domingo, 8 de janeiro de 2017

CHACINA - by Miranda Sá


MIRANDA SÁ (E-mail: mirandasa@uol.com.br)

              Me dê seis horas para matar um vampiro e eu passarei quatro horas afiando meu machado”. (Abraham Lincoln – Caçador de Vampiros)
“Chacina” é um substantivo feminino, originário do latim vulgar “siccina” (seca) referindo-se à carne seca. Nas línguas neolatinas refere-se ao ato ou efeito de matança, massacre; ação de matar muitas pessoas ao mesmo tempo de modo cruel.   A referência latina lembrava a cena sanguinária do abate dos animais, fazendo com que a palavra chacina passasse a ser utilizada para classificar este tipo de crime sempre violento, uma forma de assassinato cruel e brutal.
Tivemos repercutidas na imprensa duas chocantes chacinas ocorridas no Brasil; no Rio de Janeiro a Chacina da Candelária que abateu oito adolescentes sem-teto, e em São Paulo, a Chacina do Carandiru ocorrido na Casa de Detenção onde uma intervenção para controlar uma rebelião de presos acabou matando 111 detentos.
Agora tivemos duas chacinas igualmente graves no âmbito presidiário, acerto de contas entre quadrilhas ligadas ao narcotráfico. A primeira ocorreu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, de Manaus, Amazonas, que resultou na morte de 56 detentos.
Constrangeu a visão de corpos literalmente “destroçados”, desmembrados, decapitados e cortados aos pedaços. Esta chacina foi comandada pela quadrilha “Família do Norte” que tem o domínio da “rota do Solimões”, responsável por escoar a droga traficada pelas FARC e outras conexões no Peru e na Bolívia.
Os alvos foram integrantes de outro bando criminoso, o Primeiro Comando da Capital, facção paulista que vem atuando no Amazonas.
O segundo massacre foi uma retaliação do PCC em relação à Família do Norte, também relacionado com a disputa entre os bandidos das duas facções. Aconteceu na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (Roraima) onde os malfeitores paulistas mataram 31 presos, esquartejados, decapitados e alguns com o coração arrancado.
Em Roraima, os bandidos tiveram o requinte de filmar as execuções e distribuir o vídeo pelo WhatsApp. Segundo o delegado-geral em exercício de Roraima, Marcos Lázaro, os mortos haviam rompido com o PCC e queriam criar uma facção local.
Diante desta situação macabra e revoltante, somos obrigados a constatar a total falência do Estado Brasileiro em relação à segurança pública. É mais uma herança maldita da Era Lulopetista que facilitou a atuação das organizações criminosas como o próprio partido no poder.
É também de reconhecer a incompetência das autoridades neste campo, no governo Temer. O atual ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, negou a existência de guerra de facções e descontrole no seu setor. Isto é desmentido pelos fatos e pela negativa em atender a governadora Suely Campos que anteriormente havia lhe solicitado uma intervenção no Estado.
A negativa do Ministro sobre a ação de organizações criminosas nos presídios é hilária, principalmente partindo de um ex-advogado atuante na área, e de haver se esquivado lamentavelmente em relação ao pedido de ajuda de Roraima.
Em compensação, no meio à grande contradição que é o governo Temer, tivemos o secretário nacional de Juventude, Bruno Júlio, sem noção de sua responsabilidade enquanto ocupante de um cargo ligado ao Presidente, com uma entrevista de caráter pessoal, que nos leva a meditar sobre a realidade do banditismo atuante sem freios.
Disse Bruno que “tinham que ter matado mais presos e que deveria haver uma chacina entre criminosos por semana”. Este pensamento deve ser refletido pela sociedade.
Não favoravelmente aos assassinatos entre bandidos, claro, mas diante da realidade onde a política penitenciária paga de R$ 2.600,00 a RS 4.300,00 por preso – muito mais do que por aluno nas escolas públicas -, e vigora um auxilio reclusão de RS 1.285,00, um terço superior ao salário-mínimo.

O RISO DO DIABO - por Percival Puggina


Artigo publicado em 
 Em 1963, consegui meu primeiro emprego. Tinha 18 anos recém feitos e fui contratado para trabalhar como auxiliar de administração no Presídio Central de Porto Alegre. Cursava o último ano do Científico (etapa final do ensino médio da época), preparava vestibular, ganhava uma merreca, mas sabia que, com aquela idade, deveria comprar meus próprios cigarros (levei 40 anos para me livrar deles!). O presídio que me permitia fumar com o suor do meu rosto fora inaugurado quatro anos antes e era o mesmo hoje apontado como o pior do país. No ano seguinte, fui aprovado num concurso e efetivado como funcionário do órgão que administrava os institutos penais do Estado. Novo em folha, articulado com outros dois estabelecimentos da região metropolitana, o Central cumpria bem suas funções.
Faço esse relato para referir a degradação do sistema penitenciário brasileiro. A exemplo de tantos outros aspectos da vida nacional - mal sabem disso os leitores jovens - nosso sistema penitenciário já foi melhor. Aliás, o Brasil, também já foi melhor. Imperfeito, claro, mas em quase tudo superior a este onde nos trouxeram as filosofias que adotamos e as políticas que escolhemos.
Entre 1959, ano-base deste relato, e 2015, a população do Rio Grande do Sul apenas duplicou, o Produto Interno Bruto cresceu 10 vezes (se não me enganei nas contas que pude fazer a partir das tabelas da FEE disponíveis na rede) e as alíquotas dos tributos estaduais sofreram diversas majorações. Apesar disso, o poder público estadual não tem, no horizonte, a menor perspectiva de recuperar capacidade de investimento e retirar o sistema penitenciário da falência.
Impossível recusar o que explode diante de nossos olhos. Sucessivas décadas de imprudência, imperícia e negligência, levaram as unidades da Federação e a própria União Federal à atual ruína. Ela foi gerada por governos perdulários e suas prodigalidades; pela ávida busca das manchetes e benefícios políticos de planos de impacto meramente publicitários; pela corrupção e pelo histórico patrimonialismo que confunde e funde o público e o privado; pelos corporativismos espraiados nos poderes de Estado, contaminando a atividade privada e transformando o que é público num butim de múltiplos e permanentes ataques.
A miséria do sistema penitenciário tem outras causas adicionais. A sociedade brasileira foi, deliberadamente, submetida a uma sistemática destruição de seus valores. Ridicularizou-se o bem e se relativizou a verdade; o errado fala do alto das torres e o certo sussurra nos porões; silenciaram-se as consciências e se tornou proibido proibir; jogou-se sobre a alma da vítima o peso de todos os males sociais e se aliviou a do criminoso, de quem não seria possível exigir outra conduta. Nossos policiais não temem enfrentar os bandidos. É das críticas da sociedade e das manchetes que têm receio. Por causa delas muitos morrem, desnecessariamente, em combate.
Antes da carnificina nos presídio de Manaus e Roraima, houve a chacina da ordem e o estupro da lei. Lá atrás, bem antes de tudo, reprimiu-se a necessária repressão ao mal. Lavrou-se, cuidadosamente, o terreno para a insanidade geral, enxotando-se a propagação do bem, do verdadeiro sentido da liberdade e da responsabilidade. Foram décadas de elogio à loucura! Agora, o diabo ri seu riso sarcástico diante das cabeças decepadas. Ali estão as oferendas da estupidez, dispostas frente ao seu altar. E a ironia o faz seguir gargalhando de uma nação que se extraviou ao ponto de perder, para as facções criminosas, o controle de seus presídios.
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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

Poesia da Madrugada - Tarso de Melo - Espessa

ESPESSA


espessa como
certos ossos
sob a sucata

entre guardada
e esquecida jaz

mais que pura
intacta

a ferir quem
observa: lâmina,
lâmpada, límpida
luz


Biografia do poeta aqui