O plebiscito que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit) e a eleição de Donald Trump presidente dos EUA mostraram que o populismo está em alta no mundo, inclusive em países com elevados níveis de renda e instrução, boas instituições e imprensa livre e atuante. De fato, muito do risco político e econômico que se antevê para 2017 vem do receio de que populistas vençam as eleições deste ano na Holanda, na Itália e, principalmente, na França, onde Marine Le Pen, da Frente Nacional, defende a saída do país da Zona do Euro e o calote na dívida pública.
A Enciclopédia Britânica define “populismo” como um movimento político que pretende representar as pessoas comuns — “o povo como massa”, na linguagem do Aurélio —, usualmente contrastando-as com uma elite, que associa, entre outros, às grandes empresas e ao sistema financeiro. Há uma linha tênue separando o popular do populista. Ambos apelam ao cidadão comum, mas apenas o populista se apresenta como único representante legítimo do povo, da maioria silenciosa.
Jean-Werner Mueller, autor de livro recente sobre o assunto, observa em entrevista para a Bloomberg que o foco do populista não são as discordâncias sobre que políticas seguir, mas os ataques às pessoas dos concorrentes: segundo o populista, seus oponentes políticos são todos pessoas desonestas, parte da “elite interesseira e corrupta”, que trai e explora o povo. Além disso, todo populista opera com uma diferenciação moral e categórica entre o “povo de verdade, puro” e aqueles que a ele não pertencem. Em especial, os eleitores que não comungam das opiniões do populista são automaticamente excluídos do “povo de verdade, puro” e rotulados de fiéis à “elite interesseira e corrupta”.
A Economist observa que o populismo é uma “ideologia leve”, que pode ser casada com facilidade a outras manifestações ideológicas mais elaboradas. O que explica termos populistas com todo tipo de ideologia: de direita e de esquerda (Collor e Lula, por exemplo), contra e a favor de imigrantes, contra e a favor de drogas etc.
O populista se apresenta como o único representante legítimo do povo, mas sem necessitar ele mesmo ser um oriundo desse “povo de verdade, puro”. Trump e seu ministério de bilionários são um bom exemplo disso. Collor é outro exemplo. A proximidade de Lula com empresários, banqueiros e outros amigos da elite, outro exemplo ainda. O que pode gerar a situação algo surreal de um membro da elite se apresentar como representante do “povo” na luta contra a própria elite.
Apesar de se apresentar como defensor do povo, o populismo é intrinsecamente antidemocrático. Ele se baseia em desqualificar a pessoa dos oponentes e as próprias instituições, inclusive as eleitorais. Um exemplo é a acusação de Trump de que sua derrota no voto popular se deveu a votos ilegais.
O populista tende a ficar mais antidemocrático quando se elege. Carente de boas políticas para lidar com os problemas nacionais, em geral ele aposta no conflito entre classes e grupos e busca enfraquecer as instituições, em um esforço de aumentar seu poder. Hugo Chaves é um bom exemplo.
A vitória de um político populista pode ter, portanto, consequências não triviais para um país. Até que ponto corremos esse risco nas eleições presidenciais de 2018?
Minha leitura é que haverá mais de um candidato presidencial com esse perfil, à esquerda e à direita, mas que ainda é cedo para concluir se serão suficientemente competitivos para vencer as eleições. Quatro fatores serão decisivos a esse respeito.
Primeiro, o estado da economia. Se o PIB estiver crescendo bem, o desemprego em queda e a inflação sob controle, dificilmente a maioria dos eleitores, que tem perfil conservador, vai embarcar em uma dessas candidaturas. Segundo, o grau de desgaste das instituições democráticas: quanto maior este for, mais o populismo prospera. As revelações da Lava Jato, entre outros fatores, vão ser determinantes nessa dimensão.
Terceiro, como as campanhas eleitorais vão se virar sem o financiamento empresarial e em que medida as redes sociais serão efetivas no ataque aos adversários. Por fim, o grau em que os partidos de centro serão capazes de se unir em torno de uma única candidatura. A eleição municipal de 2016 no Rio de Janeiro exemplifica como, mesmo que numeroso, o centro pode ser excluído do segundo turno se seus votos forem pulverizados entre muitos candidatos.
Fonte: “Correio Braziliense”, 22 de fevereiro de 2017.