domingo, 25 de dezembro de 2011

O aparelhamento do STF.


FONTE: Nilson Borges Filho  http://aluizioamorim.blogspot.com

Desde os tempos dos generais-presidentes – quando ministros dos tribunais superiores eram escolhidos de acordo com suas preferencias ideológicas, mas nada além disso – nunca antes na história deste presidente alguém conseguiu aparelhar o Supremo Tribunal Federal como Luiz Inácio Lula da Silva.

Pelo menos os presidentes militares obedeciam suas escolhas levando em consideração, também, os currículos dos candidatos. Podia-se dizer que tal ministro era conservador ou que aquele outro era um liberal, mas nunca se ouviu, seja de quem for, colocar dúvida na capacidade técnica de um ministro do Supremo ou na sua limitação jurídica.

Anos atrás, eu e minha mulher dividimos a mesa de um restaurante com o ministro aposentado do STF José Carlos Moreira Alves, que se fazia acompanhar de sua esposa. Não conhecia o ministro pessoalmente, mas acompanhei sua carreira desde a época em que foi escolhido, ainda jovem, Procurador Geral da República pelo general Emílio Garrastazu Médici e conduzido, no governo de Ernesto Geisel, ao STF.

Durante o jantar, disse-me o ministro que o fato de ter chegado ao Supremo foi uma surpresa, pelo motivo que tento colocar, na forma do possível, como se fossem suas palavras: ainda Procurador Geral da República recebeu do Ministro do Exército e, homem forte do governo Médici, Orlando Geisel, uma consulta de cunho estritamente jurídico. Como mandava o figurino, Moreira Alves respondeu a consulta – também se valendo apenas de argumentos jurídicos – em meia página datilografada.

Sentindo-se desprestigiado pela objetividade de Moreira Alves, Orlando Geisel devolveu o parecer do procurador sob argumento de que assunto merecia mais atenção. Moreira Alves não se intimidou com a postura do Ministro do Exército e devolveu o parecer inicial dizendo que era aquilo mesmo e que não havia mais nada a acrescentar.

Orlando Geisel não era somente Ministro do Exército de Médici e homem forte do governo, mas irmão do próximo presidente, o general Ernesto Geisel. Pois Alves chegou a ministro do STF por ato de Ernesto Geisel, com o aval do irmão Orlando a quem consultou sobre a sua indicação.

O ministro Moreira Alves é um civilista de profundo conhecimento jurídico – um erudito, eu diria – mas seus votos no Supremo se constituíram em verdadeiras aulas de direito constitucional. Mesmo quando era voto vencido, os argumentos do ministro Moreira Alves eram difíceis de ser contra-argumentados pelos seus pares.

Paulista de Taubaté, provavelmente nos dias de hoje Moreira Alves jamais  seria ministro do Supremo por sua posição ideológica - como dizer?, “conservadora”. Mas não custa perguntar, porque perguntar não ofende: passando um olhar pelos currículos dos atuais ministros do STF, indicados pelos presidentes Lula e Dilma, pelo menos algum deles, um só, tem o estofo teórico e a erudição jurídica do ministro Moreira Alves? Você leitor, imaginaria ouvir do ministro Moreira Alves que o processo do mensalão está para ser prescrito ou, ainda, acreditaria se dissessem que o ministro Moreira Alves concedeu uma liminar em ação que pode favorece-lo? Duvido e faço pouco.

Lula e Dilma, com o aparelhamento partidário e favorecendo amizades discutíveis, conseguiram fazer do STF um valhacouto de ministros medíocres e despreparados – as sabatinas no Senado comprovam isso -  cujo critério constitucional de conduta ilibada mereceria um conceito mais alargado. Mas nem tudo está perdido: existem no Judiciário muitas pessoas como a ministra do STJ e corregedora do CNJ, Eliana Calmon. Pena que a ministra não tenha mais idade para ser indicada para o Supremo Tribunal Federal

STF sofreu 'desgaste extraordinário' ao limitar ação do CNJ, diz especialista


FONTE: Jair Stangler, do estadão.com.br

Para a professora Maria Tereza Sadek, 'o CNJ só incomoda porque está trabalhando'


Para a professora Maria Tereza Sadek, o Supremo Tribunal Federal sofreu um "desgaste extraordinário" com as duas liminares que limitam poderes do Conselho Nacional de Justiça concedidas na última segunda-feira, 19. Em uma dessas liminares, o ministro Marco Aurélio Mello decidiu que o CNJ só pode atuar em casos já julgados pelas corregedorias dos tribunais regionais. Na segunda liminar, o ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a inspeção do CNJ nas folhas salariais dos tribunais - ação da qual ele próprio é alvo.

Segundo a diretora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais e professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, pouco importa que essas liminares tenham amparo legal. "O que seria de se estranhar é por que uma questão que começou a ser discutida, que estava na pauta para ser votada em setembro, recebe essas duas liminares no último dia de reunião do STF", questiona. Para Maria Tereza, a disputa entre CNJ e STF dá a ideia de que os juízes resistem a qualquer tipo de investigação. "O CNJ só incomoda porque está trabalhando", afirma.

Ela comentou ainda a informação divulgada na quarta-feira, 21, de que tanto o presidente do STF e também do CNJ, Cézar Peluso, como o ministro Ricardo Lewandowski, receberam verbas extras de até R$ 700 mil da Justiça paulista relativa a auxílio moradia. "Por que entre quase 400 desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo apenas 17 receberam o que lhes era devido? Essa é a pergunta. Se era legal o que tinham a receber, por que alguns e não outros?", questionou, referindo-se à notícia divulada no jornal Folha de S.Paulo de que houve revolta no próprio Tribunal contra esse fato.

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Como a senhora vê essa disputa que está ocorrendo entre CNJ e STF?

Nós temos pelo menos duas formas diferentes de analisar essa disputa. Uma é ficar em um debate eminentemente técnico e jurídico. A outra é tentar analisar isso do ponto de vista da imagem da Justiça e uma análise de natureza mais institucional. Eu vou optar pela segunda forma de análise. Do ponto de vista da imagem da Justiça eu acho que houve um desgaste extraordinário. Quer dizer, o Supremo saiu com a imagem muito afetada nessa disputa. Porque o CNJ, de uma forma ou de outra, conseguiu ter a simpatia, não apenas dos meios de comunicação, mas da opinião pública em geral. Isso porque o CNJ trouxe para si a tarefa de dar mais transparência a um poder sempre visto como muito fechado e muito refratário. Essa disputa acaba trazendo muita água para a ideia de que os juízes resistem a qualquer tipo de investigação. Para essa questão pouco importa se do ponto de vista da legalidade tanto a liminar concedida como a atuação do Supremo tem ou não amparo legal. Certamente tem. Mas acontece que a imagem ficou muito desgastada. Você olha as cartas de leitores nos jornais, você ouve as observações de âncoras na televisão ou nos programas de rádio, são todos nesta direção. É isso que eu estou querendo sublinhar. Agora, trata-se claramente de uma disputa de espaço institucional.

A senhora acredita que o Judiciário precisa de mais controle? Isso também está em jogo?

Quando nós estamos em uma república democrática todos os organismos devem ser controlados, sobretudo aqueles organismos que não tem o controle via eleições. Controlada no sentido de prestar contas. E que tudo quanto for ato considerado não adequado à instituição deve ser de alguma forma controlado e punido. Eu não tenho a menor dúvida de que o Judiciário, assim como o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Universidade, devam prestar conta à sociedade das suas atividades.

Os ministros do STF que tentam diminuir o poder do CNJ defendem a tese de que é preciso esgotar nas corregedorias dos tribunais as possibilidades de punição e a própria liminar do ministro Marco Aurélio Mello diz isso. Como a senhora vê essa questão?

Se as corregedorias tivessem sido eficientes, nós não teríamos chegado a essa situação. Toda a ação do CNJ tem mostrado que as corregedorias pecam. Isso não significa dizer que estamos fazendo uma generalização. Mas significa dizer que um órgão de controle externo deve ter o poder de fazer esse tipo de investigação. Acho que o que se estava tentando no Supremo antes, desde setembro, quando a matéria acabou não sendo votada, é uma situação intermediária, ou seja, dar um certo tempo para as corregedorias locais e caso elas não funcionem, não prestem conta do seu trabalho, aí o CNJ poderia atuar. Então eu acho que tem isso. O que seria de se estranhar é porque uma questão que começou a ser discutida, que estava na pauta para ser votada em setembro, recebe essas duas liminares no último dia de reunião do STF.

A corregedora Eliana Calmon disse há alguns meses atrás que há "bandidos escondidos sob a toga", e hoje acusou tribunais de esconderem dados sobre a renda dos juízes. O que a senhora acha disso?

Você teve uma situação de confronto entre duas instituições. E nesse confronto, tanto de um lado como de outro, você pode dizer que houve uma ultrapassagem dos limites verbais adequados. Assim como a corregedora talvez tenha se excedido, o presidente do Supremo também se excedeu quando exigiu que o conjunto dos integrantes do CNJ fizessem uma manifestação. E daí para cá, muita água rolou. Eu acho que depois disso a corregedora se retraiu. A situação não pode mais ser analisada como se a gente ainda estivesse em setembro. Eu acho que de setembro para cá houve uma série de dados que mudam a situação. Por outro lado, a corregedora se manifestou ontem, hoje eu não sei porque eu não vi, dizendo que não estava investigando nenhum ministro do Supremo. Ela pediu dados para a Receita Federal de uma situação que lhe parecia anômala, mas ela não deu nomes, ela não ultrapassou os limites considerados adequados no caso. Ontem, o editorial do Estadão estava primoroso. Acho que o jornal fez uma análise realmente muito adequada dessa situação. Por que tirar poder do CNJ se o CNJ na verdade está realizando sua função? O CNJ só incomoda porque está trabalhando.

A Folha de S.Paulo de quinta-feira, 22, diz que o CNJ está fazendo 217 mil varreduras e no 'Estadão' o ministro Peluso sugere que as investigações do CNJ são ilegais. Qual a sua opinião sobre isso?

Por que ilegais? Eu gostaria de ver esse debate um pouco mais claro... Não é assim "Eu não concordo que sejam ilegais". As informações que nós que estamos fora das duas instituições, tanto do Supremo como do CNJ, é que a investigação não pecou pela ilegalidade. Ela disse que pediu dados para o Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira). Eu não quero entrar no debate se é legal ou não é legal porque eu não sei isso. O que eu sei é que se trata de uma disputa em relação às atribuições. Há uma corrente que quer diminuir as atribuições e tem outra que quer manter e que valoriza esse tipo de trabalho. Por outro lado, nesse debate se esquece o resultado de todo o trabalho do CNJ, que é muito importante. Graças ao CNJ se conseguiu uma série de soluções para ações que estavam na Justiça há muitos anos a partir da conciliação, se conseguiu soltar mais de 20 mil pessoas que estavam presas de forma irregular. Tem um trabalho que é de peso. Não pode simplesmente nivelar por baixo e dizer que todo esse trabalho não deve ser homenageado até.

O que a senhora achou dessa acusação que a Eliana Calmon fez nesta quinta de que 45% dos magistrados de SP não entregaram sua declaração de renda enquanto no Mato Grosso nenhum entregou?

Isso é um negócio sério. O que ela está fazendo? Ela está dizendo: "a lei é essa". O que diz a lei? A lei diz que todo servidor público apresentar sua declaração. Segundo o que está escrito na lei, você tem um porcentual de integrantes da Justiça que não cumpriram a lei. É um trabalho muito importante. O que a população fala, às vezes precipitadamente, mas muitas vezes com muita razão, é: por que você tem de ter um grupo de privilegiados, que não precisam prestar contas? Por que entre quase 400 desembargadores do TJ-SP apenas 17 receberam o que lhes era devido? Essa é a pergunta. Se era legal o que tinham a receber, por que alguns e não outros? Eu li que há revolta no interior do Tribunal contra isso também. Por que foi feito às escondidas? Quem tomou essa decisão já morreu, não vai dar para saber por ele (desembargador Viana Santos, ex-presidente do TJ-SP). Essa é uma questão relevante. Por que alguns e não todos? Em uma democracia, em uma república, você não pode ter um grupo de privilegiados e nenhum tipo de contestação a esse privilégio.

Bastidores: Antes de decisão a favor de Barbalho, ‘magistrados’ do PMDB vão ao STF


O julgamento relâmpago que garantiu a posse de Jader Barbalho (PMDB-PA) no Senado foi antecedido por uma reunião entre a cúpula do PMDB e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso. Na terça-feira, o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e os senadores Romero Jucá (PMDB-RR), Renan Calheiros (PMDB-AL) e Valdir Raupp (PMDB-RO) foram ao STF discutir a situação de Jader.

No dia seguinte, o STF poderia criar uma situação esdrúxula: em vez de garantir a posse de Jader Barbalho, o primeiro nas eleições do ano passado, o Supremo poderia dar a vaga ao terceiro colocado nas eleições, o petista Paulo Rocha (PA). Ambos barrados pela Lei da Ficha Limpa e pela mesma razão: renunciaram aos seus mandatos para evitar processos de cassação.

A solução para esse imbróglio vinha sendo debatida pelos ministros reservadamente. Algumas alternativas eram consideradas. Na reunião prévia ao julgamento, conforme relato de quem participou da conversa.

Peluso deu a senha para a solução do caso. Disse que Jader Barbalho deveria entrar com recurso pedindo que o presidente se valesse do voto de Minerva para concluir o julgamento. E foi exatamente o que foi feito.

O impasse no caso Jader foi uma das razões para o adiamento, por duas semanas, da sabatina de Rosa Maria Weber, indicada para o STF. Poderia também comprometer a principal demanda hoje do Supremo: o reajuste salarial dos servidores e magistrados.

Some-se, à pressão vinda de fora, que ministros do próprio STF amplificavam a crise. Segundo integrantes da Corte, ministros descontentes com o impasse do caso Jader Barbalho colocavam seguidamente na pauta de julgamentos o processo de Paulo Rocha.

Não queriam com isso garantir a posse do petista, mas desgastar os colegas, mostrar que a situação era estranha e forçar uma solução rápida para o problema.

Nesse quadro, Peluso não viu outra solução senão desempatar o julgamento de Jader Barbalho e dar fim a o problema. Peluso se valeu do artigo do regimento interno que garante ao presidente o voto de desempate, prerrogativa que ele mesmo recusou durante o julgamento da constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Até hoje, o Supremo não julgou, ainda, se a lei é ou não constitucional.

FONTE: Felipe Recondo, de O Estado de S.Paulo

De Louis.Brandeis@edu para Peluso@org


FONTE: Elio Gaspari, O Globo

Caro colega Cezar Peluso,

Eu nunca fui um frasista. Estive na Corte Suprema dos Estados Unidos durante 23 anos, até 1936, e muita gente só lembra de mim pela frase “A luz do sol é o melhor desinfetante”.

Fui um devorador de números, mais preocupado com os conceitos do que com o espetáculo. Minha contribuição acadêmica foi a invenção da moderna doutrina da privacidade, o direito do cidadão de ser deixado em paz. Em 1890, eu condenava a “publicação desautorizada de fotografias de pessoas”.

O mundo mudou, mas a essência da minha proposição prevaleceu: quem não quer ser celebridade tem o direito de ser deixado em paz.

Eu, o senhor e o ministro Ricardo Lewandowski, bem como os desembargadores dos Tribunais de Justiça, tornamo-nos celebridades porque quisemos.

Nesse litígio com a juíza Eliana Calmon, corregedora do CNJ, o Judiciário foi capturado pelo estilo do noticiário policial. Acusam-na de querer investigar em torno de 200 mil pessoas. A juíza pediu ao órgão competente do Estado que examine, principalmente, as movimentações financeiras anuais superiores a R$ 500 mil nas declarações de renda de magistrados, servidores do Judiciário e parentes próximos.

Ora, essas 200 mil pessoas são a base, assim como 5,7 milhões de declarações de renda são a base sobre a qual trabalha a Receita Federal. As omissões de rendimento que caíram na malha fina foram 320 mil. No caso do CNJ, as movimentações estranhas foram 3.438. Essas, é bom que sejam investigadas.

Achou-se uma movimentação geral de R$ 173 milhões em dinheiro vivo. Desse montante, R$ 60 milhões giraram em São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro. Três cidadãos, em tribunais paulistas e baianos, moveram R$ 116,5 milhões num só ano.

No TRT do Rio uma só pessoa rodou US$ 157 milhões. Quando vim para cá, deixei, em dinheiro de hoje, US$ 15 milhões e lembre-se de que cheguei rico à Corte.

Não há invasão de privacidade no exame de documentos oficiais quando o Estado investiga uma invasão do patrimônio da coletividade.

O episódio adquiriu uma nova dimensão quando o nosso colega Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar travando momentaneamente a ação do CNJ. Diante da informação de que teria recebido cerca de R$ 1 milhão de subsídios legalmente devidos, do tempo em que era desembargador em São Paulo, foi defendido pelo senhor, que teve direito a R$ 700 mil.

Esse caso agrupa 17 dos 354 desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, e conheço-o bem, pois conversei com o ex-presidente da Corte Antonio Carlos Viana Santos, que chegou aqui em janeiro. Posso revelar que Lewandowski não recebeu R$ 1 milhão.

Sei que o senhor tem uma relação difícil com a colega Eliana Calmon. Releve. Em 1924, o juiz James McReynolds recusou-se a sentar ao meu lado, e a Suprema Corte não fez sua tradicional fotografia oficial do início do ano. Por quê? Porque eu era judeu, “pulga de cão”. Nunca falei dele, nem em casa.

Acredito que o senhor está preocupado com a instituição. Sendo o caso, devemos fazer de tudo para preservá-la. Quando Franklin Roosevelt quis mudar a sistemática da composição da Corte, dei-lhe um golpe fatal. Ele foi um grande presidente, maior que Jefferson, quase da estatura de Lincoln, mas aliei-me aos Quatro Cavaleiros (do Apocalipse) que travavam suas reformas. Prevalecemos.

Despeço-me, citando um voto meu, de 1924: “O conhecimento é essencial para a compreensão, e a compreensão deve anteceder o julgamento”. Não creio que se deva impedir o CNJ de conhecer, para compreender e, depois, julgar.

Meus respeitos e feliz 2012.

Louis Brandeis

Narcisistas e demagogos


O convívio intenso e longo com o poder tem um poderoso efeito narcotizante. Transforma seres mortais, pessoas simples e humildes, gente com histórias iguais a de seus semelhantes, em pequenos “deuses” de um Olimpo cada vez mais povoado.
A que se deve esse tipo de distorção? À armadilha do falso retrato, da autocontemplação, que prende os homens públicos na moldura de Narciso, aquele que foi condenado pelos deuses a se apaixonar pela própria imagem.
Como conta a lenda, ele tomou-se de amores pela imagem quando se contemplava nas águas transparentes de uma fonte. Obcecado pelo reflexo, Narciso não mais se afastava da fonte, definhando ali até a morte.
Hoje, vive-se a plena era do Estado-Midiático. Como lembra Roger-Gérard Schwartzenberg, no clássico O Estado-Espetáculo, os profissionais do espetáculo e da política compartilham frequentemente as mesmas atitudes e os mesmos vezos, como se, diante de problemas de representação comparáveis, “eles reagissem recorrendo a procedimentos análogos.”
O Brasil está recheado de narcisistas, pessoas fascinadas pelo seu próprio brilho, um brilho ilusório, porque muitas perderam o poder, mas não o orgulho. Que tipo de mal os narcisistas cometem contra si mesmos e contra a sociedade?
O maior dos males é o da inação, o da inércia, o da perda do sentido de realidade. Presos no simulacro do poder, exibem um prestígio falso, que frequentemente conduz ao ócio. Aliás, praestigium, do latim, significa nada mais nada menos que artifício, ilusão, malabarismo.
Os malabaristas da política promovem a mistificação das massas, fazendo-as crer que o discurso é a ação, o verbo é a obra, a palavra é sinônimo de verdade. Muitos se transformam em dândis, com seu prazer em surpreender, espantar.
Dizia Baudelaire: “creio que existe na ação política uma certa dose de provocação, por ser preciso suscitar uma reação”.
O dândi quer chamara atenção, provocar, criar impacto. E, não raro, cai no exagero, fazendo da estética sua ação política mais forte. É useiro e vezeiro na arte do exagero. Nele, a verdade acaba mas a história tem sempre continuidade. Por conta da verborragia.
Ademais, a cultura oral é uma das tradições mais ricas de nosso país. Basta uma pequena viagem pela monumental obra do incomparável Luís da Câmara Cascudo, um potiguar boêmio, bonachão e denso, que produziu a mais fecunda e abrangente obra sobre a cultura popular brasileira.
A tradição de oralidade penetrou profundamente nas veias, mentes e corações da representação política, a ponto de se atribuir, por muito tempo, a grandeza dos homens públicos não aos projetos e feitos empreendidos, mas ao domínio do verbo no palanque ou na tribuna parlamentar.
Duas historinhas, muito conhecidas, mostram os polos do discurso tradicional da política. A primeira é a do baiano, embevecido com a retórica complicada, cheia de palavras difíceis, de seu candidato em comício numa pequena cidade interiorana. Não se cansou de bater palmas, concluindo categórico: “não entendi nada do que o homem falou, mas falou bonito; vai levar meu voto”.
A segunda historinha é a do candidato, que, arrebatado, enérgico, espumando de civismo, discorria sobre o sentido da liberdade. Argumentava que um povo livre sabe escolher os seus caminhos, seus governantes, eleger os seus vereadores, prefeitos e deputados. Para entusiasmar a multidão, levou um passarinho numa gaiola, que deveria ser solto no clímax do discurso.
No momento certo, tirou o passarinho da gaiola, e com ele na mão direita, jogou o verbo: “a liberdade é o sonho do homem, o desejo de construir seu espaço, sua vida, com orgulho, sem subserviência, sem opressão; Deus (citar Deus é sempre bom) nos deu a liberdade para fazermos dela o instrumento de nossa dignidade; quero que todos vocês, hoje, aqui e agora, comprometam-se com o ideal do homem livre. Para simbolizar esse compromisso, vamos aplaudir soltar esse passarinho, que vai ganhar o céu da liberdade”.
Ao abrir a mão, viu que esmagara o passarinho. A frustração por ter matado o bichinho acabou com a euforia e as vaias substituíram os aplausos. Foi um desastre. É sempre assim quando não se controla a emoção. Em se tratando do discurso político, a emoção mata frequentemente a razão.
Juntando-se, então, o narcisista e o demagogo, o verborrágico e o reizinho cheio de empáfia, tem-se a receita de um perfil que ainda teima em se apresentar às massas nacionais. É o encontro do ruim com o pior, de Narciso com aquela figura canhestra tão bem caracterizada por Chico Anísio, Justo Veríssimo.
E quando isso ocorre, a política volta a ser aquilo que Paul Valéry mais temia: “a arte de impedir que as pessoas cuidem do que lhes dizem respeito”.
Nesses tempos de grande influência da mídia, é bom ter cuidado, porque a espetacularização da política pode significar a ruína dos atores. Não enganam mais como antigamente; são pegos quando escondem o lixo debaixo do tapete; e flagrados quando a maquiagem procura disfarçar a deficiência do pensamento.
Mulheres e homens publicos desses nossos trópicos: reflitam, neste apagar de luzes de 2011, sobre o exercício da representação coletiva. Assumam o compromisso de trazer a verdade para a seara da política. O Estado-Espetáculo aprecia os efeitos mágicos do circo político.
Como dizia Luis XIV, “os povos gostam do espetáculo; através dele, dominamos seu espírito e seu coração”. Mas há um limite para tudo. Um dia, mais cedo ou mais tarde, o povo, cansado de ver tanto malabarismo, fará a mágica que nenhum representante gostaria de ver: mandá-lo de volta para sua casa sem o passaporte do mandato popular.

Gaudêncio Torquato, jornalista, professsor titular da USP, é consultor político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato

STJ pagou R$ 2 milhões a nove ministros


23/12/11  10:04:16

Pagamentos referentes a decisão judicial foram feitos em parcela única, ao contrário do que ocorreu em outros tribunais

Benefícios pagos aos ministros do STJ vão de R$ 162 mil a R$ 435 mil; corte não revela os nomes dos beneficiados

Nove dos 33 ministros do Superior Tribunal de Justiça receberam de uma vez só neste ano pagamentos de auxílio-moradia atrasados dos anos 90. Os valores, somados, superam RS 2 milhões.

É o mesmo benefício recebido pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, e pelo ministro Ricardo Lewandowski.

O direito foi reconhecido em 2000, quando o STF decidiu que todos os magistrados do país deveriam ter ganho aquilo que, durante alguns anos da década de 90, foi pago apenas aos congressistas.

A transferência destes recursos aos magistrados está no centro da polêmica que envolve a corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Não pelo pagamento em si, que ó legal, mas pela forma como ele foi feito.

Segundo informações da corregedoria, não há padronização nos pagamentos feitos, e o STF, quando analisou a questão, afirmou que tudo deveria ser feito observando- se a "legalidade e igualdade".

No caso do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), a corregedoria chegou a iniciar uma inspeção para verificar a regularidade destes pagamentos, como a não observação da "igualdade" citada na decisão do STF.

Segundo a Folha apurou, o TJ-SP pagou o benefício em uma única vez a alguns magistrados, e em parcelas para outros. Essa investigação foi interrompida após liminar de Lewandowski, que suspendeu o trabalho do CNJ.

No ST], os ministros receberam altos valores de uma só vez. A Folha encontrou a transferência de recursos a ministros, presentes na folha do tribunal, que vão de cerca de R$162 mil a R$435 mil.

A Folha questionou a Secretaria de Comunicação sobre os valores pagos e os integrantes beneficiados. O STJ disse que se trata do auxílio- moradia dos anos 90, mas não divulgou quem recebeu.

Três ministros receberam os valores em março deste ano e seis em setembro. A media é de RS 234 mil por magistrado, pago de uma vez. (Felipe Seugman e Filipe Coutinho)

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Por que o CNJ decidiu «investigar pagamentos recebidos pelos juízes?
Juízes de todo o país receberam pagamentos referentes a uma decisão judicial de 2000 que estendeu a eles o auxílio- moradia pago a congressistas. Há indícios de que alguns receberam na frente dos outros e com correção mais generosa.

Há algo errado nos paga- £ mentos recebidos pelos ministros Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski, do 5TF?
Ambos tinham direito aos pagamentos. mas não se sabe se houve algo errado na maneira como receberam o dinheiro.

O Se a corregedoria do CNJ achar indício de que um ministro do STF praticou irregularidade, o que deve fazer?
Deve encaminhar as informações ao próprio STF e à Procuradoria-Geral da República. 0 CNJ não pode investigar ministros do STF. Eles só podem ser investigados pelo próprio STF ou pelo Congresso.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo

O BRASIL NÃO CONHECE O BRASIL


PAUTA ACRIANA

O Brasil não conhece o Brasil

Por Luciano Martins Costa em 20/12/2011 na edição 673
Comentário para o programa radiofônico do OI, 20/12/2011


Na semana passada, o portal G1, do grupo Globo, enviou a Rio Branco, no Acre, uma repórter para documentar o que seus editores consideravam uma curiosidade digna de suas telas: a inauguração do primeiro grande shopping center da cidade. A jovem cumpriu a encomenda com disciplina: o texto, intitulado “Primeiro shoping muda hábitos da população do Acre” é um primor de jornalismo provinciano: aquele que, embora produzido a partir de um ambiente cosmopolita, enxerga apenas uma fração do objeto analisado, reforçando ideias preconcebidas.
A jornalista tomou um táxi no Hotel Terra Verde, se deslocou até o centro de compras, onde realizou as entrevistas, depois conversou com lojistas da cidade, escreveu sua reportagem e passou horas no saguão do hotel lendo os comentários dos leitores.
A reportagem deu curso a uma sucessão de manifestações preconceituosas contra as populações do norte e do nordeste do país, revelando que o brasileiro não conhece o Brasil.
O texto da jornalista, correto do ponto de vista da pauta que lhe foi encomendada; revela, porém, certos vícios do jornalismo brasileiro contemporâneo: a ênfase no aspecto comercial, a obsessão por infográficos e estatísticas e nenhuma sensibilidade para contextos sociais e culturais envolvidos com o tema.
Só curiosidade
Se tivesse saído um pouquinho da rota traçada por seus editores, a repórter teria descoberto uma cidade interessante, provavelmente a capital do país que mais mudou nos últimos vinte anos, transformando-se de uma aldeia lamacenta em uma cidade vibrante, alegre, cheia de novidades e que, no entanto, preserva muito de suas características tradicionais.
Se tivesse parado para olhar os acrianos (com “i”, segundo o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, conforme lembra o texto), a repórter teria conhecido o estado mais republicano do Brasil, onde as crianças aprendem o hino nacional e o hino do estado, conhecem a bandeira nacional e a do estado – sem, no entanto, o aspecto separatista e xenófobo que caracteriza outras regiões do país.
Teria observado que em Rio Branco, a capital, pode-se acessar a internet gratuitamente em vários locais públicos, como praças; que há mais bibliotecas públicas, proporcionalmente à população, do que em qualquer outra capital; que há mais semáforos com temporizador do que em São Paulo e que o sistema de trânsito foi planejado recentemente levando em conta o fenômeno do crescimento das cidades médias e as mudanças de hábitos de uma população tipicamente rural. E que a mudança de hábitos é causada pelas transformações ocorridas nessas cidades, não pela inauguração de um shoping center.
A reportagem sobre o shoping acabou sendo apenas isso: uma curiosidade. Mas poderia ter sido uma oportunidade para mostrar aos brasileiros a gente que habita esse pedaço de terra que foi grudado ao território nacional pela vontade dos acrianos.

Observatório na TV
A falta de conhecimento sobre o que acontece ao norte de Minas Gerais é uma antiga falha da chamada grande imprensa brasileira. Por consequência, cidadãos do sul-sudeste seguem ignorando muito da riqueza cultural de sua terra. Quando chega à pauta da mídia de circulação nacional, a notícia ainda vem carregada de preconceitos. O cidadão comum das grandes capitais, cliente da imprensa tradicional, fica, dessa forma, impossibilitado de participar da formulação de uma ideia de país, e, consequentemente, de formar opinião sobre planos de governo e propostas de políticas públicas.
Parte desse lapso se deve também à ignorância sobre como funciona a imprensa regional, sobre como a concentração dos meios de comunicação estende sua influência dos grandes centros para as principais capitais do país.
Observatório da Imprensa na TV visita o norte do país nesta terça-feira (20/12) para mostrar como é difícil fazer um jornalismo sério e independente nos lugares onde a propriedade cruzada dos meios de comunicação se combina com o domínio do poder político pela imprensa.
Alberto Dines foi a Belém (PA) entrevistar o jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, um periódico quase artesanal que busca levar aos paraenses aquilo que não ganha espaço na poderosa mídia local. Na conversa com Dines, Lúcio Flávio fala de questões ambientais e econômicas que afetam a região e de sua luta para conseguir manter o jornal em circulação.
As denúncias ganham espaço, mas cobram seu preço: o jornalista já recebeu diversas ameaças de morte e é feito refém por mais de trinta processos – muitos com características de litigância de má-fé. Sua rotina perigosa é a realidade para muitos outros jornalistas pelo Brasil afora.

Dicas para quem trabalha muito tempo sentado


  1. Por mais que se tente manter uma postura correta, se a cadeira não ajudar, nada feito. Na hora de comprar a sua, opte por modelos ergonômicos, que têm descanso para braço. E também pelas que regulam tanto o assento quanto o encosto.
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  2. Procure apoiar sempre os pés no chão. Caso isso não seja possível, recorra a um apoio portátil. O ideal é que, quando você estiver sentado, suas pernas formem um ângulo de 90 graus. Com isso, evita-se a estagnação da corrente sanguínea nas pernas, o que pode favorecer o surgimento de varizes.
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  3. Se tiver que apoiar os cotovelos e os antebraços nos braços da cadeira, ajuste-os de forma a nivelá-los com a altura da mesa. Isso reduzirá o impacto sobre a coluna lombar e evitará a sempre indesejável tensão muscular na região dos ombros, braços, cotovelos e punhos.
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  4. Para prevenir dores e lesões, respeite a curvatura natural das costas. Evite ficar curvado para a frente, o que pode causar cifose, ou projetar o peito para a frente e o ombro para trás, o que pode provocar lordose. Mantenha sempre as costas em contato com o encosto da cadeira.
    .
  5. Mantenha o pescoço ereto. Se possível, estabeleça um ângulo de 90 graus entre o queixo e o pescoço. Em relação à altura do monitor, a posição ideal é aquela em que a tela se encontra um pouco abaixo da projeção horizontal de seus olhos e um pouco inclinado para cima, facilitando a leitura.
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  6. Mantenha distância do monitor. De preferência, entre 40 e 70 centímetros. Mais perto, pode causar problemas à visão. Além disso, capriche na iluminação ambiente e evite reflexos na tela do monitor. A exemplo da coluna, os olhos também precisam de repousos periódicos.
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  7. Procure fazer pequenas pausas durante o dia. A cada 50 minutos trabalhados, experimente descansar 10. Nesse intervalo, aproveite para levantar, caminhar, beber água, esticar as pernas ou fazer alongamentos. A sua coluna agradece.
Fonte: Revista Viva Saúde – http: // revistavivasaude uol com br – Por André Bernardo

AS 3 PENEIRAS DE SOCRATES


Quando alguém pretende fofocar algo sobre pessoas que estão próximas ou são de outros lugares, recomendo que leia antes esta pequena história sobre as três peneiras de Sócrates:
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 Augustus procurou Sócrates e disse-lhe:

 - Sócrates,  preciso contar-lhe algo sobre alguém! Você não imagina o que me contaram a respeito de... Nem chegou a terminar a frase, quando Sócrates ergueu os olhos do livro que lia e perguntou:
 - Espere um pouco Augustus. O que vai me contar já passou pelo crivo das três peneiras?
 - Peneiras? Que peneiras?
 - Sim. A primeira, Augustus, é a da verdade. Você tem certeza de que o que vai me contar é absolutamente verdadeiro?
 - Não. Como posso saber? O que sei foi o que me contaram!
 - Então suas palavras já vazaram a primeira peneira. Vamos então para a segunda peneira: a bondade.
 -O que vai me contar gostaria que os outros também dissessem a seu respeito?
 - Não, Sócrates! Absolutamente, não!
 - Então suas palavras vazaram, também, a segunda peneira.
 - Vamos agora para a terceira peneira: a necessidade. Você acha mesmo necessário contar-me esse fato, ou mesmo passá-lo adiante? Resolve alguma coisa? Ajuda alguém? Melhora alguma coisa?
 - Não, Sócrates... Passando pelo crivo das três peneiras, compreendi
 que nada me resta do que iria contar.

 E Sócrates sorrindo concluiu:
 - Se passar pelas três peneiras, conte! 
 Tanto eu, quanto você e os outros iremos nos beneficiar.
 Caso contrário esqueça e enterre tudo.
 Será uma fofoca a menos para envenenar o ambiente e fomentar a discórdia entre irmãos.
Devemos ser sempre a estação terminal de qualquer comentário infeliz! Da próxima vez que ouvir algo, antes de ceder ao impulso de passá-lo adiante, submeta-o ao crivo das três peneiras por que:

       Pessoas sábias falam sobre ideias;

       Pessoas comuns falam sobre coisas;

       Pessoas medíocres falam sobre pessoas.

Aumento do número de moradores de favelas chama a atenção


SÃO PAULO - O aumento no número de pessoas vivendo em favelas no país na última década chama a atenção sobretudo por abranger os oito anos do governo Lula - uma época de economia em crescimento e de maior distribuição da renda, mas que não impediu esse viés negativo do ponto de vista habitacional. Para a arquiteta e urbanista Erminia Maricato - que foi secretária de Habitação e Desenvolvimento Urbano da prefeitura de São Paulo de 1989 a 1992, na gestão de petista de Luiza Erundina -, esse desencontro de índices é fácil de explicar:
- Mesmo entrando dinheiro para as camadas menos favorecidas, sem uma regulação dos preços da terra e dos imóveis urbanos, elas continuarão sem ter acesso à casa própria. E, como consequência, morando em imóveis irregulares, de elevado risco e na periferia.
Segundo Ermínia, a aplicação do Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, ajudaria a corrigir essa distorção.
Erminia lembra que, quando o município, usando dinheiro público, leva benfeitorias como asfalto, água, esgoto e eletricidade a regiões sem infraestrutura, a valorização do bem vai para o bolso do proprietário do imóvel. As Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), previstas no Estatuto, corrigiriam isso:
- O terreno só poderia ser usado para a construção de determinado imóvel, que seria vendido por um preço determinado para moradores de determinada faixa de renda.
Raquel Rolnik, outra referência em arquitetura e urbanismo no país, diz que é preciso certo cuidado na análise do levantamento de moradias irregulares. Para ela, além da mudança de metodologia, reconhecida pelo instituto, é preciso que ser levem em conta outros fatores:
- Na pesquisa não se levam em conta, por exemplo, loteamentos clandestinos. Nem grupamentos subnormais em número inferior a 51 moradias - diz a especialista, lembrando ainda que um estudo feito por ela em 2000 indicava que apenas 30% dos domicílios do Brasil tinham condições urbanas adequadas. E cita, como exemplo, bairros inteiros do Litoral Norte de São Paulo que não eram servidos por rede de esgoto.
- O levantamento do IBGE é um retrato parcial da realidade, mostra apenas uma parte da precariedade urbanística do Brasil.
A arquiteta e urbanista constata ainda que, além de não implementarem a total aplicação do Estatuto da Cidade, os governos vêm ajudando a aumentar a massa de excluídos habitacionais com projetos como o da Copa 2014, das Olimpíadas de 2016 e, no caso específico de São Paulo, do Rodoanel e da recuperação da várzea do Rio Tietê.
- Para recuperar o rio, querem que os moradores do Jardim Pantanal, na região de São Miguel, troquem uma área que tem metrô, escolas e postos de saúde por Itaquá, a 40 quilômetros dali, num lugar que não tem nada disso - exemplifica ela.
- Isso é uma produção em massa de favelas, o mesmo que enxugar gelo.
Roberto Romano, professor titular de Ética e Filosofia Política da Unicamp, afirma que o conflito entre a atual pujança econômica e o declínio habitacional do país apontado pelo estudo do IBGE remete aos tempos da ditadura militar:
- Na época do governo do general Médici havia até uma frase para definir isso: "O país vai bem, mas o povo vai mal".
Ele até reconhece que nos últimos anos houve uma evolução nos ganhos da população de baixa renda, mas não o bastante para tirá-la da quase clandestinidade habitacional:
- Um mal dos governos, desde os tempos do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) de Getúlio Vargas, é vender sonho e promessas como se fossem realidade.
O secretário da Habitação de São Paulo, Ricardo Pereira Leite, faz questão de frisar que os 41% de aumento das moradias irregulares no Estado de São Paulo se devem a mudanças no critério de pesquisa. Como exemplo, cita que habitações que antes não eram consideradas subnormais agora aparecem assim enquadradas:
- Nós (a Prefeitura e o instituto) trabalhamos com um número bem próximo de pessoas morando em favelas, de cerca de 1,3 milhão. Mas, nesses dez anos, o crescimento no números de habitantes desse tipo de moradia foi semelhante ao aumento populacional na cidade, da ordem de 3%.
- O processo de urbanização dos grandes centros metropolitanos não foi acompanhado por políticas públicas habitacionais - diz o professor e doutor do Nepo (Núcleo de Estudos de População) da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Roberto Luiz do Carmo, ao comentar os índices divulgados ontem pelo IBGE sobre o processo de "favelização" das regiões metropolitanas do país.
- Há uma dívida histórica da política habitacional. Nunca se pensou que esta transferência de pessoas que ocorreu da área rural para os centros urbanos, ocorrida a partir da década de 1950, tivesse de estar acompanhada por políticas públicas habitacionais", disse Carmo, doutor em Demografia pela Unicamp.
Para ele, o cerne do aumento das favelas está na relação entre o mercado imobiliário e os poderes públicos.
-A dinâmica urbana é comandada pelo mercado imobiliário e não pelos poderes públicos, como deveria ser. Por isso, as classes D e E estão excluídas pelo mercado - disse ele.


FONTE: O GLOBO PAIS

USP DÁ EXEMPLO PARA O PAÍS SEGUIR



Restauração de prestígio acadêmico perdido pela instituição passa por sanções a quem viola lei

Os estudantes e sindicalistas de extrema esquerda que se rebelaram contra a presença da Polícia Militar (PM) no câmpus da Universidade de São Paulo (USP), sem querer, e o reitor da instituição, João Grandino Rodas, no pleno e voluntário exercício da autoridade de que foi investido, estão fazendo história.
O episódio é notório e recente, mas convém resumi-lo para a argumentação ficar clara: em maio, no ápice de estupros, assaltos relâmpago e outras atitudes violentas de bandidos que se aproveitavam da falta de policiamento nos espaços vazios da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, um estudante foi morto num assalto. A direção da universidade houve por bem firmar convênio com a PM para substituir com soldados fardados da corporação os poucos e desarmados agentes de segurança própria. Ruminando seu ódio contra a presença de agentes da lei num território que consideram, se não fora, no mínimo, além da lei, funcionários, docentes e estudantes filiados a grupos de extrema esquerda encontraram num caso isolado motivo suficiente para armar um fuzuê e tentar forçar a saída dos policiais de uma área pública da qual se acham donos. Três alunos foram flagrados fumando maconha e isso deu origem à ocupação de um prédio administrativo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), invasão depois estendida à Reitoria. Expulsos pela PM cumprindo ordem judicial, os invasores foram levados à delegacia e libertados sob fiança.
Na semana passada, o professor de Filosofia Contemporânea Carlos Alberto Ribeiro de Moura reprovou por faltas 60 alunos que não compareceram ao número regulamentar de aulas para engrossarem o coro dos rebeldes descontentes na greve de novembro. E, pela primeira vez em dez anos, a USP expulsou seis alunos que, sob idêntico pretexto de protesto, ocuparam salas da Coordenadoria de Assistência Social (Coseas) dizendo reivindicar melhoria nas condições de moradia e aumento do número de vagas no Conjunto Residencial da USP (Crusp), na mesma Cidade Universitária, no ano passado. Tanto em 2010 como no mês passado, os pretensos rebeldes quebraram computadores, destruíram prontuários e depredaram os prédios invadidos, construídos e mantidos com dinheiro público.
Como era de esperar, os dirigentes de centros acadêmicos e sindicatos de funcionários acusaram o reitor Rodas de perseguição política, classificando as expulsões de “autoritárias” e as reprovações impostas por Moura, de “intempestivas”. As acusações baseiam-se em confusão idêntica àquela com a qual pretenderam confundir a presença da polícia para garantir a vida das pessoas e exercer a força legítima em nome do Estado Democrático de Direito com ocupações manu militari da época da ditadura. Agora o argumento mentiroso é que as expulsões foram baseadas num regimento introduzido por decreto durante o mesmo regime arbitrário. O regimento, na verdade, data de 1990, sob a égide da Constituição de 1988 e de um presidente eleito democraticamente.
A mistificação tem o mesmo objetivo cínico de jogar areia nos olhos do cidadão comum, que sustenta com muito sacrifício os privilégios usufruídos pelos estudantes da USP e tem como recompensa por isso a destruição de prédios e equipamentos comprados com seu dinheiro e tendo muitas vezes de pagar escola particular para os próprios filhos. Os invasores dos prédios em novembro usaram a desfaçatez deslavada de considerar instrumento de tortura os ônibus em que foram transportados para a delegacia e tiveram a caradura de se dizer “presos políticos” durante as poucas horas em que foram fichados pela Polícia Civil antes de serem liberados sob fiança bancada pelos sindicatos de servidores da USP. Ou seja, por mim e por você, leitor, pois tais sindicatos, como quaisquer outros, vivem do imposto sindical arrecadado de um dia de trabalho de todo portador de carteira assinada no Brasil, sindicalizado ou não. Isto é: os baderneiros que se amotinaram para deixar o câmpus “sagrado” livre para a atuação de estupradores, assaltantes, assassinos e traficantes de entorpecentes destruíram patrimônio adquirido com o suor do cidadão, inclusive o mais pobre, e foram soltos sob fiança desembolsada por todos os trabalhadores.
Nem todos os 73 desalojados dos prédios ocupados estavam matriculados na USP. Cabe à autoridade informar à sociedade o que fazia em tais edifícios gente alheia à atividade acadêmica fingindo protestar em defesa dela.
Convém lembrar que quadrilheiros do crime organizado de facções como o Comando Vermelho (CV), no Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, aprenderam nos cárceres em que a ditadura os misturou com presos políticos o emprego da definição de “preso político” para conquistarem a simpatia da população e o beneplácito da autoridade. Os estudantes e seus agregados na invasão não são os primeiros nem serão os últimos a recorrer ao eufemismo como tábua de salvação.
Portanto, as atitudes exemplares do professor Carlos Alberto Ribeiro de Moura e do reitor João Grandino Rodas não apenas restauram a autoridade da administração de uma instituição de ensino e pesquisa que já foi mais respeitada. Elas também deveriam servir de exemplo em outros ambientes institucionais nos quais a leniência quanto ao cumprimento da lei e o relaxamento da ordem põem em xeque o conceito fundamental da democracia, que é o da igualdade de todos perante a norma jurídica. Nesta República do vale-tudo para alguns e onde nada podem quase todos, políticos são autorizados a movimentar caixa 2 em campanha eleitoral, o que não é permitido a cidadãos comuns na escrita de suas contas. A punição a quem cabulou aulas e destruiu equipamentos na USP deveria servir de ponto de partida para atitudes semelhantes no exercício da política e na gestão pública.
 
Bastidores Líderes© O Estado de S. Paulo,  quarta-feira, 21 de dezembro de 2011, p. A2
 

Especulação imobiliária e manipulação da mídia carioca