segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Oficial de Justiça - Ótima Crônica


Posted: 18 Dec 2016 02:34 AM PST

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Antonio Tabet

Fazia mais de três horas que Fernando, o oficial de Justiça, esperava para entregar uma notificação em frente a uma luxuosa mansão em Brasília. Num dia como outro qualquer, o servidor já teria desistido, mas o envelope que repousava no banco do carona ao lado ostentava o nome do Superior Tribunal Federal. E mais: dentro dele havia a interpelação mais importante que entregaria em todos os anos de vida profissional. Aquela que afastaria da presidência do Senado o político mais poderoso da República, Ralf Carvalho. Uma guinada no jogo de xadrez de Brasília, que mudaria para sempre o curso da História, as manchetes de todos os jornais e, claro, a autoestima de Fernando, que é um ser humano como todos nós.

Tanto que, depois de tanto tempo esperando no calor seco da capital federal, quando até a bateria do celular do servidor já pedia arrego, Fernando cogitou desistir. Era sexta-feira e ele só queria um chope. O rapaz só não foi embora porque foi graciosamente surpreendido pelo inconfundível carrão do senador entrando pelo portão aos 45 do segundo tempo. “É agora!”, pensou.

Fernando ajeitou a gravata — normalmente ele não usava, mas a ocasião pedia — saiu do carro, caminhou até a enorme porta da mansão e tocou a campainha. Nada. Tocou de novo. Pensou ter ouvido um barulho. Nada. Insistiu. Depois de intermináveis 6 minutos para quem já tinha esperado horas, a porta abriu. Era Guiomar, com idade para ser tia dele, vestindo um uniforme daqueles clássicos de doméstica de novela.

— Pois não?

— Bom dia, senhora. Eu sou oficial de Justiça e vim entregar uma notificação para o senador Ralf Carvalho.

— Ih, moço... O senador Ralf não está. É... É só com ele? — gaguejou Guiomar, como quem mente mal.

— A senhora pode checar de novo? É que eu estou parado aqui na frente já faz três horas e eu vi que ele acabou de entrar.

— Ih é, é?

— É. Inclusive o carro dele tá parado na garagem.

— Engraçado que eu não vi ele chegar...

— A senhora tá segurando o paletó dele na mão.

— Nossa Senhora! Esse aqui? — Guiomar entrou em pânico.

— Não... Isso aqui é... É... Do filho dele!

— O filho dele tem só 9 anos.

— Filha! Eu disse filha.

— A senhora disse “filho.”

— O senhor ouviu errado. Filha.

— É que o senador nem tem filha... Olha só, me ajuda, vai, dona. Eu só quero entregar esse envelope pra ele e ir beber meu chopinho em paz.

De repente, a porta da mansão abriu-se mais e, para surpresa de Fernando, uma voz esganiçada o interrompeu.

— Que que tá acontecendo aí, Guiomar?!?

Fernando estava boquiaberto. Era o senador Ralf, vestido de mulher, com uma peruca loura mal ajambrada, óculos escuros, alguma maquiagem e simulando o que julgava — equivocadamente — ser uma voz feminina.

— Ah! Meu paletó que eu tava procurando. Obrigado... Obrigada! — disse o senador para Guiomar.

— Senador? — perguntou o ainda incrédulo Fernando.

— Não. Sou a Pâmela. Filha dele.

— Mas o senador não tem filha.

— Tenho sim, né, Guiomar? A Pâmela! Eu.

— Tem sim senhor. A... Pâmela... — Guiomar não tirava os olhos do chão.

Os três ficaram em silêncio alguns segundos, e Fernando disse:

— Entendi. Bom... Desculpa o incômodo, dona “Pâmela”... Eu... Eu vou embora então e... se por um acaso o seu pai chegar... será que a senhorita pode me fazer a gentileza de...

De repente, como um gato, Fernando deu um bote e puxou a peruca do senador. Guiomar chegou a dar um gritinho, e o senador ainda tentou se esquivar, mas era tarde demais.

— Ahá!!! Pronto. Acabou a palhaçada, senador. Pode pegar a notificação aqui.

Fernando esticou a mão e pressionou o envelope contra aqueles seios (mal) improvisados. Uma bolinha de tênis chegou até a escapulir de dentro do top rosa.

— Pra quê? — respondeu um surpreendentemente tranquilo senador.

— Pra afastar o senhor do cargo.

— Querido... Você já tá trabalhando à toa.

— Como assim?

— Deixa eu te explicar: você tá me entregando essa notificação para eu perder o cargo, certo?

— Certo.

— E eu perderia meu cargo porque eu teria... Veja bem... Teriiiiiiiia desviado dinheiro público, certo?

— Certo.

— E eu teria desviado esse dinheiro público para, entre outras coisas, construir esta mansão incrível aqui, certo?

— Certo?

— Então... Aí eu perco o cargo, vou preso semana que vem e, no primeiro feriado, consigo um juiz qualquer de plantão pra transferir pra onde?

— Prisão domiciliar?

— Exatamente. Prisão domiciliar. Pra quê? Para eu viver nesta mansão incrível que eu teriiiiiia construído com dinheiro público. Ou seja, ciclos.

— Mas pelo menos o senhor não vai poder sair de casa.

— E você acha que eu consigo sair de casa, rapaz?

— Não consegue?

— Pffff... Se eu vou jantar fora, sou xingado... Piso num estádio, sou vaiado... Se ando na rua, apanho... Já aqui... Pô... Aqui tem piscina térmica, sauna a vapor, pay-per-view e o cacete. Tem até um campo de golfe com chopeira italiana ali atrás!

— Chopeira italiana, é?

— É! Tira o chope a um grau pra chegar na mesa com três e meio. Desce na garganta com seis no máximo. Nesse calorão é uma beleza. Quer dar uma olhada?

— É que... Como oficial de Justiça eu não sei se posso...

— Oficial de Justiça? Que oficial de Justiça? Não tô vendo nenhum oficial de Justiça aqui. Você tá vendo algum oficial de Justiça aqui, Guiomar?

— Não senhor! — prontamente respondeu Guiomar.

— Viu só? Ninguém tá vendo um oficial de Justiça aqui. Nós só estamos vendo o... Qual o seu nome?

— Fernando.

— A gente só tá vendo o Fernando, esse cara bacana que vai beber um chope gelado agora na pressão. Aliás, Guiomar, faz um petisquinho para a gente?

— Sim, senhor!

Guiomar saiu animada para a cozinha. Rendido, Fernando afrouxou a gravata enquanto via a senhora indo apressada preparar os petiscos e, como quem já tem intimidade para amenidades, comentou.

— Prestativa a sua empregada, hein, senador?

— Muito. Mas ela não é minha empregada, não. É ministra do STF.


Antônio Tabet é colunista de O Globo, onde o conto foi originalmente publicado em 17 de dezembro de 2016.

Pizza, bagagem no avião, cartão de crédito: o que o Estado tem a ver com isso?

intervencao-estatal
O Procon de Fortaleza considerou “abusiva” a prática de certas pizzarias que, ao venderem uma pizza de dois sabores, cobravam o preço da mais cara, em vez de calcular um preço médio.
O STJ proíbe preço maior para pagamento de compras efetuadas com cartão em relação às realizadas com dinheiro, ou o mesmo procedimento relacionando cartão de crédito com débito.
Sabem qual o resultado prático de intervenções estatais deste gênero na atividade econômica? A resposta é única: aumentar o preço geral destes produtos para todos os clientes. Simples assim.
A intenção dos proprietários de pizzarias da capital cearense – e de boa parte do Brasil –, todavia, era dupla: a primeira consistia em sobretaxar os clientes que pediam mais de um sabor na mesma pizza, de modo a desestimulá-los da ideia, visto que o tempo de preparação da pizza de dois sabores (e, portanto, seu custo) é maior; o segundo intuito seria, claro, para aqueles que faziam questão de manter o pedido com duplo sabor, compensar os custos dessa maior demora no preparo. Ora, como estes empresários, doravante, não poderão promover esta cobrança desigual na medida da desigualdade do custo dos pedidos, a solução será aumentar os preços para todos os consumidores, inclusive para quem pedir a pizza com apenas um sabor. Não há almoço nem pizza grátis, e ninguém vai trabalhar no prejuízo, por incrível que pareça.
Mas o que mais espanta é que não se tratava de uma fraude cometida pelos empreendedores: os compradores estavam absolutamente cientes da política de cobrança dos estabelecimentos, e aceitavam a transação voluntariamente. Se os pizza lovers de Fortaleza estivesse tão insatisfeitos assim com o sistema, de duas uma: ou o anseio coletivo de tantas pessoas geraria uma forte demanda por este alimento sendo vendido de forma diversa, e esta, fatalmente, já teria sido atendida por algum investidor do setor ávido por lucro; ou as pessoas iriam comer outra coisa, oba bolas!
Se as pizzarias ainda estavam abarrotadas de gente, é porque ninguém se importava realmente com o “injusto” método de cobrança. Se as pizzarias ainda estavam abarrotadas de gente, é porque ninguém se importava realmente com o “injusto” método de cobrança. Ou seja, o Estado usou dinheiro cobrado do pagador de impostos para correr até este mesmo cidadão, que estava sentado comendo sua pizza tranquilamente, e gritou “calma, nós viemos te ajudar – mas o preço da pizza de mozzarella vai subir”. Hein?
As companhias aéreas, a seu turno, resolveram nos sacanear a todos: transportavam “de graça” nossa bagagem até então, e agora poderão cobrar por cada mala despachada. Esta agência reguladora só pode estar de conluio com TAM, Gol e demais empresas do ramo. Bom, ela está mesmo, mas não pelos motivos que você possa estar imaginando.
Primeiro: um avião não está isento das leis da Física. Quanto mais pesado ele voa, mais combustível ele gasta, e mais caro sai perfazer aquele voo. Portanto, as companhias aéreas sempre cobraram para transportar cada miligrama das suas tralhas. A diferença é que, agora, em tese, elas podem te cobrar mais barato pela passagem, já que foram autorizadas pela “benevolente” ANAC a cobrar à parte pela bagagem. Ou seja, se você for para o aeroporto apenas com sua mochilinha nas costas, pode vir a pagar menos pelo seu ticket a partir de agora, pois, até então, o dispêndio com este serviço extra era socializado entre todos os passageiros, inclusive aqueles que entraram no avião apenas com a roupa do corpo.
Mas se elas promoverão, de fato, este benefício a seus clientes, tal qual diversas companhias domésticas americanas de baixo custo, como a Virgen Airlines, o fazem, é difícil saber, já que nesta atividade econômica, como em tantas outras neste nosso país, vigora um cartel promovido pelo próprio Estado – eis aí a sacanagem. Será que haverá motivação, em um mercado (que de livre não tem nada, já que empresas estrangeiras não podem operar voos domésticos) dominado basicamente por apenas quatro “concorrentes”?
A conferir, mas não deposito muitas esperanças nisso, já que a única preocupação dessas oligopolistas costuma ser apenas agradar a própria agência reguladora, cumprindo suas determinações, a fim de manterem-se na reserva de mercado por ela criada. Cliente? Que cliente?
Um pagamento com cartão de débito demora de um a quatro dias para cair na conta do comerciante. Com cartão de crédito, até trinta dias. Com dinheiro vivo, ele vê a cor da bufunfa na mesma hora. Como até as plantas do meu jardim sabem que receber cem reais na minha mão hoje é melhor do que receber cem reais no mês que vem, este comerciante resolve cobrar mais barato de quem pagar com dinheiro em espécie ou no débito em conta, e… é multado pelo Estado brasileiro, claro! Onde já se viu usar a lógica nestipaíz?  
Siga as regras e ande na linha, meu amigo: divida o custo de esperar para receber o dinheiro do banco entre todos os clientes, mesmo aqueles que sacaram dinheiro antes de ir até seu estabelecimento. Isto aqui é Brasil, pô! Respeite o lobby dos banqueiros e das operadoras de cartão junto aos agentes estatais, ora essa…