compreender o que a Constituição brasileira protege e como. Apesar de parecer um erro em um primeiro momento, a ambiguidade do texto aprovado foi simplesmente uma característica do processo constituinte.
De acordo com constituintes da época, se o texto era muito claro, ele simplesmente não era aprovado. Para se obter maioria, era necessário encaixar um sem número de interesses, e a única forma possível seria expandindo os meios por quais a futura norma poderia ser interpretada.
Neste cenário, a insegurança jurídica reina. Todos os dias uma nova interpretação constitucional válida é apresentada e aceita pelo Poder Judiciário. O que em outras palavras escancara que a estabilidade e previsibilidade que um país tanto precisa para crescer simplesmente não existe por aqui.

6. Já tem 95 emendas

Ao longo dos seus quase 300 anos de história, a Constituição dos Estados Unidos da América recebeu 27 emendas. Uma média de nove emendas por século – sendo que aproximadamente um terço delas foi escrita 1791, no que ficou conhecido como Declaração de Direitos, e visava expandir as garantias e liberdades do americano, e outras duas foram gastas proibindo e depois liberando a produção de bebidas alcoólicas.

Faz ideia de quantas vezes nós apelamos para esse artifício? 95 vezes desde sua promulgação em 1988. Uma média superior a trinta emendas por década.
Entendeu o ponto aqui? Não é tarefa exclusiva minha dizer que a Constituição não faz sentido: legislatura após legislatura, a Constituição tem que ser reformada porque é impossível lidar com sua versão original.

FONTE - http://spotniks.com/6-fatos-que-mostram-por-que-a-nossa-constituicao-nao-faz-o-menor-sentido/