quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

"Tribunais de Contas precisam ser moralizados", editorial de O Globo


Capturados por esquemas fisiológicos do toma lá, dá cá, TCs não cumprem com a função de zelar pela boa administração do dinheiro do contribuinte


Enquanto a Lava-Jato tramita sem que parlamentares e políticos consigam detê-la por meio da manipulação de projetos de lei no Congresso — como fizeram congêneres italianos contra a Operação Mãos Limpas —, a avalanche de denúncias se aproxima de um ponto crítico com a homologação das 77 delações da cúpula da Norberto Odebrecht. Curitiba até passou a dividir espaço no noticiário com Nova York e Genebra, onde tramitam os acordos de leniência fechados pela empreiteira com autoridades americanas e suíças.

Espera-se que se tornem mesmo irreversíveis — na esteira do detalhamento do maior escândalo político-financeiro da história do país, e seus desdobramentos penais — ajustes no arcabouço jurídico e em instituições, para que a lei passe mesmo a valer para todos e se fortaleçam mecanismos de pesos e contrapesos, com a finalidade de dissuadir ou punir a corrupção no nascedouro.

Nesta passada a limpo de normas legais e instituições, será preciso avaliar os tribunais de contas, peça-chave no acompanhamento dos orçamentos públicos, função essencial em qualquer democracia.

Mas a ação prática dessas instituições tem sido patética — para usar um termo elegante —, com exceção do Tribunal de Contas da União, no caso do impeachment da presidente Dilma, em que o papel da área técnica da instituição (MP de Contas) foi decisivo.

Em contrapartida, os TCs dos três estados mais problemáticos da Federação — Rio de Janeiro, Minas e Rio Grande do Sul — aprovaram olimpicamente as respectivas prestações de contas referentes a 2015, quando já existiam desequilíbrios.

Tudo porque esses tribunais, órgãos auxiliares do Legislativo, foram capturados pelo toma lá, dá cá do fisiologismo, doença da política nacional que se alastrou bastante com o lulopetismo.

A maioria dos sete conselheiros dos TCs é de indicados por políticos — sob atenção direta, é certo, de governadores, de prefeitos e do presidente. A ONG Transparência Brasil constatou, numa pesquisa feita em 2014, que 80% dos conselheiros de tribunais tinham exercido cargos políticos.

Um caso típico de relação indevida entre conselheiro de tribunal de contas e o Executivo é o de Jonas Lopes, indicado em 2000 ao TC do Rio de Janeiro pelo governador Anthony Garotinho, a quem era muito ligado.

Presidente do TCE, Jonas, na primeira quinzena do mês passado, foi conduzido pela Polícia Federal para depor sobre denúncias de que haveria pedido propinas a empreiteiros.

Além de influências políticas incabíveis, há outras histórias sobre evidências de que a corrupção também se infiltrou neste universo. Por exemplo, o relato de que o empreiteiro da Lava-Jato Roberto Pessoa (UTC) teria usado como intermediário o advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do tribunal, Aroldo Cedraz, para fazer repasses ao ministro Raimundo Carreiro. Há muito entulho a remover no universo dos TCs.

Poesia da Madrugada - Cecília Meireles - Noções

Noções


Entre mim e mim, há vastidões bastantes
para a navegação dos meus desejos afligidos.
Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos.
Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que
a atinge.
Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,
só recolho o gosto infinito das respostas que não se
encontram.
Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a
Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,
e este abandono para além da felicidade e da beleza.
Ó meu Deus, isto é a minha alma:
qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e
precário,
como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e
inúmera…