Nunca antes na história do Congresso a eleição para presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados reuniu num mesmo ano candidatos tão descaradamente suspeitos de corrupção – no caso, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
Uma vez eleitos, o mais comum é que os ocupantes dos dois cargos acabem acusados por crimes menores. Do tipo o emprego de parentes.
Houve uma exceção recente: Severino Cavalcanti (PP-PE), conhecido na época como o Rei do Baixo Clero, renunciou à presidência da Câmara porque se tornou público em 2005 que recebera um mensalinho de R$ 10 mil pago por um concessionário de restaurantes.
Baixo Clero era a turma dos políticos fisiológicos dedicados a extrair vantagens financeiras do mandato.
A turma cresceu tanto que a denominação perdeu o sentido.
O Senado, que não tinha Baixo Clero, hoje tem. Algum culpado em especial?
Bem, José Sarney estava destinado a passar à história como o presidente da redemocratização do país.
Goste-se ou não dele, Sarney contribuiu para remover o entulho autoritário deixado por 21 anos de ditadura e alargou o quanto pôde os limites da liberdade.
Não importa que assim tenha procedido mais por fraqueza do que por força. Poderia ter atrapalhado se quisesse. Não quis.
Tinha direito a um mandato de seis anos, por exemplo. Tentaram subtrair-lhe dois anos. Cedeu um.
Agora, Sarney parece condenado a passar à história como o presidente da desmoralização do Senado. Ninguém presidiu tanto o Senado e influenciou tanto o seu destino nos últimos 17 anos como Sarney.
O primeiro mandato dele como presidente do Senado transcorreu entre 1995 e 1997.
Sarney fez seu sucessor – Antonio Carlos Magalhães, que presidiu o Senado por dois mandatos consecutivos. Renunciou ao segundo mandato para não ser cassado. Violara o sigilo dos votos durante uma sessão.
Sarney votou em Jáder Barbalho, ministro da Previdência Social do seu governo, para suceder Antonio Carlos.
Acusado de ligação com o desvio de dinheiro do Banco do Estado do Pará, Jáder acabou obrigado a renunciar ao mandato para escapar de ser cassado por quebra de decoro.
Edison Lobão, homem de confiança de Sarney, presidiu o Senado em seguida. E aí deu lugar novamente a Sarney entre 2003 e 2005.
Renan Calheiros comandou o Senado de 2005 a 2007 apoiado por Sarney. Não chegou a completar o mandato: renunciou à presidência para driblar o risco de perder o mandato de senador. Descobriu-se que o lobista de uma empreiteira pagava a pensão devida por Renan à mulher mãe de uma filha dele fora do casamento.
Renan tentou provar que tinha gado suficiente para justificar seu patrimônio. A Polícia Federal constatou que não.
Na última sexta-feira, o Procurador Geral da República denunciou Renan ao Supremo Tribunal Federal por uso de notas fiscais frias.
Por mais duas vezes, Sarney presidiu o Senado – de 2009 até hoje.
Renan está prontinho para sucedê-lo. Nada o ajudou mais para se eleger outra vez presidente do Senado do que a CPI do Cachoeira.
Ali, ele se empenhou em salvar a pele dos governadores Marconi Perillo (PSDB-GO) e Agnelo Queiroz (PT-DF), Fernando Cavendish, dono da construtora Delta, jornalistas e do próprio Cachoeira. E conseguiu.
A garantia da eleição de Renan para a presidência do Senado e a de Henrique para a presidência da Câmara repousa na identificação irretocável dos dois com a esmagadora maioria dos seus pares.