quarta-feira, 11 de abril de 2012

STF: relator defende Estado laico e vota a favor de aborto


Revista Isto É


Rosa Weber e Joaquim Barbosa também se manifestam pela interrupção de gravidez; assunto aguarda análise da Corte Suprema há oito anos

Agência Brasil
AgenciaBrasil11042012-EZF_2609.jpg

Relator do processo, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello usou o argumento de que o Brasil é Estado laico ao votar favoravelmente pela ação. Os grupos religiosos são os principais críticos da descriminalização da prática.
"Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus", disse o ministro, citando um trecho da Bíblia na qual Jesus Cristo defendia o cumprimento de leis vigentes. "Deuses e césares tem espaços apartados. O Estado não é religioso, tampouco é ateu. O Estado é simplesmente neutro", ponderou o ministro.
"A interrupção da gravidez de feto anencéfalo não pode ser examinada sobre o influxo de orientações morais e religiosas. Numa democracia não é legitimo excluir qualquer ator da arena de definição do sentido da Constituição. Contudo, para tornarem-se aceitáveis no debate jurídico, os argumentos dos religiosos devem ser traduzidos em termos de razões públicas", defendeu Marco Aurélio.
Para o relator, "o feto anencéfalo é um morto cerebral, que tem batimento cardíaco e respiração". "A anencefalia configura, e não existem dúvidas, uma doença congênita letal, pois não há possibilidade de desenvolvimento da massa encefálica em momento posterior", disse. "O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese, não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura", acrescentou, rebatendo críticas de que a descriminalização poderia ser comparada a práticas nazistas de extermínio de pessoas com deficiências.
Segundo o ministro, foram concedidas 3 mil autorizações judiciais no país para interrupção da gravidez de feto anencéfalo. Marco Aurélio apresentou dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) de grande incidência de anencefalia no Brasil. Segundo o ministro, relatando dados oficiais, a cada mil recém-nascidos no Brasil um é diagnosticado com a má formação cerebral. Esse índice deixa o Brasil em quarto lugar no mundo com mais casos de fetos anencéfalos, atrás de Chile, México e Paraguai.
Citando trechos de documento do Conselho dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, a escritora e filósofa feminista Simone de Beauvoir e a ex-ministra Nilcéia Freire, titular da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres no governo Luiz Inácio Lula da Silva, o magistrado considerou que a decisão sobre o assunto cabe à esfera privada de cada mulher.
"Não se coaduna com o princípio da proporcionalidade privilegiar apenas um dos seres da relação (o feto anencéfalo), aniquilando os direitos da mulher, impingindo-lhe sofrimento desarrazoado", afirmou ele em sua decisão. "(Isso) vai de encontro aos princípios basilares do sistema Constitucional, mais precisamente a dignidade da pessoa humana (...) e o direito de privacidade, autonomia, e integridade física, moral e psicológica da mulher."
Segundo ele, a continuidade da gestação causa mais males à mulher do que sua "interrupção terapêutica". "Mostra-se inadmissível fechar os olhos e o coração ao que é vivenciado diuturnamente pelas mulheres, seus companheiros e suas famílias", disse ele, citando exemplos em que houve sofrimento por parte de mulheres que gestaram fetos anencéfalos. "A incolumidade física do feto anencéfalo não pode ser preservada em detrimento dos direitos básicos da mulher."
Como relator, Marco Aurélio é o primeiro ministro a votar no julgamento. O processo é movido pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que se fundou na certeza da letalidade da anencefalia. A Procuradoria-Geral da República também se manifestou hoje pela descriminalização da prática em casos de anencéfalos. Por ter atuado nesta mesma ação como Advogado-Geral da União, o ministro Dias Toffoli se declarou impedido de votar no julgamento.
Rosa Weber e Joaquim Barbosa 
Segunda a votar no julgamento que nesta quarta-feira poderá descriminalizar o aborto de fetos anencéfalos, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Rosa Weber acompanhou o relator, ministro Marco Aurélio Mello, e se mostrou a favor da descriminalização em casos de interrupção da gravidez em casos de não formação cerebral do feto. Em seguida, o ministro Joaquim Barbosa antecipou seu voto e também votou favoravelmente, ampliando para 3 a 0 o placar pela descriminalização. Dez dos 11 ministros da Corte decidirão a questão. O ministro Dias Toffoli não votará porque se declarou impedido por ter atuado no processo quando era advogado-geral da União.
"É de se reconhecer que merecem endosso as opiniões que expressam não caber anencefalia no conceito de aborto. O crime de aborto quer dizer a interrupção da vida e, por tudo o que foi debatido nesta ação, a anencefalia não é compatível com essas características que consubstanciam a ideia de vida para o Direito", disse Rosa Weber.
"A interrupção da gravidez ou a interrupção terapêutica são fatos atípicos, motivo pelo qual é de se dar a interpretação conforme da Constituição", argumentou. "Sendo fato atípico, a proibição da antecipação do parto fere a liberdade de escolha da gestante, que se encontra na situação de carregar feto anencéfalo em seu ventre", acrescentou.
Para Rosa Weber, obrigar a mulher a manter uma gestação de um feto "fere o seu direito à liberdade reprodutiva, pois não há interesse social concreto em tutelar uma vida que não vai se desenvolver socialmente". "A obrigação da gravidez gera ônus para a mulher que não podem ser minimizados ou compartilhados", avaliou a ministra.
A exemplo do relator, ela fez uma argumentação baseada nas gradações de proteção à vida e também destacou que a gestante deve ter autonomia e liberdade para decidir entre interromper ou não a gravidez nesses casos.
O julgamento
O processo julgado no STF nesta quarta-feira foi movido em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), que pede para explicitar que a prática do aborto, em caso de gravidez de feto anencéfalo, não seja considerada crime.
Atualmente, o Código Penal prevê apenas duas situações em que pode ser realizado o aborto: em caso de estupro ou de claro risco à vida da mulher. A legislação proíbe todas as outras situações, estabelecendo pena de um a três anos de reclusão para a grávida que se submeter ao procedimento. Para profissional de saúde que realizar a prática, ainda que com o consentimento da gestante, a pena é de um a quatro anos.
Em 2004, o ministro Marco Aurélio concedeu liminar para autorizar a antecipação do parto quando a deformidade fosse identificada por meio de laudo médico. Porém, pouco mais de três meses depois, o plenário decidiu, por maioria de votos, cassar a autorização concedida. Em 2008, foi realizada uma audiência pública, quando representantes do governo, especialistas em genética, entidades religiosas e da sociedade civil falaram sobre o tema.
A anencefalia é definida na literatura médica como a má-formação do cérebro e do córtex do bebê, havendo apenas um "resíduo" do tronco encefálico. De acordo com a CNTS, a doença provoca a morte de 65% dos bebês ainda dentro do útero materno e, nos casos de nascimento, sobrevida de algumas horas ou, no máximo, dias.

Religiosos fazem vigília 
Um grupo de religiosos faz vigília desde terça (10) em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF), na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Os católicos se uniram a evangélicos e espíritas em orações, pedindo que os ministros do STF rejeitem a descriminalização do aborto em caso de fetos anencéfalos.
O padre Pedro Stepia, da Paróquia de Lagoa Azul, do Novo Gama, em Goiás, fez nesta quarta uma sessão de exorcismo para afastar "os maus espíritos". "A intenção aqui é dizer sim para a vida e não para a morte. Esses ministros do STF não têm poder legislativo e não podem desprezar [o desejo] do povo", disse.
O padre informou que o grupo espera caravanas de várias partes do país, que se unirão em frente ao prédio do Supremo. A ideia, segundo ele, é manter a manifestação até o fim do julgamento, mesmo que dure mais de dois dias. "Defendemos o espírito da verdade e estamos unidos com todos os irmãos que pensam da mesma forma".
Os religiosos carregam imagens de Nossa Senhora de Fátima e de Nossa Senhora Aparecida, além de crucifixos, cartazes com imagens de fetos e faixas apelando pelo direito à vida. Na tentativa de evitar tumultos, a segurança do STF cercou o prédio com aramado, mas há uma entrada para os interessados em acompanhar o julgamento dentro do plenário. 

‘Senado caminha para extinção’


Gabriel Bonis - Revista Carta Capital 




Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
A relação do senador Demóstenes Torres (GO) – antigo paladino da moral no Congresso – com o contraventor Carlinhos Cachoeira é parte de uma série de episódios a indicar que o Senado brasieliro caminha para a própria extinção, como ocorreu na Inglaterra, onde a Casa se tornou figura decorativa há anos. É o que afirma Leonardo Avritzer, doutor em sociologia e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Da maneira como o Senado vem atuando na política brasileira, pode estar se condenando à extinção.”
O professor acredita que a atuação do Senado, e do Poder Legislativo no Brasil, tem se enfraquecido e perdido credibilidade por um conjunto de práticas condenadas pela opinião pública. Entre elas, a proteção de seus pares, motivo pelo qual o analista acredita que Torres pode escapar da cassação caso recupere parte de sua articulação política.
“Ele optou por um isolamento nas últimas semanas que não lhe favorece, mas a estrutura do Senado o favorece.”
O senador precisará defender seu mandato no Conselho de Ética, que decidiu abrir na terça-feira 10 processo disciplinar por quebra de decoro parlamentar.Também será alvo de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) acertada no mesmo dia entre os presidentes da Câmara, Marco Maia (PT-RS), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP).
Ainda assim, Torres tem a seu favor o histórico de condenação do Senado. O único integrante da Casa a ser cassado foi Luiz Estevão (PMDB-DF) em 2000, acusado de envolvimento no desvio de 169 milhões em obras do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo.
Segundo Avritzer, o patamar da relação entre Torres e Cachoeira suprendeu o Senado de modo geral, e o caso deveria servir como alerta sobre a infiltração do crime organizado no poder. “Essa é uma estratégia sempre adotada pelo crime organizado e pode ser que esse acaso seja apenas aponta do iceberg. Se o Brasil não tomar medidas, eventualmente a liderança do crime organizado pode se instalar no Congresso Nacional.”
Sobre a polêmica escolha do senador Antônio Carlos Valadares (PSB-ES) para presidir o Conselho de Ética – com o argumento de que era o parlamentar mais velho da comissão – o professor acredita que o fato evidencie a perda de prestígio do Senado. Nenhum senador do PMDB, dono da cadeira, se interessou pelo cargo. “A própria ideia de haver a recusa [para escolher um] presidente mostra que o Senado tem se eximido nos últimos anos do julgamento dos seus integrantes e seu papel dentro do Congresso Nacional.”
Por essas e outras, o especialista diz que não se surpreenderia se o Brasil seguisse o exemplo de outros países e transformasse o seu Senado em “figura decorativa”. “O Poder Legislativo não precisa estar no Senado”.

Novo patamar (por Miriam Leitão)


Enviado por Míriam Leitão - 
11.4.2012
 | 
9h00m
COLUNA NO GLOBO


A relação com os Estados Unidos está subdesenvolvida, e essa visita mostrou que o Brasil precisa intensificar e modificar a natureza dessa relação. A presidente Dilma não foi recebida como foram os governantes da Índia e da Coreia do Sul, com jantar de gala na Casa Branca. Os Estados Unidos não entenderam ainda o nosso tamanho e importância, e nós continuamos achando que temos que provar independência.
Quem é realmente independente não precisa provar que é. A política externa independente do Brasil vem de muito tempo, não é preciso procurar cada encontro para reafirmar as diferenças. Vem de longe a decisão brasileira de pensar com sua própria cabeça no cenário internacional e não tentar acertar seu passo com o passo de Joãozinho algum.
Na diplomacia, é preciso ler os sinais. O fato de o governante do Brasil ter sido recebido com menos pompa e circunstância do que os da Índia e Coreia do Sul tem significado. Isso sem falar obviamente do presidente chinês, que foi recebido com fanfarra dado o tamanho do país. Os Estados Unidos continuam sem perceber que o Brasil mais do que uma potência regional caminha para um lugar de ainda mais destaque internacional. É por isso que tem feito eloquente silêncio sobre a ambição brasileira em relação ao Conselho de Segurança da ONU e já demonstrou apoio à pretensão da Índia ao mesmo posto.
Do ponto de vista estritamente comercial o Brasil tem muita munição. Tem o argumento de que triplicou as compras no mercado americano nos últimos oito anos, exatamente quando eles mais precisaram. Aqui fica um mercado importante para produtos de alta tecnologia e alto valor agregado na exploração de áreas relevantes, como o pré-sal. Com tudo isso, é possível brigar contra suspensão sem maiores explicações das nossas vendas de aviões da Embraer. 

Há pontos externos em que nossa divergência não precisa ser reenfatizada. É o caso do Irã, por exemplo. O governo brasileiro insiste em defender o direito de o Irã desenvolver seu projeto nuclear, mas passa um recibo de ingenuidade quando dá como certo que é um programa com fins pacíficos. Sobre isso, há controvérsias. 

Já a briga pelo fim do embargo a Cuba tem a ver diretamente conosco. Essa é uma antiga posição do Brasil e está correta. O embargo não faz sentido algum, e é provinciano. Se os americanos tivessem mais visão estratégica entenderiam que com mais abertura econômica eles empurrariam a ilha para uma economia de mercado mais rapidamente, o que tornaria mais fácil a caminhada para a democracia. 

E justamente quando o governo dos irmãos Castro está dando sinais de senilidade é que é momento de estreitar a relação. Em vez disso, o lobby anticastrista está escalando. O que é uma burrice perigosa. Veja a reportagem de capa do “Valor Econômico” de ontem: uma lei que está aprovada na Flórida vai limitar investimentos locais com empresas que tenham negócios com Cuba. Isso bate direto nos projetos da maior construtora brasileira na Flórida, que é a Odebrecht. Nesse caso, é preciso mais do que nunca insistir na posição brasileira porque o embargo à Cuba afeta diretamente nossos interesses. A política imposta na Guerra Fria já caducou mas continua fazendo vítimas. 

A Odebrecht tem um histórico de grandes obras na Flórida, como uma parte do aeroporto, e está entrando em outras concorrências, como a ampliação do Porto de Miami, e está também em Cuba ampliando o Porto de Mariel.
A conversa entre Obama e Dilma foi ampliada para além do horário marcado e isso é um sinal de deferência, mas já houve essa hora extra em outros encontros entre governantes do Brasil e Estados Unidos. Mas o Brasil pode e deve querer mais que isso, sabendo, no entanto, que a atitude reivindicatória não faz mais sentido dada a importância e o tamanho do país.
O Brasil vai crescer e se expandir em diversas áreas em que os Estados Unidos terão interesse em fornecer equipamentos e produtos de alto valor agregado, como, por exemplo, na exploração do pré-sal. Por isso é que o presidente Barack Obama, de olho nos negócios, falou em redução da exigência do conteúdo nacional. O Brasil tem enorme déficit comercial com os EUA, aumentou as compras, tem mercado para novos produtos e empresas americanas. Pode usar esse poder de barganha para fazer propostas concretas que ampliem espaço para nossas empresas e produtos.
É preciso, no entanto, estar pronto para aproveitar as oportunidades. O caso do etanol mostrou despreparo. Brigamos tanto pela derrubada da barreira ao etanol e quando conseguimos o Brasil estava com escassez do produto e passou a importar.
O programa cumprido pela presidente Dilma Rousseff ontem foi da maior relevância: estreitar relações nas áreas de educação, ciência, pesquisa. Apoiar estudantes brasileiros na sua ambição de passar por universidades americanas. Tudo isso que a presidente Dilma deu ênfase será fundamental para o projeto que o Brasil quer.
A abertura das fronteiras aos turistas e viajantes é importante para os dois lados. Apesar de a embaixada americana no Brasil estar apresentando estatísticas de avanços, fatos absurdos continuam acontecendo com brasileiros que vão aos Estados Unidos. Alguns sentiram melhoras, outros vivem ainda situações desrespeitosas.

Quem tem medo de CPI e sofre de alergia à verdade é o bando que controla o Congresso (por Augusto Nunes)


Augusto Nunes

E a CPI do Cachoeira?, andam uivando na internet as milícias escaladas para tentar poluir os blogs independentes com imundícies recolhidas na esgotosfera. No faroeste brasileiro, vilão brinca de xerife. Seja bem-vinda, retruca o Brasil decente. Mesmo se concebida para impedir que os quadrilheiros do mensalão ocupem sozinho o palco dos pecadores à espera de punição, qualquer investigação do gênero é bem-vinda. Gente honesta não tem bandidos de estimação, não acoberta criminosos e entende que todo fora-da-lei merece castigo. Quem tem medo da verdade é a turma acampada no coração do poder.

“As forças progressistas precisam agir de imediato, pois está em curso uma tentativa de acabar logo com o caso Demóstenes & Cachoeira”, viajou nesta terça-feira o secretário-geral do PT, Elói Pietá. “Para muitos, é incômodo discuti-lo. Vai atingir bastante gente por comissão ou omissão”. Se o recado foi endereçado à tíbia minoria oposicionista, houve um erro de destinatário. Quem decide o que deve ser investigado, esquecido ou engavetado no Congresso é a ampla maioria governista.  Pietá que se entenda com seus companheiros e parceiros da base alugada.
Nesta segunda-feira, o senador Álvaro Dias, do PSDB paranaense, fez um pedagógico resumo da ópera. “O escândalo do Cachoeira não é de ontem, e não tem limites no estado de Goiás. Essa cachoeira também afoga Brasília. Que pessoas estariam sendo protegidas no caso Cachoeira? Que se instaure a CPI”. É isso. As mesmas águas malcheirosas que engoliram Demóstenes Torres e já cobriram parlamentares do PSDB e do PT vão atingindo a linha da cintura dos governadores Marconi Perillo e Agnelo Queiroz, chegaram ao Planalto e rondam o Judiciário.
Nenhum partido está fora do alcance da catarata de patifarias. Nenhum dos três Poderes ficará sem representantes na lista dos mortos por afogamento. Como avisa o texto publicado na seção História em Imagens, ninguém sabe como vai terminar uma CPI. Só é possível saber como começa. No caso da protagonizada pela maior caixa preta do Brasil, tem de começar pelo episódio que tornou nacionalmente conhecido o meliante goiano. Ninguém sabia quem era Carlinhos Cachoeira até 2004, quando foi divulgado pela TV o vídeo da conversa com Waldomiro Diniz, o vigarista promovido pelo amigo José Dirceu a assessor especial para assuntos parlamentares da Casa Civil. Waldomiro submergiu no jorro inaugural da cachoeira. Merece puxar a fila dos interrogados.
Que venha a CPI.

Muito boa Metáfora. É curta e excelente. O UMBIGO



   "Leitor do blog que se assina 'Marconi Brasil' deixou 
esta pérola de texto em comentário lá postado”
Por Marconi  Brasil

Dizem que um dia o homem acordou e, nú, percebeu que seu umbigo havia crescido. Duas semanas depois, o umbigo o devorou. 

O umbigo, então, tomou a carreira do homem, sua esposa, seus filhos e seus amigos. Fez três MBAs e abriu uma consultoria. Criou uma nova rede de contatos e perfis em sites de relacionamentos. Pagou jornalistas e jornais para publicarem seus textos.

O umbigo ficou famoso. Contratou mais duas empregadas, três babás e uma secretária particular. Ele deu palestras motivacionais e entrevistas para programas de TV. Passou a frequentar  festas de celebridades e celebrava contratos milionários. Fez amigos em Brasília, Nova Iorque, Londres, Paris e Roma.

Para as férias, construiu uma mansão na região da toscana, Itália, e outra em Campos do Jordão. Todavia, um ano depois, o umbigo implodiu. Hoje, o homem foi completamente esquecido por família, filhos e amigos.  

Por outro lado, embora o umbigo tenha prosperado, nunca passou de um umbigo.
 
Comentários: O texto cabe como uma luva a certos tipos que não conseguem enxergar um palmo além da linha que vai do nariz ao umbigo.

Saiba por que o Cachoeira desaguou na CPI da Unanimidade, provocando o tsunami de cinismo




Brasília nunca esteve tão surrealista quanto neste início de semana. Produziu-se na Capital um fato raro, sem precedentes. Todos os partidos com representação no Congresso passaram a apoiar a abertura de uma CPI. O Palácio do Planalto também ficou a favor. Repetindo: não se ouviu uma mísera voz contrária.
Quando um grupo de congressistas consegue abrir uma CPI, você sabe que está diante de uma roda de cínicos. Quando a CPI nasce de uma unanimidade assim, tão assustadoramente densa, você percebe que está às voltas com uma crise semântica. Tudo perdeu o significado.
O que está em jogo nos desdobramentos do caso do proto-bicheiro Carlinhos Cachoeira é a instalação de uma ‘CPI do Cinismo’. Ela decerto receberá outro nome. Mas é essa a matéria prima de que está sendo feita.
Experimente perguntar aos seus botões: se o Congresso é o mesmo, se o escândalo traz as mesmas delinquências de sempre, se o governo é o mesmo, o que mudou para que o descaso usual virasse essa fúria investigativa?
A explicação para o súbito fim do pouco-caso está no fato de que Cachoeira revelou-se demônio conveniente. Um demônio que, por suprapartidário, iguala os partidos em perversão, eximindo-os de todo tipo de exame. A começar do auto-exame.
Se quisesse, o governo poderia apagar o fogo de CPI que Carlinhos Cachoeira ateou no Legislativo. Em viagem aos EUA, Dilma Rousseff foi consultada pelo telefone. Mandou que seus operadores deixassem a coisa rolar.
Ideli Salvatti, a coordenadora política da Presidência, informou aos líderes do condomínio que Dilma não se envolveria na encrenca. Eduardo Braga, líder do governo no Senado, foi mais explícito: o governo apoia a CPI, disse a um grupo de senadores.
Por que Dilma joga lenha na fogueira? A resposta está nos índices das pesquisas de opinião pública. Há 40 dias, o Senado desfeiteara Dilma rejeitando-lhe o nome da agência reguladora dos transportes. Ela dera o troco. E a Câmara fizera doce para aprovar a Lei da Copa, condicionando-a ao agendamento da batalha do Código Florestal. A popularidade de Dilma foi às nuvens. E ela se deu conta de que a ruína do Legislativo faz-lhe bem à alma.
Enquanto os partidos estiverem jogando lama uns nos outros, Dilma chegará cedo ao Planalto, cuidará do expediente e irá para o Alvorada fazer pose de zeladora do PIB e de mantenedora da higidez da economia diante do espelho. Verá potencializar-se a lua de mel que vive com seus travesseiros.
Desde que chegou ao poder, em 2003, o PT atravessa uma metamorfose às avessas. De borboleta, tornou-se casulo. No novo papel, notabilizou-se como empata-CPIs. Por mal dos pecados, não conseguiu abafar a dos Correios. O escândalo era demasiado escandaloso. Deu no mensalão.
O ex-PT adaptou-se às más companhias e passsou a tolerar os seus corruptos, tratando-os com indulgência. Há sete anos o petismo procura um demônio para lhe devolver a culpa e a custódia dos seus crimes. De repente, surge o Cachoeira. Demóstenes Torres, o ‘demo’ que posava de vestal, foi pilhado em diálogos vadios. Melhor: o calcanhar do tucano Marconi Perillo ficou exposto.
Logo o Perillo, personagem que desafiou o lero-lero do “não sabia” ao trombetear, em 2005, a informação de que alertara o ex-soberano sobre a existência do mensalão. Liberado por Dilma e estimulado por Lula, o ex-PT marcha sobre o governo de Goiás com sede de vingança.
A hora não poderia ser mais propícia. O STF prepara-se para julgar os mensaleiros. Para completar, os grampos da Polícia Federal insinuam uma parceria do aparato de bisbilhotagem do bicheiro com jornalistas. O suficiente para propiciar a construção de uma versão marota: a tese segundo a qual Cachoeira ajudou a armar os flagrantes que deixaram mal o governo Lula. Entre eles a cena do funcionário dos Correios recebendo propina.
A esperteza não apaga os fatos. O funcionário existiu. Estava a serviço do PTB. Recebeu dinheiro por baixo da mesa. Emboscado, Roberto Jefferson levou às manchetes o “carequinha”. Seguiu-se o Delúbio. Por mais que se esforce, o petismo não fará da tempestade uma bonança. Reputação é como virgindade. Uma vez violada, violada está. Mas quem se importa? No momento, interessa provar que há mais virgens no bordel.
Despejado numa CPI, o Cachoeira vai engolfar nacos do PT. Pelo menos um deputado federal goiano molhou a mão nas ca$catas. O governador Agnelo Queiroz e Cia. encontram-se com água pelo nariz. Paciência. Não se pode ter tudo na vida. Para afogar os antagonistas, igualando-os em perversão, o preço parece módico.
Levada pela correnteza, não restou à oposição senão nadar no ritmo das águas. As transgressões de Demóstenes como que intimaram o DEM a aderir à CPI. Apesar de Perillo, o PSDB apressou-se em imitar o gesto. Não ficaria bem ser levado às manchetes como um sub-DEM. Resta torcer para que vozes de autoridades do governo soem nos grampos ainda ocultos.
De resto, a geoplítica do escândalo, por ora concentrado no eixo Goiás-Brasília, propiciou a unanimidade. Há no Congresso mais de uma centena de candidatos a prefeito. É gente que não parece disposta a carregar para os palanques montados em outros pedaços do mapa as delinquências do Centro-Oeste.
Nesta terça (10), realizaram-se no Legislativo duas reuniões sintomáticas. Numa, Marco Maia discutiu a CPI com os líderes da Câmara. Noutra, José Sarney tratou do mesmo tema com os líderes do Senado. Em ambas, formou-se um inacreditável consenso pró-CPI. Coisa nunca antes vista na história desse país.
O Congresso pode mudar? Dificilmente. A mudança pode ser radical? Impossível. Então, pergunte de novo aos seus botões se algum dia eles imaginaram que Brasília estaria fazendo esse coro em favor de uma investigação séria, profunda, e generalizada. Você talvez conclua que não, bobagem, isso jamais aconteceria.
Para não dizer que Legislativo e Executivo renderam-se ao cinismo deve-se deduzir que os Poderes da República são vítimas da confusão semântica. Simulação agora é sinônimo de investigação. É tão bem-sucedido o sistema de conveniências que domina os partidos que a anunciada CPI, em vez de animar, intriga. Por que a rotina passaria a ser tratada como escandalosa?
Claro, às vezes a pantomima descamba para o insondável. Há gente séria no meio da encenação. Ninguém pode garantir que, puxando-se um fio de meada aqui, arrancado-se um véu acolá, a autodefesa do sistema não desmorone. Mas o hábito de descrer, já tão disseminado entre os brasileiros, não recomenda o otimismo. Entre os cínicos e os revolucionários da semântica, o papel reservado a você, observador atento, é o de bobo.