sábado, 8 de setembro de 2012

Polícia Federal acusa Petrobras de poluir o oceano



Investigação descobre que a empresa despeja no mar, sem tratamento, resíduos tóxicos – dejetos da exploração do petróleo

DIEGO ESCOSTEGUY COM MARCELO ROCHA, MURILO RAMOS E LEANDRO LOYOLA
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A água negra que suja nossos mares (Foto: TS Photography/Getty Images ) (Foto: TS Photography/Getty Images )
Na tarde de 30 de agosto de 2011, três botes da Polícia Federal (PF) deixaram a Marina da Glória, no Rio de Janeiro, rumo à Refinaria de Duque de Caxias, a Reduc, a quarta maior daPetrobras. Os botes singravam as águas do Rio Iguaçu quando, súbito, depararam com boias laranja impedindo a passagem. A água escurecida reluzia óleo. O rio estava tomado por uma língua negra de poluição, que se espalhava pela Baía de Guanabara – perto dali, ela tinha profundidade de 2 palmos. “Parece uma privada!”, disse um agente da PF. Os policiais retiraram as boias, esperaram a maré subir e chegaram às margens da Reduc, onde funcionários aguardavam-nos. A PF, comandada pelo delegado Fábio Scliar, chefe da Divisão de Crimes Ambientais no Rio de Janeiro, investigava por que a Petrobras descartava poluentes diretamente nas águas do Iguaçu e na vegetação da área. Era o início de um processo criminal que culminou, há dois meses, no indiciamento de dois gerentes da Petrobras por crime de poluição – e na descoberta, segundo a PF e o Ministério Público Federal, da negligência da Petrobras ao descartar o principal subproduto poluente da extração do petróleo, a “água negra”.
A blitz na Petrobras começara às 7 horas daquele dia, quando peritos do Instituto Estadual do Ambiente (Inea), órgão subordinado ao governo do Rio, sobrevoaram de helicóptero a Reduc e constataram a mancha de óleo. Três horas depois, os peritos visitaram a refinaria. Percorreram, acompanhados de funcionários da Petrobras, as margens do rio. Perto de um dos pontos onde eles haviam avistado as manchas de óleo, uma placa dizia: “Interditada”. Os gerentes da Petrobras insistiram que os fiscais não atravessassem a área, embora não explicassem por quê. Os fiscais foram assim mesmo. Encontraram uma operação de emergência da Petrobras, montada para retirar a poluição do local – e, segundo o MP, encobrir o crime. Havia caminhões de sucção de óleo, barreiras, funcionários correndo para lá e para cá. “Presenciamos as tentativas, a todo o custo, de conter a grande quantidade de óleo ainda retido ali”, escreveram os peritos. “Os funcionários que nos atenderam negaram até a derradeira descoberta do vazamento.”
Nas águas que margeiam a Reduc, na vegetação contígua e no manguezal que (ainda) existe no terreno da refinaria, os fiscais descobriram grandes quantidades de óleo. Parte já estava havia tanto tempo no local que apresentava a aparência de “chocolate cupcake”, apelido desse detrito – as fotos mostram que o manguezal de 353 hectares parecia um bolo mofado. Óleo novinho, misturado a dezenas de poluentes, era lançado ao rio durante a vistoria dos fiscais. Vazava dos dutos da estação de tratamento de detritos. Em vez de limpar, a estação sujava. Como escreveram os investigadores, “parecia um filme de terror”.
As substâncias coletadas pelos fiscais mostraram-se altamente tóxicas. Havia níveis de óleo, graxas e fenóis “muito acima” dos limites legais. A origem dos detritos era o petróleo da refinaria. Como resultado, o Inea multou a Petrobras em R$ 3,3 milhões. Depois, fechou acordo com a empresa. A Petrobras prometeu construir uma nova estação de tratamento na Reduc – até 2017. Prevê-se, nas palavras da Petrobras, um “investimento conceitual” de R$ 1 bilhão para modernizar a limpeza de poluentes como a água negra. Em 7 de novembro do ano passado, após o acordo, os fiscais voltaram à Reduc. Coletaram novamente a água negra despejada no Rio Iguaçu. Verificaram que havia toda sorte de poluente, a maioria acima dos limites legais, um com nome mais apavorante que outro: óleos, graxas, sólidos sedimentáveis, fenóis, nitrogênio amoniacal. Emitiram um novo alerta à Petrobras.
A acusação da Polícia Federal (Foto: reprodução)

Ao ouvir os responsáveis pela poluição na Reduc, o delegado Scliar foi informado de que havia um desastre ambiental em curso: o descarte da água de produção nas plataformas de petróleo. A água de produção, ou água negra, é um subproduto da prospecção de petróleo. O produto final é, basicamente, água do mar misturada com óleo, graxa e várias substâncias tóxicas. A lista das substâncias parece uma viagem à tabela periódica. Estão lá metais como bário, berílio, cádmio, cobre, ferro, além de elementos radioativos. Ao cair no mar sem tratamento, é um perigo para a vida aquática. A denúncia que chegou a Scliar afirmava que a Petrobras não tratava a água negra, nas plataformas ou em terra, como manda a lei (leia o quadro abaixo). Scliar e sua equipe passaram a rastrear o destino da água negra. Nas plataformas, seria impossível fiscalizar. Mas, como a Petrobras afirma enviar 1% dela a terminais em terra, ele passou a ouvir os encarregados de tratá-la. No Rio, a primeira escala da água negra em terra são os terminais de Ilha Grande e de Cabiúnas.
O zigue-zague da poluição (Foto: reprodução/revista ÉPOCA)
No papel, uma das funções dos terminais de Ilha Grande e de Cabiúnas é “retirar o máximo possível” da água negra que lá chega misturada ao petróleo extraído das plataformas. Desses dois terminais, o óleo segue para as refinarias. Quanto mais puro chegar a elas, menor o custo de produção da Petrobras – e, potencialmente, maior o lucro. Como elas armazenam petróleo e água negra nos mesmos tanques, a água negra apenas ocupa o espaço que deveria ser do petróleo. Portanto, quanto mais água negra misturada aos tanques, menor a capacidade de produção da refinaria. De modo que empresas como a Petrobras têm todo o incentivo para se livrar dela sem o devido cuidado.
A mesma lógica aplica-se à exploração de petróleo em outras costas. Nos Estados Unidos e na Austrália, os limites para o descarte de água negra são similares aos do Brasil. Mas lá, ao contrário do que ocorre aqui, há fiscalização. Na Noruega, um dos maiores produtores de petróleo do mundo, a conversa é diferente: persegue-se a meta de “poluição zero” no descarte de água negra – meta já cumprida nas plataformas mais modernas, que dispõem de tecnologia para limpar e reaproveitar poluentes. A Inglaterra adotou a mesma filosofia.
A mensagem
Para os brasileiros
A negligência no tratamento de resíduos pode provocar crime ambiental
Para o país
É preciso definir claramente quem é responsável pela fiscalização das empresas petrolíferas
Na prática, de acordo com os depoimentos dos funcionários da Petrobras, nada é tratado nos terminais de Cabiúnas e de Ilha Grande. O gerente de Cabiúnas, Paulo Nolasco Barreto, disse ao delegado Scliar que o terminal “não possui estação de tratamento de efluentes”. Há uma estação antiga e desativada, segundo ele, “inoperante há cerca de seis ou sete anos”. O gerente do terminal de Ilha Grande, Virmar Muzitano, contou a mesma coisa a Scliar: o Terminal de Ilha Grande também não trata a água negra. Até existia uma estação em Ilha Grande, como em Cabiúnas, mas, de acordo com Muzitano, ela foi desativada por “ter ficado obsoleta”. Ambos afirmaram que a Petrobras “planeja” construir novas estações. “Se existia estação de tratamento nesses terminais, é porque há alguma coisa a tratar. Por que deixaram chegar a esse ponto?”, diz Scliar. Ninguém na Petrobras soube responder a ele. Flávio Santos de Araújo, gerente executivo da Petrobras na área de meio ambiente, disse em depoimento não saber que as estações de tratamento de dois dos principais terminais da Petrobras estão desativadas: “São tantas as unidades da Petrobras no âmbito (dele) que não há como conhecer essas informações”.
Outros deslizes da Petrobras (Foto: Antonio Scorza/AFP, Dado Galdieri/AP e reprodução)
O petróleo e a água negra desses terminais seguem para a Reduc. Em abril deste ano, o gerente da Reduc, Antônio César Aragão Paiva, admitiu à PF que a estação da refinaria não trata a água negra que lá chega. Dias depois, outra gerente da Petrobras, Carla Gamboa, confirmou que não há tratamento algum na Reduc. “A estação de tratamento de efluentes tem limitações por ter ficado obsoleta”, disse Carla ao delegado Scliar. Ela não soube dizer há quanto tempo a estação funciona, ou deixa de funcionar. Podem ser “30, 40 ou 50 anos”. Carla contou, porém, que a Petrobras planeja, desde 2007, investir em reformas para melhorar a limpeza dos poluentes. “Os processos dentro da Petrobras são lentos (…) realmente complicados, tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista burocrático”, disse. Como os dois gerentes são os responsáveis, dentro da Petrobras, pelo descarte de poluentes na Reduc, ambos foram indiciados por crime de poluição. Se forem condenados, podem cumprir de um a cinco anos de prisão.
Da Reduc, a água negra segue para o Terminal de Ilha D’Água. Dias depois dos depoimentos dos funcionários da Reduc, o engenheiro da Petrobras Rafael Feldman, gerente do Terminal de Ilha D’Água, depôs. Confirmou que o terminal recebe a água negra e que o poluente é bombeado para os tanques de cargas dos navios. O destino? Alto-mar – o que é ilegal. Ao todo, a quantidade de água negra devolvida ao mar no ano passado foi de 546.000 metros cúbicos, o suficiente para encher 218 piscinas olímpicas. A própria Petrobras reconhece isso num relatório a que ÉPOCA teve acesso. Nele, sugere-se a construção de um emissário no Terminal de Ilha Grande, para tratar água negra em terra e descartá-la no mar. “Não há respaldo legal na atual legislação ambiental que permita o descarte de água de formação, mesmo que após tratamento, em áreas oceânicas afastadas da costa, através de navios”, escrevem os técnicos da Petrobras. É assim que a Petrobras descarta hoje grande parte de sua água negra.
No curso da investigação, Scliar descobriu que isso acontece, em parte, porque não há fiscalização. A Agência Nacional do Petróleo (ANP), afirmou, em ofício à PF, que não tem nada a ver com o assunto. “Água salina não é objeto de regulação desta agência”, diz a ANP. Há quatro meses, o Ibama informou que também não tem muito o que fazer. Em depoimento a Scliar, o fiscal do Ibama Carlos Magno de Abreu – responsável no governo por inspecionar a poluição da Petrobras – disse que o Ibama tem somente 20 funcionários para fiscalizar todas as plataformas do Brasil. Disse também que eles não têm acesso à água negra despejada pela Petrobras no mar – e, se tivessem acesso, não têm instrumentos para avaliar com precisão os poluidores. Carlos Magno contou que, até 2007, não havia nenhuma fiscalização. Hoje, a Petrobras contrata laboratórios para fazer esse serviço. Eles medem apenas os índices de óleo e graxa (deixam de lado outros poluentes, como bário e cádmio), e a Petrobras manda cópia dos relatórios ao Ibama. Silvana Medeiros, outra funcionária do Ibama, reconheceu que o governo não fiscaliza a Petrobras, embora conceda licenças ambientais para suas operações. Disse que o Ibama “atua apenas nos casos emergenciais de derramamento de petróleo”. “Isso é muito grave”, diz Scliar. “O Ibama não tem condições de fiscalizar: não tem helicóptero, não tem peritos, nada. Então a Petrobras paga a alguém para fiscalizá-la? Como garantir que esse trabalho seja feito com a lisura necessária?”
A legislação a respeito do descarte de poluentes foi formulada sob influência fortíssima da Petrobras. Os regulamentos são estabelecidos pelo governo, num órgão chamado Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Ele se compõe de representantes de cinco setores: órgãos federais, estaduais e municipais, empresários e sociedade civil. É presidido pelo ministro do Meio Ambiente. ÉPOCA teve acesso às atas das reuniões do Conama que, em 2005 e em 2006, levaram à mudança na lei que regula o descarte de água negra. Até aquele ano, limitava-se a 20 miligramas por litro o nível médio de óleo e graxas presentes na água negra despejada no mar. “A tendência mundial é a busca do descarte zero”, disse um técnico do Ibama. A Petrobras sugeriu 30 miligramas por litro. A ANP, em seguida, propôs 29. Parecia um leilão. O representante da Petrobras, o engenheiro Luiz Molle Júnior, afirmou: “Sei que posso estar colocando minha cabeça na degola porque estou declarando, alto e bom som, e ficará registrado, que praticamos valores acima de 20 (...) Quando o volume de água produzida aumenta muito, a gente vai chegar a ter muita dificuldade para atingir os 20”. Ao final das reuniões, o limite ficou em 29. Em julho de 2007, a nova resolução foi assinada pela então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Há dois meses, o delegado Scliar enviou seu relatório final sobre o caso ao MP. “Poucas plataformas da Petrobras possuem estações de tratamento”, diz o relatório. “Os terminais para onde é enviada a água de produção não possuem estações de tratamento. As refinarias não tratam a água de produção, e a enviam para embarque em navios, onde, sem tratamento algum, serão despejados em alto-mar.” Renato Machado, o procurador da República que recebeu o inquérito, disse a ÉPOCA que apresentará denúncia criminal. E que encaminhará os achados à Procuradoria-Geral da República, que deverá pedir investigações em todos os Estados com plataformas em sua costa.
Indagada sobre as investigações da PF e do MP, a Petrobras afirmou em nota que “o tratamento de água produzida nas plataformas de produção da Petrobras segue o padrão de descarte estabelecido pela Resolução Conama 393, semelhante aos padrões dos Estados Unidos e da Europa. As plataformas que realizam descarte de água produzida o fazem com aprovação do Ibama em processo de licenciamento ambiental, obedecendo ao parâmetro estabelecido pela Resolução Conama (...) A Refinaria Duque de Caxias não lança água de produção no rio Iguaçu. A Petrobras, como outras empresas operadoras de plataformas, coleta amostras diariamente e as análises seguem fielmente a legislação vigente. Também informa anualmente através de relatórios os resultados de monitoramentos realizados e metodologias adotadas em cumprimento à Resolução do Conama 393. O Ibama dispõe de todos os relatórios”. A nota diz ainda: “Todas as discussões que houve por ocasião da elaboração da Resolução Conama 393 foram públicas, assim como públicas e legítimas foram as propostas de parte a parte, como é de praxe em todos os processos de construção de ideias ou regulamentos”.

HUMOR A Charge do Chico Caruso



O Brasil vai mudar?, por Ruy Fabiano


POLÍTICA


Quando, em 1992, o Senado decidiu impor o impeachment a Fernando Collor – o primeiro da história -, o país supôs estar diante de um marco divisor. O Brasil do passado, dos políticos corruptos e impunes, estava definitivamente derrotado.
Seríamos, a partir dali, um país-modelo.
Houve celebrações, gastou-se muita tinta e papel, sociólogos e cientistas políticos foram entrevistados na TV e o público não duvidava: o novo Brasil começara. “Vamos passar o Brasil a limpo”, dizia um conhecido âncora de telejornal.
Eis que, um ano depois, vem à tona novo escândalo, o primeiro da “nova era”: o orçamento da República estava sendo adulterado na comissão mista do Congresso.
Parlamentares, entre os quais ilustres cabeças coroadas, aprovavam emendas destinando dinheiro público a entidades filantrópicas de fachada, ligadas a parentes e laranjas. Com as grandes empreiteiras – as maiores do país -, acertavam comissões, em troca de polpudas verbas para obras faraônicas.
Instalou-se uma CPI, a dos Anões do Orçamento, e foram cassadas lideranças influentes, renovando a crença de que o país havia mudado, que se tratara apenas de um resíduo do passado, punido exemplarmente.
Num país, dizia-se, em que o próprio presidente da República havia sido destituído por corrupção, não havia ninguém mais inimputável. O PT, então o mais vibrante partido de oposição, duvidava disso tudo.
Empenhava-se em mostrar que o impeachment e as cassações de mandatos de parlamentares eram meros acidentes de percurso, que a mentalidade delinquente, fruto de uma sociedade burguesa e de um modelo econômico que concentrava renda, não mudara – e não mudaria com nenhum dos partidos que disputavam o poder.
Mas acenava com a esperança: era possível, sim, um novo mundo – e que, quando o PT chegasse ao poder, iria implantá-lo. Somente aí haveria um Brasil justo, transparente e decente.
Pois bem: os acontecimentos lhe deram razão. A corrupção não cessou. Continuou sua rota de sempre, até que, a certa altura – as eleições de 2002 –, o eleitor decidiu apostar no Brasil novo do PT.
Elegeu Lula presidente da República, na expectativa de estar virando uma página da história. Bastaram, porém, dois meses de governo e veio à tona o primeiro escândalo da nova “nova era”: o sub-chefe da Casa Civil, Waldomiro Diniz, braço direito do ministro José Dirceu, encarregado das articulações parlamentares, fora filmado pedindo propina ao bicheiro Carlos Cachoeira. Foi demitido, mas ninguém questionou o comando a que servia.
Na sequência, dois anos depois, veio à tona o Mensalão, que só agora está sendo julgado. Por absoluta apatia da oposição, que fez muito barulho no início, mas depois silenciou, certa de que Lula perderia sozinho a reeleição, mas o PT manteve-se no poder.
Lula, de início, pediu desculpas ao país; depois disse que era tudo caixa dois, prática, segundo ele, generalizada (o que, claro, não a legitima); por fim, negou sua existência, dizendo que não passava de uma tentativa de golpe contra seu governo. E fez sua sucessora.
No governo Dilma, nada menos que sete ministros – todos indicados por Lula - foram demitidos na esteira de escândalos de corrupção. E eis que este ano, sete anos após as denúncias, o Mensalão começou a ser julgado.
O ceticismo popular era inevitável. Dizia-se que o Supremo Tribunal Federal, na melhor das hipóteses, absolveria os grandes e condenaria os pequenos.
Não está sendo assim. O Tribunal está condenando os grandes, indiferente à retórica dos medalhões da advocacia. Instalou-se então um ambiente oposto, de euforia: o país está mudando, jamais o Brasil voltará a ser o mesmo; já não é necessário ato de ofício para condenar corruptos (que nunca deixam ato de ofício), a jurisprudência mudou etc.
Mais uma vez, o país está diante da oportunidade de um marco divisor. Mudará? Se depender da oposição, não.
Não se ouve uma palavra das lideranças oposicionistas, que nem sequer se deram ao trabalho de frequentar as sessões do STF. O PT quis proibir menção ao mensalão, chegando a ingressar no Tribunal Superior Eleitoral com esse pedido, obviamente rejeitado. Não precisava se preocupar.
Com uma oposição gentil como a que aí está, não há razão para temor. Lula deve estar pensando que se preocupou à toa, ao pressionar ministros do STF e ao proclamar que o mensalão jamais existiu.
O PT, que dizia deter o monopólio da moralidade, protagonizou a maior imoralidade da história republicana. Mas a oposição não parece ver nisso nenhum problema. Em algum momento, quando estiver se extinguindo, há de se identificar com o famoso verso de Rimbaud: “Por delicadeza, perdi minha vida”.

Ruy Fabiano é jornalista

A associação entre crime e política (Editorial)


O Globo

Passadas as primeiras sessões de julgamento do mensalão, ou da Ação Penal 470, é possível que as atenções para o plenário do Supremo Tribunal Federal tenham se reduzido. Mas é provável que o julgamento volte a conquistar audiência quando estiver na pauta a ação do “núcleo político” da “organização criminosa” denunciada pelo Ministério Público Federal, em que se destacam o ex-ministro José Dirceu, além de José Genoino e Delúbio Soares, ex-presidente e ex-tesoureiro do PT.
Continua sendo um exercício arriscado prever o destino dos réus ainda não julgados, mas, vencidas as primeiras “fatias” do julgamento, se ainda é temerário arriscar profecias, pode-se, ao menos, identificar um esboço nítido de um caso de fato histórico em que a política e a criminalidade se deram as mãos como poucas vezes visto com tamanha nitidez.
Fora o destino do deputado João Paulo Cunha, de Marcos Valério e sócios, no caso dos R$ 50 mil pagos ao ex-presidente da Câmara — em que houve total divergência entre os ministros Ricardo Lewandowski, revisor do processo, e Dias Toffoli, convencidos da inocência dos acusados, e o resto da Corte, que os condenou —, não ocorreram até agora grandes discrepâncias nos veredictos.
A divergência é mais sutil, e só deve ser esclarecida, por maioria de votos, daqui para a frente.
Pelos votos dados e exposições feitas, Lewandowski e Toffoli parecem considerar estanques alguns dos grupos denunciados pelo MP. E também não se pode entender a concordância dos dois com condenações defendidas pelo relator, Joaquim Barbosa, como indício de que reconhecem a existência do mensalão.
Por esta visão, Henrique Pizzolato transferiu milhões do Banco do Brasil para Marcos Valério apenas em troca de propina. Houve, sim, fraude nos empréstimos liberados pelo Banco Rural a Marcos Valério — mas em troca da ação deste como lobista em Brasília.
Esta interpretação dos fatos será discutida quando surgir de forma direta a tese de que todo aquele movimento de dinheiro sujo serviu “apenas” para abastecer caixa dois de partidos e políticos. E não para a compra de apoio e votos no Congresso.
Haja o que houver, o cenário que já emerge do julgamento não deixa bem grupos do PT e partidos aliados. Seja caixa dois ou mensalão, não importa, materializa-se no Pleno do STF um enorme golpe com desvio de dinheiro público e tráfico de influência por interesses político-partidários.
Explica-se o destempero do presidente do PT, Rui Falcão. Diante de um início de julgamento pouco promissor para mensaleiros do partido, o dirigente denunciou um risível “golpe” da “direita”, com a indefectível inclusão da “mídia conservadora”, do qual o STF seria “instrumento”.
Além de ser um ataque demente a um tribunal que dá constantes demonstrações de seriedade e equilíbrio, o militante tenta ressuscitar uma desculpa hilariante. Se nunca foi levada a sério a tese do “golpe”, depois de iniciado o julgamento ela virou de vez piada de salão.

Já deu, Mano! Cai fora e leva o Marin


Blog de Ricardo Kotscho

fotomontagem1 Já deu, Mano! Cai fora e leva o Marin
O título acima já estava pronto ao final do primeiro tempo do amistoso do Brasil contra a África do Sul, na tarde desta sexta-feira, no Morumbi, em que mais uma vez vimos como vai mal o outrora melhor futebol do mundo. Com esta seleção de Mano e Marin, não teremos a menor chance na Copa de 2014.
Não dá mais, chega! Em casos normais, é o presidente quem demite o treinador. Como isso não vai acontecer, porque os dois são igualmente medíocres e covardes, Mano Menezes poderia fazer o favor de pedir o boné e levar junto com ele o tal de José Maria Marin e seus óculos escuros panorâmicos, legítimo herdeiro de Ricardo Teixeira como dono da massa falida da CBF.
Faz mais de dois anos que o técnico escolhido por Teixeira para o lugar de Dunga, após o vexame na Copa da África do Sul, prova a cada jogo que é incapaz de montar um time de futebol com a camisa da seleção brasileira, depois de testar um caminhão de jogadores. Pouco importa que o Brasil tenha achado um gol e vencido por 1 a 0, com um gol do incrível Hulk. Vale o pedido que faço no título.
Jogamos tão mal que Mano, um técnico sempre muito agitado à beira do gramado, que passou as Olimpíadas gritando com os jogadores e xingando os juízes, ficou o tempo todo encolhido no banco de reservas com medo de ser vaiado.
No final do jogo, com o Brasil todo recuado para garantir a "goleada" contra uma seleção de jogadores apenas esforçados e muito ingênuos, as vaias da torcida que lotou o Morumbi gritaram que chegamos ao fundo do poço. E não vamos fazer nada, não vai acontecer nada, fica tudo por isso mesmo, faltando menos de dois anos para a abertura da Copa no Brasil?
Ganhar ou perder faz parte da vida, mas é preciso ter um mínimo de competência e vergonha na cara para vestir a camisa e comandar uma seleção pentacampeã do mundo jogando em casa.
Quem o caro leitor do Balaio colocaria no lugar de Mano?
E para a vaga de Marin, se um dia for aberta, temos algum candidato?

Verdade conveniente, por Miriam Leitão


Verdade conveniente, por Miriam Leitão

Miriam Leitão, O Globo
Quem olhar só os números achará que o governo Barack Obama aumentou o desemprego, o déficit e a dívida. Mas quem sabe o que se passou na história recente americana entende que estourou no colo do presidente uma bomba de efeito retardado. Os republicanos, claro, apresentaram só os números em sua convenção. Os democratas tentaram contextualizar a crise.
Na comparação das duas convenções, um fato salta aos olhos. Os republicanos não levaram o ex-presidente deles. George Bush atrapalharia. Os democratas deram o momento de honra ao ex-presidente deles. Coube a Bill Clinton oficializar a candidatura de Obama num discurso em que esbanjou charme e argumentos. Clinton tem mais popularidade que Obama e sua presença traz a lembrança dos velhos e bons tempos.
Nos anos dourados de Clinton houve quase pleno emprego, a economia aumentou a produtividade, o país teve superávit, a dívida bruta caiu para 54%. Essa herança foi dilapidada por Bush, que teve déficit todos os oito anos, pelos enormes custos das duas guerras que iniciou.
Quem olhar o desemprego e não souber do contexto achará a administração Obama um desastre. A taxa salta de 6% para quase 10% no primeiro ano de governo. Mas isso foi uma crise herdada. Clinton repôs o contexto. Lembrou que nas seis semanas antes de Obama ser eleito o país viveu o pior crash desde a Grande Depressão. E fez outra conta:
— De 1961 para cá, os republicanos governaram o país por 28 anos, e os democratas, por 24 anos. Nesse período, foram criados 66 milhões de empregos: 24 milhões pelos republicanos e 42 milhões pelos democratas.
Ele creditou essa diferença aos valores do Partido Democrata. A diversidade, as oportunidades iguais, a rede social são, disse Clinton, boas para a economia. O que não disse é que Obama conquistou avanços, mas ficou aquém da revolução que prometeu ser.
Na política é assim. Cada um conta sua verdade conveniente. Lá e cá. A briga entre o ex-presidente Fernando Henrique e a presidente Dilma mostrou isso.
FH errou ao tentar separar Lula e Dilma. A presidente não estaria em sua cadeira se não fosse Lula. Ela tem inegáveis méritos, mas sem Lula sequer seria escolhida pelo partido.
Quando respondeu, a presidente desafinou. O país não estava sob intervenção do FMI quando FH entregou o governo. Fora pedido um empréstimo ao Fundo para ser quase todo liberado no governo Lula. Era para ajudar a transição.
A fuga de capitais era medo do velho programa econômico do PT, em boa hora abandonado. Não havia risco de apagão em 2003. Houve em 2001. Quando Lula assumiu, o problema estava resolvido.
A nota da presidente ataca FH, mas não rebate seus argumentos. Fernando Henrique, por sua vez, ataca a “crise moral”, mas no caso de Eduardo Azeredo o PSDB o defendeu e, na época, o manteve na presidência do partido.
Dilma disse que Lula é “um democrata que não caiu na tentação de mudança constitucional que o beneficiasse”. FH carregará sempre o peso de ter aprovado a reeleição no meio do mandato, mas o PT no poder não a aboliu.
Dilma disse ter recebido “uma economia sólida, com crescimento robusto, inflação sob controle, investimentos consistentes em infraestrutura e reservas cambiais recordes”. As reservas eram recorde, a inflação estava sob controle porque foram mantidas as bases do Plano Real de FH.
Os investimentos em infraestrutura foram baixos nos dois governos. Agora, se o crescimento era mesmo “robusto”, a culpa do pibinho dos últimos dois anos recai inteiramente sobre ela. E essa ideia não é conveniente para a governante.

O sabor do bolo, por Cristovam Buarque



Por 50 anos, as forças conservadoras têm dito que é preciso crescer o bolo para depois distribuir; e as forças progressistas afirmam que é preciso distribuir para fazer o bolo crescer. O bolo cresceu, mas ficou amargo. É hora de pensar qual o sabor que desejamos para o bolo produzido pela economia brasileira.
Nesse período, a produção cresceu e nos fez a sexta economia do mundo, com R$ 4,1 trilhões por ano, sendo R$ 21 mil para cada brasileiro; as ruas estão cheias de carros e as casas de eletrodomésticos.
Mas ao redor desta abundância, o país continua entre os mais desiguais do mundo, com 10% de sua população analfabeta; 3,8 milhões de crianças fora da escola, das quais muitas nas ruas; as notas do IDEB envergonham e amarram o progresso; as florestas queimam; os campos estão vazios e as cidades inviáveis.
Além disso, a violência no trânsito e no crime deixam cerca de 100 mil mortos por ano, além de dezenas de milhares de deficientes que fazem o Brasil parecer um país recém-saído de uma guerra.
O crescimento econômico baseado no aumento do consumo no mercado interno e na produção de commodities está se esgotando pela falta de poupança e investimentos, pelo endividamento das famílias, por razões ecológicas ou pelo risco de redução na demanda externa.
O estado de bem-estar, incluindo as transferências de renda, não está criando portas de saída para a pobreza e se esgota financeiramente.
O futuro, mesmo se o bolo crescer, não parece promissor. No lugar de crescer para distribuir ou distribuir para crescer, é preciso mudar a receita do bolo, reorientar o propósito do padrão do avanço econômico, social, ecológico e cultural.
O crescimento econômico deve ser visto como um meio para alcançarmos uma sociedade, na qual as pessoas possam andar sem medo; sem a vergonha da posição no campeonato mundial de concentração de renda.
Tenha competitividade decorrente de uma população educada e culta; com um sistema de saúde que atenda nossa população; com todas as crianças bem cuidadas, em boas escolas; com um Estado eficiente, capaz de reduzir a carga fiscal e usar os recursos obtidos para oferecer serviços com qualidade ao público de hoje e do futuro; com processo produtivo capaz de concorrer no mercado internacional, não apenas por custo baixo, mas, sobretudo, pela capacidade de inovar e oferecer novos produtos baseados em alta tecnologia.
Tudo isso deve ser parte da receita para o bolo que, ao crescer, carregará o bem-estar social e a distribuição dos benefícios no presente e no futuro.
Para construir esse novo bolo, é preciso mudar o perfil do PIB, não apenas fazê-lo crescer. Ele deve ser produzido a partir do respeito ao meio ambiente e equilíbrio social e priorizar investimentos que levem o país a ter um novo retrato, especialmente na educação de qualidade para todos.
Porque a educação é o principal condimento do sabor desejado para o bolo que queremos.

Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF.


Funcionário com celular ligado passará a receber hora-extra


13:31, 8 DE SEPTEMBER DE 2012
IGORPAULIN
 

É comum que algumas empresas deem celulares a seus funcionários e os deixem em “regime de sobreaviso” durante as folgas, sem remunerar esse período. O Tribunal Superior do Trabalho deve equiparar o sobreaviso às horas extras nesta semana. A mudança deverá ocorrer na revisão de súmulas programada para os próximos dias.

Falta de ambição atrapalha educação no Brasil


Gustavo Ioschpe


Em artigo publicado em VEJA desta semana, o economista Gustavo Ioschpe diz que melhorar o sistema de ensino precisa ser parte de um projeto nacional

ALUNOS PRESTAM PROVA DO ENEM - No Brasil, há uma estranha percepção de que recompensar os melhores e mais aplicados seria romper o éthos republicano. Aqui se mira abaixo do que se deveria
ALUNOS PRESTAM PROVA DO ENEM - No Brasil, há uma estranha percepção de que recompensar os melhores e mais aplicados seria romper o éthos republicano. Aqui se mira abaixo do que se deveria (Alessandro Shinoda/Folhapress)
Fui fazer faculdade nos Estados Unidos em 1995 e depois voltei para mais dois anos de mestrado lá. Saí mais otimista em relação ao Brasil do que quando cheguei. Até aquela época, o contato com os EUA se resumia a férias, filmes e encomendas trazidas de viagem. Sob esse prisma, o país parecia uma Terra Prometida, onde tudo era bom e barato e as pessoas, ricas e civilizadas. Se era assim na média, imaginei que depararia com verdadeiros super-homens nas universidades Ivy League para as quais me dirigia. Felizmente, eu me decepcionei. Meus colegas americanos eram muito mais ignorantes e superficiais do que eu imaginara. E, fora as questões intelectuais, me chamou a atenção seu desajuste emocional. Parecia que todo mundo estava ou brigado com os pais, ou tomando antidepressivos ou indo a festas para beber até cair. Muitas pessoas se encaixavam nas três categorias. Se esse pessoal conseguiu construir a potência hegemônica do planeta, pensei eu, nós também podemos. Yes, we can!
A volta ao Brasil depois de oito anos foi, porém, surpreendente. Porque era (e segue sendo) claro que o país se divide em dois grupos. Um é cosmopolita, aguerrido, preparado e ambicioso. Gente que tem fome, que quer competir com o que há de melhor no mundo. Ayrton Senna. O outro é provinciano, malemolente, com baixa instrução, acomodado. Um pessoal que está satisfeito com o que a vida lhe deu. Macunaíma. Impossível quantificar construtos tão subjetivos, mas diria sem medo de errar que o segundo grupo é muito mais numeroso do que o primeiro.
Prova indireta disso é que os slogans dos presidentes democraticamente eleitos nas últimas décadas - portanto, afinados com a mentalidade coletiva - pertencem quase todos ao segundo grupo. Sarney: “Tudo pelo social”. Itamar: “Brasil, união de todos”. Lula I: “O melhor do Brasil é o brasileiro”. Lula II: “Brasil, país de todos”. Dilma: “País rico é país sem pobreza”. Todos esses olham para dentro e para trás: o foco é sanar desigualdades, incluir, corrigir os erros do passado, glorificar o que temos. Com exceção do “Avança, Brasil” de FHC, ninguém faz menção ao mundo exterior ou ao futuro, ninguém almeja tornar o Brasil aquilo que, até por suas dimensões e riquezas naturais, ele deveria naturalmente querer ser: uma potência mundial.
Compreender e explicar essa acomodação está além deste espaço e deste colunista, mas as consequências desse espírito são claras: ficamos muito abaixo do que poderíamos ser. Tanto a literatura acadêmica (disponível em twitter.com/gioschpe) quanto a minha experiência de vida têm me mostrado que a gana individual - perseverança, resiliência, ambição - é fator fundamental no sucesso de uma pessoa, aliada à qualidade de sua formação. Não faltam inventividade e persistência ao brasileiro: o problema é que os sonhos de muitos compatriotas são bem mais acanhados do que poderiam ser. Alguém já disse que o homem prudente é como o bom arqueiro: mira sempre um pouco acima do alvo. O Brasil já mira abaixo do que deveria, e portanto acaba alcançando ainda menos do que ambiciona.
Em nenhum lugar esse rasgo da nossa psique está mais aparente e imbricado com uma complexa relação de causalidade do que em nosso sistema educacional. Se a nossa pouca ambição já vem de família, certamente ela é muito reforçada em nossas escolas. Em um perfil do professorado brasileiro traçado pela Unesco e pelo MEC, 75% dos professores declararam preferir a igualdade à liberdade. O objetivo da nossa escola é homogeneizar, não desenvolver talentos. Um levantamento de 2007 do Inep, o órgão de pesquisas do MEC, identificou 2 553 alunos superdotados na educação brasileira. Para identificar menos de 3 000 superdotados em uma rede de mais de 50 milhões de alunos é preciso um esforço consciente de cegueira. Eis aí uma diferença básica entre o que vivi em escolas brasileiras e universidades americanas: aqui, o bacana era o cara que não estudava, baladeiro, safo. O aluno aplicado é “nerd”, otário. Lá, assim como em outros sistemas educacionais de ponta, valorizado é o aluno que estuda muito e tira ótimas notas. Nos EUA, os melhores alunos entram para honors lists; na Alemanha, há sistemas educacionais diferentes para aqueles com ambições acadêmicas mais altas; na China, os alunos são ranqueados e precisam de boas notas para adentrar as melhores escolas e, depois, as universidades. Aqui, o histórico escolar da pessoa não importa. O jogo é zerado no momento da entrada para a universidade, decidido por meio de um único teste (vestibular ou Enem). No Brasil, há uma estranha percepção de que recompensar os melhores e mais aplicados seria romper o éthos republicano. Nossos professores descreem de seus pupilos: só 7% deles acreditam que quase todos os seus alunos chegarão à universidade, segundo questionário da Prova Brasil 2009. Nosso desastre educacional também desestimula ambições ao tirar do brasileiro o preparo intelectual que é o pré-requisito para voos mais altos. Pesquisa do Inaf mostra que 74% dos adultos brasileiros não são plenamente alfabetizados. Com esse despreparo, sonhar muito alto pode ser sinal de doença psiquiátrica.
A má educação causa a falta de ambição e é também causada por ela. Nos países que deram grandes saltos, a educação não foi percebida como um fim, mas como parte de um projeto nacional. China do século XXI, Coreia da década de 70, Estados Unidos dos anos 30, Japão do pós-guerra: nesses e em outros casos, os países perseguiam um sonho de grandeza. A educação não era o ponto de chegada, mas parte da ponte até o futuro glorioso. Parte do nosso problema é que, ao não termos um projeto nacional inspirador, a educação deixou de ser uma questão dos brasileiros e se tornou propriedade dos professores e funcionários. Alguns deles têm espírito público e generosidade e fazem o melhor que podem para os seus alunos e, consequentemente, o país. Mas a maioria acaba se acomodando em um sistema que não incentiva o mérito, nem pune o demérito; as únicas causas que defendem são as suas próprias.
Mas será que precisamos ser mais ambiciosos? O Brasil já apareceu nas primeiras posições em levantamentos internacionais de felicidade. Os céticos dirão que optamos por menos ambição e desenvolvimento em troca de mais bem-estar, sociabilidade e alegria. Acho essa uma falsa dicotomia. É possível ser simultaneamente desenvolvido e alegre. Na última pesquisa Gallup sobre felicidade mundial, realizada de 2005 a 2011, os dez primeiros colocados eram todos do Primeiro Mundo e os dez últimos, subdesenvolvidos. Sou cético quanto à qualidade de uma escolha tomada em situação de pobreza intelectual como a que temos no Brasil. Longe de mim sugerir que analfabetos não devam poder decidir sobre a vida deles. Democracia e liberdade são valores supremos. Mas seria demagógico supor que a qualidade das decisões que uma pessoa toma não muda com melhorias radicais de instrução. Pesquisas mostram que pessoas mais instruídas fumam menos e são mais saudáveis. Finalmente, não creio que seja lógico ou ético optar pelo nosso atual patamar de desenvolvimento, quando ele significa que tantos milhões de pessoas estariam condenadas a uma vida indigna, da mais absoluta privação. Eu não teria problema de viver em um Brasil que, a exemplo da França, optou por reduzir a semana laboral, trocando riqueza por lazer e família - desde que o Brasil chegue ao patamar da França, em que há riquezas acumuladas para bancar a “preguiça” e validar a decisão de pegar leve. O Brasil ainda não chegou lá. Temos um caminho longo. Convém mirar mais alto do que vimos fazendo.

Após a comprovação, revelada por ISTOÉ, de que um homem ajudou Elize a esquartejar o marido, Ministério Público vai solicitar a abertura de novas investigações


O promotor assume o comando


Antonio Carlos Prado
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"O laudo de DNA é perfeito, e sempre trabalhei com
a hipótese de que Elize não fez tudo sozinha"

José Carlos Cosenzo, promotor de Justiça
A abertura de novo inquérito para investigar o esquartejamento do empresário Marcos Matsunaga, ex-diretor-executivo da Yoki, será solicitada pelo promotor de Justiça José Carlos Cosenzo. Ele tomou essa decisão na segunda-feira 3, após ISTOÉ revelar com exclusividade, em sua última edição, que “pelo menos um homem” ajudou Elize Araújo Matsunaga a cortar o corpo do marido que ela assassinara com um tiro na cabeça poucas horas antes, no apartamento do casal. A conclusão faz parte de um laudo de DNA elaborado pelo laboratório de biologia e bioquímica da Polícia Técnico-Científica de São Paulo. Na semana passada, logo depois de revelado o conteúdo desse laudo, a defesa de Elize procurou desqualificar o trabalho da perícia alegando que o sangue encontrado no quarto onde o cadáver do empresário foi dilacerado seria antigo. A tese não se sustenta. O exame de DNA, feito pela polícia científica, é claro ao provar que o sangue obtido no local é contemporâneo ao momento do esquartejamento. “O laudo de DNA é perfeito”, diz o promotor Cosenzo.
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REVELAÇÃO
Na edição da semana passada, com base em exames de DNA feitos pela Polícia Científica
e aos quais ISTOÉ teve acesso com exclusividade, ficou demonstrada a participação
de outra pessoa, além de Elize, no esquartejamento do corpo de Marcos Matsunaga
Antes do início do novo inquérito, que não paralisará o processo já em andamento sobre o assassinato, Cosenzo pedirá alguns esclarecimentos aos peritos que trabalharam no caso. Ele quer saber, por exemplo, se no laboratório de DNA existe ainda disponibilidade de sangue colhido no apartamento dos Matsunaga para a realização de possíveis provas comparativas – ou seja, comparar o DNA encontrado nas amostras de sangue coletadas no apartamento com o sangue de eventuais suspeitos. “Temos no laboratório sangue armazenado e está à disposição da Justiça”, disse à ISTOÉ na terça-feira 4 a diretora do laboratório de DNA e responsável por sua implantação, professora-doutora Eloisa Auler Bittencourt. Também serão requisitadas ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o caso, todas as fitas do sistema de segurança do edifício – não apenas as imagens do dia do crime, mas as gravações dos dias que o antecederam e dos dias posteriores. Isso porque o DHPP garante que ninguém suspeito entrou no apartamento ou saiu dele. Ocorre, porém, que determinadas áreas de acesso no edifício, como garagem e escadarias, não eram monitoradas por câmeras à época do crime. “Sempre trabalhei com a hipótese de que Elize não fez tudo sozinha”, diz o promotor.

Enquanto os grandes da América Latina empacam, o pequeno Panamá está bombando e cresce 10% ao ano



Economia em ebulição: vista aérea da capital, Cidade do Panamá, com o recém-inaugurado Hotel Trump (em forma de vela) à esquerda, maior torre da América Latina (Foto: Gobierno de Panamá) 
O Brasil está às voltas com o chamado “PIBinho” — crescimento insuficiente do Produto Interno Bruto, que tem feito a presidente Dilma Rousseff promover uma virada ideológica e partir para privatizações e parcerias com a iniciativa privada.
O governo de Cristina Kirchner na Argentina mente sobre a inflação, promove crescimento artificial às custas dos cofres públicos e vê o capital estrangeiro sair correndo do país, ao som do tique-taque da bomba relógio que, cedo ou tarde, vai explodir. O México, outro grande latino-americano, está em compasso de espera diante da titubeante volta do vigor da economia de seu gigantesco vizinho e principal parceiro comercial, os Estados Unidos.
Nesse quadro de pasmaceira na América Latina, o pequeno Panamá é a grande exceção: um espetacular crescimento de 10% ao ano e uma dívida de somente 2,5 % do PIB que o digam. Com crise mundial e tudo, o FMI espera que o país cresça a uma média de 6% ao ano até 2016.
Dessa forma, essa ex-colônia espanhola que já fez parte da Colômbia está a anos-luz de distância de vários de seus vizinhos. A lista abrange desde o caudilhismo populista ou simplesmente ditatorial de Venezuela, Nicarágua ou Cuba até a pobreza extrema do Haiti, passando pelos recordistas e assustadores índices de criminalidade de Guatemala ou Honduras.
O canal
Parte do bom momento, como não poderia deixar de ser, se justifica pela atividade no Canal do Panamá, cujos 82 quilômetros de extensão garantem a importantíssima conexão dos oceanos Pacífico e Atlântico. Antes de sua inauguração, em 1914, navios cargueiros e petroleiros precisavam dar uma volta de 14 mil quilômetros, pelo Cabo de Horn, ponta sul do Chile, para ir de um ao outro oceano.
Construído por engenheiros da França e dos Estados Unidos – que comprou a concessão por sua posse em 1904 e assumiu a obra -, o canal já deu passagem a mais de 1 milhão de navios até hoje.

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Imagem da abertura do canal, em 1904 (Foto: canalmuseum.com)
Foi devolvido definitivamente ao Panamá em 1999 – conforme acordo com o governo do Panamá assinado 22 anos antes pelo presidente norte-americano Jimmy Carter, e que custou ao posteriormente Nobel da Paz quase um linchamento por parte dos setores ultraconservadores do Congresso dos Estados Unidos. Desde então, com uma administração considerada exemplar a cargo de uma entidade pública autônoma, sem interferência do governo, experimenta um renascimento comercial.
Desde 1999, o Canal já rendeu aos cofres panamenhos 6,1 bilhão de dólares — uma fábula para um pequeno país de 72 mil quilômetros quadrados 3,5 milhões de habitantes (a soma das populações de Guarulhos, Campinas e Goiânia). Atualmente suporta 5 % do tráfego marítimo mundial, com uma média de 40 cargueiros por dia. Esses números, já muito positivos, estão prestes a mudar em ritmo exponencial.
O novo canal
A excelente perspectiva se baseia na monumental ampliação da via interoceânica, iniciada em 2007 após ser aprovada em referendo nacional no ano anterior e orçada no equivalente a 13,4 bilhões de reais.
Com comportas de 426,72 metros de comprimento, 54,86 de largura e 18,29 de profundidade – medidas entre 25 e 50% maiores que atuais -, o novo canal deverá acomodar cargueiros muito maiores, aumentando sua capacidade em 3% ao ano, com a previsão de atingir o dobro da de 2005 no ano de 2025. As estimativas também contemplam a triplicação do potencial de arrecadação para o Estado.
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Obras de ampliação do canal (Foto: blog.newsok.com/thewanderer)
Uma ótima notícia tanto para os empresários panamenhos como para o governo do presidente Ricardo Martinelli – empresário dono de uma rede de supermercados – e seus colegas norte-americanos e chineses. As duas maiores economias do mundo são as maiores clientes do canal, tendo transportado por ali, juntas, no ano passado, 197 milhões de toneladas (144 milhões dos Estados Unidos, 53 milhões da China).
Aeroportos, portos, estradas, hospitais… 
O cenário gera mais otimismo diante da informação de que o investimento na verdadeira mina de ouro que é o canal apenas integra um plano bem maior dedicado às infraestruturas do país.
Ao final do período entre 2009 e 2014 – ano do centenário do Canal e da abertura de sua nova versão – cerca de 43 bilhões de reaus terão sido gastos não apenas no revolucionário acesso marítimo e obras complementares, como duas pontes sobre suas águas, mas também de uma série de itens que o Brasil, por exemplo, não consegue concretizar: a ampliação de cinco aeroportos, a universalização do saneamento básico, e a construção do metrô da capital, de portos, estradas, escolas e hospitais.
Além disso, o Ministério de Obras Públicas panamenho busca parcerias público-privadas – responsável pelo aquecimento de outro setor local, o da construção, que coalhou a capital e outras cidades de arranha-céus de 50 andares e mais - para explorar melhor um dos potenciais que por ora dá muito mais fama aos vizinhos: o turismo.
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As parcerias público-privadas aqueceram o setor de construção civil e dão um aspecto de constante canteiro de obras à Cidade do Panamá (Foto: Reuters)
O “milagre panamenho”, que faz com que, com grande exagero, o país já esteja sendo chamado de “a Singapura da América Latina”, não tem por base apenas o canal, mas uma legislação pró-negócios que atraiu grandes empresas dos setores financeiro e de seguros e deu segurança aos investimentos estrangeiros, que vêm sucessivamente batendo em 9% do PIB anualmente. As tarifas de importação, sobretudo para equipamentos e máquinas, são as mais baixas da América Latina.
Para ser uma Singapura, porém, o país precisa superar muitos obstáculos, a começar pela desnutrição das populações indígenas do interior e a má qualidade da educação. No ano passado, no último teste PISA, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de que participou — exame que afere o nível de alunos de 15 anos de diferentes países –, o Panamá ficou em 63º lugar entre 64 países avaliados.
Economia, como se sabe, não é tudo, é só um bom começo.

O companheiro egípcio que o governo Lula tentou instalar na direção-geral da Unesco é mais um ladrão a caminho da cadeia



Em maio de 2009, durante uma audiência no Congresso, o então chanceler Celso Amorim confessou que o governo Lula não queria o engenheiro brasileiro Márcio Barbosa na direção-geral da Unesco ─ sigla que identifica a Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura. Vice-diretor da entidade, Barbosa tinha o apoio da maioria dos 58 integrantes do comitê executivo. Só faltava o endosso do Itamaraty à candidatura. Mas Lula e Amorim nunca perderam uma chance de errar: preferiram um egípcio.
E que egípcio: Farouk Hosni, ministro da Cultura do ditador Hosni Mubarak, dormia sonhando com a destruição de Israel e acordava com alguma idéia cretina inspirada no Holocausto. Uma delas era a queima em praça pública  de todos os livros editados em hebraico. No sarau com os parlamentares, Amorim argumentou que Márcio Barbosa seria sacrificado no altar dos superiores interesses da pátria.
“Fizemos uma opção geopolítica”, pipilou o Pintassilgo do Planalto. “O Brasil tem uma política de aproximação com os países árabes e africanos, que apoiam a candidatura egípcia”. E as maluquices ditas e feitas pelo candidato? Algumas haviam sido “pouco felizes”, concedeu o executor da diplomacia da cafajestagem. “Mas tenho certeza de que ele pautará sua gestão à frente da Unesco por um diálogo de civilizações”.
Em junho de 2009, Barbosa desistiu formalmente da disputa.Para sorte da Unesco, Farouk Hosni foi derrotado em setembro por 31 votos a 27 pela diplomata búlgara Irina Bokova. Para alívio do mundo civilizado, meses depois perdeu o emprego e o poder com o desabamento da ditadura de Mubarak.
Na semana passada, enquanto Márcio Barbosa continuava concentrado na execução de megaprojetos culturais encomendados por países árabes, o escolhido por Amorim para aproximar o Brasil dos países árabes estava preso no Cairo. Nesta quarta-feira, Farouk Hosni começou a ser julgado pelo roubo de 2,35 milhões de euros dos cofres públicos. Vai ficar um bom tempo na gaiola.
Enfurnado no gabinete de ministro da Defesa, o Pintassilgo do Planalto avisou que não fala sobre assuntos externos. Lula faz de conta que nunca ouviu falar no ex-ministro da Cultura e quase diretor-geral da Unesco. Atarantado com os pedidos de socorro de mensaleiros em pânico e candidatos a prefeito em parafuso, o Protetor dos Pecadores não tem tempo nem cabeça para pensar no companheiro egípcio.
É só mais um bandido internacional de estimação em apuros. Se fingiu que mal conhecia o “amigo, irmão e líder” quando Muamar Kadafi matava oposicionistas em busca da sobrevivência impossível, não é com um Farouk Hosni que Lula vai desperdiçar o tempo que pode ser usado num comício.
Em janeiro de 2003, o presidente da República decidiu que a política externa brasileira faria a opção  preferencial pela canalhice. Gente assim não se aflige por tão pouco, nem perde o sono com parceiros em desgraça.