quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

CRIA CUERVOS - by Percival Puggina


11.01.2017

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Percival Puggina

 Quando as imagens do massacre de Manaus me caíram diante dos olhos, lembrei-me do ditado espanhol – “Cria cuervos y te sacarán los ojos“. Naquelas cenas reiteravam o quanto é pueril supor que há perversidades inacessíveis ao homem. Não há. Feras não podem se humanizar, mas o contrário não é verdadeiro. E quando acontece, a ferocidade se potencializa pela aplicação da inteligência ao mal.

 Muitas vezes, algo que parece nascido da boa intenção, tornando quase impossível ser percebido de modo diverso, acaba prestando extraordinário serviço ao mal e a seus objetivos. Pondere o que aconteceu com a sociedade brasileira, em avassaladora proporção, nas últimas décadas. Para tal fim, seja seu próprio instituto de pesquisa. Examine suas experiências de vida e as informações que lhe chegam de variadas fontes e modos. Tenho certeza de que acabará concluindo que a nação passou da quota na quantidade de maus cidadãos, de patifes, mentirosos, velhacos, corruptos, traiçoeiros e dirigentes de igual perfil, cujas decisões põem a ética e o bem de cabeça para baixo.

O que se constata nessa observação ligeira, mas suficiente, não é causa de si mesma em circuito fechado, mas consequência de uma atitude pedagógica aparentemente generosa, que concede liberdade sem responsabilidade, direitos sem deveres, prêmios sem méritos, amor sem exigências, educação sem restrição. E tolera a falta sem punição e o crime sem pena.

Temos recebido doses maciças disso nas famílias, nas salas de aula, nas relações sociais, no trabalho e na política. Então, prezado leitor destas poucas linhas, se lhe ocorre, ao lê-las, a ideia de que os cuervos a que me refiro estão enjaulados nas penitenciárias do Brasil, crocitando e executando sentenças de morte, ali mesmo ou nas nossas ruas e estradas, você se enganou. É ao seu criatório que me refiro. Ele está por toda parte, está aí na volta, combatendo a polícia, rindo da lei, declarando a morte da instituição familiar, chamando bandido de herói e herói de bandido, fazendo novelas de TV, ridicularizando a virtude, aplaudindo o vício, enxotando a religião, desautorizando quem educa ou usando a Educação para fazer política e relativizando a vida (aconteceu o que, em Manaus e Roraima, que não ocorra diariamente, com tesouras e pinças, em salas de aborto?).

Há cuervos que não se apresentam como tal.

Não estou afirmando que as pautas da violência se esgotem nestas que menciono. Estou dizendo, isto sim, que o crime e a violência avançam, inclusive, por motivação política e ideológica. E estou reafirmando, mais uma vez, que consciências ou se formam ou se deformam. Há no Brasil um evidente empenho em criar seres humanos com consciência de corvos.


* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site http://www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

TRIBUNAIS - by Miranda Sá


por Marjorie Salu

MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

               “Toda a capacidade dos nossos estadistas se esvai na intriga, na astúcia, na cabala, na vingança,       na  inveja, na condescendência com o abuso, na salvação das aparências, no desleixo do futuro.” 
(Ruy Barbosa)
Apesar da palavra ter uma origem romana (do latim: tribunalis, significando "dos tribunos”), sua origem é mais antiga. Segundo historiadores surgiu entre os judeus no Egito que, sob a orientação de Moisés, criaram um sistema político-religioso de julgamentos.
O Tribunal é um órgão cuja finalidade é exercer fazer justiça resolvendo litígios com eficácia de coisa julgada. São compostos por um ou mais juízes, encarregados de julgar demandas. São designados “cortes” em alguns países e territórios.
Antes da separação dos poderes, existiam órgãos públicos com funções essencialmente administrativas e legislativas, e eram também designados "tribunais". Atualmente são organismos públicos, pertencentes ao sistema judicial de uma nação. Realça entre eles o Tribunal do Júri que é, teoricamente, a democratização da Justiça.
Existem também tribunais religiosos - como os tribunais eclesiásticos das dioceses católicas, e tribunais privados para apreciar certas atividades econômicas e desportivas.
Miseravelmente ocorreram e ocorrem tribunais de exceção, formados arbitrariamente para julgar casos com ou sem delitos cometidos; historicamente são famosos os Tribunais da Inquisição e de regimes ditatoriais como na Alemanha hitlerista. Tivemos posteriormente o Tribunal de Nuremberg criado para julgar crimes de guerra dos nazistas.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reza, no seu artigo 5º, inciso XXXVII, que no nosso país não haverá juízo ou tribunal de exceção. Multiplicam-se, porém, a gosto do tradicional bacharelismo uma excessiva multiplicação de tribunais, alguns perfeitamente dispensáveis.
Nestes órgãos, dos tribunais superiores até os tribunais de contas municipais, vê-se um desproporcional gasto do dinheiro público. Aparecem agora na mídia, por exemplo, o dispêndio com viagens dos ministros de tribunais superiores em R$ 3 milhões para pagar voos internacionais de 2013 a 2015.
Baseada na Lei de Acesso à Informação, a reportagem da Folha de São Paulo registra que as passagens de magistrados tiveram custo 12 vezes maior que o trecho na poltrona econômica, e, uma única viagem feita na classe executiva resultou uma despesa de R$ 55 mil (em valores da época).
O ministro do STF Dias Toffoli gastou R$ 149,4 mil apenas com bilhetes aéreos no ano em que presidiu o TSE. É claro que por corporativismo, os órgãos afirmam que todas as viagens foram a serviço e ocorreram dentro das normas previstas.
O contribuinte brasileiro deve denunciar esses favorecimentos como coisa que não ocorre pelo mundo afora. O Papa, presidentes e primeiros ministros dos países desenvolvidos (com exceção dos EUA) usam voos de carreira de empresas aéreas privadas.
O exemplo que vem de fora deveria ser seguido no Brasil. Mesmo no comparecimento de reuniões internacionais de cúpula, as altas autoridades brasileiras precisam obedecer ao princípio de que todos são iguais perante a lei; e assim, suas viagens de lazer seriam pagas pelo próprio bolso.
Uma coisa que parece ter acabado foi a farra desabusada da Era Lulopetista com voos em aviões da FAB, que resultaram na morte de cidadãos carentes de transportes de órgãos para transplantes de urgência.
Acrescente-se â prática errada e injusta das passagens aéreas pelos ocupantes temporários ou vitalícios do poder republicano, algo pior: constata-se que cargos de confiança de aparelhados nos três poderes também se utilizam de passagens de 1ª classe. Um absurdo.

Poema da Madrugada - Adélia Prado - BRIGA NO BECO

BRIGA NO BECO
Encontrei meu marido às três horas da tarde
com uma loura oxidada.
Tomavam guaraná e riam, os desavergonhados.
Ataquei-os por trás com mãos e palavras
que nunca suspeitei conhecer.
Voaram três dentes e gritei, esmurrei-os e gritei,
gritei meu urro, a torrente de impropérios.
Ajuntou gente, escureceu o sol,
a poeira adensou como cortina.
Ele me pegava nos braços, nas pernas, na cintura,
sem me reter, peixe-piranha, bicho pior,
[fêmea-ofendida,
uivava.
Gritei, gritei, gritei, até a cratera exaurir-se.
Quando não pude mais fiquei rígida,
as mãos na garganta dele, nós dois petrificados,
eu sem tocar o chão. Quando abri os olhos,
as mulheres abriam alas, me tocando, me pedindo
[ graças.
Desde então faço milagres.
De Bagagem (1976)
Biografia de Adélia Prado aqui