A política econômica tem atendido a emergências, quando deveria ter um rumo; ameaça com arsenal de medidas quando deveria implementar reformas que tirassem do caminho os obstáculos ao crescimento; distribui favores quando deveria melhorar o ambiente de negócios. O risco é continuar prisioneiro da briga juros-câmbio-inflação quando o mais acertado é plantar as bases de um novo ciclo de desenvolvimento.
O Brasil deu o salto nos últimos anos porque trabalhou para isso. O país fez reformas, como o Plano Real, a privatização, a nova regulação, o saneamento parcial das contas públicas, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a autonomia e as metas do Banco Central. Tudo isso mudou a economia e abriu novos horizontes. A queda da inflação e a redução do percentual de pobres ajudaram a elevar o patamar de consumo criando o círculo virtuoso da ampliação da classe média. Mas o combate à pobreza ficou mais eficiente exatamente porque o país venceu a hiperinflação. A queda dos juros permitiu a ampliação do crédito que é outro elemento importante do crescimento recente.
A disputa política pela paternidade dos bons frutos é um debate medíocre. Esforços de governos diferentes foram complementares; mas é indiscutível que a pedra fundamental desse novo momento seja a estabilização. É falsa a divisão entre neoliberais e desenvolvimentistas. Primeiro porque não há neoliberais no Brasil, e segundo porque não haveria desenvolvimento sem a estabilização.
Agora é hora de plantar o próximo ciclo e tudo o que o governo tem feito é apagar incêndios, agir em emergências e ficar da mão para a boca, reagindo ao número de cada dia. O dado que preocupou esta semana foi a alta medíocre do PIB, e dentro dele a estagnação da indústria, que ainda caiu 2,1% em janeiro.
Quando o ministro Guido Mantega fala que tem um arsenal de medidas cambiais para desvalorizar o real, ele acaba, no curto prazo, elevando o incentivo a que se traga mais dólares antes que seja disparado o tal arsenal. Isso derruba mais o dólar. Fala-se também em dar mais dinheiro ao BNDES. A dúvida é o que o banco fará com o dinheiro. Nos últimos tempos, tem posto mais dinheiro subsidiado na velha economia do que na nova; em setores poentes, em vez dos emergentes.
Ser desenvolvimentista não é apenas gostar de desenvolvimento. Isso todo mundo quer, independentemente da corrente de pensamento econômico com a qual a pessoa se identifique. A pergunta relevante é que tipo de avanço está sendo projetado pelas decisões tomadas agora.
Para crescer de forma sustentada o Brasil precisa qualificar brasileiros, reduzir o peso dos impostos sobre o emprego, aumentar a poupança, incentivar investimentos principalmente nos setores de ponta, melhorar a eficiência logística, reduzir a balbúrdia tributária. A lista é conhecida e permanece intocada.
O Ministério da Fazenda e o Banco Central estão prisioneiros do imediatismo. Quando a inflação sobe, os juros são elevados, isso azeda a relação entre os dois órgãos. Os juros altos derrubam a taxa de inflação, mas valorizam mais a moeda brasileira. A indústria pede socorro aos ministros da Fazenda e do Desenvolvimento e eles reabrem o balcão que distribui vantagens setoriais ou adotam barreiras ao comércio. O Tesouro pensa estar induzindo o investimento de longo prazo transferindo recursos não contabilizados como gastos para o BNDES. O BNDES pensa estar fazendo política industrial despejando volumes extravagantes dos recursos no projeto de formação de grandes conglomerados. Tudo isso dá a impressão de que há um projeto. Não há. O país não está induzindo o próximo ciclo de desenvolvimento.
A briga com a China mostra bem isso. Quando a indústria reclama dos desequilíbrios provocados pelos produtos chineses, o Brasil ameaça adotar barreiras. Não se dá conta de dois pontos: primeiro, a China é nosso maior superávit comercial; segundo, não se pergunta o que o país que mais cresce no mundo tem feito de certo. Eles estão investindo fortemente em educação, inovação, e na nova energia, por exemplo. O Brasil deve fazer sua lista de que áreas tocar para aumentar a competitividade, mas tanto a indústria quanto o governo esperam que a taxa de câmbio dê de presente essa competitividade.
O arsenal de incentivos que qualquer governo dispõe serve para apontar os caminhos que a economia deve seguir. Os Estados Unidos não conseguiram ainda retomar o ritmo adequado de crescimento, mas os empregos criados na era Obama são principalmente na transição para a indústria de baixo carbono.
Frequentemente o governo anuncia incentivos fiscais para a indústria automobilística. Não há vantagem para a indústria investir num novo motor de baixo carbono, na inovação, no carro elétrico. Os carros flex, que foram o grande avanço das últimas décadas, são inúteis porque a política de preços dos combustíveis privilegia o combustível fóssil, em vez do etanol.
A formação dos grandes conglomerados da carne não produziu nada palpável. O Brasil continua fora dos mercados de qualidade, não houve aumento na exportação do produto. As empresas favorecidas não foram forçadas a exigir que a cadeia produtiva adotasse novas práticas ambientais e sociais. As empresas apenas ficaram maiores e agora entram em novas áreas.
Os juros caíram, isso dará um alívio temporário, mas o país continua sem projeto, sem lista de tarefas a executar, sem meta de onde quer chegar. O Brasil continua perdendo o que não pode mais perder: tempo.