Há um aspecto relevante no caso do julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal que, por não ter visto tratado com detalhes, acho importante pinçar.
Trata-se de um processo criminal, que o Supremo, ao contrário do que acontece com a rotina da Corte, está exercendo sua “competência originária”, prevista no artigo 102 da Constituição — a competência para conhecer e julgar a causa pela primeira vez, originariamente, sem que haja passado antes por juízes de primeira instância ou outros tribunais.
A competência originária costuma ser dos juízos de primeiro grau, ou seja, de um juiz de Direito — da Justiça estadual ou federal — que primeiro examina a causa.
Neste caso, o Supremo está fazendo esse papel — de ser a primeira (e última) instância da Justiça que toma conhecimento do proceso e julga os réus. Neste caso, diferentemente de sua rotina, o Supremo não julga recurso de nenhum tipo, não se debruça sobre grandes teses jurídicas, sobre a constitucionalidade da matéria ou outras questões do tipo: julga diretamente a um grupo de réus, que estão sendo defendidos por seus advogados.
Esse tipo de julgamento é muito raro ao longo da história do Supremo, iniciada com a República, em 1899. Nos últimos anos, o tribunal julgou, aqui e ali, parlamentares cassados por corruppção — que têm direito ao foro especial de ser processados e julgados apenas pelo Supremo –, e o caso mais relevante do tipo foi, naturalmente, o do ex-presidente Fernando Collor, que terminou sendo absolvido por falta de provas em dezembro de 1994.
O caso atual é mais complicado, porque a competência originária do Supremo se exerce num processo com 38 réus, mais de 700 testemunhas ouvidas, cujos autos são constituídos por quase inacreditáveis 50 mil páginas, 234 volumes e 500 apensos, e com vários crimes diferentes sendo imputados, em graus diferentes, aos acusados.
E — vejam bem, prestem bem atenção — a grande maioria dos ministros do Supremo não teve experiência prévia, ao longo de sua trajetória profissional, em julgar diretamente réus de crimes.
Dos 11 ministros do Supremo, apenas três são magistrados de carreira. Vamos repassar a lista, um por um, começando pelos três magistrados de carreira:
1. Cezar Peluso: juiz concursado da Justiça estadual paulista, galgou degraus da carreira e chegou ao Supremo em junho 2003 vindo do Tribunal de Justiça de São Paulo, onde era desembargador.
2. Ricardo Lewandowski: como advogado, e sem ser juiz de carreira, foi indicado para o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, aprovado pela Assembleia Legislativa e empossado há 22 anos. Chegou ao Supremo março de 2006, vindo do Tribunal de Justiça de São Paulo, ao qual havia ascendido em 1997.
3. Luiz Fux: juiz de Direito concursado da Justiça fluminense a partir de 1983, passou, promovido, pelo Tribunal de Alçada do Rio, exerceu o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de 1997 a 2001 e chegou ao Supremo em março do ano passado, vindo do Superior Tribunal de Justiça, onde atuava como ministro desde 2001.
4. Celso de Mello: o ministro decano – ou seja, o que está há mais tempo na Casa, desde julho de 1989 — jamais foi juiz antes de chegar ao Supremo. Ingressou no Ministério Público paulista em 1970 e lá fez carreira até chegar ao STF. Sua experiência prévia na área criminal deve-se ao período em que atuou como promotor de Justiça.
5. Marco Aurélio: toda sua carreira pública transcorreu na Justiça do Trabalho, onde exerceu as funções de procurador e, depois, de juiz do Tribunal Regional do Trabalho da região que inclui o Rio e ministro do Tribunal Superior do Trabalho, onde atuava quando, em junho de 1990, viu-se guindado ao Supremo.
6. Gilmar Mendes: igualmente sem experiência como magistrado antes de chegar ao Supremo, desempenhou funções no Ministério Público Federal entre 1985 e 1988, integrou diferentes assessorias técnicas de órgãos públicos e foi o advogado-geral da União entre 2000 e 2002 quando, no mês de junho, passou a integrar o Supremo.
7. Ayres Britto: o presidente do Supremo nunca foi juiz em sua vida. Professor de Direito em Sergipe, foi consultor-geral do Estado nos anos 70, depois procurador-geral de Justiça nos anos 80. Quando passou a compor o Supremo, em junho de 2003, era professor de Direito Constitucional.
8. Joaquim Barbosa: o ministro-relator do caso exerceu no passado, por concurso, cargos tão diferentes como oficial de chancelaria do Itamaraty e advogado do Serviço Federal de Processamento de Dados. A partir de 1984, tornou-se procurador da República. Está no Supremo desde junho de 2003.
9. Cármen Lúcia: todo o seu percurso se deu no Ministério Público de Minas gerais, e sempre como procuradora — e não como promotora pública, que atua no juizado criminal — até passar a integrar o Supremo, em junho de 2006.
10. Dias Toffoli: o ministro do Supremo de currículo mais pífio desde 1889 foi assessor da liderança do PT na Câmara dos Deputados por cinco anos, um dos advogados do PT em três campanhas presidenciais, foi subchefe da Casa Civil para assuntos jurídicos durante o período em que José Dirceu foi ministro (2003-1005) e advogado-geral da União de março de 2007 até outubro de 2009, quando Lula o designou para o Supremo. Quis ser juiz no passado, mas não conseguiu — reprovado que foi em dois concursos públicos no Estado de São Paulo.
11. Rosa Maria Weber: começou como juíza do Trabalho substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (sediada em Porto Alegre), galgou postos no TRT, presidiu o tribunal por um período e alcançou o posto máximo da Justiça do Trabalho em fevereiro de 2006, ao assumir o posto de ministra do Tribunal Superior do Trabalho, de onde passou ao Supremo em dezembro do ano passado.