Não fale em fidelidade partidária com ele. Pedro Soares é corno. “De traição eu entendo. Então, não sei se vou ficar no partido se for eleito”, dispara o candidato a vereador em Porto Velho que já na campanha está desgostoso com sua legenda, o PDT. Na verdade, ele queria mesmo ser postulante à prefeitura.
A série UOL pelo Brasil, reportagens sobre as eleições municipais em todos os Estados do país, foi até a capital de Rondônia conferir mais esse capítulo do folclore político nacional.
Candidatos doidivanas, nomes bizarros e slogans abilolados existem às centenas. Mas muitos se candidatam sem uma proposta. Soares tem uma: o plano “habitacorno”. Ele explica: “O corno pega chifre e não tem onde morar. O Ricardão fica no lugar dele, e o corno fica na rua da amargura. Então, vamos criar o habitacorno, que será um albergue para os galhudos, com psicólogos ou advogados para auxiliá-los.”
Ajudante-geral da Câmara Municipal de Porto Velho há 19 anos, Soares nunca pensou em ocupar uma das cadeiras de lá nem qualquer cargo político até uma pesquisa de opinião no início de 2012. Uma enquete do site Rondoniaovivo perguntou quem o internauta queria como mandatário. O presidente dos cornos venceu com 71%, batendo de longe potenciais candidatos como secretários municipais, deputados estaduais e ex-prefeitos.
“A pesquisa foi para mostrar a mesmice e a falta de clima político em Porto Velho. Mas o Pedro se empolgou e entrou na campanha. Acho difícil que ele se eleja, afinal, uma coisa é votar na internet, outra é na urna”, afirmou Paulo Andreoli, editor do site. Se os eleitores são tão infiéis quanto as mulheres, Soares só vai descobri na apuração.
Ninguém, porém, pode acusar que ele está querendo bagunçar a política local, afinal, Porto Velho, assim como Rondônia, tem um histórico de falta de planejamento, atropelos e improvisos. Um exemplo: a cidade à beira do caudaloso rio Madeira enfrenta racionamento de água. Outro é a vizinha hidrelétrica de Santo Antônio, que trouxe migrantes, carros, trânsito, inflação e especulação imobiliária à capital que não se preparou para isso.
“O transporte público aqui é muito caro [está entre os dez mais altos do país], e as ruas estão todas esburacadas. Isso quando tem asfalto, porque em geral as ruas são de terra, e é aquela poeira o dia todo”, desfila as queixas o candidato a vereador.A usina em construção gerou contrassensos, alugueis extorsivos em ruas com esgoto a céu aberto e terrenos baldios. Isso em pleno centro. A estação da antiga ferrovia Madeira-Mamoré é o principal ponto turístico de Porto Velho, mas um igarapé poluído corre ao lado dos trilhos. Apesar de estar na Amazônia, a cidade é pouco arborizada e faz lembrar o lema “o sol nasceu para todos, mas a sombra para poucos”.
Associação tem 30 anos de existência, psicólogos, advogados e desconto no comércio
A Ascron surgiu em 1982, quando Soares “pegou chifre” e teve a ideia de unir os maridos atraídos em uma associação, afinal de contas, como ele próprio diz: “corno unido é melhor que corno solitário”. Hoje, a associação tem sede própria, 7.288 membros com carteirinha, cinco advogados e três psicólogos, além de descontos em supermercados, farmácias, táxis e mototáxis. “A gente ampliou o grupo. Tem corno mulher, corno gay, corno sapatão”, explica a expansão.
Só com seus associados, Soares seria eleito como o mais votado da cidade, já que o vereador preferido em 2008 teve pouco mais de 4.000. Com 2.000 votos, a chance de ser eleito é grande. Mas, se a abstenção eleitoral for igual à inadimplência da mensalidade da associação, Soares vai ter outra dor de cabeça: metade dos integrantes não cumpre com suas obrigações financeiras. “Se eu ganhar ou perder, eu estou no lucro”, já adotou Soares com discurso para o resultado deste fim-de-semana.
De qualquer forma, a iniciativa inspirou similares em todo o país, como a Associação dos Homens Mal-amados do Ceará e outros. “Na década de 1980, era normal o cara ser atraído e sair matando ou se matar. Tinha sujeito que queria pular de cima do prédio, esquecendo que não ganhou um par de asas, e sim um par de chifres. Agora a chifrada é mais aceita, e a pessoa consegue assimilar a situação”, analisa Soares. Até o humor com que eles tratam a traição ajuda a diminuir a dor.
O líder dos cornudos afirma aumentou o número de afiliados após a Lei Maria da Penha, que em 2006 criou penas mais rigorosas aos maridos agressores para tentar reduzir os índices alarmantes dos crimes domésticos. “Somos pela não violência. O cara já perdeu a honra, não deve perder a cabeça. Assumir a cornidão e entender o que aconteceu é melhor que fazer uma besteira e acabar preso”, sintetiza Soares.
Ele mesmo passou por esse processo ao descobrir a traição e fundar a associação. “Encontrei um radialista amigo meu com a minha mulher. Mas o mais sofrido é que eles quiseram me agredir na hora. Sai, fui beber, pensei em matar o safado, mas me veio a ideia de formar um grupo de traídos. Hoje, eu agradeço a Deus porque posso contar minha história.”
O jingle que toca nos alto-falantes no teto do seu carro lembra pela melodia e pela voz o do deputado federal Tiririca (PR-SP), o mais bem sucedido dos candidatos folclóricos. Resta saber se Pedro da Ascron vai se tornar sua versão rondoniense.