quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Do teto ao chão, tudo é arte neste loft


Apartamento em NY lembra galeria

08/09/2012 | POR REDAÇÃO; FOTOS REPRODUÇÃO
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  (Foto: reprodução)
Se morar em Nova York não é para qualquer um, o que dizer de quem abre as janelas de casa todos os dias e se depara com a vista de Manhattan? Acrescente a isto uma área generosa, luz natural e obras de arte espalhadas por todos os cantos e paredes das salas, corredores, biblioteca e hall de entrada. Nem mesmo o teto da residência foi esquecido, já que até ele chama a atenção na morada, com suas pinturas feitas à mão.
Inicialmente construído para ser o sótão de um artista de luxo, o loft localizado em Upper West Side – área essencialmente residencial de Nova York, situada entre o Central Park e o rio Hudson – abriga três quartos, dois banheiros e oito salas. Entre elas, uma calorosa biblioteca, com paredes, portas e esquadrias pintadas em vermelho, além de estofados de couro no mesmíssimo tom. Para completar a jovialidade do ambiente, o teto recebeu desenhos que lembram losangos, em um tom mais claro de rosa que contrasta com o fervor do vermelho.
  (Foto: reprodução)
Desde o hall de entrada, já é possível sentir o clima de arte que a morada reserva a quem nela adentra, a começar pela ampla obra de arte toda colorida e ressaltada pelos espelhos das portas em frente a ela. Mas isso é apenas o começo, já que a grande vedete da residência é, sem dúvida, o amplo living principal, dividido entre sala de estar com lareira e de jantar. Com pé-direito duplo, janelões do chão ao teto e vista para o Museu de História Natural, o espaço também é preenchido por uma ampla coleção de arte, com quadros, esculturas e objetos assinados por artistas de peso que vão desde Picasso e Salvador Dalí a Andy Warhol e Damien Hirst.

Ficou com vontade de chamar este loft de seu? Pois saiba que isso é possível. O imóvel está à venda, pela bagatela de US$ 20 milhões. Mas lembre-se: ele vem totalmente mobiliado e com todas as obras de arte.
Outros detalhes inusitados pontuam os grandes e iluminados espaços da morada, como sancas ornamentadas, colunas neoclássicas e uma lareira de pedra maciça do século 17, importada da península Ibérica. Toques lúdicos também permeiam a residência, especialmente no quarto infantil, marcado pelos detalhes em amarelo das guarnições, pelo azul do carpete e pelo amplo espelho que forra uma das paredes, duplicando a sensação de espaço.
  (Foto: reprodução)

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Túnel do Tempo: A terrível pergunta do lateral Cabral, por Davi Coimbra


26 de setembro de 2012
Era difícil não olhar para a mulher do Cabral. Morena jambo, voluptuosa, com uma malícia esverdeada reluzindo no olhar.
Milena.
Quem a via, dizia: Milena peca. Ou pecará. Tinha todo o jeito de quem podia pecar, e talvez até pecasse, só que Cabral jamais se afastava dela. Nem quando ia jogar, que Cabral era profissional da várzea. Profissional mesmo, 400 reais por jogo, o maior salário amador da cidade.
Mas quem pagava não se arrependia: Cabral garantia segurança absoluta na lateral-direita, Cabral dizia-se, e era, à prova de ponta. Ninguém sabia como, porque era lento, era tosco, não dava em bola. Só era forte, só isso, mas pontas serelepes passam por laterais fortes, até humilham laterais fortes. Menos Cabral.Cabral nunca havia sido driblado por atacante algum.
Assim transcorreu sua carreira varziana, no entanto bem remunerada, até que um dia, o Cabral já veterano, meio gordo, mais lento do que jamais fora, coube ao time dele, o Canarinho, enfrentar o nosso, o bravo Huracán. Um clássico iapiano. O Canarinho sempre ganhava.
Daquela vez, contudo, o Jorge Barnabé jogava na ponta do Huracán. Chamavam-no Barnabé pela semelhança com um obscuro detetive de TV, Barnaby Jones. Nunca ninguém assistiu a um único capítulo de Barnaby Jones, no Brasil, exceto o goleiro Languiça, que foi quem grudou o apelido no Barnabé.
Barnabé era magro, alto e, o ponto importante, muito rápido. Sempre vencia os laterais, qualquer lateral. Por isso, o Huracán apostava na velocidade do Barnabé para obter sua primeira vitória sobre o Canarinho. Não seria um veterano, sobejamente conhecido por sua lentidão, que pararia o Barnabé. Ah, não.
Assim, todas as estratégias do Huracán passavam pela rapidez do Barnabé e, durante toda a semana, ele prometeu que ganharia o jogo. Atropelaria o Cabral e ganharia o jogo!
No domingo de manhã, lá estavam todos no Alim Pedro. O Barnabé de um lado, saltitando, explodindo de energia; o Cabral de outro, forte, ameaçador, mas de movimentos lerdos como um paquiderme.
No alambrado, agarrada à tela de arame, ela, Milena, sedutora dentro de seu shortinho mínimo. Quando Cabral estava virado para outro canto do estádio, todos olhavam para Milena. Quando ele se voltava, todos disfarçavam.
Era visível a diferença entre o Barnabé e o Cabral, sentíamos nas travas das chuteiras que o Barnabé voaria o jogo inteiro área adentro, sem que Cabral sequer o achasse para fazer falta nele. Estava na mão — o Huracán venceria, enfim.
Mas não foi o que aconteceu.
Não foi. Antes do jogo, o Cabral aproximou-se mansamente do Barnabé e disse algo para ele. Falou baixinho, ninguém ouviu, mas alguns flagraram o constrangimento do Barnabé. O Barnabé gaguejava:
— Eu? N-nada... Ju-juro... Na-nada...
O Cabral, então, levantou uma sobrancelha e indagou:
— Nada?...
E o Barnabé ficou ainda mais embaraçado. Enrubesceu, uma gota de suor rolou de sua testa e umedeceu a grama.
— Não! — protestou ele. — Não é nada disso! Claro que acho, sim, acho, mas não é nada disso que tu... que você... que o senhor... eu na verdade... eu... eu... com todo o respeito... tenho muito respeito... eu...
Ao que, o Cabral interrompeu.
— Sei — disse somente, e deu-lhe as costas, voltando para sua metade de campo.
Depois daquele diálogo insólito, o Barnabé teve a pior atuação da sua vida. Não foi uma só vez à linha de fundo, não passou nem perto do Cabral, a lateral direita do Canarinho foi um terreno intocado durante 90 minutos, e o Huracán perdeu de novo. Terminado o jogo, claro, fomos no Barnabé. Queríamos saber o que o Cabral dissera para ele.
— Não disse nada — respondeu o Barnabé. — Ele só fez uma pergunta.
— Uma pergunta? Que pergunta???
E o Barnabé contou que o Cabral olhou fixamente em seus olhos, um olhar duro de pedra, e perguntou:
— O que tu achas da minha mulher?
E o Barnabé olhou para Milena pendurada no alambrado, Milena deleitável e robusta, Milena de shortinho, Milena para quem era impossível não olhar e de quem era impensável não pensar nada, e o Barnabé queria muito responder, queria muito dizer o que sentia, queria gritar:
— Ela peca! Ela tem que pecar!
Mas ao mesmo tempo não podia, e sofreu tanto por aquilo tudo, tanto, tanto, que soube, de pronto, que não jogaria nada, que estava irremediavelmente perturbado, que não conseguiria se concentrar na bola, que a tarde estava acabada para ele. Foi o que se deu, e o Cabral continuou imbatível, continuou à prova de ponta.
Continuou merecendo o maior salário amador da cidade, 400 reais por jogo.

O regime legal de bens no Direito de Família no Brasil e as doações de mentirinha


Sandra Starling

Enquanto não termina o julgamento do mensalão – e todas as surpresas que vem apresentando -; enquanto não se realizam as eleições municipais – que também podem trazer novidades na política brasileira -, vou continuar abordando temas de minha redescoberta do Direito, como fonte de estudos a serem realizados com prazer (e espanto!).
Na semana passada, escrevi sobre o direito de herança. Hoje, vou tratar do regime legal de bens, alertando o leigo para o fato de que, atualmente, já existem outros tipos de relações jurídicas entre pessoas impensáveis à luz do conceito de matrimônio vigente antes da Constituição Federal de 1988.
E vou tratar desse assunto por um dever de consciência que me impus anos atrás. Eu presidia a CPI sobre a Violência contra a Mulher na Câmara dos Deputados quando recebi um pedido de socorro de alguém que, casada em outro país e sob outra lei, se viu de repente privada do direito de guarda dos filhos por ocasião de divórcio. A comissão acolheu então a sugestão de que o Itamaraty teria a obrigação (não cumprida, ao que me consta) de sugerir que mulheres brasileiras que pretendessem casar-se noutros países deveriam receber exemplares das leis sobre seus direitos naqueles outros sistemas.
Agora, estudando nosso novo Código Civil, me dou conta de que muitas e muitas pessoas (mulheres ou homens) que se casaram depois da lei do divórcio aqui, não se dão conta do que efetivamente pode acontecer-lhes porque o regime legal de bens agora é o da comunhão parcial (e não mais universal, como antes).
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PROPRIEDADE PRIVADA
Qualquer Código Civil tem por objetivo proteger prioritariamente a propriedade privada. Mesmo quem aqui no Brasil busca interpretá-lo em estrito respeito aos ditames constitucionais, submetendo suas normas a princípios como o da dignidade da pessoa humana, princípio da afetividade e princípio da solidariedade, como os mestres Rodrigo da Cunha Pereira, Maria Berenice Dias e Luís Roberto Barroso, sabem que, infelizmente, essa posição (corretíssima) nem sempre prevalece na jurisprudência pátria. Daí minha preocupação com o problema. Que, no caso, volto a insistir, pode afetar também os homens quando estes pertencem a famílias menos aquinhoadas que as de suas esposas.
Tem sido mais frequente do que se quer admitir o fato de pais que intencionalmente subtraiam bens da copropriedade entre cônjuges fazendo doações apenas ao respectivo rebento (homem ou mulher), ainda que na constância do casamento dele ou dela… É que, na comunhão parcial de bens, só se comunicam “os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges”.
Aqui vem a prática despudorada mais adotada hoje em dia por sogros e sogras que, não tolerando a escolha (livre, heim!) do marido ou da esposa do filho/filha, fazem doações de mentirinha a “ambos” os pombinhos… até que um deles descobre a tramoia: não ter sido aquinhoado. E a isso se denomina afeto familiar!

Charge do Sponholz



Rigor e prudência contra os insanos



Mauro Santayana
Como a História nos mostra, poder e crise são categorias companheiras. Quando as sociedades se poupam de crises, privam-se de dinamismo e se arrastam em pausas sonolentas. O confronto político, por mais irritante seja, é necessário à vida, e evita os conflitos sangrentos.
A corrupção dos poderosos – e não do poder, em sua natureza abstrata – é infecção quase endêmica e associada ao surgimento da propriedade privada sobre os bens comuns. Ter mais é ter mais, seja de que forma for. Para fazer frente a isso, os homens criaram o Estado, em sua origem e fim destinado a assegurar o mínimo de justiça e encarnar a solidariedade da espécie. Mas o Estado é também assaltado, o que exige a vigilância e a resistência dos cidadãos. E, em nome da moralidade do Estado sempre se instalam as ditaduras sangrentas (e igualmente corruptoras e corrompidas). Não precisamos nacionalizar essa constatação.
Vejamos as revelações atribuídas a Marcos Valério, um homem comum e ambicioso, que se tornou, pelas circunstâncias, o eixo da Ação 470, em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Ele sabe que sua sorte já se encontra decidida, e nada irá evitar a pena a lhe ser imposta pelos seus julgadores. Por isso, busca mostrar-se como mero instrumento de uma conspiração com financiamento espúrio, mas não foi bem assim. Atuou com inteligência tática, construindo um projeto de elaborada engenharia econômica e de convencimento político. É certo, e já dissemos isso, que, movendo-se entre banqueiros – que seriam os grandes beneficiários do esquema – ele agiu com ilusão de classe.
O jovem de classe média de Curvelo, por mais êxito colhesse em suas atividades comerciais, era um outsider nos encontros com os representantes das oligarquias com quem articulava os negócios hoje devassados. Tampouco era do ramo nos atos políticos. Ao que se sabe, as suas relações não se limitaram ao PT. Os publicitários profissionais raramente têm ideologia. Quando a têm, agem como os advogados, que quase sempre defendem causas sem que, necessariamente, com elas concordem.
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FAZENDO NEGÓCIOS
Valério fazia negócios e reunia os interessados em influir sobre a administração do Estado, como os banqueiros, – não só os que foram arrolados na ação em julgamento – e os políticos que necessitavam de recursos para a construção ou manutenção de seus espaços no parlamento e no poder executivo.
Ele tinha consciência do que fazia, obtinha seus lucros, aplicava-os e procurava dar o melhor conforto material possível à família. Como tantos outros no passado brasileiro, ele esperava usufruir da impunidade dos grandes. Se os grandes se salvassem, deveria ser esse o seu raciocínio, ele estaria também a salvo. As declarações de Marcos Valério estão sendo usadas politicamente: a disputa pelo poder não é uma partida de golfe. Mas se equivocam os que pensam na hipótese de desestruturar o governo atual, sem comprometer a estabilidade do Estado.
É preciso ver a reação de Marcos Valério em suas dimensões e motivos reais, como a vêem os ministros do STF, e sossegar os incendiários de turno. Os cidadãos sensatos devem separar as coisas. O julgamento dos fatos pelo STF demonstra que as instituições estão começando a funcionar para valer em nosso país, e que, conhecido o veredicto do Tribunal, o Brasil continuará a existir com seus quase duzentos milhões de habitantes – acrescidos, todos os dias, dos que nascem – com seu direito a conhecer, criar com seu trabalho, buscar a felicidade para os seus e, o que é inerente à condição humana, participar dos embates políticos que dão movimento à História. Até agora, ninguém, de bom senso, está dando importância às declarações de Valério. Elas soam como moedas de barro.
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FINANCIAMENTO PÚBLICO
Mas será um desperdício dos esforços do STF e das emoções dos democratas, apreensivos com o desalento político, se o episódio não servir para uma profunda reflexão dos que podem decidir, no sentido de realizar a tão esperada e necessária reforma política, de forma a libertar o voto do poder econômico e, com isso, dar legitimidade aos governos e ao Estado. É preciso insistir nesse propósito, até que a razão se imponha.
O primeiro passo deve ser o do financiamento público das campanhas. Por mais oneroso possa ser esse investimento, o Tesouro despenderá nele muito menos do que, indiretamente, despende hoje. E todos terão a mesma oportunidade de expor idéias e programas, se a lei for bem elaborada.

POLÍTICA A teoria política da corrupção, por Demetrio Magnoli


Demétrio Magnoli, O Globo

Nos idos de 2005, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos formulou o discurso adotado pelo PT face ao escândalo do mensalão. O noticiário, ensinou, constituiria uma tentativa de “golpe das elites” contra o “governo popular” de Lula.
Ano passado, o autor da tese assumiu a presidência da Casa de Rui Barbosa, cargo de confiança subordinado ao Ministério da Cultura. É nessa condição que, em entrevista ao jornal “Valor” (21/9), ele reativa sua linha de montagem de discursos “científicos” adaptados às conveniências do lulismo. Dessa vez, para crismar o julgamento do mensalão como “julgamento de exceção” conduzido por uma corte “pré-democrática”.
A entrevista diz alguma coisa sobre o jornalismo do “Valor”. As perguntas não são indagações, no sentido preciso do termo, mas introduções propícias à exposição da tese do entrevistado — como se (oh, não, impossível!) jornalista e intelectual engajado preparassem o texto a quatro mãos.
Mas a peça diz uma coisa mais importante sobre o tema do compromisso entre os intelectuais e o poder: o discurso científico sucumbe no pântano da fraude quando é rebaixado ao estatuto de ferramenta política de ocasião.
Os ministros do STF narraram uma história de apropriação criminosa de recursos públicos e de fabricação de empréstimos fraudulentos pela direção do PT, que se utilizou para tanto das prerrogativas de quem detém o poder de Estado.
Wanderley Guilherme, contudo, transita em universo paralelo, circundando o tema da origem do dinheiro e repetindo a versão desmoralizada da defesa. “O que os ministros expuseram até agora é a intimidade do caixa 2 de campanhas eleitorais (...). Isso eles se recusam a discutir, como se o que eles estão julgando não fosse algo comum (...), como se fosse algum projeto maligno.”
Wanderley Guilherme não parece incomodado com a condenação dos operadores financeiros do esquema, mas interpreta os veredictos dos ministros contra os operadores políticos (ou seja: os dirigentes do PT) como frutos de um “desprezo aristocrático” à “política profissional”.
O dinheiro desviado serviu para construir uma coalizão governista destituída de um mínimo de consenso político, explicou a maioria do STF. O cientista político, porém, atribui o diagnóstico a uma natureza “pré-democrática” de juízes incapazes de compreender tanto os defeitos da legislação eleitoral brasileira quanto o funcionamento dos “sistemas de representação proporcional”, que “são governados por coalizões das mais variadas”.
O núcleo do argumento serviria para a defesa de todo e qualquer “mensalão”. Os acusados tucanos do “mensalão mineiro” e os acusados do DEM do “mensalão de Brasília” estão tão amparados quanto os petistas por uma concepção da “política profissional” que invoca a democracia para justificar a fraude do sistema de representação popular e qualifica como aristocráticos os esforços para separar a esfera pública da esfera privada.
A teoria política da corrupção formulada pelo intelectual deve ser lida como um manifesto em defesa de privilégios de impunidade judicial do conjunto da elite política brasileira.
Mas, obviamente, o argumento perde a força persuasiva se for lido como aquilo que, de fato, é. Para ocultar seu sentido, conferindo à obra uma coloração “progressista”, Wanderley Guilherme acrescenta-lhe uma camada de tinta fresca.
A insurreição “aristocrática” do STF contra a “política democrática” derivaria da rejeição a uma novidade histórica: a irrupção da “política popular de mobilização”, representada pelo PT. A corte suprema estaria “reagindo à democracia em ação” por meio de um “julgamento de exceção”, um evento singular que “jamais vai acontecer de novo”.
É nesse ponto do raciocínio que a teoria política da corrupção se transforma na corrupção da teoria política. Uma regra inviolável do discurso científico, explicou Karl Popper, é a exigência de consistência interna. Um discurso só tem estatuto científico se está aberto a argumentos racionais contrários.
Quando apela à profecia de que os tribunais não julgarão outros casos com base na jurisprudência estabelecida nos veredictos do mensalão, Wanderley Guilherme embrenha-se pela vereda da fraude científica. A sua hipótese sobre o futuro — que, logicamente, não pode ser confirmada ou falseada — impede a aplicação do teste de Popper.
Há duas leituras contrastantes, ambas coerentes, sobre o “mensalão do PT”. A primeira acusa o partido de agir “como os outros”, entregando-se às práticas convencionais da tradição patrimonial brasileira e levando-as a consequências extremas. O diagnóstico, uma “crítica pela esquerda”, interpreta o extenso arco de alianças organizado pelo lulismo como fonte de corrupção e atestado da falência da natureza transformadora do PT.
A segunda acusa o partido de operar, sob o impulso de um projeto de poder autoritário, com a finalidade de quebrar os contrapesos parlamentares ao Executivo e perpetuar-se no governo. A “crítica pela direita” distingue o “mensalão do PT” de outros casos de corrupção política, enfatizando o caráter centralizado e as metas de longo prazo do conjunto da operação.
A leitura corrompida de Wanderley Guilherme forma uma curiosa alternativa às duas interpretações. Seu núcleo é uma celebração da corrupção inerente à política patrimonial tradicional, que seria a “política profissional” nos “sistemas de representação proporcional”.
Seu verniz aparente, por outro lado, é um elogio exclusivo da corrupção petista, que expressaria a “irrupção da política de mobilização popular” e a “democracia em ação”. Na fronteira onde o pensamento acadêmico se conecta com a empulhação militante, o paradoxo pode até ser batizado como dialética. Contudo, mais apropriado é reconhecê-lo como um reflexo especular da fotografia na qual Paulo Maluf e Lula da Silva reelaboram os significados dos termos “direita” e “esquerda”.

Demétrio Magnoli é sociólogo

Demétrio Magnoli, O Globo
Nos idos de 2005, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos formulou o discurso adotado pelo PT face ao escândalo do mensalão. O noticiário, ensinou, constituiria uma tentativa de “golpe das elites” contra o “governo popular” de Lula.
Ano passado, o autor da tese assumiu a presidência da Casa de Rui Barbosa, cargo de confiança subordinado ao Ministério da Cultura. É nessa condição que, em entrevista ao jornal “Valor” (21/9), ele reativa sua linha de montagem de discursos “científicos” adaptados às conveniências do lulismo. Dessa vez, para crismar o julgamento do mensalão como “julgamento de exceção” conduzido por uma corte “pré-democrática”.
A entrevista diz alguma coisa sobre o jornalismo do “Valor”. As perguntas não são indagações, no sentido preciso do termo, mas introduções propícias à exposição da tese do entrevistado — como se (oh, não, impossível!) jornalista e intelectual engajado preparassem o texto a quatro mãos.
Mas a peça diz uma coisa mais importante sobre o tema do compromisso entre os intelectuais e o poder: o discurso científico sucumbe no pântano da fraude quando é rebaixado ao estatuto de ferramenta política de ocasião.
Os ministros do STF narraram uma história de apropriação criminosa de recursos públicos e de fabricação de empréstimos fraudulentos pela direção do PT, que se utilizou para tanto das prerrogativas de quem detém o poder de Estado.
Wanderley Guilherme, contudo, transita em universo paralelo, circundando o tema da origem do dinheiro e repetindo a versão desmoralizada da defesa. “O que os ministros expuseram até agora é a intimidade do caixa 2 de campanhas eleitorais (...). Isso eles se recusam a discutir, como se o que eles estão julgando não fosse algo comum (...), como se fosse algum projeto maligno.”
Wanderley Guilherme não parece incomodado com a condenação dos operadores financeiros do esquema, mas interpreta os veredictos dos ministros contra os operadores políticos (ou seja: os dirigentes do PT) como frutos de um “desprezo aristocrático” à “política profissional”.
O dinheiro desviado serviu para construir uma coalizão governista destituída de um mínimo de consenso político, explicou a maioria do STF. O cientista político, porém, atribui o diagnóstico a uma natureza “pré-democrática” de juízes incapazes de compreender tanto os defeitos da legislação eleitoral brasileira quanto o funcionamento dos “sistemas de representação proporcional”, que “são governados por coalizões das mais variadas”.
O núcleo do argumento serviria para a defesa de todo e qualquer “mensalão”. Os acusados tucanos do “mensalão mineiro” e os acusados do DEM do “mensalão de Brasília” estão tão amparados quanto os petistas por uma concepção da “política profissional” que invoca a democracia para justificar a fraude do sistema de representação popular e qualifica como aristocráticos os esforços para separar a esfera pública da esfera privada.
A teoria política da corrupção formulada pelo intelectual deve ser lida como um manifesto em defesa de privilégios de impunidade judicial do conjunto da elite política brasileira.
Mas, obviamente, o argumento perde a força persuasiva se for lido como aquilo que, de fato, é. Para ocultar seu sentido, conferindo à obra uma coloração “progressista”, Wanderley Guilherme acrescenta-lhe uma camada de tinta fresca.
A insurreição “aristocrática” do STF contra a “política democrática” derivaria da rejeição a uma novidade histórica: a irrupção da “política popular de mobilização”, representada pelo PT. A corte suprema estaria “reagindo à democracia em ação” por meio de um “julgamento de exceção”, um evento singular que “jamais vai acontecer de novo”.
É nesse ponto do raciocínio que a teoria política da corrupção se transforma na corrupção da teoria política. Uma regra inviolável do discurso científico, explicou Karl Popper, é a exigência de consistência interna. Um discurso só tem estatuto científico se está aberto a argumentos racionais contrários.
Quando apela à profecia de que os tribunais não julgarão outros casos com base na jurisprudência estabelecida nos veredictos do mensalão, Wanderley Guilherme embrenha-se pela vereda da fraude científica. A sua hipótese sobre o futuro — que, logicamente, não pode ser confirmada ou falseada — impede a aplicação do teste de Popper.
Há duas leituras contrastantes, ambas coerentes, sobre o “mensalão do PT”. A primeira acusa o partido de agir “como os outros”, entregando-se às práticas convencionais da tradição patrimonial brasileira e levando-as a consequências extremas. O diagnóstico, uma “crítica pela esquerda”, interpreta o extenso arco de alianças organizado pelo lulismo como fonte de corrupção e atestado da falência da natureza transformadora do PT.
A segunda acusa o partido de operar, sob o impulso de um projeto de poder autoritário, com a finalidade de quebrar os contrapesos parlamentares ao Executivo e perpetuar-se no governo. A “crítica pela direita” distingue o “mensalão do PT” de outros casos de corrupção política, enfatizando o caráter centralizado e as metas de longo prazo do conjunto da operação.
A leitura corrompida de Wanderley Guilherme forma uma curiosa alternativa às duas interpretações. Seu núcleo é uma celebração da corrupção inerente à política patrimonial tradicional, que seria a “política profissional” nos “sistemas de representação proporcional”.
Seu verniz aparente, por outro lado, é um elogio exclusivo da corrupção petista, que expressaria a “irrupção da política de mobilização popular” e a “democracia em ação”. Na fronteira onde o pensamento acadêmico se conecta com a empulhação militante, o paradoxo pode até ser batizado como dialética. Contudo, mais apropriado é reconhecê-lo como um reflexo especular da fotografia na qual Paulo Maluf e Lula da Silva reelaboram os significados dos termos “direita” e “esquerda”.

Demétrio Magnoli é sociólogo

Barbosa: Marco Aurélio só é ministro por ser parente de Collor


POLÍTICA


Relator do processo do mensalão responde a integrante do STF que o havia criticado
Carolina Brígido, O Globo
O ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal (STF), respondeu nesta quinta-feira à crítica do ministro Marco Aurélio Mello de que ele não teria condições de ser presidente da Corte devido aos constantes bate-bocas protagonizado com os colegas. Barbosa insinuou que Marco Aurélio não tinha estudado o suficiente para chegar ao cargo, mas se valido do parentesco com o ex-presidente Fernando Collor, que o nomeou.
- Ao contrário de quem me ofende momentaneamente, devo toda a minha ascensão profissional a estudos aprofundados, à submissão múltipla a inúmeros e diversificados métodos de avaliação acadêmica e profissional. Jamais me vali ou tirei proveito de relações de natureza familiar - afirmou.

Foto: O Globo

Barbosa também disse que Marco Aurélio costuma ser um problema para todos os presidentes do STF. E ressaltou que obedece às regras de convivência aprendidas não apenas nos livros, mas na vida.
- Um dos principais obstáculos a ser enfrentado por qualquer pessoa que ocupe a Presidência do Supremo Tribunal Federal tem por nome Marco Aurélio Mello. Para comprová-lo, basta que se consultem alguns dos ocupantes do cargo nos últimos 10 ou 12 anos. O apego ferrenho que tenho às regras de convivência democrática e de justiça me vem não apenas da cultura livresca, mas da experiência concreta da vida cotidiana, da observância empírica da enorme riqueza que o progresso e a modernidade trouxeram à sociedade em que vivemos, especialmente nos espaços verdadeiramente democráticos - disse.
O ministro ainda ressaltou que, quando ocupar a presidência do STF, a partir de novembro, não tomará decisões ilegais e “chocantes para a sociedade”, e tampouco fará intervenções inapropriadas, apenas para se exibir, afirmando que as atitudes eram típicas de seu desafeto.
- Caso venha a ter a honra de ser eleito presidente da mais alta Corte de Justiça do nosso país nos próximos meses, como está previsto nas normas regimentais, estou certo de que de mim não se terá a expectativa de decisões rocambolescas e chocantes para a coletividade, de devassas indevidas em setores administrativos, de tomadas de posição de claro e deliberado confronto para com os poderes constituídos, de intervenções manifestamente ‘gauche’, de puro exibicionismo, que parecem ser o forte do meu agressor do momento - declarou.

Assoberbamento do Judiciário e sua inércia



Roberto Monteiro Pinho
Nenhum litígio pode durar eternamente, não existe desculpa para que isso ocorra, a não ser o dever de Estado mutilado pelos seus operadores, e sendo exatamente isso que ocorre, e estamos diante de uma situação de flagrante violação a prestação jurisdicional. Princípios que profana a Carta Magna, (“Artigo 5º , LXXVIII, da Constituição Federal: (…) a todos , no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação”).
Podemos acrescentar que a pacificação social corre paralelamente à duração razoável do processo, tendo como objetivo a plenitude do cumprimento da jurisdição, sem morosidade, formalismo e minúcias exageradas, que muitas vezes geram nulidades na Justiça, o qual é a função predominante da Justiça em favor do cidadão. Isso me preocupa muito, as queixas dos advogados são latentes neste sentido, e a sociedade já está no limite da tolerância, a ponto de manifestar seu descontentamento.
Uma pesquisa do ACJBrasil quando foram ouvidas 1570 pessoas em sete estados, entre outubro e dezembro de 2011, e segundo avaliação, a resposta foi de que (…) “a Justiça é lenta ou muito lenta”.  Quanto à capacidade de solução de conflitos, 53% afirmam que o Poder Judiciário “não tem competência ou é pouco competente”.
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AGILIDADE
Quando se fala em agilidade processual não podemos dizer que estamos dentro dos padrões normais, isso em tese por causa do excesso de ações que tramitam. Nossa Justiça trabalhista é a maior do planeta, superando inclusive países de grandes populações, como China que adota o juízo de conselho, de composição plural, e a Índia, onde as relações do trabalho se aplicam em rito supersumário, em corte disponibilizada e aberta civilmente com principio da oralidade garantida aos seus trabalhadores.
O resultado desta anomalia sócio-jurídica pode ser ceifado nos seus excessos, se o juízo estatal pudesse ser penalizado administrativamente com maior rigor nos casos em que, suas decisões comprometessem a estabilidade do negócio da ré, o que seria a inversão de mão, do trabalho contratado, para o contratante do trabalho. Essas pontuações negativas deveriam constar do currículo do juiz, valendo para avaliação de promoção para os tribunais, desconto em folha ao até o seu afastamento por um período por falta.
É inaceitável que o país, no vácuo da modernidade, não adote a igualdade cidadã dos seus magistrados, permitindo a pratica de inúmeros deslizes administrativos, entre os quais a entrega de decisões processuais a serventuários desclassificados para dessa forma formalizar decisões jurídicas, em flagrante risco a segurança do direito.
Diante de tantas irregularidades foi preciso a constituição de um organismo superior, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para gerir a instauração de procedimentos, no habitat do jurisdicionado brasileiro.

MENSALÃO O Watergate brasileiro



(*) Raymond Moss

Como um estudioso das políticas dos Estados Unidos e do Brasil, assim como na minha condição de agente literário aqui e lá, venho acompanhando o noticiário brasileiro impressionado com os paralelos entre os escândalos de Watergate e Mensalão. É irônico que Watergate tenha estourado exatamente 40 anos atrás, em setembro de 1972. 
Como o Mensalão, Watergate envolvia o uso de um caixa 2 de campanha _ fundos levantados com doares particulares para a reeleição de Richard Nixon. Mas parte do dinheiro foi usada em um esquema de espionagem dos adversários democratas, orquestrado a partir dos escalões mais altos do governo e pelo próprio presidente Nixon. Uma vez descoberto o esquema, mais dinheiro de caixa 2 foi usado para acobertar os responsáveis _ basicamente tentando calar a boca dos assaltantes da sede do comitê democrata. 
Ao final, a medida que cabeças começaram a rolar e que a trilha do dinheiro foi descoberta, os acusados viram que seriam implicados e condenados e passaram então a denunciar os chefões da conspiração. Um deles disse à promotoria que havia sido pago para mentir e apontou o dedo contra o conselheiro presidencial John Dean e o ex-procurador geral da República, John Mitchell, naquele momento atuando como chefe da campanha de Nixon. A partir daí, outros passaram a colaborar com a acusação, e o próprio Dean acabou no papel de testemunha-chave contra o presidente. 
Richard Nixon renunciou à presidência em agosto de 1974 diante da grande possibilidade de um impeachment por parte do Congresso, além de um processo criminal. No total, 69 altos funcionários do governo foram acusados criminalmente, e 48 considerados culpados. 
Não é muito difícil imaginar o julgamento do Mensalão tendo um desenvolvimento semelhante. Talvez isso já esteja até acontecendo, com a grande diferença, é claro, de o Mensalão se referir a um governo já encerrado, enquanto Watergate envolvia diretamente o governo em vigor. 
Para terminar, uma última comparação que vale mencionar é o perdão de Gerald Ford a Nixon pelos crimes de Watergate, assim que o vice assumiu presidência. Melhor do que eu, os leitores deste blog conhecem a Constituição brasileira e sabem que na seção 2 artigo 84 o presidente do Brasil tem o poder de perdoar crimes e reduzir sentenças condenatórias. 

(*)  Raymond Moss é advogado nos Estados Unidos e agente literário
Tradução: Luciana Villas - Boas

CRÔNICA Cartas de Paris: A relação dos franceses com os carros



Quando decidi morar na França uma questão me perturbou bastante: o carro, ou melhor, a falta dele. Engarrafamentos, dificuldade para estacionar, preços de taxas e seguros... A decisão de viver sem carro se impunha ao mesmo tempo que a resolução de viver em Paris. Meio a contragosto, aceitei, afinal, não se pode ter tudo.
Atualmente, seis anos após abrir mão do carro, com algumas recaídas e passagens pela Hertz, posso dizer que deste mal estou curada. Vivo perfeitamente bem sem e pensaria duas vezes antes de entrar em uma concessionária.
A relação dos parisienses com o carro é bem diferente da dos comuns mortais, o que ajuda muito no processo de desintoxicação. Enquanto em outros lugares não ter carro é pior do que sofrer de uma doença contagiosa, em Paris, tirar carteira de habilitação antes dos 25 anos de idade é uma vergonha, coisa de caipira (“plouc”).
Existe uma espécie de preconceito invertido contra o carro, quase uma reivindicação. Os parisienses, querem deixar bem claro que não precisam de carro porque moram perto de tudo, a diferença dos pobres provincianos que têm que se deslocar para se aproximar do centro do mundo.
Parisiense que é parisiense conhece de cor e salteado as linhas de ônibus - metrô é para os recém-chegados! – e tem um “abonnement” (inscrição) da “Vélib”, as bicicletas de livre serviço.
É verdade que o transporte público funciona muito bem dentro de Paris. Mas fora das grandes cidades francesas, as pessoas também precisam de carro para se locomover. Por isso não é possível generalizar o modo de vida de Paris para toda França e dizer que os franceses não têm carro como pensam muitos.
A grande diferença é que o carro por aqui é visto como meio de transporte e não como uma maneira de demonstrar poder aquisitivo. Por isso, quando os franceses não precisam, eles simplesmente abrem mão do carro ou compram veículos simples, que tiram da garagem em caso de extrema necessidade. E obviamente, levar os filhos à escola no mesmo bairro e comprar pão não entram neste caso. Além disso, normalmente as famílias têm somente um automóvel.


Vendo como os franceses se relacionam com o carro, cheguei à conclusão que a opção pelo meio de transporte é muito mais cultural que social e econômica. Quando ando pelas ruas, tanto da França quanto do Brasil, e descubro os prazeres de uma vida sem carro, agradeço aos franceses por terem me ajudado a abandonar este vício.

Ana Carolina Peliz é jornalista, mora em Paris há cinco anos onde faz um doutorado em Ciências da Informação e da Comunicação na Universidade Sorbonne Paris IV. Ela estará aqui conosco todas as quintas-feiras.

CHARGE - POLÍTICO HONESTO


Livre pensar é só pensar (Millôr Fernandes)



Ciência e linguagem, por Luis Fernando Veríssimo


GERAL


Sir Francis Bacon deu um conselho curioso aos que estudavam a Natureza: deveriam desconfiar de tudo que suas mentes aceitassem sem hesitação. Talvez fosse uma maneira de prevenir contra a ilusão de que qualquer descoberta humana fosse completa, ou tivesse completamente desvendado o que Deus encobrira.
No momento (século 17) em que crescia a ideia herética de que existia um metafórico Livro da Natureza tão cheio de mensagens de Deus para os homens quanto o Livro dos Livros, Bacon aconselhava a Ciência a não desprezar o que diziam os mitos e as Escrituras. A glória de Deus se manifestava de várias formas. Algumas eram apenas mais poéticas do que as outras.
A primeira “mensagem” assim identificada do Livro secular da Natureza foi o magnetismo, que só começou a ser estudado a fundo pelo inglês William Gilbert, contemporâneo de Bacon na corte da rainha Elizabeth I, de quem era médico.
O magnetismo era a prototípica evidência de uma força invisível na Natureza, a primeira alternativa à pura vontade de Deus como algo por trás de tudo. Albert Einstein contava que o presente de uma bússola, quando era menino, lhe dera a primeira sensação desta força misteriosa, e o primeiro ímpeto de desvendá-la.
Mais do que ninguém, Einstein podia reivindicar uma glória de descobrir igual à glória de Deus em ocultar, embora nunca abandonasse sua devoção quase religiosa a um determinismo harmônico do Universo, atribuindo-o a Deus ou a que outro nome se quisesse dar ao indesvendável.
Mas Einstein não seguiu o conselho de Francis Bacon, de desconfiar do que o satisfazia. Satisfez-se tanto com suas certezas que passou os últimos anos da vida buscando uma teoria unificada da gravidade e do eletromagnetismo que refutasse a teoria quântica que as ameaçava, e tornava a matéria e seu comportamento inexplicáveis em qualquer linguagem, científica ou poética.
Quando recém se começava a falar em partículas subatômicas e seu estranho procedimento, o físico dinamarquês Niels Bohr disse que elas só poderiam ser descritas usando-se a linguagem como na poesia. Um sombrio reconhecimento de que a linguagem racional não teria como acompanhar a especulação científica e estava condenada à analogia e à aproximação inexata.
Assim os físicos falam em teorias das cordas, em um universo em forma de donut, ou de bola de futebol, e isso é apenas o som da mente humana se chocando contra os limites da linguagem, como moscas (para usar outra analogia) na vidraça.
Einstein morreu sem se resignar à ideia de que a verdadeira e inexpugnável glória de Deus começa onde termina a linguagem humana.

UM BELO CLUBE


Ralph J. Hofmann
Está em andamento uma das reuniões mais caras do mundo. Quem abre a festa amanhã é Dilma Rousseff que fará o primeiro discurso. A seguir comparecerá Barack  Obama dos Estados Unidos.
Estes dois países tem pago suas anualidades ao clube. Mas que outros líderes discursarão na abertura da 67ª. Sessão das Nações Unidas durante o Debate Geral?
Alguns dos países cujos primeiros mandatários estarão no pódio são Malawi, Rwanda, Sierra Leone, e o Haití.
Esses não poderiam discursar se este fosse um clube de futebol de várzea da vila mais inacessível do Brasil. Estariam inadimplentes com o tesoureiro.
São alguns do 49 países de menor desenvolvimento (LDC, Least Developed Countries). Suas contribuições societárias à ONU recebem enormes descontos.
Cada país paga uma percentagem do orçamento da organização. O mínimo pago por esses 49 países é de 0.001%. Dá $ 25.852 por LDC.
Os Estados Unidos pagam 22% do orçamento regular. Em 2012 isso corresponde a $ 567 milhões. Justo?  Justo. Não vamos discutir isto.  Não sei quanto o Brasil paga,  mas não deve ser uma merreca.
Já os LCDs recebem um crédito para comparecer à Assembléia Geral. Ou seja, no orçamento bianual normal há $ 2,2 milhões de ajuda de custo para despesas de viagem para comparecerem. Uns $ 23 mil por cada um dos LDCs.  Conta fácil de fazer, cada um desses países acaba contribuindo entre $ 500 e $ 1.000 ao ano à ONU. Há outros países que recebem ajuda de custo para viagens, mas normalmente isto parte de uma contribuição mais alta.
Essencialmente a anualidade baixa e a ajuda de custo visam possibilitar aos países mais pobres fazerem ouvir suas vozes na Assembléia Geral sem comprometer seus programas domésticos de governo.
Mas como nós aqui no Brasil presenciamos, ano após ano, viagem de governante é festa para os sicofantas do líder.
Alguns exemplos: A Presidente Joyce Banda de Malawi. Segundo o Nyasa Times vem com uma enorme delegação incluindo lideres tribais, clérigos, parlamentares, parentes e demais líderes do Partido do Povo. Custo estimado de mais de $ 1 milhão.
Em 2011 o  Presidente Ernest Bai Korom de Sierra Leone ocupou 12 apartamentos do hotel Hyatt 48Lex,. Nesta época do ano os apartamentos custam entre $1,596 e $5,596  (pelo biplex da cobertura) por noite.
Segundo o New York Post o presidente de Ruanda , Paul Kagane ficou na suíte presidencial do Mandarin Oriental. Custa $ 16 mil por noite.
Outros não vão às reuniões oficiais, mas  comparecem a muitas recepções e vão fazer compras no comércio, especialmente nos shoppings de descontos freqüentados pelas sacoleiras da América do Sul. .
Nem vamos discutir o problema do tamanho das delegações se seu impacto sobre economias nanicas. O abuso é evidente. Mas consideremos. Cada  país tem uma delegação permanente às Nações Unidas, com um Embaixador.  Será que este embaixador não poderia representar o chefe de estado? Ao menos ano sim  e ano não?
Não poderiam estar presentes por vídeo-conferência?
Se podem gastar centenas de milhares de hospedagem por que precisam $ 23 mil de ajuda de custo para vir à conferência. E já que estão dispostos a gastar até $ 1 milhão pela comitiva, será que não poderiam contribuir com mais de $ 25 mil de anuidade.
E podem imaginar a bagunça que é um orçamento votado por uma maioria de países que não contribui nem para o orçamento regular nem para chamadas adicionais de ajuda quando surge um déficit.
(1) Fotomontagem: Joyce Banda, Ernest Bai Koron e Paul Kagane
(2) Texto de apoio de Brett Schaeffer da Heritage Foundation

O FANATISMO IDEOLÓGICO DE NOSSO TEMPO



Laurence Bittencourt (1)
No Brasil não há fidelidade partidária. Não há confiabilidade em um anúncio ou adesão com fidelidade politica. Ou seja, em se tratando de politica é lamentável a nossa conduta ética, ou melhor, a falta de ética. E por não haver fidelidade partidária, é possível lermos por esses dias, atores que serão importantes quando chegar o momento da campanha presidencial, anunciando apoio a “A” ou a “B”, mas que sabemos poderão mudar o rumo desse apoio segundo seus interesses pessoais. Política no Brasil não é algo sério.
Alguns analistas podem dizer: “mas mudar de partido faz parte do jogo democrático”. Nem tanto, amigo, nem tanto. Aliás, em nosso país o termo democracia se presta aos mais distintos interesses. Na verdade, se tomarmos o conceito de democracia que inspirou e foi adotada no Ocidente e o temos em países desenvolvidos, na Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, encontramos algo bastante diferente do que se passa por democracia no Brasil.
Democracia pressupõe partidos definidos, e nós não temos. Democracia política pressupõe o voto não obrigatório, e o nosso é obrigatório. Democracia pressupõe fidelidade partidária, entre nós é o que menos temos. Democracia não pressupõe interesses meramente pessoais e acordo espúrios, dizendo algo agora (esta semana, por exemplo, o prefeito de São Paulo Gilberto Kassab admitiu apoio a Dilma para reeleição (foto). Mas quem de fato e de sã consciência confia? Quantas vezes já vimos esse tipo de discurso e quando da eleição o sujeito simplesmente altera o rumo, e o pior, encontra argumentos para tanto) para depois mudar o rumo.
A nossa falta de democracia autêntica tem relação direta com a nossa falta de ética na politica. Os nossos costumes políticos estão construídos na ausência de uma ética política.
Por isso as mudanças de partidos tão comuns entre nós. A questão central é: como esperar reforma política de atores (no mais preciso do termo) que se beneficiam dessa não reforma? Não há interesse em fazer reforma política entre os políticos. De onde então poderia partir esse interesse?
É consenso entre as pessoas com quem eu converso dizer que a campanha este ano para prefeito e vereador está um “gelo”, isto é, o eleitor não tem demonstrado o menor interesse. E por quê? Porque ninguém (estou generalizando, claro, mas penso que represente a opinião da grande maioria) acredita na classe política. Há uma falência generalizada na e da política em nosso país. O político “ficha suja” é comum. E o PT, a última esperança ética se mostrou pior do que aqueles que eles tanto condenavam. E pior: cinicamente querem passar a imagem de que não é assim. Como se fossemos todos nós, os eleitores, os contribuintes uns idiotas. Talvez sejamos mesmos.
Depois da revolução de 1917 na antiga Rússia, quando a coisa começou a desandar sob o stalinismo, muitos intelectuais ocidentais não quiseram acreditar na perseguição, no assassinato em massa provocado por Stalin e seus asseclas. Foi preciso que Kruchev ao assumir o poder em 1956 trouxesse à tona o horror stalinista. Claro, desfazer idealizações é difícil. Se livrar de ideais não é fácil. Mas é preciso. Crescer dá trabalho. Mas é necessário.
O comunismo do ponto de vista moral e econômico foi um desastre, da mesma forma que o jacobinismo na França ao instalar o Terror após a revolução francesa de 1789. Foi Hannah Arendt de posse de uma coragem incrível, quem disse que a Constituição americana conseguiu afinal oferecer uma melhor contribuição ao mundo do que a revolução francesa. Da mesma forma foi essa mulher quem alertou o mundo de que a ética kantiana de respeito cego à lei, imperativo, foi usada pelos nazistas como forma de desculpa por seus atos sob Hitler. Mentes lúcidas e inteligentes estão sendo engolfadas a cada dia pelo fanatismo ideológico do nosso tempo.
(1) Jornalista. laurenceleite@bol.com.br