domingo, 21 de outubro de 2012

Decisão sobre casos de empate deve gerar divergências no STF


Há controvérsias entre o benefício automático aos réus ou o voto de minerva


RIO - Assim que terminar o julgamento da última fatia do processo do mensalão, sobre formação de quadrilha, nesta semana, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entrarão num debate que deve gerar novas divergências entre ministros, justamente sobre os casos em que o tribunal não conseguiu concluir sobre a responsabilidade dos acusados. Até aqui, há seis casos de empate entre votos por condenação e absolvição. Este também pode ser o destino das acusações contra José Dirceu e José Genoino na acusação de formação de quadrilha. Para os dois petistas, o placar até o momento está em 1 a 1.
A discussão sobre os empates acontecerá provavelmente antes de os ministros se debruçarem sobre a dosimetria das penas nos casos em que houve maioria pela condenação. Uma coisa é certa: por seu perfil de buscar decisões consensuais no condução da corte, o presidente Ayres Britto levará a questão para ser decidida em plenário, por debate e votação entre todos os ministros.Há três possibilidades para resolver os empates: a obediência ao regimento interno do STF, que determina o voto de minerva do presidente da corte; a prevalência do princípio jurídico “in dubio pro reo” (na dúvida, a favor do réu), que garantiria a absolvição dos acusados; ou aguardar que o futuro ministro Teori Zavascki assuma sua cadeira e vote, esta a hipótese menos provável pela falta de tempo, já que sua indicação ainda precisa ser aprovada no plenário do Senado.
É aí que podem surgir as próximas grandes controvérsias do julgamento, num embate jurídico entre os ministros que defendem a adoção do “in dubio pro reo” e os que preferirão que os casos sejam desempatados pelo voto de minerva do presidente. Entre especialistas em direito, o tema gera divergências.
— O “in dubio pro reo” se aplica. É um princípio jurídico, deve prevalecer sobre o regimento interno do STF, que é uma resolução, um ato administrativo. O mensalão é uma ação penal, cujas penas afetam o bem sagrado da liberdade. Nestes casos, quando empata, o normal é o benefício automático ao réu — diz o professor de Direito da UnB Mamede Said.
Para a professora da FGV/Direito Rio Tânia Rangel, o correto seria que o presidente do STF desse o voto de minerva.
— No Direito Penal, mais importante que o “in dubio pro reo” é o princípio da legalidade. Na lei de ação penal, não há previsão sobre como decidir empates. Então, passa-se ao regimento do Supremo, que determina que os empates sejam decididos pelo voto do presidente, com única exceção para os casos de habeas corpus, onde o empate beneficia o réu — defende Rangel, lembrando que os ministros já devem estar formando convicção sobre como o tribunal deve proceder. — O primeiro caso de empate, do José Borba, foi já há várias semanas. Acredito que o presidente Ayres Britto costure um acordo antes da discussão no plenário, pois é um tema que pode gerar muitas divergências e discussões.
Um detalhe importante é que o voto de minerva do presidente não necessariamente será o mesmo que ele deu anteriormente, o que soaria como aparente contradição. Nos seis casos de empate até aqui, o presidente Ayres Britto foi um dos que votaram pela condenação. Mas não será surpreendente, nem mesmo contraditório, se ele der o voto de minerva pela absolvição.
— O presidente pode entender que o caso teve muita controvérsia, houve empate, e, valendo-se por exemplo do princípio “in dubio pro reo”, absolver o acusado — lembra Tânia Rangel.
A professora da FGV/Direito diz que são raros os casos, na história do tribunal, em que o presidente do Supremo teve de dar o voto de minerva.
— Desde a Constituição de 1988, aconteceu só uma vez, ano passado, quando o então presidente Cezar Peluso deu o voto de minerva a favor do senador Jáder Barbalho (PMDB-PA), que estava impedido de assumir o mandato pela Lei da Ficha Limpa — recorda
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É sujo e ao barro voltará, por Carlos Brickmann



Carlos Brickmann, Brickmann & Associados
A mudança no Regimento Interno da Câmara dos Deputados só oficializa uma prática inacreditável da Casa: a "semana de três dias", pela qual as Excelências, embora recebam pela semana inteira, trabalham, quando o fazem, de terça a quinta. Mas oficializar uma prática nojenta, em vez corrigi-la, é também nojento.
O inconcebível presidente da Câmara, Marco Maia, do PT gaúcho, teve a ousadia de dizer que não há Parlamento no mundo que trabalhe como o nosso. É verdade: não há Parlamento no mundo que trabalhe como o nosso.
Trabalha pouco, trabalha mal, trabalha sem olhar os custos - isso é coisa para o caro leitor e para este colunista, que têm de esticar o dinheiro até o fim do mês. E como custa caro! Inúmeros prédios suntuosos, com grife de Oscar Niemeyer, muito mármore, muito granito, muitos carpetes, assessores que nem cabem nos gabinetes - e isso, a propósito, não causa problemas, porque boa parte nem aparece por lá. E mais assessores, ainda, para manter nas bases eleitorais, tudo por nossa conta.
Não devemos esquecer, claro, o sem-número de passagens aéreas à disposição de cada parlamentar, nem os magníficos salários complementares - auxílio-paletó, para que as Excelências possam renovar sempre seus guarda-roupas e aparecer bem na TV Câmara, salários extraordinários, ajudas de custo, apartamentos funcionais periodicamente reformados e com nova mobília - coisa fina!


Se os deputados oficializaram a semana curta, é claro que ninguém é de ferro. De que serão? A Bíblia responde: são de barro.
E na pior acepção do termo.

Carlos Brickmann é jornalista
carlos@brickmann.com.br  www.brickmann.com.br

Lincoln Secco: "A imagem do PT continuará a se desgastar"



O professor da USP, autor de "A história do PT", afirma que, apesar de o mensalão influenciar pouco o eleitorado, altera a visão da sociedade sobre o partido

ALBERTO BOMBIG

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O professor da USP Lincoln Secco (Foto: Marcelo Min/Fotogarrafa/ÉPOCA)
O professor de história contemporânea da USP Lincoln Secco publicou no ano passado a primeira obra do Brasil a tentar reconstituir a trajetória do PT. Aborda o partido desde a sua criação, em 1980, até o final da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência (2003-2010). Apesar de seu passado como militante petista, Secco não se furtou a abordar de maneira crua em A história do PT(editora Ateliê Editorial) a crise que explodiu em 2005 com o mensalão. Por isso, recebeu críticas do Partido dos Trabalhadores. Neste momento, em que o julgamento do mensalão se encaminha para o final no Supremo Tribunal Federal, com a condenação de vários dirigentes do PT, Secco afirma que os veredictos devem alterar a visão da sociedade sobre o PT. Segundo ele, o julgamento no Supremo é o “julgamento político da gestão Lula”.
ÉPOCA – No seu livro A história do PT, o senhor aborda de forma clara a crise de 2005 aberta no partido pela denúncia do mensalão. Diz que "os escândalos de 2005 atingiram muito mais o PT do que o governo". Agora, com o processo praticamente concluído no STF, quais adendos o senhor faria a esse capítulo?
Lincoln Secco –
 Eu escrevi recentemente que o mensalão influenciaria muito pouco a decisão do eleitor. Mas a imagem do PT continuará a se desgastar. No livro, eu procurei me distanciar do juízo de valor sobre os fatos e apresentar a disputa política em torno deles. Que houve crime, não há dúvida. Não é preciso que o STF nos diga. O que exige reflexão é a condenação por compra de votos, que na percepção do PT é diferente de caixa dois. Ela não muda o destino político dos réus porque eles já estavam fora da vida pública mesmo. Mas altera a visão que temos do partido.
ÉPOCA – Como altera?
Secco –
 O PT já havia perdido o discurso ético, mas a absolvição lhe teria devolvido certa força. Também perde capacidade de dirigir aliados, pois não demonstrou força nem a solidariedade interna que em situações limite unia seus líderes. Quem agora se arrisca pelo partido, em “nome do objetivo maior” nas situações de caixa dois ou qualquer outra que tangencie os limites da lei?
O PT adquiriu um forte senso de sobrevivência eleitoral, mesmo às custas de lançar os seus velhos marujos ao mar "
LINCOLN SECCO
ÉPOCA – Figuras históricas do PT sofreram com as condenações. A tendência é elas saírem de cena ou seus poderes serem diminuídos?
Secco – 
Os condenados já tinham abandonado a cena política para entrar na história. A batalha deles passou a visar ao passado, e a carta de José Dirceu mostra isso. Ele sintomaticamente escreveu uma mensagem intitulada "Ao povo brasileiro”, como aquela outra carta que ele e Lula avalizaram em 2002. Dirceu defende o legado do governo do qual participou como a principal causa de sua condenação. Dirceu e Genoino foram presidentes do maior partido de esquerda da história do Brasil. E eu me pergunto como foi possível um “exército” vencedor indicar os juízes que condenaram os seus “generais”? Seria o PT tão republicano a ponto de aceitar a imparcialidade do STF? Mas então por que agora os seus dirigentes reclamam das sentenças? A imagem que o partido deixa é outra: ele tem uma direção fraca, que foi incapaz de defender as suas maiores lideranças. Ninguém parece querer se mobilizar a seu favor, nem a direção nacional teve até agora coragem de convocar protestos contra o STF. Decerto, a coincidência do julgamento com as eleições deixa o PT no canto do ringue. Mas e depois?
ÉPOCA – Não se trata de aceitar a imparcialidade? Em uma democracia, o Judiciário é um Poder independente que pode, no limite, colocar um presidente na cadeia.
Secco – 
O STF é imparcial à medida que segue a lei. Mas a lei é produto de um consenso social de uma época e admite interpretações. Além disso, a suprema corte é um tribunal político por excelência, já que ao contrário da maioria dos juízes brasileiros (concursados), os do STF são nomeados pelo presidente e ratificados pelo Senado. O PT (por sua origem socialista) não costumava aceitar essa imparcialidade. Um lema do PT inicial era "a luta faz a lei". Eu acredito que o STF tenha perdido uma oportunidade de condenar alguns réus sem seguir um calendário eleitoral e uma teoria nova: a do domínio funcional do fato.
ÉPOCA – Como o senhor prevê o futuro do PT sob Dilma?
Secco – 
O PT adquiriu um forte senso de sobrevivência eleitoral, mesmo às custas de lançar os seus velhos marujos ao mar. Ele continuará a ser uma importante agremiação política porque tem uma presença enraizada em setores mais pobres da sociedade. O tempo da expectativa dos de baixo é diferente da velocidade com que opinião pública julga o PT. Mas como partido que disputa a hegemonia na sociedade, ele sofreu um abalo profundo. Não temos mais a mínima ideia do que Dilma acha do PT e de Lula hoje. Provavelmente, eles se manterão unidos. Mas ela também deu indícios de escassa preocupação com o PT. Não houve nenhuma pressão do governo para evitar que o julgamento coincidisse com as eleições municipais. Ela ainda tem uma imagem “ética”, enquanto o PT, que por anos acalentou o discurso ético para si mesmo, mostrou uma face corrompida em 2005.
ÉPOCA – O senhor acha que a decisão do Supremo pode transformar de alguma forma o legado do ex-presidente Lula ou enfraquecer qualquer projeto de ele voltar em 2014?
Secco –
 Eu não tenho dúvidas de que a ação penal 470 funciona como um julgamento político do PT e de Lula. Mas as pesquisas do Datafolha em São Paulo feitas no auge do julgamento indicam que afetam uma minoria do eleitorado. Claro que a minoria pode decidir uma eleição “apertada”. Por isso, exceto se houver um julgamento deste tipo em 2014 não é isso que impedirá Lula de participar das eleições como candidato ou como apoiador de Dilma.
ÉPOCA – O que o senhor achou da participação do Lula nestas eleições?
Secco –
 Lula passou a intervir muito mais diretamente na escolha dos candidatos. Em Recife, ele teve uma derrota importante, mas Dilma teve outra em Belo Horizonte. O teste efetivo de Lula é São Paulo. Curiosamente o PT acreditou que bastaria lançar um intelectual para conquistar a classe média porque os pobres já eram sua propriedade. PT e PSDB desprezaram Russomanno. Ignoraram a nossa história em que sempre se afirmou o que eu chamo de “direita popular”, que já foi encarnada por Ademar, Jânio e Maluf. Eles só acordaram na reta final. Quando Lula se concentrou na Zona Leste, Haddad recuperou o eleitorado petista.

ÉPOCA – O que o senhor achou do desempenho petista? O PT caminha para os grotões?
Secco –
 Os grotões se inverteram geograficamente. O coronelismo é eletrônico e voltado para as grandes cidades. A direita popular agora tem apoio em rádios e TVs das igrejas evangélicas. Já as pessoas das pequenas cidades não dependem mais do poder local para sobreviver. O governo Lula fez duas coisas que abalaram o coronelismo: o programa Luz Para Todos e a transferência de renda feita diretamente pelo governo federal. Já o aumento do salário mínimo e a queda do índice de Gini (que mede a desigualdade salarial) incomodam a classe média tradicional.
ÉPOCA – O que fez a classe média virar as costas para o PT não foi a crise de 2005?
Secco –
 Não creio que seja a única razão, pois uma parte da classe média já não gostava do PT e se aproximou somente em 2002. Além disso, qualquer grupo estabelecido se incomoda quando outros se aproximam socialmente dele. Foi o caso da Aristocracia na França do século XVIII diante da burguesia. Hoje as pessoas reclamam dos aeroportos lotados por gente de baixa renda, porque pagam mais caro empregadas domésticas, porque pobres inundam as ruas de carros baratos e assim por diante. Não há nada de estranho nisso. Mas ao mesmo tempo elas têm razão de reclamar que os muito ricos não pagam essa conta. E isso porque o PT melhora a vida dos pobres, mas não afeta o grande capital.
O PT puxa um partido ônibus (PMDB), uma legenda morta viva (PDT pós-Brizola) e uma legenda de aluguel de luxo (PSB)"
LINCOLN SECCO
ÉPOCA – O senhor admite, como seu colega de academia André Singer, que o PT não traz grandes novidades ao percurso normal da política brasileira nem é um partido revolucionário?
Secco –
 O PT é um partido que transitou da esperança de que seria contra a ordem para o interior dela. E isso traz duas novidades: a primeira é que ele se tornou em boa medida igual aos demais; a segunda é que, apesar disso, os outros não o aceitam plenamente no jogo, exceto por oportunismo. Veja as alianças: o PT é o partido ideológico da esquerda moderada e o PSDB da direita moderada. O DEM também é ideológico. Mas como disse FHC, eles são a vanguarda do atraso. O PT puxa um partido ônibus (PMDB), uma legenda morta-viva (PDT pós-Brizola) e uma legenda de aluguel de luxo (PSB).
ÉPOCA – Do ponto de vista econômico, como o senhor vê a gestão Dilma em relação às bandeiras históricas do PT?
Secco –
 Nesse quesito, nem as tendências da esquerda do PT podem reclamar de Dilma. Ela se livrou de Palocci, que unia um pensamento liberal a uma prática suspeita, para dizer pouco.
ÉPOCA – Em termos econômicos, Dilma está mais à esquerda que Lula?
Secco –
 O segundo mandato de Lula esteve mais à esquerda que o primeiro, em que ele manteve a política de FHC. E Dilma está mais à esquerda que Lula. Ela baixou a taxa de juros, mantém um contencioso comercial com os Estados Unidos, tem um banco central subordinado ao ministro da Fazenda, criou empresas estatais e apoia grandes conglomerados privados nacionais. São temas clássicos da velha social-democracia.

CRÔNICA Cartas de Toronto: Memórias de uma vida acadêmica



Quando ainda pensava em ser atriz, eu me apaixonei pela PUC-Rio. Nas viagens de Campo Grande para o Planetário da Gávea, eu fingia me distrair e deixava o 410 contornar a universidade antes de ir para a aula de teatro. Em 1988, fazer parte de um dos cursos de jornalismo mais respeitados do Brasil era um sonho muito distante para esta suburbana que vos escreve.
Como a vida dá voltas, a PUC-Rio acabou sendo minha universidade em 2001. A mensalidade foi resolvida com uma das generosas bolsas de assistência social que a universidade oferece todos os anos. Março de 2001 marcou o início dos quatro melhores anos da minha vida, das melhores amizades e da concretização de todos os meus sonhos.
Onze anos se passaram e, no mesmo mês em que o Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio comemora 60 anos, aceito o título de mestre em produção de mídia na Ryerson University aqui em Toronto. De formas distintas, ambas universidades moldam minhas ambições e meu caminho profissional.


Na PUC-Rio, aprendi a editar, escrever e ensinar. Lembro como se fosse hoje do início do Núcleo de Comunicação Comunitária e das aulas inspiradas de Álvaro Lins e Arthur Dapieve. Nunca vou esquecer a conversa que tive com Fernando Ferreira depois do anúncio nervoso de partida do Projeto Comunicar. “Prove que eu tomei a decisão certa ao te contratar,” disse o mestre.
A passagem pelo Projeto durou exatos 15 dias e dois artigos – um perfil e a cobertura de um evento na universidade. Em 2003, eu deixava para trás uma série de estágios na universidade por outro em TV.
Na Ryerson, redescobri o meu amor pela arte de fazer televisão. Dentro da universidade, revisitei teorias perdidas em anos no mercado de trabalho, passei a acreditar que a próxima geração de telespectadores já existe e quer participar na produção de conteúdo, e estive muitas vezes no lugar certo, na hora certa. Aqui no norte gelado, numa das universidades mais jovens do país, fui desafiada por grandes exemplos.
A cerimônia de quinta-feira em nada se assemelhou à festa de 2005. Por aqui, a formatura (ou convocation) é organizada pela própria universidade e os alunos são chamados de acordo com o grau alcançado. Durante a cerimônia, o ator Colm Wilkinson (The TudorsLes Misérables) recebeu o título Doutor Honoris Causa em Direito. Em seu discurso, Wilkinson aconselhou seguir a profissão com amor, trabalhar duro e lembrar de se autopromover.
Mas hoje escrevo com orgulho sobre aqueles que mudaram meu destino e das memórias que passarei para meus filhos...
(Parabéns a todos os coleguinhas filhos da PUC!)

A democracia autoritária, por Gaudêncio Torquato


Democracia autoritária? Essa figura existe no dicionário de política? O conceito, que expressa incongruência, pautou, dias atrás, os argumentos de dois ex-presidentes de República, Fernando Henrique Cardoso e Alan Garcia, durante sessão da Assembleia Geral da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), realizada em São Paulo.
O brasileiro e o peruano denunciavam o retrocesso político que ameaça os meios de comunicação na América Latina, decorrente de “uma espécie de democracia autoritária”, que, apesar de se estribar em vitórias eleitorais, despreza valores democráticos como liberdade de expressão e direito à informação.
A inoculação do vírus autoritário no corpo democrático, discutido pelos participantes durante o evento, se faz ver, aqui e ao derredor, por intermitentes manifestações (e concretizada em ações, como na Venezuela, Equador e Argentina) de interlocutores governamentais e partidários sobre a necessidade de estabelecer controles sobre a mídia.
O voto tem sido a arma sacada pela governança “democrático-autoritária” para exercer a vontade e ditar regras aos regimes latino-americanos.
Não sem razão o ex-mandatário peruano lembra que os pleitos eleitorais e a separação dos Poderes já não são suficientes para definir os valores da democracia. Pois uma de suas vigas centrais – a liberdade de expressão – é despedaçada todas as vezes em que mandatários, à moda dos caudilhos, impõem sanções à imprensa.
Não fossem a reação da própria mídia e a indignação de pólos sociais contra o viés autoritário de governos, mordaças contra ela já teriam se multiplicado.
O fato é que a liturgia que envolve o altar democrático tem sido conspurcada em partes do planeta, o que sugere a questão: Por que tal propensão autoritária? E por que floresce com maior abundância nos jardins do continente?
A análise começa com um pouco de história. A comunicação, no formato da massificação das ideias, nasceu em 1450 numa sociedade autoritária. Firmou-se sobre o primado do Estado como ente superior ao indivíduo na escala dos valores sociais. Serviu como esteio da unidade de pensamento e da ação, formando a base para a continuidade dos governantes, os herdeiros monárquicos; os nobres, que a usavam para proteger sua identidade na política e na guerra; e os dirigentes da Igreja Romana, sobre os quais pesava a responsabilidade de proteger a revelação divina.
O autoritarismo refluiu ante a expansão dos princípios liberais, cujo escopo situava o Homem, independente e racional, acima do Estado. Cabia a este prover os meios capazes de propiciar o máximo de felicidade humana.
O preceito autoritário dá vez ao axioma libertário, assim sintetizado por John Stuart Mill no ensaio On Liberty: “Se toda a humanidade, com exceção de uma pessoa, tiver certa opinião, e apenas esta pessoa defender opinião contrária, a humanidade não abrigaria mais razão em silenciá-la do que ela à humanidade”.
Esta visão iluminou os códigos da sociedade democrática, conforme se vê na Constituição norte-americana, cuja Primeira Emenda assim reza: “O Congresso não poderá formular nenhuma lei... que limite a liberdade de opinião, ou a liberdade de imprensa”.
Ou, ainda, na Quarta Emenda que prescreve: “Nenhum Estado poderá formular ou aplicar qualquer lei que limite os privilégios ou imunidades dos cidadãos dos Estados Unidos”.
Na América Latina, o viés autoritário tem sido mais acentuado. A explicação pode estar no aparato que fincou profundas raízes, a partir do vasto e milenar Império Inca, com seus grandes caciques e, depois, o poderio espanhol, povoado por reis, vice-reis, conquistadores, aventureiros e corregedores, todos inclinados a implantar regimes de caráter autocrático.
A propósito, Maurice Duverger utiliza esta modelagem para explicar a opção latino-americana por um presidencialismo de caráter imperial, ao contrário do sistema parlamentarista, que vicejou na Europa e inspirado na ideologia liberal da Revolução francesa.
Aliás, o timoneiro Simon Bolívar, que tanto faz a cabeça do comandante venezuelano Hugo Chávez, foi um dos primeiros a retratar a vocação latino-americana para o personalismo: “Não há boa fé na América nem entre os homens nem entre as Nações. Os tratados são papéis, as Constituições não passam de livros, as eleições são batalhas, a liberdade é anarquia e a vida um tormento”.
Observando a contundência das batalhas eleitorais, inclusive as nossas, constata-se o acerto (e a atualidade) da profecia bolivariana.
O Brasil não escapa ao pendor autoritário, importado pela colonização portuguesa e ramificado na árvore patrimonialista. Fernando Henrique, que enxerga na contemporaneidade o nascimento de “uma democracia autoritária”, certamente há de registrar a disposição monocrática que grassa em nossos costumes desde a velha Constituição de 1824, que atribuía a Chefia do Executivo ao imperador.
O presidencialismo brasileiro é um desfile de mandatários que vestem o manto de pais da Nação, beneméritos, heróis, Salvadores da Pátria.
Ademais, por aqui, os direitos foram implantados de maneira invertida, contribuindo para enxertar a seara democrática com sementes autoritárias. Implantamos, primeiro, os direitos sociais (veja-se a legislação social-trabalhista e previdenciária do ciclo getulista); depois, os políticos e, por último, os civis, ao contrário do modelo clássico da Cidadania, que começa com as liberdades civis.
Não por acaso, faz parte da nossa cultura o hábito de “mamar nas tetas do Estado”, sob as quais se desenvolve uma cidadania passiva. A receita do bolo completa-se com o fermento populista, estocado nos bornais de meia dúzia de perfis. Fermento usado para insuflar as massas a partir de uma liturgia assistencialista.
As estacas autoritárias fincadas ao redor do arco de valores democráticos funcionam como barreiras ao livre exercício da expressão. Jornais e revistas passam a ser o alvo predileto dos cultores de uma ordem, que desfralda, de um lado, a bandeira da liberdade, e, de outro, a tarja negra da coação.

Gaudêncio Torquatojornalista, professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

Momento de decisão



21 de outubro de 2012 | 3h 04
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
O ministro Celso de Mello não se abala com ataques aos procedimentos do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão nem se deixa impressionar pelos elogios. "Isso tudo é passageiro", ameniza.
Permanente mesmo - o mais importante na opinião dele - é o "alto poder pedagógico" do processo, cuja essência não está na distinção entre técnica e política, mas em seu caráter moral. "A peça fundamental em exame é a ética de governos."
Obviamente o ministro repudia a versão de que o STF estaria atuando como um "tribunal de exceção", distanciando-se do rigor legal para enveredar pelo terreno da perseguição a um partido: "Os conceitos emitidos não estão distanciados da realidade constitucional. Ao contrário. A fidelidade à Constituição é que nos permite demonstrar a transgressão".
O juízo definitivo, considera, será dado pela percepção do País a respeito do que vem sendo dito há quase três meses pelo Supremo. "Há um esforço do tribunal para que a coletividade saiba perfeitamente por que os réus são condenados ou absolvidos."
Daí a utilidade e a necessidade de os ministros sustentarem seus votos em argumentos doutrinários e também em princípios como o defendido por ele no dia 1.º de outubro na condenação de deputados por corrupção passiva: "Quem tem nas mãos o poder do Estado não pode exercer o poder em proveito próprio".
Celso de Mello acompanha todas as críticas, lê os sites mais desaforados, cita autores, reproduz trechos de memória. Descontado o desconforto com as que "beiram a irracionalidade" e as que "resvalam para a ofensa pessoal", celebra o "pluralismo de ideias" e aponta que aí reside a beleza da democracia.
"Ruim era o tempo em que injúrias a ministros do Supremo eram consideradas crimes de lesa-pátria", diz, exibindo como prova o artigo da Lei de Segurança Nacional ainda em vigor, mas neste aspecto letra morta. "Ainda bem", comemora.
O decano, desde 1989 na Corte, prepara-se para dar por encerrada sua missão - "este é meu último outubro aqui" - antecipando uma aposentadoria que por idade ocorreria só em 2015, a conselho do médico por causa das sucessivas crises de hipertensão.
Não provocadas, mas agravadas pelo excesso de trabalho do processo em curso, "uma exaustiva maratona". O esgotamento físico, contudo, é, na visão do ministro, largamente compensado pela oportunidade de estabelecer novos paradigmas no trato de crimes cometidos a partir do controle do aparelho de Estado.
"Não estamos julgando simples delitos de corrupção, estamos diante de uma ação corruptora destrutiva do fundamento essencial da República, que é a separação dos Poderes e o equilíbrio entre eles."
A tentativa de subjugar o Legislativo às vontades do Executivo e ainda mediante a compra dessa submissão, na concepção de Celso de Mello, afronta a integridade do Estado de direito e põe em risco a garantia das liberdades.
Como? O decano explica: "Se um dos Poderes concentra toda a força e, mais grave, constrói essa hegemonia por meio de iniciativa criminosa, o que se tem é uma aguda distorção institucional decorrente da ilicitude e do modo imperial de governar".

Sicofantas e tagarelas


21 de outubro de 2012 | 3h 08


ROBERTO ROMANO - FILÓSOFO, PROFESSOR DE ÉTICA E FILOSOFIA NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS (UNICAMP); É AUTOR, ENTRE OUTROS LIVROS, DE 'O CALDEIRÃO DE MEDEIA' (PERSPECTIVA) - O Estado de S.Paulo
A palavra é o maior valor ético na ordem pública. Graves atentados ao decoro político são cometidos por gestos e incontinências verbais. Segundo Spinoza, o respeito exige que os governantes sejam prudentes quando movem a língua e o corpo. Ele adverte: "O Estado, para garantir o próprio domínio, se obriga a manter as causas do temor e do respeito (...). Aos que assumem o poder público é proibido se exibir em plena embriaguez ou sem roupas na companhia de prostitutas, imitar os palhaços, violar ou desprezar abertamente as leis editadas por eles mesmos" (Tratado Político). Gestos ou palavras devem ser medidos na política.
Quem não controla a fala por ela é dominado. A prudência requer disciplina e caráter. É árduo, diz Plutarco, "fazer dos dentes uma barreira sólida contra o dilúvio da língua". Usando termos da medicina, o teórico batiza a moléstia que acomete o falador como asingesia, a impossibilidade de manter silêncio. Ao piorar a doença, chega-se à diarréousi, a diarreia da boca (Sobre o Palavrório). As frases devem ser pesadas (a origem de "pensar" e "pesar" é comum). Caso oposto, elas aniquilam a sociedade. A ninguém é lícito ignorar a polidez, marca do convívio civil. Sem respeito pelas normas do pacto social, os líderes transformam os cidadãos em alcateia facínora cuja boca é usada para estraçalhar, nunca para exercer o diálogo.
Vejamos a semântica do termo "delator", aplicado pela mídia ao sr. Roberto Jefferson. A origem do termo é grega, como quase todos os vocábulos relevantes de nossa política e medicina. Hoje atravessamos uma crise inédita do Estado. O soberano não consegue exercer na plenitude os monopólios da ordem jurídica, dos impostos, da violência física. Preocupa a incerteza quanto aos limites dos Poderes. Há bom tempo se discute nos meios políticos, ideológicos, religiosos e financeiros a "judicialização" da vida pública, a hipertrofia do Judiciário (C. Neal Tate, The Global Expansion of Judicial Power, 1995).
Em Atenas não existia Ministério Público e nenhuma autoridade legal poderia entrar na Justiça em defesa dos interesses estatais. Cabia "a quem desejasse" (fórmula democrática instaurada por Sólon) o direito de falar em nome do Estado. Quem assim fazia se tornava parte do processo judicial em favor da "polis". Aqueles indivíduos agiam por amor à justiça? Já nos primórdios da vida democrática grega os magistrados desconfiaram dos interesses que movem os acusadores. Logo transformada em profissão, a atividade do sicofanta esmera-se na chantagem pecuniária (para responder em nome alheio a acusação ou renunciar a um processo perigoso para o acusado).
O mister de sicofanta, segundo C. R. Kennedy (citado por John Oscar Lofberg em Sycophancy in Athens, 1976), é "uma feliz mistura de chicaneiro, denunciador, processualista, apalpador, salafrário, mentiroso e caluniador. Ela supõe a calúnia, a conspiração, a acusação mentirosa, a litigância de má-fé, a ameaça de processos judiciais para extorquir dinheiro e, de modo geral, todos os recursos abusivos nos procedimentos legais com fins desonestos".
A inflação dos sicofantas ameaçava a democracia ateniense, pois dividia os cidadãos, enfraquecendo a solidariedade coletiva. Aristófanes dá o nome de "vespas" aos delatores, porque suas picadas molestam a paz coletiva. Embora sua existência se universalize, o delator é odiado. Como no inferno descrito por Sartre, sicofanta é sempre o outro (Catherine Darbo-Peschanski, Por um punhado de figos, judicialização moderna e sicofantismo antigo - in Pauline Schmitt Pantel: Athènes et le Politique).
No Direito Romano, quem denuncia pode funcionar como acusador. Caius permite que escravos delatem seus mestres, mas Claudius proíbe a prática e Galba a pune. Constantino veta a oitiva dos delatores e os condena à morte. No Digesto, a delação é tida como odiosa. Na ordem moderna, o delator aponta o crime, mas o acusador é o interessado em repará-lo buscando a justiça dos tribunais.
No século 18, era das Luzes, o problema apaixona pensadores e políticos. A Enciclopédia coordenada por Denis Diderot disseca o tema. Em verbete é dito que "denunciar, acusar, delatar são termos relativos ao mesmo ato por diferentes motivos. O estrito apego à lei parece motivar quem denuncia, um sentimento honrado ou gesto razoável de vingança, ou uma outra paixão, são marcas de quem acusa. No caso do delator a devoção baixa, mercenária ou servil, o prazer malicioso de fazer o mal aos outros, tudo pode ocorrer sem que ele receba benefícios em troca. Acreditamos que o delator atraiçoa; que o acusador é uma pessoa irritada; que o denunciante é alguém indignado. Embora as três figuras sejam odiosas para a opinião pública, o filósofo às vezes deve elogiar o denunciante e aprovar o acusador. O delator é sempre desprezível".
Temos aí o saber dos séculos contra Roberto Jefferson.
E a "tese" sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) como tribunal de exceção? A língua assim usada contra os juízes é imprudente. O delator indicou ações cometidas por ele e comparsas e foi sancionado negativamente. Os juízes do caso não agiram segundo os moldes do soberano "que decide sobre o estado de exceção". Defensores da Carta Magna, eles não se colocaram acima dela. Tal realidade represa a torrente de palavras e de insultos dirigidos contra os magistrados.
Exigir que todos sejam punidos de modo semelhante, sem discriminação partidária ou ideológica, é um avanço democrático. Nivelar instituições e malfeitores sinaliza o pior atraso político. Hoje é o mensalão petista. Amanhã, o tucano e quejandos. Mas todos os partidos dependem da justiça. Se um deles a recusa alegando "golpismo burguês", a quem apelar no futuro? Às Forças Armadas, às milícias, à guerrilha?
Prudência, senhores, recordem a lição de Fujimori.

A eleição ideal em 2014 seria Lula enfrentando Dilma, uma disputa eletrizante


Francisco Bendl

Por incrível que pareça, admito também que o Francisco de Assis tem razão ao comentar que Aécio Neves não terá chances se disputar a eleição de 2014 contra a presidente Dilma Rousseff.
Igualmente não vejo em qualquer outro partido um nome da oposição com cacife suficiente para estabelecer uma razoável competição, pelo menos.
 Lula e Dilma disputando votos
Em comentários anteriores eu dissera que o único político que pode interromper a reeleição de Dilma, na hipótese de ser impedida de concorrer por decisão partidária, seria o ex-presidente Lula – além desse nome, nenhum outro no atual momento, lógico.
Mas eu gostaria muito de ver estes dois (Lula e a presidente Dilma) separados. Assim, na
eventualidade de o ex-presidente Lula se candidatar, que a presidente então trocasse de partido e que o enfrentasse em campo aberto, disputando os mesmos eleitores e, quem sabe, parte dos brasileiros que estão hoje desencantados com o PT e o Lulismo, mas que não enxergam alguém que possa combatê-lo com eficiência nas urnas neste momento.
Seria, indubitavelmente, uma campanha à presidência eletrizante, espetacular, ainda mais se Dilma Rousseff fizer um bom governo, apesar das dificuldades que está tendo em conseguir decolar este País e resolver seus problemas crônicos já muito bem conhecidos.
Acredito que teríamos uma reviravolta positiva na política nacional, um novo ciclo, um novo Legislativo e Executivo, e com o término dessas alianças espúrias e deploráveis e seus fisiologismos prejudiciais ao povo e à Nação brasileira!

O matrimônio sem escrúpulos e os filhos do dinheiro



Francisco de Assis Chagas de Mello e Silva
Os contratos nascem depois de alcançada a convergência mínima do interesse das partes. As cláusulas são exaustivamente discutidas em busca da equidade na distribuição das vantagens.
O contrato de casamento traça caminho diametralmente oposto. Ele se convalida e se legitima pelo desinteresse de ambos em proveito material. Caso contrário, negócio é. A identidade de sentimento é a sua única moeda de valor. Não se tolera a sujeição.
O casamento genuíno não promete nada e nem exige nada. O amor se encarrega da harmonia, da fidelidade, do respeito. Não há entre nubentes o princípio da adoção que pressupõe a obrigação de prover um o sustento do outro. O estágio final da evolução do Instituto consiste no reconhecimento da absoluta independência entre si dos participantes.
Entretanto, apesar dos avanços, o Estado teima em se meter. Parece que não lhe basta interferir na proteção dos filhos, pressuposto imprescindível e imperativo da ação de poder, mas, igualmente, regular direitos e deveres dos atores das uniões afetivas.
A eventual ascensão econômica de um dos cônjuges resultante do matrimônio deve ser desprezada acaso sobrevenha a ruptura. Isto é, o casamento não pode ser um trampolim para alçar degraus nas classes sociais. Essa situação, entretanto, ocorre e é normal que assim suceda, mas não deve constituir meta de um deles ou pretexto para a manutenção do status em caso de rompimento da relação conjugal. Qualquer uma das partes contraentes precisa estar ciente dessa possibilidade.
Com maior razão, na época atual, em que desapareceu a supremacia de um dos sexos sobre o outro na sociedade para dar lugar à equiparação.
Apesar disso, os conflitos que envolvem dinheiro são observados com solene atenção pelo Poder Judiciário. As pensões são concedidas até que o cônjuge inativo consiga inserção no mercado de trabalho, independentemente de termo.
No passado, a situação beirava o ridículo, mas mesmo assim era admitida face aos costumes da época. A mulher dona e escrava da casa, cozinheira, lavadeira, passadeira e babá, dizia-se “do lar”. A definição, por si só, era suficiente para demonstrar submissão e induvidosa carência a ser tutelada.
Não mais; “o mundo gira e a Lusitana roda”. A mudança mais expressiva ocorrida na sociedade dos países civilizados foi a ocupação tardia da mulher no seu papel de igual importância com o homem, em qualquer aspecto que se queira enxergar.
O Poder Judiciário segue a passo trôpego esse avanço, mas, mesmo assim, avança, embora ainda conceda desastrados benefícios a arrivistas de matrimônios sem escrúpulos e, felizmente, desfeitos.
Por isso, esse tema logo será superado em breve decurso de tempo.
Mudando de assunto, aliás, mudando radicalmente de assunto, mas ainda assim sem fugir inteiramente da matéria antes abordada, face aos idênticos propósitos de ganhos em desalinho com a moral, aqui se deseja atentar para um comportamento, de recente atualidade, o qual vem sendo analisado, sem desassombro, pelos juízes do país, apesar do nojo que causa.
Trata-se dos filhos biológicos, assim confessados pela mãe, em geral adúltera, que logo depois de cientes do fato revelado, descartam o pai afetivo, intuitivamente pobre, e exigem a exumação dos restos mortais do primeiro, intuitivamente rico. Todos encaram normalmente o direito pleiteado, e muitos o consideram justo.
Todavia, a legislação (lei 8.560/92) aponta alternativa para aqueles que buscam trilhar o caminho da retidão de princípios: confere aos filhos maiores o direito de não serem reconhecidos sem o seu consentimento. Nada obstante, quando a intenção é exatamente a contrária, também a lei a acolhe em atenção ao “legítimo interesse” do reconhecimento da paternidade. O “legítimo interesse” é sabido.
Não se tem notícia da existência de filho que reivindique a exumação de pai biológico falido para lhe pagar as dívidas, depois de comprovada a paternidade. Esses filhos que, presumidamente, têm dois pais, na verdade, são filhos de ninguém, são filhos do dinheiro.
Não se percebe revolta, perplexidade ou ao menos desalento nas reações de juristas e magistrados, conquanto a consecução do ato de inumação às avessas para o reconhecimento da paternidade esteja sujeita à adoção de meios considerados “moralmente legítimos” face à disposição legal (artigo 2º-A, da lei 8.560/92).
Os postulantes, depois da surpresa da revelação, resignados, exclamam: “Oh minha mãe, bendita sejas tu que prevaricaste com homem de fortuna”.
Logo em seguida, requerem a exumação do pai recém-descoberto e usam a mortalha do defunto desalojado para esconder, em vão, o rosto rubro pela vergonha.
Artigo enviado por Mário Assis

Nós e o pipi dos egípcios



Carlos Chagas
Heródoto viajou muito pelo mundo conhecido, há mais de dois mil anos. São do genial grego os relatos sobre a vida na Mesopotâmia, na Pérsia e no Egito. Mordaz e cheio de humor, depois de passar meses junto às pirâmides, escreveu o que mais o impressionara naquele povo tão místico quando pleno de conhecimentos: “Lá, as mulheres fazem pipi de pé e os homens, sentados”…
As lições do Pai da História são válidas, menos porque alinhava nomes de reis e relatos de batalhas, mais porque se referia aos costumes e à cultura dos povos visitados.
Caso pudesse retornar e escrever sobre o Brasil atual, o magnífico historiador não deixaria de notar as mudanças verificadas no país, desde a ascensão dos militares ao poder, a tragédia de Tancredo Neves e a volta à democracia, além dos anos Lula. Ficaria apenas na resenha de nossos eventos políticos fundamentais? Certamente não. Haveria espaço para Heródoto mergulhar mais fundo nas características do povo brasileiro.
Por exemplo: sua capacidade de percepção poderia espantar-se mas o levaria a registrar que aqui, ao contrário de outras civilizações, prevalece a moda de cada um tentar passar o semelhante para trás. Sem diferença de classe, raça ou riqueza, estamos todos prontos a seguir os conselhos do Gerson, aquele que procurava levar vantagem em tudo.
Precisamos reformar nossa casa e pintar outra vez as paredes? O solícito pintor vai misturar água na tinta para o trabalho ficar perfeito na aparência, ainda que pouco depois necessite ser refeito. Levamos o automóvel à oficina? O mecânico conserta uma peça e engatilha outra, para voltarmos no mês seguinte. Compramos um quilo de batatas no supermercado? Uma balança honesta registraria 900 gramas. A empregada doméstica pede uma semana de licença para tratar da mãezinha doente? Poderá ser vista todas as noites num baile funk, porque é órfã desde pequena.
Num escritório qualquer, ao redigir a nota de despesas, a secretária acrescenta percentuais acima da soma dos recibos. Quem viaja a serviço cobra a hospedagem no hotel, mas dormiu na casa do primo ou da tia. O motorista de táxi dá voltas no mesmo quarteirão para esticar a corrida. O garçom do bar ou do restaurante acrescenta mais um chope que não tomamos ou um couvert que não pedimos.
Mas tem muito mais, se mudarmos de patamar. O professor recomenda aos alunos livros da editora onde tem participação nas vendas, e o médico, aos seus pacientes, remédios de laboratórios que o agraciam com comissões. Para ficar no tema, os planos de saúde prometem fantasias para conquistar associados, ainda que na hora da necessidade rejeitem até atendimento de emergência. Nos postos de gasolina, enchemos o tanque com supostos 50 litros, mas só foram bombeados 47.
Vamos às compras e a velhacaria prevalece: 499 reais por um produto quando na realidade o preço é 500, no mínimo, fora a malandragem nas prestações que triplicam o custo da compra. Um carro por 29.999,00 reais? Ora, a quem pensam enganar, senão ao abobalhado telespectador que sai correndo para buscar o falso mais barato, sempre o mais caro? Veículos capazes de fazer a felicidade das famílias e levar o motorista à estratosfera, com mulher e filhos sorridentes? Basta comparar os preços daqui com os da Europa ou dos Estados Unidos. Tratamentos para emagrecer, para parar de tossir, para dormir feito um anjinho? Tudo mentira.
Vamos adiante, porém, se tivermos fôlego. Que tal abrir uma conta neste ou naquele banco que anuncia juros em baixa e benefícios em alta? Que alguém caia nas malhas do cheque especial ou do cartão de crédito, com 290% ao ano, para ver quem é o velhaco.
Lá no ápice da pirâmide é pior. O empreiteiro compromete-se a implantar uma rodovia por determinada quantia, consegue complementos adicionais desde o primeiro mês do contrato e ainda corta pela metade a camada de asfalto prometida. O banqueiro manda para o exterior parte de sua receita sem declarar ao fisco e ainda trás de volta seus milhões para beneficiar-se das facilidades facultadas pelos órgãos administrativos que deveriam fiscaliza-lo. Ao mesmo tempo em que as autoridades monetárias e financeiras espalham estar promovendo a justiça fiscal mas cobram juros e multas muito acima do mercado, sem outra opção ao contribuinte senão perder seu patrimônio se não pagar.
Subindo um pouco mais. No Congresso, bancadas ruralistas, evangélicas, operárias, esportivas e neoliberais sobrepõem-se aos partidos e votam leis capazes de favorecer seus interesses e seus mentores, claro que em troca de favores e propinas servindo como material de troca.
Do Judiciário, não é necessário falar. São poucos os meretissimos desligados de escritórios de advocacia de filhos, sobrinhos e amigos do peito, que recomendam por via transversa e por via direta para ajudar nas sentenças. No Executivo, quaisquer que sejam os partidos no poder, o sistema de mérito para preenchimento de cargos pertence à patota.
Em suma, Heródoto se deliciaria com as práticas vigentes em nossa sociedade. O pipi de brasileiros e brasileiras não chamaria sua atenção, mas o resto…


Pedro do Coutto
Excelente os artigos de Eliane Catanhede e Marcelo Coelho, publicados na Folha de São Paulo, sobre a questão de uso da linguagem, tratando-se de formação de quadrilha ou de organização criminosa. O Ministério Público, através do Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, acusou o ex-ministro José Dirceu de formação de quadrilha, além de outros crimes. No final da semana passada, foi, juntamente com o ex-deputado José Genoino, condenado pela prática de alguns deles. A margem de votos foi ampla, contra os dos ministros Antonio Dias Tofoli e do mesmo Lewandowski. Oito a dois.
Muito bem. O Supremo Tribunal Federal identificou na parte substantiva a prática de delitos. Importa menos que se através de formação de quadrilha ou de organização criminosa. Lewandowski não entrou no conteúdo da questão. Posicionou-se com base na forma, portanto no adjetivo. Mas isso não faz desaparecer a parte substantiva da matéria. O revisor, que na realidade se opõe ao relator, atribuiu assim – e atribui – maior peso à forma do que ao conteúdo.
A tese pode até prevalecer, inclusive no caso de empate no final, quando a dúvida e portanto tal desfecho beneficiam os réus. Seria uma forma de livrá-los. Mas que não apaga, porém, o que praticaram, segundo sustentam o Ministério Público e o relator Joaquim Barbosa. No Globo, excelente também reportagem de Carolina Brígido e André de Souza.
Lewandowski decidiu inclusive, ao reler os votos das ministras Carmen Lúcia e Rosa Weber, mudar o seu em relação à formação de quadrilha, figura que havia aceitado em relação a Valdemar Costa Neto, Jacinto Lamas e Pedro Correa. As duas ministras deverão se pronunciar, uma vez que decidiram num sentido em determinado contexto, o que não quer dizer que o pensamento se mantenha no plano a que o ministro revisor concluiu e colocou o debate.
Na verdade, não existem duas situações absolutamente iguais em matéria de interpretação, obrigatoriamente. Pode ser até que Carmen Lúcia e Rosa Weber cheguem à conclusão focalizada por Lewandowski. Mas a colocação, sem dúvida, surpreende. De surpresa em surpresa, torna-se pelo menos possível que, no final de tudo, somente Marcos Valério e Delúbio Soares apareçam como os responsáveis pelo mensalão e assim os culpados de tudo que foi detonado em 2005, denunciado pelo então Procurador Geral, Antonio Fernando de Souza, e cuja denúncia aceita por Joaquim Barbosa em 2007. O processo, portanto, encontra-se na Corte Suprema há cinco anos.
Mas é preciso considerar uma coisa fundamental: Marcos Valério e Delúbio Soares não ocupavam cargos públicos. Os dois sozinhos, poderiam produzir as consequências que se evidenciaram e inclusive culminaram com a demissão de José Dirceu e a cassação, tanto de seu mandato quanto o de Roberto Jefferson?

O auto-retrato de Mário Quintana



O jornalista, tradutor e poeta gaúcho Mário de Miranda Quintana (1906-1994), constrói o poema “O Auto-Retrato” discutindo dois atos: o ato de criação da obra e o ato de se construir enquanto pessoa, revelando que há uma relação intrínseca entre o autor e sua obra.
Segundo Mariana Denize Muniz Bezerra, graduada em Português pela Universidade de Brasília, “o título do poema mostra a necessidade do Poeta em se auto-retratar para o outro. O uso de pronomes possessivos durante todo o poema destaca o caráter intimista da criação poética. Com o uso de advérbios expressando dúvida e a relação temporal criada entre o verbo existir, o Poeta vai construindo sua própria imagem para o leitor. Ao opor figuras como a criança e o louco, o Poeta busca afirmar a dificuldade inerente ao ato de se descobrir enquanto pessoa e poeta. Criador e criação se misturam dentro do poema”.
  O genial poeta Quintana
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O AUTO-RETRATO
Mário Quintana
No retrato que me faço
- traço a traço -
às vezes me pinto nuvem,
às vezes me pinto árvore…
às vezes me pinto coisas
de que nem há mais lembrança…
ou coisas que não existem
mas que um dia existirão…
e, desta lida, em que busco
- pouco a pouco -
minha eterna semelhança,
no final, que restará?
Um desenho de criança…
Corrigido por um louco!
(Colaboração enviada pelo poeta Paulo Peres – site Poemas & Canções)

Podemos processar Lewandowski por formação de quadrilha?



Luiz Fernando Brito Pereira
Aqui em Angra dos Reis, embora num visual próprio para o relax , não deixo de acompanhar o noticiário dos jornais (escritos ou televisados), e, claro, os da internet. Nela, internet, através de e-mails, postagens em provedores, redes sociais e principalmente através do blog da Tribuna da Imprensa, do qual você é um dos principais articuladores, encontro comentários, opiniões, observações, enfim, uma gama de informações que me permitem formar juízo sobre os recentes acontecimentos.
No entanto, não tendo formação jurídica, nem militância jornalística, algumas dúvidas me perseguem e, com sua ajuda e de amigos advogados, gostaria que me fossem esclarecidas . A maior delas diz respeito ao que se julga no STF, mais precisamente no julgamento do “mensalão”.
Apesar de todas as provas apresentadas, de indícios inquestionáveis, de fatos comprovados, alguns ministros (precisamente dois ) insistem em desqualificar tudo até então apresentado, numa tentativa sórdida de absolver verdadeiros bandidos (em nome de uma “gratidão” e “fidelidade” ao grande chefe), mesmo afrontando a ética, a moral, a verdade, a justiça e a própria função de um ministro do STF.
Assim sendo, eu pergunto: não seria possível indiciar os Ministros Ricardo Lewandowiski e Antonio Dias Toffoli por formação de quadrilha, junto com Lula e Dirceu? Como diz o Código Penal, formação de quadrilha é quando mais de três elementos agem em conjunto…