sexta-feira, 21 de junho de 2013

O truque envelheceu

DORA KRAMER


21 de junho de 2013 | 2h 17
DORA KRAMER - O Estado de S.Paulo
A aplicação do velho lema que aconselha adesão ao inimigo que não se pode vencer é o que se evidenciou na convocação da militância petista às ruas feita - e depois negada - pelo presidente do PT, Rui Falcão.
Ousado, foi o primeiro partido a tentar marcar presença nos protestos a despeito do repúdio dos participantes a quaisquer conotações partidárias. "Não temos medo das ruas", disse Falcão.
As ruas, no entanto, não receberam bem essa tentativa do PT de posar de estilingue para se desviar das pedras atiradas nas vidraças. Não as reais, das depredações cada vez mais difíceis de serem qualificadas como atos isolados devido à constância com que têm ocorrido em praticamente todas as manifestações País afora.
As pedras que o PT quer evitar são as simbólicas, atiradas como expressão do descontentamento geral com serviços mal prestados pelo poder público e o mau comportamento de representantes do poder político.
A estratégia é clara e já estava delineada no discurso da presidente Dilma Rousseff logo após reunião de emergência para tratar dos protestos com o ex-presidente Lula, o marqueteiro João Santana, o presidente do PT e o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, recentemente levado à condição de eminência parda.
Dilma parou de chamar críticas de "terrorismo" e tratou de demonstrar seu apreço à "mensagem direta das ruas", cuja essência, segundo ela, é "o repúdio à corrupção e ao uso indevido de dinheiro público".
Lula convocou para um encontro as centrais sindicais das quais ouviu - e segundo consta anotou - queixas contundentes aos modos da pessoa que conseguiu eleger convencendo a maioria de que seria a mais preparada para governar o Brasil. Prometeu ajeitar o meio de campo, mas ao que se sabe não defendeu sua criatura.
O partido e o governo fizeram questão de deixar patente a insatisfação com o comportamento do prefeito Fernando Haddad, atribuindo a ele o desgaste por não ter percebido a real dimensão dos movimentos e atuado politicamente no sentido de obter dividendos. Como se qualquer outra autoridade tivesse notado e estivesse preparada para reagir à altura sem prejuízos políticos. Haddad virou o bode expiatório dos companheiros.
Juntem-se esses movimentos e o que se obtém é o desenho de uma manobra na qual o PT é mestre: a transformação do malefício em benefício mediante a manipulação de fatos e falas.
Fez isso diversas vezes ao longo dos últimos dez anos (para não falar da época em que foi oposição na posse da bandeira ética chamada de "udenismo" quando levantada pelos adversários), com destaque para o escândalo do mensalão que conseguiu disfarçar como "defeito do sistema" até o Supremo Tribunal Federal rasgar essa fantasia.
Tentou agora de novo. Em sua nota convocatória, Falcão faz referências à identidade do partido com os "movimentos populares" e diz que a participação do PT impede que a "mídia conservadora" e a "direita" influenciem a pauta das manifestações.
Seria engraçado não fosse mais um exemplo da desfaçatez de um partido que governa o Brasil há dez anos e agora tenta capitalizar insatisfações que ele mesmo transformou em panela de pressão ao obstruir todos os canais de expressão do contraditório mediante o uso abusivo dos instrumentos de poder.
A julgar pela reação das tão queridas ruas, a manipulação encontrou um limite e o velho truque envelheceu.
Que dúvida... O mundo político insiste em dizer que desconhece as causas dos protestos. Recorrendo ao de Nelson Rodrigues: se quem protesta não sabe exatamente no que bate, seus alvos sabem perfeitamente por que apanham.

Guerra aos paraísos fiscais

GILLES LAPOUGE
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20 de junho de 2013 | 9h 14

GILLES LAPOUGE - O Estado de S. Paulo
No encerramento do G-8 na Irlanda do Norte enfim uma boa notícia! A caça aos paraísos fiscais sobre os quais se fala há anos, tem início. E foi iniciada por grandes países, Estados Unidos à frente, seguido pela Grã-Bretanha e pela França.
Até agora, as pessoas se contentavam em carregar os fuzis, armar as balestras, animar os cães, tocar as trombetas, mas no momento do último assalto, elas estavam um pouco cansadas e retornavam à casa. Este ano, os paraísos fiscais terão muitas razões para se preocupar. As portas de todos esses pequenos Edens fraudulentos poderão se fechar. Enfim, é o esperado em Washington, Londres e Paris.
Foi Washington que iniciou o movimento, adotando há alguns anos a Fatca, lei extraterritorial que obriga o resto do mundo a adotar o intercâmbio automático de dados. Agora, Paris acompanha o passo. A França vai ampliar a lista dos paraísos fiscais. E o que se afirma é que essa nova lista não vai incluir Estados quase imaginários, tipo Ilhas Marshall ou Botswana. Ela abrangerá, se necessário, grandes países, amigos, europeus e respeitáveis.
A lista francesa que a ser divulgada em breve ainda será clássica. E compreenderá uma dezena de países, tipo ilhas Virgens, Cayman, etc. Mas, no futuro, Paris se reserva a possibilidade de adicionar a essas praças financeiras barrocas países decentes como Suíça, Áustria ou Luxemburgo. Por que esses três países estão ameaçados? Porque se recusaram, apesar das pressões, a adotar o intercâmbio automático entre os países de dados fiscais envolvendo aberturas de contas, ativos diversos mantidos no exterior por seus cidadãos, etc.
Os países transgressores, portanto, foram prevenidos. Ou aceitam o jogo da transparência ou serão incluídos nas listas negras. O fato é que 17 países já adotaram essa deontologia, entre eles Estados Unidos, França, Alemanha, Itália, Espanha, Grã-Bretanha.
Mas há um paradoxo: vários desses Estados modelos, honestos e virtuosos, que conduzem a caça aos bandidos, são uns grandes hipócritas. Na realidade, são "juiz e parte" no processo, pois abrigam em seus territórios ou em suas órbitas "paraísos fiscais de bolso". Bem, essa vergonha também possivelmente desaparecerá. O G-8 exigiu que esses grandes países comecem a limpeza em casa, fechando praças imorais, como Delaware nos Estados Unidos, as ilhas anglo-normandas ou caribenhas no caso da Grã-Bretanha, ou Mônaco e Andorra, em se tratando da França.
Essa ofensiva violenta, que vai afligir operadores e bancos, merece ser aplaudida pela opinião pública. Extrair o pus desses grandes furúnculos, desses abcessos infectos é um espetáculo repulsivo, claro, mas saudável e mesmo festivo. Além disso, é claro, esperamos que a economia globalizada se comporte melhor. A fraude fiscal envolve trilhões de dólares.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO.
*GILLES LAPOUGE É CORRESPONDENTE EM PARIS.

Bela música - Faydee - "Laugh Till You Cry" ft Lazy J (Official Music Video)

Despreparo

CELSO MING - O Estado de S.Paulo
O governo Dilma não preparou a economia para o novo tranco que vem com o desmonte da política de incentivos promovida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos).
Não houve ainda nenhuma mudança nos Estados Unidos nem no Fed. Pelo que se sabe das informações passadas pelo seu presidente, Ben Bernanke, na quarta-feira, o despejo de dólares no mercado americano, de US$ 85 bilhões por mês, só deverá começar a diminuir a partir do final deste ano. Entenda-se: não é nem o fim das emissões de moeda destinadas à compra de títulos, nem muito menos o início do recolhimento desses dólares no mercado por meio da revenda dos títulos em poder do Fed. Será apenas o começo de um período de redução das emissões de moeda - e de compra de títulos pelo Fed.
No entanto, apenas com a perspectiva de que, lá na frente, um forte volume de títulos seja devolvido ao mercado, a rejeição de ativos e a retenção de dólares já é enorme.
Diante dessa nova baixa disposição a assumir riscos, a economia do Brasil já não se comporta como em 2008, quando o que chegou a nossas praias foi "apenas uma marolinha".
É que naquele momento ainda havia uma política fiscal bem mais robusta, uma política monetária (política de juros)mais calibrada para o tamanho das fragilidades estruturais da economia e os resultados das Contas Externas eram sólidos. Não levantavam preocupações, como agora, de que, a despeito das reservas internacionais, pode escassear moeda estrangeira.
Durante meses, tanto a presidente Dilma como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, vinham se queixando do excesso de dólares nos mercados e não paravam de denunciar, aqui e nos fóruns internacionais, o que chamaram de "tsunami monetário" e "guerra cambial". Queriam a reversão do programa de incentivos praticado pelo Fed. Mas, agora que têm a perspectiva dessa reversão, se dão conta de que o estrago será potencialmente maior do que aquele que temiam antes, quando a operação era inversa.
Pior, essa reversão pega a economia brasileira fragilizada, incapaz de crescer a ritmo satisfatório, com uma inflação que já fura os telhados e com preocupantes vazamentos nos resultados do balanço de pagamentos. E nem se fale na situação política, agora revirada por essas manifestações vitoriosas, com que ninguém contava.
Até o momento, o governo federal resistiu a mudar os rumos de sua política econômica de modo a reforçar as defesas. Entendeu que isso implicaria sacrifícios capazes de colocar em risco a candidatura de Dilma à reeleição. Atenção: a inflação que vem vindo aí, agora em consequência da alta do dólar, não vai ceder apenas porque as autoridades pedem paciência.
O melhor que a presidente Dilma poderia fazer seria acatar a sugestão do ex-ministro Delfim Netto e produzir uma rearrumação da economia que garantisse a obtenção de um déficit nominal zero ao cabo de três anos. Trata-se de apresentar um rigoroso equilíbrio entre receitas e despesas públicas, incluídos aí os juros da dívida. Se anunciada com credibilidade, a nova postura se encarregaria imediatamente de restabelecer um mínimo de confiança que ajudaria a economia a se preparar para o que vem aí.
A política fiscal não é anticíclica? Pois então chegou a hora de colocá-la no ciclo certo.

CHARGE DO CLAUDIO


Partidarismo rejeitado


MERVAL PEREIRA21.6.2013 10h15m

O fato de militantes petistas com suas bandeiras terem sido rechaçados nas manifestações em diversos estados do país ontem é um bom indício de que o movimento que chegou aos corações e mentes da classe média não se deixou contaminar por partidarismos.

Depois de uma reunião da presidente Dilma com o ex-presidente Lula em São Paulo, onde estranhamente estavam presentes o presidente do PT Rui Falcão e o marqueteiro da presidência João Santana, ficou estabelecido que o prefeito Fernando Haddad deveria reduzir os preços das passagens, e o partido entrar nas manifestações ao lado dos movimentos sociais que controla – ONGs de diversos tipos, o MST a CUT, a UNE.

Uma reunião partidária, como se vê, com a presidente da República recebendo instruções de seu tutor político, numa clara demonstração de que depende dele para se posicionar em situações de crise. A desorientação petista é tamanha que há correntes dentro do partido que pressionam o governo a dar uma guinada à esquerda para supostamente se sintonizar com esses movimentos.

Já há movimentos dentro do PT a exigir do governo que deixe de fazer superávit primário para pagar a dívida e use esse dinheiro para investimentos em saúde e educação. Ou então para que o PT deixe de lado as coalizões partidárias com o PMDB e que tais e faça uma ligação direta com as massas. Renasce em alguns setores da esquerda o sonho da democracia direta, tão em voga nos regimes bolivarianos da América Latina.

É difícil saber no que vai dar tudo isso. Não há como definir o que vai prevalecer nessas manifestações. Assim como há baderneiros infiltrados e toda uma gama de manifestantes dispostos ao vandalismo, que consideram a depredação a melhor maneira de enfrentar os governos, há também no próprio movimento do Passe Livre uma predominância de pensamento de esquerda radical. Agora que conseguiram a redução do preço das passagens, querem a tarifa zero e outras reivindicações que não estão na pauta da maioria que foi às ruas.

A tarifa zero é uma utopia do bem, que se pode tentar alcançar, e seria boa para todo mundo, embora me pareça impossível em cidades grandes como São Paulo e Rio. Mas há outras reivindicações que nada têm a ver com a grande massa que participou das manifestações, como o protesto contra o “latifúndio urbano”.

E querem introduzir na pauta também a reforma agrária, uma reivindicação bastante discutível hoje no Brasil onde o agronegócio é um dos sustentáculos da economia brasileira e o latifúndio improdutivo praticamente desapareceu. Um processo de modernização agropecuária que, hoje, caracteriza o capitalismo no campo, fez com que nos últimos 30 anos o latifúndio se transformasse em grande empresa rural, tornando-se produtivo.

A maioria não está nem com os baderneiros nem com essa politização que, embora não seja partidária, é política, de grupos que lideram os movimentos. A maioria está nas ruas por causa da melhoria do dia a dia, quer que o dinheiro público seja gasto com transparência e com prioridades claras, esse é o foco central da maioria. E é por isso que as manifestações contra o aumento de ônibus cresceram se ampliaram.

Houve a adesão de um grupo grande da classe média que está sentindo os efeitos da inflação, dos péssimos serviços públicos, da opressão do Estado, que viu nessas manifestações um caminho para extravasar suas frustrações e exprimir suas reivindicações. E eles sabem por que a vida não é melhor: por que o dinheiro público é desperdiçado, roubado; os governos de maneira geral têm projetos imediatistas de poder e não projetos de longo prazo para o país.

Quem quiser levar os protestos para caminhos radicais, vai perder apoio.

‘Vaia e vandalismo contra a péssima gestão pública’, de José Nêumanne


PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA QUARTA-FEIRA
JOSÉ NÊUMANNE
Nunca, desde sempre, a expressão “óbvio ululante”, cunhada por Nelson Rodrigues, foi tão exata quanto neste sábado, quando a presidente Dilma Rousseff foi vaiada pela torcida presente à estreia da seleção brasileira na Copa das Confederações, na “arena” Mané Garrincha, em Brasília. “Qualquer político que fosse anunciado no estádio receberia vaias”, concluiu, em raro rasgo de lucidez, o líder do Partido dos Trabalhadores (PT) na Câmara dos Deputados, José Guimarães (CE), irmão do ex-guerrilheiro, ex-presidente nacional petista e réu condenado por corrupção e formação de quadrilha no processo do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF), José Genoino. E na ocupação da Avenida Rio Branco, no Rio, anteontem, à noite – imagem de grande impacto e significação.
De fato, torcedor de futebol não tem muita paciência com político que dá uma de papagaio de pirata em estádio, tentando tirar sua casquinha da paixão dele por seus ídolos, seja de clube, seja especialmente da seleção. O cidadão pode até fazer parte da Pátria “em” chuteiras (assim batizada por Nelson) – e não “de” chuteiras, como parodia equivocadamente oportunista anúncio oficial veiculado em rádio e TV durante a Copa da Fifa, disputada no Brasil. Mas nunca perdoa demagogia barata feita para tirar proveito de sua paixão, principalmente depois de suar em bicas para pagar o ingresso caro do jogo.
De qualquer maneira, não deixa de ser tentador relacionar os apupos à queda de oito pontos porcentuais na popularidade e de sete na intenção de votos da chefe do governo, favorita para a reeleição em 2014. Os índices apurados ainda lhe garantem a vitória no primeiro turno, mas a tendência de queda não deve estar sendo comemorada no Palácio do Planalto. E mais tentador ainda é situar as vaias de Brasília no panorama de ocupação das ruas de 12 metrópoles brasileiras pela manifestação de insatisfação generalizada da multidão, que teve os canais de debate político interditados nesta democracia unívoca do PT e seus aliados.
Sem causa aparente pela qual lutar, mas trazendo às ruas uma pauta de queixas que os governantes e opositores fingem ouvir, mas para as quais ambos os lados do sistema político fechado e impermeável aos interesses da cidadania fazem ouvidos de mercador, os manifestantes reclamam de praticamente tudo, com razão e justiça. No Twitter, o autor de novelas da Globo Aguinaldo Silva estranhou que as pessoas saiam às ruas para reclamar de um reajuste de menos da metade da inflação do período depois de conquistarem poder de compra para adquirir bens de consumo de valor bem superior, por exemplo, aos 20 centavos a mais nas passagens dos coletivos na capital paulista.
É. Pode ser. Mas, em primeiro lugar, convém levar em conta a observação feita pelo aclamado marqueteiro Duda Mendonça, um dos réus absolvidos do mensalão, em entrevista à Folha de S.Paulo de domingo. “As pessoas se habituam com as conquistas. Na hora que sentem que qualquer coisa mexeu, esquecem um pouco tudo de bom que ganharam. Querem mais”, disse ele, prevendo risco na disputa de um segundo turno no ano que vem, particularmente se o adversário for o ainda aliado Eduardo Campos, governador de Pernambuco e dono do Partido Socialista Brasileiro (PSB).
Esse é um lado a considerar, mas há outro ainda mais grave. E os aliados com que a presidente mais conta para ficar no posto máximo percebem muito bem isso. Depois das vaias no Mané Garrincha, o contestado, mas poderoso, líder da bancada da segunda legenda na coalizão governamental, o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (RJ), acertou na mosca ao constatar: “Estamos tendo um movimento de reação à inflação. O que o governo tem de fazer é trabalhar para combatê-la”. O risco é a moeda derreter e a economia desabar.
Qualquer um sabe que a sorte de Dilma na sucessão depende da mesma receita que reelegeu seu patrono, Luiz Inácio Lula da Silva, e garantiu a própria ascensão ao topo do pódio sem nunca ter disputado cargo algum antes. A análise de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC), na entrevista das páginas amarelas da Veja, aponta com lucidez nessa direção. “Estamos presos na armadilha do crescimento baixo”, diagnosticou. E identificou o nó górdio na corda que precisa ser decepado para libertar o brasileiro da prisão: “A inflação está em alta. Há um aumento generalizado. Os reajustes no setor de serviços mantêm-se acima de 8% ao ano. É um quadro grave”.
Dilma e seu ministro Guido Mantega na certa darão atenção ao alerta de Duda Mendonça, mas dificilmente levarão a sério o do professor da Universidade de São Paulo (USP) e o do aliado fluminense prevendo dificuldades na economia por culpa da inflação. Poderiam atentar mais para o instinto de sobrevivência de Cunha e saber que Pastore não fala muito e só avisa quando tem certeza.
A presidente faria bem se contivesse o oportunismo de subordinados que buscam levar vantagem eleiçoeira dos acontecimentos inculpando adversários sem sequer saberem de que se trata. A cúpula federal nada sabe, como reconheceu o ministro Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, pois, desde que Fernando Collor extinguiu o Serviço Nacional de Informações (SNI), não dispõe de uma inteligência digna do nome para acompanhar movimentos sociais. Mas salta aos olhos que, mesmo sendo o transporte público muito ruim, a rebeldia popular manifesta o medo da volta da inflação e a indignação contra a péssima gestão de um Estado ineficaz, estroina, insensível e corrupto. Querer tornar Geraldo Alckmin alvo preferencial para derrotá-lo na próxima eleição é insensato, pois também estão em jogo a ambição de Dilma Rousseff e a carreira de Fernando Haddad. É esperar para conferir.

O fiasco na Paulista confirmou que a tropa comandada pelo general Falcão é tão apavorante quanto bandido de chanchada

Augusto Nunes

Um destacamento comandado pelo general Rui Falcão é tão apavorante quanto bandido de chanchada, avisou o título do post de 6 de setembro de 2012. Naquele dia, indignado com a condenação do mensaleiro João Paulo Cunha pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente do PT ameaçara aumentar a população flutuante de todos os municípios do Brasil com a mobilização dos militantes do partido. As tropas aquarteladas na cabeça do comandante fizeram a primeira aparição pública só na tarde desta quinta-feira, quando tentaram engrossar a manifestação de protesto em São Paulo. A julgar pelas dimensões do desastre, nunca mais entrarão em ação.
Armados de bandeiras vermelhas, os 150 companheiros combatentes demoraram meia hora para bater em retirada, assustados com a ira da multidão hostil ao PT. O chefe não deu as caras no front. Entrincheirado num esconderijo, travou uma patética batalha contra a verdade: fez o que pôde para afingir que não foi ele o pai da ideia de jerico que resultou no fiasco formidável. A performance do general poltrão só serviu para conferir contornos proféticos ao texto publicado há nove meses.
Confiram. Volto no fim:
Sempre orientados pelo Chefe Supremo, o comandante José Dirceu e o general Rui Falcão ─ inquietos com a condenação do tenente João Paulo Cunha ─ reiteraram a ameaça: se a população carcerária continuar incorporando bandidos de estimação, os dois oficiais de Lula mobilizarão o exército companheiro para afastá-los da rota da cadeia. Pelos rosnados da dupla, pode ser o prelúdio da ofensiva final contra a elite reacionária e a mídia golpista, agora acusadas de induzir o Supremo Tribunal Federal a aplicar a lei no julgamento dos mensaleiros.
Nesta segunda-feira, o presidente do PT aproveitou o velório político de João Paulo Cunha, disfarçado de festa de lançamento do novo candidato do partido a prefeito de Osasco, para retomar a discurseira beligerante. Primeiro, qualificou os ministros do Supremo de “instrumentos de poder” a serviço de uma oposição “conservadora, suja e reacionária”. Em seguida, avisou que está em curso outra tentativa de golpe contra Lula e Dilma Rousseff. Como impedir a consumação da trama que, segundo Falcão, foi costurada pelas mesmas figuras que “arquitetaram a farsa do mensalão”?
Ele mesmo declamou a resposta: convocando para a guerra “a sociedade organizada, as centrais sindicais, os movimentos populares e os partidos políticos do campo progressista”. Se o novo presidente da CUT não mentiu de novo, a sigla que identifica um viveiro de pelegos começou a recrutar combatentes no começo de julho. A primeira leva já havia juntado uns três ou quatro. Ainda estavam no aquecimento, mas prontos para engajar-se na Revolta dos Mensaleiros caso o STF optasse por um “julgamento político”. Fardado com o inevitável paletó escuro, cujas dimensões informam que o dono se acha mais alto e parrudo do que é, o stalinista com jeitão de agente funerário caprichou na bazófia: “Não mexam com o PT. Porque quando o PT é provocado ele cresce e reage”.
Cresce coisa nenhuma. Reage coisa nenhuma. Tropas lideradas pelo guerrilheiro de festim só conseguiriam matar de rir os inimigos. Um destacamento sob a chefia do general da banda Rui Falcão seria tão amedrontador quanto bandido de chanchada. Para barrar o avanço dos soldados do Movimento Pró-Corrupção, basta colocar no meio do caminho a foto em tamanho natural de um fuzileiro naval americano. Duas fotos fariam os guerreiros de araque recuar em desabalada carreira.
Graças a Rui Falcão, agora se sabe que o colossal exército do PT se resume a uma brigada de dimensões insuficientes para eleger um vereador. Também se descobriu que fotografias de marines são dispensáveis. Basta berrar aos soldados companheiros que caiam fora do front.

Protestos devem afetar popularidade de Dilma

O Planalto já se prepara para o efeito drástico da onda nacional de manifestações sobre a imagem da presidente Dilma Rousseff. Apesar de os protestos não se dirigirem exclusivamente ao governo federal ou à presidente, o principal governante do país é tradicionalmente responsabilizado pela população e absorve boa parte do desgaste.
A última pesquisa CNI/Ibope, que confirmou a queda de 8 pontos na aprovação de Dilma, como havia identificado o Datafolha, trouxe um dado relevante sobre a distribuição desta mudança de opinião: no Sudeste, região mais desenvolvida e populosa do país, a queda de popularidade foi de 13 pontos percentuais. No Nordeste, a avaliação permaneceu estável, com queda de apenas 1 ponto. Todas as sondagens foram feitas antes de episódios altamente negativos para a presidente, como a vaia no estádio de futebol e a sequência interminável de protestos.
O pronunciamento desta terça-feira, em que a presidente saudou as manifestações de ruas declarando: "o Brasil amanheceu mais forte", é coerente com a biografia de Dilma, que dedicou a juventude a um tipo de militância política visceral e idealista que em nada lembra o perfil de quem sai às ruas hoje. No entanto, a cada dia que passa, a disseminação e a agressividade das manifestações se acentua com risco para a paz pública e com abalos para a imagem do país - acabando com qualquer romantismo na abordagem destes atos.
Na noite desta quinta, após desmarcar viagem ao Japão que a levaria a se ausentar por praticamente uma semana de um país em convulsão, Dilma teria cogitado fazer num pronunciamento em cadeia de rádio e tv. Ponderou-se que o risco desta iniciativa seria trazer a crise para o próprio colo, atraindo para si insatisfações que são mais abrangentes. No outro prato da balança pesa o argumento de que o chefe do Executivo tem o dever de se pronunciar quando tantos vão às ruas cobrar uma conta que já não é paga há muito tempo.
As noites mal dormidas da presidente se acumulam. As massas rejeitam sistematicamente o diálogo. Terá a fala da presidente o poder de mover o impasse para uma solução?

Christina Lemos é jornalista em Brasília. Especializada em política, testemunhou os principais acontecimentos da vida pública dos últimos vinte anos na esfera federal. É repórter especial do Jornal da Record e comanda o programa de entrevistas diário Brasília ao Vivo, na RecordNews. Neste Blog, Christina Lemos convida o internauta a acompanhar o dia a dia e os bastidores da política a partir de um olhar diferenciado, e a trocar ideias com quem está dentro da notícia. Bem-vindo!

A multidão desgovernada e a causa da saúde


Não se amplia um direito social com violência e autoritarismo. Nem com frases feitas do tipo “se a roubalheira acabar, a saúde melhora”


As manifestações, ainda que sem foco objetivo, eram um acontecimento auspicioso enquanto representavam a mobilização pacífica em torno do desejo de construir um Brasil melhor. Multidões foram às ruas para exigir mais saúde, mais educação, transporte público decente, menos corrupção, mais liberdade de investigação sobre desmandos cometidos por autoridades. A semana começou bem e terminou muito mal. A noite de fúria e destruição vivida nas principais capitais adicionou às manifestações dois novos ingredientes que nenhum bem podem fazer à sociedade: violência e índole autoritária.  
Ninguém entendeu direito que fenômeno é esse que estamos vivendo. De onde isso veio, para onde vai. Podemos ter uma única certeza: multidões desgovernadas que desprezam instituições conquistadas a tanto custo podem levar o Brasil ao pior dos mundos. Para ampliar direitos sociais precisamos de democracia. Não se avança com autoritarismo nem com frases feitas do tipo: “se a roubalheira acabar, a saúde melhora”. É preciso ir além da indignação vazia. É preciso fazer contas, analisar orçamentos, confrontar a condição brasileira com a de outros países. É preciso refletir e debater no melhor espírito democrático.       ...

Às vésperas das últimas eleições municipais, a saúde era a principal preocupação dos brasileiros, segundo uma pesquisa do Instituto Ibope. Só depois apareciam segurança pública e educação. Na esperança de contribuir para o debate lúcido e esclarecido, compilei alguns fatos e alguma análise sobre a saúde brasileira: 

O QUE HÁ DE ERRADO COM A SAÚDE NO BRASIL?  

A saúde brasileira enfrenta três grandes problemas: O primeiro é conviver com doenças superadas pelos países ricos nos anos 60, como diarreia, tuberculose e hanseníase. 
O segundo é termos recursos comparáveis aos que as nações desenvolvidas gastavam nos anos 80, cerca de 8% do PIB – uma porcentagem insuficiente para acompanhar a inflação na área da medicina. Como ela aumentou muito nos últimos anos, hoje a França emprega em saúde mais de 11% do PIB. Os Estados Unidos empregam 15%.

O terceiro problema é a demanda pela medicina do século XXI, cujas drogas, tratamentos e exames sofisticados custam mais que o sistema de saúde é capaz de pagar. Se o país continuar investindo 8% do PIB em saúde, isso será suficiente apenas para manter o padrão de atendimento à saúde de que dispomos hoje. Para melhorar a qualidade dos serviços e bancar novas tecnologias e drogas mais caras, será necessário gastar mais. 

FALTA DINHEIRO OU FALTA GESTÃO?

É preciso gastar mais e gastar melhor. O gasto brasileiro em saúde por habitante é semelhante ao do Chile, mas a mortalidade infantil no Brasil é quase o dobro da chilena. É apenas um dos sinais de que o dinheiro que o Brasil tem hoje para gastar em saúde poderia ser mais bem utilizado. Algumas ideias para melhorar a saúde: 
• Organizar e fortalecer a rede básica

Cerca de 90% dos problemas de saúde que a população enfrenta podem ser resolvidos na rede básica. São males corriqueiros que podem ser tratados pelo médico de família ou nos postos de saúde. No Brasil, a rede básica é frágil. É por isso que, quando adoece, o brasileiro corre para o hospital. Isso é péssimo. O problema é empurrado para o nível de cima (o dos hospitais), que tem custos muito mais elevados. A fragilidade da rede básica fica evidente quando ocorre uma epidemia. A dengue é um exemplo clássico. A cada epidemia, os hospitais não dão conta da demanda extra e o atendimento das doenças mais graves fica prejudicado. 

• Reduzir iniquidades

Mais de 45 milhões de pessoas têm plano de saúde no Brasil. Em geral, elas usam o plano apenas para consultas e internações de custo baixo ou moderado. Quando precisam de um serviço caro e de alta complexidade (transplantes ou drogas caríssimas contra o câncer, por exemplo), elas recorrem ao SUS. Até aí, nenhum problema. O SUS é um sistema de saúde universal. A classe média tem direito a ele como qualquer outro estrato social.

O injusto é afirmar que os remediados e os ricos são duplamente penalizados porque pagam altos impostos mas nunca usam os serviços públicos de saúde. Usamos sim. Quem nunca pisou num posto de saúde recorrerá ao SUS quando uma doença grave se instalar. Exigirá remédios caros com ações judiciais, receberá um fígado ou um rim novo sem gastar um centavo, tomará drogas imunossupressoras para o resto da vida. Sem colocar a mão no bolso e, em muitos casos, sem sair de casa. É só aguardar o motoboy contratado pelo SUS entregar o remédio em casa.

Os beneficiários dos planos de saúde têm todo o direito de usar o serviço público, mas é preciso deixar claro que, ao fazer isso, eles estão subsidiando os convênios. Como o orçamento público é limitado e os custos da medicina de ponta só crescem, o governo destina cada vez mais dinheiro para atender a classe média que tem plano de saúde. É por isso que há tanto tempo o Ministério da Saúde tenta ser ressarcido pelos planos de saúde quando os clientes deles são atendidos no SUS.  

Em 2003, os gastos per capita do SUS no Nordeste (a região mais pobre do país) eram de R$ 168 por ano. No Sudeste (a região mais rica) eram de R$ 250. Nos últimos anos, a situação se manteve mais ou menos assim. A dependência do SUS no Nordeste é pelo menos o dobro da verificada no Nordeste. Quem mais precisa, menos recursos recebe. Para reduzir a injustiça, é preciso garantir melhor distribuição regional dos recursos públicos.  

QUAL É O SEGREDO DAS CIDADES ONDE A SAÚDE É BOA?

A receita do sucesso cabe em duas linhas, mas pouquíssimos municípios conseguem colocá-la em prática. A análise dos que conseguem revela que a qualidade independe do porte do município. Cidades minúsculas ou capitais podem oferecer serviços de alto nível se estiverem dispostas a isso. Essa é uma decisão política e orçamentária. A população não deve se iludir. Orçamentos são finitos. Se uma área receber mais dinheiro, outra área receberá menos. Se a população quiser mais investimentos nas duas áreas, terá que aceitar o aumento de impostos. Para melhorar a saúde de um município, o bom prefeito deve ter duas obsessões: 

Número 1: garantir que todos recebam atenção básica de qualidade – aquele primeiro atendimento, muitas vezes preventivo, nos postos de saúde ou em domicílio. Número 2: facilitar o acesso a especialistas e exames, sempre que necessário.

COMO MELHORAR A SAÚDE?

Em outubro do ano passado, visitei duas cidades consideradas campeãs de saúde, segundo o Índice de Desempenho do SUS, um levantamento detalhado feito pela primeira vez pelo Ministério da Saúde, com base em 24 indicadores. 

Fui conhecer de perto o trabalho feito em Vitória (capital do Espírito do Santo) e em Arco-Íris, um município de 1,9 mil habitantes no interior de São Paulo. Segundo o IDSUS, Arco-Íris oferece o melhor atendimento de saúde do Brasil.Nenhum sistema de saúde é perfeito, mas os moradores reconhecem quando há avanços. As melhorias conquistadas por essas duas cidades podem ser resumidas em quatro lições:

Reforçar a atenção básica

Em Vitória, as equipes que trabalham nos postos resolvem a maior parte dos problemas de saúde sem que o paciente precise se deslocar. Nas áreas de risco, os profissionais que visitam domicílios alcançam 100% das famílias. No restante da cidade, a cobertura é de 80% da população que depende do SUS. Dessa forma, a capital capixaba conseguiu receber nota 10 no indicador que avalia internações por causas evitáveis, como hipertensão, diabetes e problemas respiratórios.

Garantir atendimento especializado

Com apenas 1,9 mil habitantes, Arco-Íris não tem estrutura para oferecer consultas com especialistas. Nem por isso os moradores ficam sem atendimento. Eles são encaminhados para cidades vizinhas. Para conseguir uma consulta não-emergencial com ortopedista ou reumatologista, os moradores esperam cerca de um mês. Um prazo longe do ideal, mas bastante razoável quando comparado com muitos planos de saúde privados.

Para reduzir os custos dos exames sofisticados, Arco-Íris firmou um consórcio com sete cidades vizinhas para comprar pacotes de consultas e exames. O preço dos procedimentos pode cair à metade. A prova de que deu certo foi a nota 10 no quesito “acesso à mamografia”.

Valorizar os profissionais

Vitória investiu em concursos públicos e num plano de cargos e salários. Hoje, 96% dos profissionais são efetivos. A secretaria de saúde criou um programa de incentivo ao desempenho nas unidades de saúde. A proposta prevê o pagamento de bônus para os envolvidos na melhoria dos indicadores de saúde da população de cada área.

Em outubro, a médica de Arco-Íris recebia um salário de R$ 17 mil brutos por mês, bem mais que os R$ 6.500 do prefeito da cidade. Mais que o salário, as condições de trabalho garantiam a permanência da médica Liliana Lisboa Sanches na cidade. “Se preciso pedir um tomografia com urgência, consigo no mesmo dia. Nunca ouvi um ‘não’ da prefeitura. 

Histórias como essa demonstram a fragilidade da ideia de que basta contratar médicos no Exterior para garantir o atendimento da população em localidades distantes. Não faltam médicos no Brasil. Faltam condições de trabalho. A nacionalidade dos profissionais pouco importa. Um brasileiro, um cubano, um português enviado a uma cidade distante sem ter o básico pouco poderá fazer pela população. Em pouco tempo estará frustrado, estressado e fará o caminho de volta.

* Reconhecer fraquezas

Só melhora as condições de vida da população, o município que reconhece suas fraquezas. Só assim é possível avançar. Em outubro, ouvi a seguinte declaração de Luiz Carlos Reblin, secretário de saúde de Vitória: “Não somos perfeitos. Temos um grave problema nas urgências e emergências.” E mais adiante: “A população não entende como somos a melhor capital no IDSUS se há gente nos corredores dos hospitais.”   

Esse é um problema que a cidade ainda não conseguiu resover. A demanda é grande. A oferta de serviços é pequena. No Espírito santo, há um deficit de 360 leitos de UTI. O Estado compra leitos no setor privado, mas os hospitais particulares também trabalham no limite. Apesar de ter sido considerada a melhor do país em saúde, Arco-Íris quer mais. A ambição, agora, é ter um pediatra e um mini pronto-socorro.

Quem diz que o SUS é péssimo tem razão apenas em parte. O SUS não é uniformemente ruim. Ele é desigual e injusto. Entender essas desigualdades e reconhecer as injustiças é o primeiro passo para reproduzir as boas experiências e consertar o que vai mal. Assim como a população de Arco-Íris, eu também tenho uma ambição. Minha ambição é constatar que a histórica energia mobilizadora das pessoas que marcharam em paz ajudou o Brasil a avançar – e não a retroceder.   
Fonte: Cristiane Segatto/Revista Época - 21/06/2013

Sax manif/ Ranulfo Bocayuva

Sem lírios no campo, por Sandro Vaia


Não confunda vândalos com indignados.
Eles podem até andar juntos mas não são unidos pelos mesmos ideais. Uns querem quebrar caixas eletrônicos, depredar ônibus e levar umas roupas ou umas tvs de plasma das lojas Marisa.
Outros querem paz e amor, ônibus mais baratos, estádios menos faraônicos, políticos menos corruptos e, por via das dúvidas, um mundo melhor - o que inclui educação, saúde e presumivelmente mais vergonha na cara.
Essa espécie de “primavera” sem bússola tem a pauta mais longa de todas as primaveras que vimos pela TV.
Os líbios queriam botar Kadafi pra fora, os sírios transformaram a oposição a Assad numa guerra civil, os egípcios queriam mais liberdade, os turcos menos autoritarismo, os gregos menos austeridade e os europeus mais empregos.
Os brasileiros começaram indignados com um aumento de 20 centavos no preço das passagens de transporte coletivo urbano e em dez dias foram daí para o infinito.
Os 20 centavos foram o estopim e não se pode dizer que o Movimento Passe Livre seja um anjo de candura e de inocência apolítica. Ele tem uma pauta claramente política que vai da catraca livre a uma proposta contra “latifúndios urbanos”que não tem pé nem cabeça.
A massa genericamente indignada com tudo, desde o superfaturamento dos estádios da Copa aos calamitosos serviços de saúde pública, se juntou ao movimento, de tal forma a acuar os governos e provocar um recuo no aumento das tarifas de transporte urbano.
Quinta-feira foi o dia de sair à rua para comemorar a vitória do movimento e os partidos políticos e as organizações sindicais que quiseram tirar uma casquinha desfraldando as suas bandeiras nas manifestações, foram escorraçados, demonstrando claramente que os elos entre a população e os meios convencionais de representação política estão irremediavelmente danificados.
A mídia, principalmente a eletrônica, festejou essa “linda manifestação democrática” como se fosse um baile junino, sem se dar conta da profundidade e da gravidade do verdadeiro significado da presença das marés humanas na rua.


Não foi apenas uma “semana de saco cheio”, como aquelas que os estudantes fazem nas faculdades, mas uma prova objetiva de que as instituições convencionais de representação política estão feridas de morte e não são mais capazes de mediar com eficácia as relações entre a sociedade e quem pretende representá-la.
A democracia brasileira refundada pela Constituição de 1988 foi maltratada pelos governos, pelos partidos e pelos políticos e seria demais esperar que fosse afagada e respeitada apenas pela população.
Seria ingênuo esperar que do pântano do rebaixamento ético-institucional a que o país vem sendo submetido nos últimos anos brotassem lírios do campo.

Sandro Vaia é jornalista. Foi repórter, redator e editor do Jornal da Tarde, diretor de Redação da revista Afinal, diretor de Informação da Agência Estado e diretor de Redação de “O Estado de S.Paulo”. É autor do livro “A Ilha Roubada”, (editora Barcarolla) sobre a blogueira cubana Yoani Sanchez. E.mail: svaia@uol.com.br

Cartas de Seattle: Obesidade com dinheiro público


Melissa de Andrade
Se o governo está pagando pela sua comida, tem direito de dizer o que você vai comer? É papel do governo determinar se sua escolha alimentar é saudável ou não?
Sob o argumento de prevenir o crescimento da obesidade no país, o prefeito de Seattle e de mais 17 cidades dos Estados Unidos estão querendo limitar ainda mais o uso do vale-alimentação federal daqui, apelidado de food stamp, para impedir a compra de refrigerantes e outras bebidas artificiais com alto teor de açúcar. Esta seria uma tentativa de frear o desenvolvimento de doenças relacionadas a má alimentação entre os participantes do programa.
Os beneficiários incluem pessoas sem renda ou de baixa renda que recebem uma média de US$ 135 por mês como auxílio para suplemento nutricional. Ora, se o programa é baseado em nutrição, claramente refrigerante não é o melhor item na cesta de compras.
O benefício já não pode ser usado para comprar bebida alcoólica, cigarros, comida quente (como em lanchonetes) e outros itens que não são considerados saudáveis.
A proposta dos prefeitos coincide com a decisão da Associação de Medicina dos Estados Unidos, a American Medical Association, de enquadrar a obesidade como uma doença. Isso dá um novo peso à necessidade de tratamento e prevenção. Obesidade é, mais do que nunca, problema de saúde pública.


Os críticos à mudança nos food stamps estão colocando esta iniciativa no mesmo rol da decisão da prefeitura de Nova Iorque de limitar o tamanho do copo de refrigerante vendido na cidade. A diferença é que, então, Michael Bloomberg estava metendo o dedo no direito individual do cidadão de fazer o que quiser com o seu dinheiro, mesmo que impacte negativamente sua saúde.
No caso dos food stamps, trata-se de dinheiro do contribuinte que pode estar sendo usado para potencialmente contribuir para um estilo de vida não saudável.
Cerca de 50 milhões de pessoas são beneficiárias do programa e a obesidade já atinge 100 milhões dos americanos adultos. Ou seja, um terço da população. Isso gera cerca de US$ 147 bilhões de custos com despesas médicas.
É ou não é pra se preocupar?

Melissa de Andrade é jornalista com mestrado em Negócios Digitais no Reino Unido. Ama teatro, gérberas cor de laranja e seus três gatinhos. Atua como estrategista de Conteúdo e de Mídias Sociais em Seattle, de onde mantém o blog Preview e, às sextas, escreve para o Blog do Noblat.

Dilma passando pelo décimo andar: “Até aqui, tudo bem”


Carlos Chagas
Está o governo Dilma, melhor dizendo, além do Executivo, estão também o Legislativo e o Judiciário  na situação daquele personagem que caiu do vigésimo andar de um edifício e, ao passar pelo décimo andar, comentou: “até aqui, tudo bem”.  Tudo bem coisa nenhuma. Adianta muito pouco exaltar as excelências da democracia e afirmar que os protestos de rua exprimem o direito de o povo manifestar-se. Porque as manifestações se fazem contra as autoridades públicas. Contra o governo, contra Dilma, contra o Congresso e contra o Judiciário. Sem esquecer, também contra  a ordem política, a ordem econômica  e  a ordem social.
O risco do colapso de nossas instituições parece à vista. Só que o país já sabe porque os jovens protestam, mas os jovens não sabem como dar seqüência aos protestos. Querem  acabar com a corrupção, mas como? Melhores condições de ensino e saúde pública, fazendo o quê? Falta-lhes um programa, um  roteiro.
Demos notícia, ontem, de uma idéia que se não fosse doida seria genial: adaptar parte dos elefantes brancos construídos por bilhões de reais para  funcionarem, também, como escolas, universidades, centros de saúde e hospitais. Algo capaz de sensibilizar e empolgar  todo mundo. Mas terá o governo coragem para tanto? Recursos? Ora, os lucros dos bancos, as remessas de milhões  de dólares para o exterior, a parceria de grandes hospitais como o Sírio-Libanês e o Albert Einstein.
Uma conclusão surge inevitável: ou o governo sai na frente, combatendo o vandalismo e interrompendo a sanha dos baderneiros, ou o movimento pacífico logo amargará a rejeição do cidadão comum. Mesmo assim, faltará um plano de mudanças fundamentais, muito acima e além do PAC. Que tal começar pela ampla reforma do ministério, com a diminuição do número de pastas e sua entrega a técnicos de renomada competência, mandando passear os representantes de partidos desmoralizados?
A FALÊNCIA DO ESTADO
É constrangedor verificar o fracasso do Estado no cumprimento de suas obrigações para com a sociedade. Senão vejamos:
Diante da revolta dos jovens que ocuparam as ruas do país inteiro,  assistimos primeiro uma ação desmedida e truculenta das polícias militares para depois sobrevir a omissão das corporações.  Nada fez a autoridade policial diante do vandalismo praticado em São Paulo,  no Rio, Belo Horizonte e outras capitais para impedir a depredação de próprios públicos, lojas e similares. Os animais ficaram e continuam à solta, registrando-se pequeno número de prisões quando as imagens transmitidas pela mídia mostram a maior parte deles de corpo inteiro, apesar do rosto encoberto.
Governadores e prefeitos determinaram o aumento nas tarifas dos transportes públicos sem promover estudos de situação nem prever as consequências. Em poucos dias, voltaram atrás premidos pelo império das circunstâncias, deixando sem resposta a indagação maior: se os reajustes eram necessários, foi sinal de fraqueza revogá-los. Se não eram, não deveriam ter sido adotados.
O combate à corrupção permanece oculto, com Legislativo e Judiciário tergiversando e não dando seqüência às apurações, punições e aprovação de novas medidas imprescindíveis a deixar os corruptos na defensiva. A construção dos estádios de futebol dá a medida  de como se rouba patrimônio publico. As empreiteiras responsáveis pela implantação ou reforma de arenas  orçadas em milhões passaram a sugar bilhões sem que ninguém reagisse, no poder público.
DIFERENÇAS
Em  Paris, 1968, os estudantes ocuparam as ruas, estendendo seu protesto à França inteira e, depois, a muitas capitais da Europa. Insurgiam-se contra o imobilismo das instituições que discriminavam os jovens e engessavam a sociedade através de métodos arcaicos de domínio dos mais velhos. Foi o diabo, pois  o movimento pegou feito sarampo e serviu para oxigenar a civilização. Quem ficou sem saída foi o presidente Charles De Gaulle, que depois de alguns dias de silêncio foi procurar nos militares com os quais estava rompido a ajuda necessária para o restabelecimento da ordem. Quanto tudo serenou, apareceu o reverso da medalha: uma passeata de quase um milhão de franceses desfilou pelos Campos Elísios  em apoio ao presidente.
Alguém imagina que uma vez assentada a poeira da rebelião pacífica, mas nem tanto, dos jovens brasileiros, haverá ânimo para uma passeata em apoio de Dilma ou do Lula? São diferentes as situações

Marco Feliciano tira sarro da cara de todo mundo porque pode


Marco Feliciano tira sarro da cara de todo mundo porque pode
Fátima Oliveira
Quando apareceu a manchete “Pastor homofóbico deve presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara” (27.02), ele declarou: “Se tem alguém que entende o que é direito de minorias e que sofreu na pele o preconceito e a perseguição, é o PSC; o cristianismo foi a religião que mais sofreu até hoje na Terra”; complementou que a Comissão se resumia a defender “privilégios” de gays, lésbicas, bissexuais e transexuais; e que ele defendia um “maior equilíbrio”.
Falo do deputado Marco Antônio Feliciano – empresário, pastor evangélico, conferencista e sócio-proprietário da Kakeka – Comércio Varejista de Brinquedos, Artigos do Vestuário Ltda., da Marco Feliciano Empreendimentos Culturais e Eventos Ltda. e do Tempo de Avivamento Empreendimentos Ltda. Todos em Orlândia (SP). É também pastor presidente da igreja Assembleia de Deus de Orlândia – Ministério Catedral do Avivamento. Ele também crê na “cura gay”, pois vê a homossexualidade como uma doença e a Aids como um câncer gay. Sobre negros disse: “A maldição que Noé lança sobre seu neto, Canaã, respinga sobre o continente africano, daí a fome, as pestes, as doenças e as guerras étnicas” (2011).
Lendo as notícias, entendi que tê-lo na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) era da responsabilidade da Câmara. O movimento social nunca teve força política para definir quem preside uma comissão. O pastor recebeu apoios eloquentes do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e do deputado Garotinho (PR-RJ).
“A CDHM é uma das 20 comissões permanentes da Câmara dos Deputados, onde atua como órgão técnico constituído por 18 deputados membros e igual número de suplentes, apoiada por um grupo de assessores e servidores administrativos”. A principal atribuição da CDHM, criada em 1995, como uma ressonância da Conferência da ONU sobre Direitos Humanos, em Viena (1993), é “contribuir para a afirmação dos direitos humanos”. Com poder deliberativo desde 2004, cabe a ela a “formulação de propostas e programas governamentais ligados à cidadania e aos direitos humanos”.
SEM QUALIFICAÇÕES
A má notícia, de que presidiria a CDHM uma pessoa sem as qualificações necessárias para o cargo, mereceu o seguinte comentário, no Twitter, do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ): “Ele é confessadamente homofóbico e fez declarações racistas sobre africanos. Está claro que o objetivo do PSC, ao escolher a CDHM, deve ser barrar a extensão da cidadania plena às minorias. É lamentável”. Nilmário Miranda (PT-MG), primeiro presidente da CDHM, soube ser magistralmente grande no Twitter, sem dourar a pílula: “Esse é o resultado do presidencialismo de coalizão. Nosso PT optou por outras comissões mais importantes” (7.3.2013).
Sem mais hipocrisias, tratemos do assunto como ele é e merece. Nos marcos da ética da responsabilidade. O governo cometeu um erro monumental ao abrir mão do que sempre foi “a joia da coroa” do petismo: a CDHM; o PT dormiu no ponto; e os partidos da base aliada, idem. Todos têm culpa no cartório. Não escapa um! Tiremos as viseiras da hipocrisia: o PSC jamais reivindicou a presidência da CDHM; ela sobrou para ele, como o patinho feio das comissões!
A dureza é ter de assistir às escaramuças da esquerda, partidos e militantes de movimentos sociais, agora que “Inês é morta”, fazendo de conta que o pastor é um usurpador (o que não é!) ao expor as vísceras partidárias da esquerda e do governo, tirando o maior sarro da cara de todos nós! Erramos, e a teologia da prosperidade não perde balcão de negócios. (transcrito de O Tempo)