domingo, 20 de outubro de 2013

Canibais, por Mary Zaidan


A presidente Dilma Rousseff não é mais a mesma. E não será até outubro de 2014. Os berros e a permanente irritação deram lugar a brincadeirinhas pretensamente bem-humoradas. Descontração ao invés da ira, sorrisos e beijocas e não mais a cara fechada, o rosto sisudo.
A transformação de fel em mel, um dos mandamentos do evangelho do marqueteiro João Santana, que Dilma professa sem pestanejar, já estaria produzindo efeito. Dilma readquiriu pelo menos parte da musculatura que lhe mantém na dianteira do jogo eleitoral, mesmo diante do baque que a união Marina Silva-Eduardo Campos provocou no ânimo de sua turma.
A ordem é ser boazinha, simpática, o que, no caso dela, há de se reconhecer, é uma prova de fogo. E agir em todas as frentes: inaugurações, programas populares de rádio e TV, entrevistas para a imprensa regional, redes sociais.
Voltou frenética ao twitter, o mesmo que descartara depois de eleita. Foram 1.067 dias sem postagem alguma. Agora são no mínimo 10 por dia, às vezes 15. Só perde para a presidente da Argentina Cristina Kirchner, uma viciada na rede. Aliás, é impressionante como o twitter de Dilma é parecido com o da vizinha. Ambas utilizam a mesma linguagem e estilo, os mesmos truques de marquetagem. Quase iguais.


Candidata em tempo integral, Dilma usa e abusa de sua vantagem sobre os concorrentes. Por ser presidente, tudo o que faz ou fala repercute, vira notícia. Come todos, por todos os lados.
Ainda que se expresse em dilmês - língua de difícil compreensão, que vira piada fácil -, seu nome está sempre em evidência. Ocupa espaços que os demais não têm e que só terão depois da Copa do Mundo.
Governantes candidatos à reeleição saem sempre na frente. Isso vale para governadores, prefeitos, gente que tem a caneta como aliada. Inauguram-se obras inacabadas, repetem-se promessas não cumpridas, rufam-se tambores, reiteram-se mentiras.
Mas na Presidência da República a dianteira é inigualável, quase inalcançável. Tudo é permitido e o que não é fica sendo, como bem demonstrou o ex-presidente Lula nas sucessivas campanhas antecipadas que patrocinou.
Faz-se o diabo.
É nessa concorrência desleal que reside o favoritismo de Dilma. É nela que o PT se apoia. Bem longe da “antropofagia dos anões”, é nela que Santana aposta. Hoje, esforça-se para fazer crescer pontos nas pesquisas para que Dilma não acabe vítima do canibalismo dos aliados, prática já ativa em alguns palanques regionais. Nessa seara, vence quem domina a arte da política. E Eduardo Campos já mostrou ao PT do que é capaz.

Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas em duas campanhas e ao longo de todo o seu período no Palácio dos Bandeirantes. Há cinco anos coordena o atendimento da área pública da agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa'

Boicote à pena de morte


Dorrit Harazim, O Globo
Mereceu atenção, esta semana, a divulgação do caso do iraniano Alireza M. Afinal não é todo dia que um homem enforcado diante de várias testemunhas, proclamado morto e despachado para o necrotério para ser coletado pela família, é descoberto com sinais de vida no dia seguinte por um funcionário da morgue.
Mais insólito ainda foi o desdobramento da notícia: condenado à forca por posse de 1kg de anfetamina, Alireza foi encaminhado a um hospital para poder se recuperar e ser novamente enforcado.
No Irã, país com o segundo maior número de condenações à morte depois da China, cinco crimes são passíveis da pena capital: homicídio, estupro, assalto à mão armada, sequestro e tráfico de drogas.
Como explicou o juiz encarregado do caso, “um sentenciado à morte deve morrer e Alireza M. não morreu; a lei, portanto, exige que a execução da sentença seja repetida”.
Além disso, a lei exige que os condenados estejam conscientes e com saúde relativamente boa para poderem ser executados — o que pode parecer ilógico aos adversários da pena capital. Por que um Estado deveria aferir as condições de saúde de um cidadão que ele vai eliminar?
Mas assim é. Na Índia, uma execução pode ser suspensa se o comprimento da corda não estiver em conformidade com a norma ou se a construção da forca não tiver seguido o regulamento.
Nos Estados Unidos, quinto colocado mundial em número de execuções, a busca incongruente por um método de matar “limpo” e “indolor” é quase uma obsessão. Contudo, desde que a Suprema Corte autorizou a retomada das execuções em 1976 e o país passou da cadeira elétrica à câmera de gás e desta à injeção letal, a lista de casos documentados em que houve falhas no procedimento aumenta.
Entre os 46 casos mais notórios estudados por Michel Radelet, professor da Universidade do Colorado, o do homicida Romell Broom é exemplar.
Durante duas horas, médicos tentaram injetar o coquetel letal de drogas em todas as veias possíveis dos braços e pernas de Broom. Sem êxito. Em determinado momento, o condenado, afivelado na maca da morte, começou a soluçar.
Informado do impasse, o governador Ted Strickland ordenou a suspensão da execução por uma semana até os médicos encontrarem um modo de execução mais eficiente. Isso ocorreu em 15 de setembro de 2009. Romell Broom continua no corredor da morte até hoje.
A boa notícia é que o curso da história começa a apontar para uma lenta, talvez lentíssima, mas inequívoca tendência mundial à abolição da pena de morte. Neste sentido, os sinais mais relevantes vêm da China, campeão absoluto da modalidade.
À falta de dados oficiais do governo, que trata do assunto como segredo de Estado, o acompanhamento mais confiável vem sendo feito por uma fundação com sede em São Francisco, a Dui Ha.
De acordo com o instituto, as execuções na China tiveram uma queda de 75% na última década, caindo de 12 mil mortos em 2002 para 3 mil no ano passado.
Nada, portanto, que lembre os sombrios anos 80 do pós-maoismo, quando o país começou a ensaiar sua abertura e instituiu um sistema judicial criminal draconiano como única forma de manter a ordem social. Em apenas um ano daquela década (1983), 24 mil chineses foram condenados à morte.
Também a nação americana dá passos lentos na mesma direção. Em tempos recentes, seis estados votaram a favor da abolição da pena de morte, totalizando 18. Os outros 32, apesar de irremovíveis, enfrentam problemas que jamais imaginaram ter: escassez de matéria-prima para levar a cabo as execuções.
Até recentemente a maioria dos estados adotava um coquetel de três componentes para a injeção letal do condenado. Aplicava-se um sedativo (em geral, sódio tiopental) misturado a um agente paralisante (brometo de pancurônio), seguido de uma droga que induz à parada cardíaca (cloreto de potássio).
Devido a uma escassez do agente paralisante, vários estados passaram a adotar uma única droga — o sódio tiopental —, porém em dose suficiente para levar a óbito.
Ocorre que a filial italiana da Hospira, fabricante do componente, decidiu suspender o fornecimento aos Estados Unidos por se opor ao seu uso em execuções de presos. Também o fabricante dinamarquês do pentobarbital, outro sedativo potente solicitado pelos americanos como alternativa, negou-lhes fornecimento.
Diante do gradual fechamento dos mercados europeus à demanda dos Estados Unidos, os estoques chegaram a seu nível mais crítico neste mês de outubro. Diante da impossibilidade de reposição, alguns estados começam a recorrer a laboratórios não certificados ou soluções alternativas.
Dois meses atrás, por exemplo, a Suprema Corte de Missouri aprovou o uso do propofol para execuções à morte. Trata-se do potente anestésico que causou a morte de Michael Jackson, jamais testado para essa nova finalidade.
Pelo menos a execução agendada no Missouri para esta quarta-feira, dia 23, foi oficialmente adiada por este motivo. No Texas, quem tem 7% da população do país e 40% das condenações à morte, o estoque de drogas letais acabou no mês passado.
Do outro lado do mundo, a escassez é de mão de obra. Ficou famoso um anúncio de emprego publicado dois anos atrás num jornal do estado de Assam, no Norte da Índia.
Um indiano havia sido condenado à forca pelo assassinato de duas pessoas, mas não se conseguia achar um único carrasco para executar o trabalho naquele país de 1,2 bilhão de pessoas de mil e uma profissões.
O bom, ao abordar esse tema, é ter a desculpa para reler o belo ensaio que revelou George Orwell 80 anos atrás, quando ele ainda usava seu nome verdadeiro, Eric Blair. A história de “Um enforcamento” é aparentemente simples: o narrador não identificado observa um homem do qual ele nada sabe a caminho de sua execução pública.
O texto não se tornou um clássico por acaso. Mostra o mistério da vida. É leitura obrigatória.

Dorrit Harazim é jornalista.

Os brasileiros sabem o que é nacionalismo?


Profa. Guilhermina Coimbra
Claro que sabem. Apesar de não pendurarem nas portas e janelas de suas residências a bandeira do Brasil, os brasileiros são tão nacionalistas quanto os norte-americanos. E apesar de não discriminarem e maltratarem os estrangeiros e os imigrantes, os brasileiros são tão nacionalistas quanto os Europeus.
Os brasileirosdemonstram nacionalismos quando, em consenso, não admitem:
- que, o território do Brasil seja imobilizado, impedido de ser desenvolvido e aproveitado em benefício dos nacionais e estrangeiros residentes no Brasil, sob qualquer pretexto ou “ideologia”;
- que os brasileiros sejam impedidos de explorar as fontes de energia do país, no território do Brasil e em benefício do Brasil;
- que seja exportado além do excedente, os produtos de uma única safra – minérios geradores de energia – sem a necessária e obrigatória reserva para as futuras gerações de brasileiros;
- que, ao serem exportados os excedentes dos minérios do subsolo brasileiro (commodities), não tenham somados aos preços o valor da tecnologia brasileira agregada;
- que aos serem exportados os minérios do subsolo brasileiro, o verdadeiro preço advindo da exportação deixe de enriquecer a caixa do Tesouro Nacional e  vá enriquecer as contas bancárias dos intermediários;
- que a burocracia, a serviço de interesses espúrios, não impeça os brasileiros de explorarem as atividades econômicas que lhes convier, a pretexto de cumprirem códigos, leis estapafúrdias sobre ecologia, meio-ambiente e demais “teses” construídas para bloquear a autonomia dos brasileiros;
- que, as empresas estatais, criadas com o dinheiro deles – contribuintes de fato e de direito de todo o investimento – deixem de remeter lucros para a Caixa do Tesouro Nacional – e privatizadas, passem a remeter apenas tributos, ou seja percentual sobre o lucro (sonegados, etc. etc., dependendo da inteligência e o poder de convencimento os tributaristas que as defendem face ao fisco brasileiro);
- que a receita originária -  o lucro - das estatais brasileiras privatizadas tenham ido enriquecer as caixas dos tesouros de outras nacionalidades;
- que, os funcionários e técnicos dessas empresas, preparados no Brasil e no exterior, à custa do dinheiro dos contribuintes brasileiro, deixem de utilizar o conhecimento adquirido, em benefício do Brasil.
Conclusão: o brasileiro é nacionalista sim, com muita honra sim, e  não concorda com a desnacionalização de suas fontes de riquezas.
Há que se respeitar o nacionalismo brasileiro, amigo e inclusivo de sócios diversificados, porque o nacionalismo brasileiro merece respeito.

CHARGE DO SPON HOLZ


Esta charge do Sponholz foi feita originalmente para o

Depósito judicial - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 20/10

Diminuir o total de processos acumulados levará tempo; Justiça ainda não consegue lidar com o volume de ações novas, e estoque só aumenta


Reduzir o estoque de processos judiciais do país será tarefa árdua e longa. Não só porque chegou a 92,2 milhões o número de ações em tramitação nos tribunais brasileiros, mas também --e sobretudo-- porque, a cada ano, a quantidade de novos casos que chegam ao Judiciário supera a de decisões proferidas pelos magistrados.

Segundo o mais recente relatório "Justiça em Números", organizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2012 os juízes decidiram ao todo 27,8 milhões de processos --em média, cada magistrado julgou 1.450 demandas. Trata-se de aumento modesto, de 1,4%, em relação à produtividade de 2011.

Entretanto cresceu em ritmo ainda maior a procura pelo Poder Judiciário. Foram 28,2 milhões de ações iniciadas em 2012 --8,4% a mais que no ano anterior.

Sem resolver nem mesmo o equivalente ao total de casos novos, a Justiça é incapaz de enfrentar o gigantesco estoque processual. Acumulam-se nos escaninhos judiciários mais de 64 milhões de demandas que não foram decididas no passado --volume 2,6% maior que o de 2011 e 8,9% superior ao de 2009, conforme o quadriênio que o CNJ utiliza para comparação.

Verdade que existem, no relatório do CNJ, sinais de que o Judiciário procura incrementar sua eficiência. No último ano, por exemplo, aumentaram em 33,9% as despesas com informática, que agora atingem a cifra de R$ 2,6 bilhões.

Não se discute que a modernização dos sistemas seja um dos caminhos a serem trilhados, mas, por enquanto, a morosidade ainda é característica predominante na Justiça brasileira.

Basta ver que a taxa de congestionamento do Judiciário permanece, há tempos, em torno de 70%. Em outras palavras, anualmente, a cada 100 processos, apenas 30 são resolvidos. O número é ainda pior nas execuções fiscais: 89% dos casos não foram decididos em 2012.

Seria injusto imaginar que o quadro desalentador resulte apenas da incúria do Poder Judiciário. Muito pode ser feito, sem dúvida, no intuito de melhorar a prestação jurisdicional, mas é preciso reconhecer que esforços são necessários de ambos os lados da porta dos tribunais --e não somente quando os processos já chegaram às cortes.

O ministro Joaquim Barbosa, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal, tem razão ao creditar o grande volume de casos novos à ampliação do acesso à Justiça (desejável) e à cultura de litigância (a ser combatida).

É crucial, portanto, estimular caminhos alternativos de solução de conflitos, como mediação, conciliação e arbitragem. Poucas iniciativas teriam sobre o Judiciário brasileiro efeito tão positivo.

Inteligência e investigação contra o vandalismo - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 20/10

Trabalho preventivo é crucial para traçar estratégias de combate a grupos que pregam a violência, neutralizá-los e instruir bem inquéritos nos casos de prisão



As multidões que saíram as ruas em junho não tinham uma pauta fechada. Mobilizados a partir de uma luta contra o aumento de tarifas de transporte coletivo, os manifestantes acabaram incorporando às passeatas palavras de ordem que mostravam o descontentamento contra uma série de problemas na Educação, Saúde e na infraestrutura em geral. Previsivelmente, cada grupo puxou o tom dos protestos para sua plataforma. O ronco não foi unânime nas reivindicações, mas em torno do movimento houve um consenso: a condenação à violência e ao vandalismo nos protestos.

Não por acaso, as manifestações começaram a refluir à medida que grupos, hospedando-se nos protestos, passaram a trocar o grito pacífico por ações não só de enfrentamento do aparato de segurança, imprescindível para preservar o respeito aos limites da lei, mas principalmente de vandalismo. Ultrapassou-se, portanto, a fronteira em cujos espaços as passeatas representavam legítimos movimentos de indignação ou mesmo de reivindicações específicas de categorias de trabalhadores.

Black blocs e semelhantes não são um fenômeno novo no planeta. Suas táticas surgiram como uma alternativa à ortodoxia da chamada esquerda europeia, no início dos anos 80. Chegaram ao apogeu midiático em Seattle, em 1999, quando manifestantes com máscaras negras, em protesto contra a OMC (Organização Mundial do Comércio), ilustraram as primeiras páginas de jornais de todo o mundo. A democracia convive com este tipo de ameaça, desde que o Estado acione os dispositivos que a lei lhe concede para defender a segurança e o patrimônio públicos e privados.

Agora em evidência no Brasil, eles atuam no vácuo de uma expertise de repressão que as autoridades de segurança ainda não conseguiram desenvolver. É urgente que o façam. Rio e São Paulo, onde se concentram as ações de vandalismo, parecem estar indo por esse caminho, mas ainda precisam aperfeiçoar os protocolos de segurança contra tais atos. A punição, consequência lógica para quem transgride os limites da cidadania, é uma das pontas da defesa do Estado. A prisão de pessoas envolvidas em atos de vandalismo está dentro dessa perspectiva.

Na outra ponta, a da prevenção, o poder público ainda reage com tibieza. Ações de inteligência e investigação são fundamentais para traçar antecipadamente estratégias de combate ao vandalismo e neutralizar a ação dos grupos. Também são cruciais para instruir de forma eficiente inquéritos no caso de prisão de desordeiros (não por acaso, a Justiça do Rio mandou soltar os 64 detidos no quebra-quebra de terça-feira, por achar infundadas as acusações).

A isso deve-se juntar uma força-tarefa, com Justiça e MP atuando em conjunto com a polícia, à semelhança do bem-sucedido protocolo nas ações de segurança contra o crime organizado no Rio. A democracia pressupõe respeito à manifestação do contrário, desde que dentro dos limites do estado de direito. Ultrapassada essa fronteira, a reação do Estado precisa ser firme e eficiente, sem contemporização com a violência e a baderna.

Um passeio no Zoológico - JOÃO UBALDO RIBEIRO


O GLOBO - 20/10

Temos também esses parques em grandes cidades brasileiras, mas com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes



Não há motivo para pânico ainda, mas talvez para certa inquietação. Em muitas lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais aqui de Berlim, estampa-se, em local visível, um peremptório aviso aos fregueses: não se aceitam, sob nenhum pretexto, notas de quinhentos euros. Nas lojas onde não postam o aviso, quem tenta usar uma nota dessas recebe um olhar suspeitíssimo, se sente um Al Capone e fica com medo de que chamem a polícia. A loja prefere receber de volta a mercadoria escolhida a sequer tocar na nota maldita, não adianta insistir. Nas grandes lojas, os caixas também fazem um ar de extrema desconfiança, mas, quando a venda vale a pena, pegam a nota como se ela estivesse contaminada por uma bactéria mortífera e a levam para um exame pericial. Já devem ter inventado uma máquina especializada nesse serviço, porque o exame leva pouco tempo e se declara um alívio geral, quase festivo, quando o funcionário volta depois da perícia, já segurando a nota com o carinho devido a quinhentos euros legítimos. Suspiros, sorrisos e manifestações quase festivas se seguem, uma verdadeira confraternização internacional.

Já tomei vários sustos, pois, como lhes disse uma vez, carrego o infortúnio de ter a cara errada em toda parte. Nos Estados Unidos, tenho cara de cucaracha e, em formulários que patenteiam a obsessão racial americana, sou classificado como “hispânico”, lembrete para que não fique me achando branco, porque lá branco é uma coisa e hispânico, mesmo se louro de olhos azuis, é uma das três “raças” mais comuns, distinta de African Americans e de brancos. Devo ser a cara de Evo Morales e suponho que dou sorte em não me acharem descendente de negros africanos, porque a barra para estes, como sabemos, costuma ser mais pesadinha do que para hispânicos. E, quando não sou hispânico, creio que minha cara é de árabe, o que certamente já foi responsável por episódios pouco gloriosos em minha movimentada existência, como no dia em que, no aeroporto de Chicago, decidiram que minha aparência se encaixava num tal perfil do terrorista que na época usavam e me fizeram um checape minucioso, antes de me liberarem com o que me pareceu alguma relutância. E também houve um dia, no aeroporto de Atlanta, em que me retiraram da fila que já estava à entrada daquele canudo pelo qual se faz o embarque no avião para me revistarem, com direito a ter o traseiro fuçado por um cachorro, que, por sinal, demorou um pouco para dar seu veredito, me deixando com temor de ser enviado imediatamente para a prisão de Obama, em Guantánamo.

Na França, também tenho cara de árabe e na Espanha, como nos Estados Unidos, tenho cara de hispânico, ou seja, imigrante de alguma ex-colônia espanhola, que não costuma (ou não costumava, antes de a crise econômica bater por lá, fazendo com que os trocados gastos pelos turistas da América do Sul abafem momentaneamente o antagonismo) ser recebido de braços abertos. Em Portugal, tenho cara e fala de brasileiro e os funcionários da Imigração não costumam responder ao bom-dia jovial com que manifesto meu contentamento em estar de volta à terrinha. Uma vez, tentando caracterizar-me como grande amigo do país, apontei para minha comenda portuguesa, orgulhosamente espetada na lapela, e me veio a impressão momentânea de que aquele esbirro de maus bofes ia pedir meu encarceramento e deportação como impostor. Na Alemanha, tenho cara de turco. E cara de nordestino no Brasil, o que, como se noticia de vez em quando, pode render-me até linchamento. É duro.

É duro, mas, mesmo com este meu aspecto de cúmplice da quadrilha responsável pela falsificação de notas de quinhentos euros, Berlim continua a ser uma das cidades mais fascinantes do mundo. Ao contrário dos estereótipos que, no Brasil, alimentamos sobre os alemães, a cidade é alegre e gentil, aberta e hospitaleira, tanto quanto uma grande cidade pode ser. Em uma mercearia da Kantstrasse, é possível até comprar farinha de Feira de Santana, ou todos os ingredientes para uma feijoada. Ou, se não se puder fazer a feijoada pessoalmente, achar um restaurante que a sirva. Não descarto nem mesmo uma moquequinha, ou um tabuleiro de baiana na Breitscheidplatz. Entre museus, exposições, concertos, performances especiais, livrarias, restaurantes de todos os tipos e categorias e uma pulsação que não cessa dia e noite, é difícil escolher e achar tempo para ver e experimentar tanta coisa.

De minha parte, não dispenso a visita de sempre ao Zoológico, que não ouso descrever, porque não me considero capaz. Na entrada, topei novamente com um grupo de crianças, percorrendo tudo na companhia de uma professora. Ir ao Zoológico, assim como a museus e correlatos, é considerado uma importante ação educativa. Um bom Jardim Zoológico faz parte da educação que todos devemos dar à juventude e me vi, mais uma vez, encantado com o que se apreende e compreende por lá, abrindo a cabeça para o muito deste mundo cujo conhecimento nos é necessário e indispensável. E aí observei, mais uma vez, como as coisas são relativas. Temos também zoológicos em grandes cidades brasileiras, mas o estado em que no geral são mantidos, com animais praticamente torturados e sujeitos a condições acabrunhantes, como acontece no Rio de Janeiro, não é educativo, antes muitíssimo pelo contrário. O que em Berlim educa, no Brasil deseduca. Não estou propondo que se gaste dinheiro com a reabilitação dos zoológicos brasileiros, temos outras prioridades. Mas sugiro que os eliminemos, enquanto forem chiqueiros infectos e cruéis, porque, do jeito em que estão, são muito danosos à educação dos jovens e do povo em geral. Já não gastamos o necessário com a educação. Então pelo menos paremos de gastar com a deseducação e a promoção da insensibilidade. Mas não aposto nem uma nota de quinhentos euros que isto venha a acontecer.

Violência - CELSO LAFER


O Estado de S.Paulo - 20/10

O século 20, que se prolonga no 21, foi qualificado como era dos extremos. Uma característica do seu extremismo é a generalizada presença e a propagação da violência, cujos efeitos visualizamos no impacto de sua repercussão globalmente difundida pelos meios de comunicação e multiplicada pelo efeito irradiador da era digital. Confrontamo-nos com a onipresença da violência ao tomar conhecimento do que se passa em escala larga e letal na Síria ou, de modo mais circunscrito, com os black blocs, que a inseriram em manifestações de rua até então pacíficas em cidades do Brasil, este ano.

Violência é palavra que provém do latim, tem a sua origem em vis, força, na acepção de tratar com força alguém, ou seja, coagi-lo, configurando uma agressão e um abuso, donde o sentido de violentar. No mundo contemporâneo a extensão da força viu-se multiplicada pela técnica, que a instrumentaliza de maneira extraordinária. Armas de destruição em massa, drones, armamentos mais ou menos sofisticados na ação de criminosos e suas redes - como o Primeiro Comando da Capital (PCC) - ou terroristas de várias vertentes são exemplos de como os implementos da violência estendem seus efeitos.

São múltiplas as proteiformes manifestações de violência, de que são exemplos a racial, a sexual, a xenófoba, a urbana e a rural, a tortura, a proveniente de fundamentalismos religiosos e políticos. Há a violência passional, impulsiva, mobilizada por medo ou ódio; e a violência calculadora, alimentada pela hostilidade, mas que racionaliza a ação para torná-la mais eficaz. É por esse motivo, dada a presença da violência no correr da História, que existem distintas reflexões que buscam explicá-la como sendo fruto da natureza humana, da ignorância, da luta de classes, do rancor, da revolta contra a injustiça, a corrupção, a hipocrisia.

A generalização da violência na era dos extremos converge com visões e perspectivas que a glorificam e a justificam como liberadora e regeneradora. O fascismo, ao se contrapor à democracia e ao papel do diálogo na vida política, exaltou-a e sustentou os méritos do belicismo. Na esquerda, a clássica diferença entre reformistas e revolucionários é a de que aqueles se norteiam pela mudança por meios pacíficos e estes se guiam pela aceitação e afirmação da violência revolucionária como caminho para mudanças, tendo em vista, na lição de Marx, que a violência é a parteira da História.

A violência, individual ou coletiva, no seu exercício estabelece, como aponta Sergio Cotta, uma diferença radical entre o violento e os outros, que se tornam objeto de uma despersonalização impeditiva da coexistência, cabendo apontar que é da natureza da violência não se sujeitar aos parâmetros das normas e da proporcionalidade que caracterizam o Estado de Direito. Com efeito, a violência, por princípio, decepa qualquer possibilidade de diálogo e se contrapõe às regras do Direito que pressupõem a igualdade perante a lei e a imparcialidade do julgamento. Por isso a prática da violência fere a dignidade da pessoa humana e se opõe à democracia, que postula a importância da comunicação e dos debates que fazem a mediação das diferenças na busca de um curso comum da ação.

A crítica implacável da democracia, de suas normas e seus valores caracteriza a obra de Carl Schmitt, pensador e jurista alemão de indiscutível, porém controvertida originalidade, que foi um dos coveiros da República de Weimar e integrou os quadros do nazismo. Ele se dedicou a rejeitar o papel das normas jurídicas e éticas na compreensão do que é a política. Postulou a sua autonomia, afirmando que a sua singularidade é dada pela clareza da distinção amigo/inimigo. O inimigo, para Schmitt, uma noção pública, é quem nega, na situação concreta, o modo de vida do seu oponente. Por isso deve ser repelido e combatido. A identificação do inimigo é uma decisão existencial não balizada por normas e sempre comporta na sua prática a possibilidade de sua eliminação física, que é inerente à lógica do combate configurado, na obra de Schmitt, pela absolutização da dicotomia amigo/inimigo.

Esse entendimento dicotômico e excludente da autonomia da política estimula a justificação da violência e merece registro porque a obra de Schmitt, com seu brilho satânico, continua fascinando não apenas a direita, mas significativas correntes da esquerda. Essas correntes encontram nos seus argumentos, como aponta Richard Bernstein em livro recente (Violence, 2013), elementos para questionar os méritos do normativismo de inspiração kantiana e do potencial para a convivência coletiva da democracia deliberativa e participativa e o papel da razão na tomada de decisões políticas, defendida, por exemplo, por Habermas.

A reflexão de Hannah Arendt e a diferença que ela estabelece entre poder e violência representam uma válida denegação da postura de Schmitt. É, para ela, um equívoco conceitual e prático fundir poder e violência. A violência não cria poder, destrói poder. Basta ver o que ocorre na Síria.

O poder resulta da capacidade humana de agir em conjunto e do concordar de muitos com um curso comum de ação, o que requer persuasão, palavra e debate, e não a intransitividade despersonalizada da violência. O poder, nesse sentido, é um conceito horizontal sustentado pela liberdade de associação e manifestação, cujo potencial se amplia na era digital por meio das redes e que enseja o empoderamento da cidadania. As instituições políticas são materializações do poder gerado pela ação conjunta, que se deteriora quando perde o lastro do apoio popular.

É por essa razão que a violência não só destrói o poder das instituições, como compromete a geração de poder, o que ocorre quando ela se insere, por exemplo, pela ação destrutiva dos black blocs na dinâmica das manifestações.

Presunção da mentira - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 20/10

“Vim registrar meu filho disse”, preparando-me para o aborrecimento inevitável da burocracia dos cartórios. Descobriria logo depois que era otimismo meu. Não seria apenas aborrecido. Teria uma briga pela frente que só venceria com a ajuda do meu tio Boanerges, advogado. “Você não pode registrar a criança. Você é a mãe, só o pai pode registrar”, disse-me o escrivão.

-Por que não posso registrar meu filho? — — perguntei, ofendida. —Essa é a lei. Só a palavra do pai é que vale. — Significa que a suposição é que estou mentindo? — Por que o pai não está aqui? — perguntou, desconfiado, o escrivão. — Motivo de força maior. — Que força maior? — Maior, bem maior — respondi, exausta. Eram os anos 70, meu filho tinha 20 dias, eu estava acabando de chegar a Caratinga, de volta de uma viagem cansativa que tínhamos feito ao Rio para que o pai, preso no Regimento Sampaio, pudesse conhecer o filho.

A visita era restrita a meia hora. E só podia ser numa quinta-feira, às 9 da manhã. No fusquinha da tia Ilda, tínhamos vencido todo o longo trajeto, cruzado o desconhecido e assustador Rio de Janeiro até a casa de outra tia na Zona Norte. De lá, fomos à Vila Militar Marechal Deodoro, preocupadas em chegar pontualmente.

Um minuto de atraso era o suficiente para impedir a visita. No dia seguinte, o caminho de volta a Caratinga começara de madrugada. Assim que entrei na casa dos meus pais, soube que meu sogro telefonara. Liguei para Vitória e a informação era que eu estava sendo processada à revelia, com base no Decreto-Lei 447 na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Era o segundo processo. O outro, pela Lei de Segurança Nacional, corria na Segunda Auditoria da Aeronáutica do Rio.

Eu nem sabia do processo na universidade. Eles nunca me informaram. O 447 proibia estudantes condenados de estudar por três anos em qualquer universidade, e o juiz final, que baixava a sentença, era o ministro da Educação, na época, o coronel Jarbas Passarinho. Tinha que enviar a certidão, aconselhou meu sogro, Wolghano. Com o documento, o advogado poderia justificar minha ausência. — Qual o motivo de força maior que impede o pai de comparecer para registrar o filho? — Perguntou, debochado, o escrivão. — Ele está preso.

Esse é o motivo de força maior — respondi. o escrivão venceu o espanto e retornou à postura burocrática: — Nesse caso, a criança fica sem registro ou eu escrevo “pai desconhecido”. A mãe pode mentir sobre a paternidade. Tudo era doloroso e ultrajante: a lei que condenava estudante a não estudar, a prisão e a perseguição que vivera durante a gravidez, a suposição legal de que, sendo eu mulher, só poderia estar mentindo.

Mostrei a certidão do casamento e o funcionário do cartório disse que aquilo não provava a paternidade. — Só o pai pode dizer que é pai — insistia o escrivão. Fui socorrida por uma voz forte que falou atrás de mim. — Qual é o problema aqui? Eu sou advogado — disse o meu tio entregando seus documentos. Não sei que argumentos usou, mas tio Boanerges tinha a capacidade de comunicar com clareza e convicção seu raciocínio.

Convenceu o escrivão a não seguir uma lei, que vigora até hoje, e que só agora o Congresso começa a mudar. Vejo o debate atual com espanto. São muitos os que afirmam que as mulheres mentiriam e que a lei precisa permanecer como está. Como se não houvessem punições para eventuais falsidades ditas em um cartório e como se o homem tivesse o monopólio da verdade.

Essa lei velha mostra que sobre a mulher recai a presunção da mentira. Vencido pela eloquência do meu tio, que não parava de citar leis, artigos, incisos e caputs que supostamente protegeriam meu direito de registrar a criança, o escrivão se rendeu. — Qual o nome do recém—nascido? — Vladimir de Almeida Leitão Netto. — Local e data de nascimento? — Caratinga, 3 de agosto de 1973.

Quando a fila não anda - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 20/10

As duas chegaram na minha frente rindo muito, felizes da vida. Eu, sentada atrás de uma mesa, tirei conclusões apressadas: são irmãs, são amigas de infância, são colegas de trabalho, talvez até namoradas. Autografei o livro para uma, autografei depois o da outra, que eu estava ali a trabalho. E elas se cutucavam, cochichavam, tiravam fotos juntas, não se desgrudavam.

Me surpreendi com aquela alegria tão refrescante, já que o óbvio seria encontrá-las esmorecidas, ambas estavam há mais de uma hora numa fila que andava a passos lentos. A morosidade não era culpa minha, e sim da situação, mas mesmo assim me desculpei e agradeci: obrigada por esperarem tanto. Imagina, em que outro local teria conhecido aqui a Adriana? Filas são ótimas para fazermos novas amizades. E saíram as duas rumo ao primeiro chope de suas vidas agora interlaçadas.

E já que tudo está interlaçado, no dia seguinte mesmo recebi um e-mail com uma sugestão de texto de uma senhora que não era nenhuma daquelas duas moças, mas que também havia feito uma amizade em uma fila: “Escreva sobre essa conspiração do destino: pessoas que se conhecem enquanto aguardam ser atendidas”.

Eis-me aqui cumprindo ordens.

Não odeio filas porque não odeio nada, mas não é um acontecimento pelo qual eu anseie. Fila, para mim, é a representação máxima da perda de tempo, e tempo é algo que valorizo mais do que pérolas, jades, rubis. Não escapo de enfrentá-las em bancos, cinemas e em sessões de autógrafos de amigos escritores, mas não recordo de ter feito alguma nova amizade durante a espera. Ou fiz?

Sim, conversa-se em filas. Ainda mais se a fila for demorada e provocar queixas: dois irritados é o começo de uma rebelião. Tem uma rede de supermercado na cidade que me deixa com os nervos destruídos, quase já não a frequento, só em raríssimas ocasiões para comprar dois ou três itens urgentes, e mesmo assim ele desafia meu espírito budista com seus poucos caixas abertos, seus funcionários mal treinados, seus carrinhos abandonados no estacionamento, suas sacolas plásticas que não resistem até a chegada em casa. Nem mesmo o cartaz avisando que agora existe um gerente (virtual) adianta grande coisa. Então, na inevitável fila que se forma, viramos todos clientes guerrilheiros a fim de ver sangue. Não inauguramos ali amizades fraternas, mas ter uma raiva em comum já é um elo.

Desviei do assunto. Era para eu ter falado de pessoas que se tornam amigas de infância durante uma conversa em pé, aguardando pacientemente para realizar sua meta. Conclusão? Até das chatices se pode tirar algum proveito. As filas tornaram-se o novo bar – em frente dos quais, aliás, elas se formam também, longas, animadas, fervilhantes, não raro sendo a principal razão de se ter saído de casa.

O FENÔMENO DILMA - Percival Puggina


          Uma pulga passeava, irrequieta, atrás da minha orelha. Dilma Rousseff ponteia as pesquisas. Mantido o panorama atual, vencerá sem dificuldade a eleição do ano que vem. Datafolha credita-lhe, nos vários cenários, o apoio bastante firme de 40% do eleitorado. A tal pulga ia para lá e para cá, desassossegada: como pode?
          Foi um feito de Lula, a primeira eleição da presidente. Guerrilheira que um dia sonhara tomar o poder pelas armas, Dilma haveria de receber esse poder - quem diria? - como um regalo de amigo. Coisa tipo - "Lembrei-me de você!". Em 2010, Lula tomou-a pela mão e saiu a apresentá-la aos brasileiros. "Muito prazer, Dilma Rousseff", dizia ela. "Mas pode chamá-la de mãe do PAC", completava ele, pimpão. Assim, de mão em mão, de grão em grão, as urnas foram enchendo o papo e Dilma subiu a rampa catapultada pelo voto de 55,7 milhões de brasileiros. Agora, quando seu governo sacoleja no trecho final, deve estar mandando lavar, passar e engomar a faixa presidencial para nova entronização.
          Contar com quarenta por cento dos 140 milhões de eleitores brasileiros significa que Dilma inicia a nova campanha com um estoque equivalente aos votos que obteve no segundo turno de 2010. Pois bem, o que eu me proponho trazer à apreciação dos leitores é a explicação para esse fenômeno. Fácil, como se verá. O SUS, sabe-se bem, caminha para a perfeição. Todos são atendidos a tempo e hora, em condições adequadas. Não há bom médico, no mundo, que não queira trabalhar aqui. A longa espera nas emergências tem se revelado um excelente meio de integração social e formação de novas camaradagens. Os finais de turno não deveriam ser brindados com champanha? A marcação de consultas especializadas e cirurgias segue cronograma rigoroso. Pontual e mortal. Doravante, insatisfeitos, procurem Raúl Castro! Aposentados do INSS providenciam passaportes e trotam mundo afora, efetivando aquele direito que Lula oposicionista apontava como coisa normal à velhice dos povos civilizados. A Educação, seja na base, cumprindo papel de promoção social e cultural, seja no topo, alinhando o Brasil com a elite tecnológica do planeta, opera prodígios na transformação da nossa realidade. A Economia? É lunática: contabilidade nova, inflação crescente, PIB minguante, carga tributária cheia... E a segurança pública enfim promove, como nunca antes neste país, digamos assim, o encontro dos criminosos com as grades e do povo com a paz social. Corrupção? Tudo intriga, maledicência, coisa de quem não tem o que falar.
          Repare como Dilma esbanja carisma. Não é uma sedutora? Que discursos! Palavra fácil, empolgante! Ao final de cada locução, os auditórios se erguem e aplaudem-na em pé, seja em Itapira, seja na ONU. Durante estes anos como "presidenta", não confirmou ela, plenamente, o que Lula assegurava a seu respeito? Observem como o governo foi bem gerenciado. Vejam o rigor com que se cumprem os prazos e se enxugam os gastos. O Brasil tem programa e cronograma, estratégias, previsões e provisões. Você duvida? Não prometera a presidente, aqui na terrinha, em 2010, que sua Porto Alegre teria, enfim, linha de metrô e nova ponte no Guaíba? Pois para desgosto dos incrédulos, as obras estão aí, novamente prometidíssimas! Basta que o Estado e o município, nos anos por vir, "casem" os bilhões que faltam. Um sucesso, o governo Dilma. Agora, se os motivos não se acham bem visíveis acima, então só resta procurá-los dentro das bolsas.
Zero Hora20 de outubro de 2013

Responsabilidade do corretor de imóveis ou da imobiliária?



Sempre que surge algum problema na compra e venda de imóveis, a primeira pergunta que se faz é se o corretor de imóveis ou a imobiliária que intermediou tem alguma responsabilidade e, em caso afirmativo, no que consistiria.
O artigo 723 do Código Civil diz que "o corretor é obrigado a executar a mediação com diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência".

Assim, tanto o corretor como a imobiliária, precisam verificar se a documentação está em ordem e também, na elaboração do contrato, devem fazer constar prazo suficiente para apresentação dos documentos, porque há casos em que há necessidade de mais tempo para regularização de algum deles como, por exemplo, na hipótese de registro de formal de partilha.

O Tribunal de Justiça, em vários julgados, entende que, se não forem tomadas essas precauções, existe a responsabilidade solidária entre a imobiliária e os promitentes vendedores. Tem ela que saber analisar a documentação, sendo uma das razões da intermediação.

Normalmente, na hipótese de análise insatisfatória dos documentos e que venha a ocasionar prejuízo ao comprador, as decisões dos tribunais são no sentido de que a imobiliária seja condenada a restituir aos compradores a quantia que recebeu a título de comissão na intermediação, corrigida monetariamente a partir do recebimento, com juros moratórios de 1% ao mês a contar da citação, além de custas e honorários advocatícios.

Como exemplo, temos o acórdão proferido na Apelação nº 990.10.282004-1 da 3ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo: "É inegável que a venda de imóvel em situação irregular acarreta a responsabilidade solidária da imobiliária que fez a intermediação do contrato, na condição de prestadora de serviços que não apresentaram resultados satisfatórios".

A decisão acima cita trecho do livro "Compromisso de Compra e Venda", 4ª edição, Editora Malheiros, página 262, de José Osório de Azevedo: "Se o compromisso resulta da prática de um ato ilícito, como ocorre nas incorporações irregulares, sem registro, incide a responsabilidade de todos aqueles que contribuíram para o dano, inclusive o intermediário ou o corretor do negócio".

É aplicável, também, o Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, artigo 14: "O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos".

A Lei 6.530 de 12 de maio de 1978, que regulamenta a profissão de corretor de imóveis, no artigo 20, determina que, no caso de anúncio de imóvel loteado ou em condomínio, deve ser mencionado o número do registro do loteamento ou da incorporação no registro de imóveis. O não atendimento a essa norma constitui infração disciplinar.


Por: Daphnis Citti de Lauro

Daphnis Citti de Lauro - advogado, é autor do livro "Condomínio: Conheça Seus Problemas" e sócio da Advocacia Daphnis Citti de Lauro e da Citti Assessoria Imobiliária 

Fonte: Administradores