domingo, 8 de dezembro de 2013

Construtoras respondem por 66% dos maiores flagrantes de trabalho escravo do ano


  • Empresas do setor estão em cinco das dez maiores operações do MTE até 6 de dezembro
  • Fazendas aparecem em segundo lugar e confecções, em terceiro


Degradante. Alojamento de trabalhadores da OAS em obra de Guarulhos
Foto: Repórter BRasil / Stefano Wrobleski
Degradante. Alojamento de trabalhadores da OAS em obra de Guarulhos Repórter BRasil / Stefano Wrobleski
RIO - Os bons números do mercado de trabalho na construção civil têm sido acompanhados pelo aumento de flagrantes envolvendo situação de trabalho análoga à escravidão. As construtoras estão em cinco das dez operações que resultaram no maior número de trabalhadores resgatados pelo Ministério do Trabalho (MTE) até 6 de dezembro. Respondem por 66% dos trabalhadores libertados nesse grupo. Fazendas aparecem em segundo lugar e confecções, que fornecem peças para varejistas, compõem o quadro das candidatas a entrar na lista suja do MTE. Entre as flagradas, há grandes como a OAS, que encabeça o grupo com 111 resgatados.

Para o chefe da fiscalização para erradicação do trabalho escravo, Alexandre Lyra, o aumento revela ações mais focadas.O trabalho escravo continua sendo identificado majoritariamente com o campo. Mas os resgates em centros urbanos têm crescido nos registros. São trabalhadores expostos a jornadas de mais de 12 horas, sujeitos a falta de condições de segurança e servidão por dívida. Em outro levantamento, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), pela primeira vez, 50% do total de trabalhadores resgatados este ano estão entre atividades não-agrícolas. A construção civil responde por 39% dos casos.
- Temos voltado nossas atenções ao meio urbano. Não significa que há 17 anos, quando a fiscalização começou, não houvesse esses casos - afirma.
O procurador que coordenada o combate ao trabalho escravo do Ministério Público do Trabalho (MPT), Jonas Ratier Moreno, vê uma mudança de mentalidade:
- O trabalho escravo ainda está no campo, na agropecuária, em desmatamento, carvão vegetal e silvicultura, mas há uma conscientização maior do trabalhador desses lugares.
Em setembro, a OAS,que toca as obras de ampliação do Aeroporto de Guarulhos e detém 25% da Invepar, consórcio que ganhou a concessão do Aeroporto de Guarulhos, foi flagrada. Os trabalhadores dizem ter sido aliciados por funcionários da própria construtora em Pernambuco. As principais irregularidades, segundo os auditores, foram encontradas nos alojamentos, onde conviviam com superlotação e falta de higiene.
Dificuldade de reinserção
Entre as construtoras flagradas neste ano, quatro estão no Programa Minha Casa, Minha Vida. A J. Soares Construtora teve 70 trabalhadores resgatados em Itaberaí (GO). Foram lavrados 51 autos de infração. A MRV, construtora que conseguiu este ano na Justiça sair da lista suja, teve novo flagrante em Belo Horizonte, quando foram resgatados seis trabalhadores. Segundo os auditores fiscais, alguns não tinham sequer colchão para dormir.
As empresas flagradas respondem a processo administrativo que dura em média dois anos e, caso entrem na lista suja de trabalho escravo do Ministério do Trabalho, poderão ter restrição a crédito por parte de instituições financeiras. Levantamento da ONG Contas Abertas constatou que três construtoras que tiveram flagrante de trabalho escravo receberam recursos do governo federal este ano. A Tratenge Engenharia é a que recebeu mais recursos, R$ 61,966 milhões, de diversas fontes. Para o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, foi responsável pela manutenção de rodovias em Minas Gerais.
- Nós estamos num momento de muitas e grandes obras, que vão demandar uma quantidade inédita de trabalhadores deslocados. O desafio é acompanhar essa mão de obra nos próximos três anos - afirma o auditor fiscal de São Paulo Luis de Faria.
Para Lyra, do Ministério do Trabalho, a terceirização de empresas é uma das principais razões a levar ao aumento desse tipo de caso, não apenas na construção. No caso do flagrante da Restoque, dona das marcas Le Lis Blanc e Bo.Bô, o ministério sustenta que houve terceirização irregular. Fornecedores da empresa compravam de oficinas com costureiros bolivianos as roupas que custavam, em média, R$ 3 a peça.
- A terceirização, como vem sendo praticada, tem levado à precarização, que dá margem a casos como esses - afirma Lyra.
O frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral, alerta para as dificuldades de reinserção dos trabalhadores libertados. Ele não descarta casos de reincidência, embora não existam estatísticas a respeito:
- É um ciclo perverso. No caso da construção, se restitui o trabalhador ao universo em que ele vivia. A probabilidade de que volte a se sujeitar a esse tipo de trabalho é grande.

Cadê o bê-á-bá?, por Mary Zaidan


Chavão de candidatos de todos os partidos, de vereador a presidente da República, a tal da melhoria da qualidade de ensino não consegue descer do palanque e chegar às crianças e jovens do País. Ano a ano, o Brasil continua condenando milhões à ignorância simplesmente porque não leva a sério, não quer, de verdade, debruçar-se sobre a educação. Ou melhor, em como corrigir a falta dela.
O tema volta à baila sempre que se anuncia o desempenho medíocre do País em exames internos, como o Ideb, ou internacionais, como o Pisa, aplicado pela OCDE aos jovens de 15 anos.
No Pisa, o Brasil amarga a 58ª posição entre 65 países. E, embora tenha melhorado em matemática, saltando 57 pontos em 10 anos, os 391 que alcançou na matéria está 103 pontos abaixo da média da OCDE e mais de 200 pontos aquém dos asiáticos, tops da lista.
Nada disso é novidade.
Os governantes estão carecas de saber que a educação básica patina. Talvez por inapetência ou desprovimento de coragem de cutucar sindicatos ricos em votos, quase nada fazem. Há ainda os que sobrevivem dos pouco escolarizados. Esses temem que a mexida em uma única palha possa incendiar os currais que lhes garantem o mandato seguinte. Investem na falta de instrução.


Um quadro desanimador quando também se sabe que sem a política, no seu real significado, há muito esquecido, não será possível avançar.
Mas quem topa a parada?
Do governo Dilma Rousseff pouco se pode esperar. Basta ver a reação animada do ministro Aloizio Mercadante ao Pisa. Ele quase desbancou a imbatível cara de pau de Guido Mantega, que, no mesmo dia, anunciava com otimismo o recuo de 0,5% no PIB do trimestre.
O PT fez a opção pela “Universidade para todos”, ainda que milhares cheguem a elas sem compreender um texto simples. Jogou a educação fundamental para as calendas, embora esbraveje que está garantindo a ela recursos do pré-sal. Um dinheiro que pelo menos até 2020 continuará enterrado no mar profundo.
E a oposição, o que diz? Quais são os planos do tucano Aécio Neves e do governador do Pernambuco, Eduardo Campos (PSB)? Que tipo de debate eles pretendem travar – se é que pretendem – para que a educação não seja apenas um bordão de campanha? Dos candidatos recentes a Presidência, só Cristovam Buarque (PDT-DF) se dedicou à causa. E ainda que não tenha chegado lá, promoveu e contribuiu para um debate que o País precisa fazer com a urgência de anteontem.
Governos podem gastar milhões, tocar obras, lançar programas com siglas bonitinhas, como os PAC1 e 2. De nada adianta. Não há hipótese de se acelerar desenvolvimento sem promover o conhecimento.

Mary Zaidan é jornalista. Trabalhou nos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, em Brasília. Foi assessora de imprensa do governador Mario Covas. Atualmente trabalha na agência 'Lu Fernandes Comunicação e Imprensa

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Félix, a metáfora da corrupção polimorfa


CARLOS VIEIRA
Félix, personagem amado e odiado por várias pessoas, brilhantemente interpretado por Matheus Solano, mostra agora um aspecto interessante, importante e fundamental na origem dos ditos “comportamento psicopáticos e associais”.
Recentemente em dois capítulos ficou evidente uma chamada do diretor da novela, Wolf Maya, escrita por Walcir Carrasco – Amor à Vida - quanto à possibilidade de denunciar fatores da gênese desse distúrbios de comportamento.
Desde o início da história, aparece uma personagem, o nosso Félix. Numa esplêndida performance do Ator, Félix ganha cena a cada dia, e está cantado em recortes diários nas redes sociais. Penso que o que está implícito nesse pape, tem sido uma imagem especular de questões que vivemos em nossa, dita sociedade pós-moderna, e também em nosso cenário social e político. Atos premeditados de falcatruas, corrupções, distúrbios hostis de sadismo, homicídios e outras tantas condutas perversas do “animal-humano”.
Uma personalidade calculista, fria, astuta e profundamente carente de afeto. Sozinho em suas elaborações de um “vampirismo” guloso e voraz, que tem por objetivo tomar o poder, controlar as pessoas e imprimir na vida, um ideal de controlar, tripudiar, matar, usar e manipular os seus semelhantes para obter facilidades que evidenciam práticas individuais e grupais em nosso Brasil. Corromper todos, justificando-se pelo seu sentimento de exclusão e desamor; que o mundo lhe deve tudo e tem direito de lutar, mesmo que essa luta seja feita sob o predomínio da Perversão.
Não existe o direito a ter uma vida melhor, mediada pelo Trabalho, e sim pela transgressão e benefícios de relações mafiosas.
A novela mostra e continua mostrando um aspecto doloroso da vida de algumas pessoas: a busca e curiosidade sobre sua origem. É sempre arriscado procurar nossas origens, pois podem ser revelados aspectos desagradável dos quais não queremos nos responsabilizar.
Félix vai a cada dia buscando explicações, e afinal achou: Seus genitores revelam que desde criança, fato enfatizado por sua mãe, que o menino era voraz, impetuoso, queria tudo para si, criava encrencas e mostrava uma permanente rivalidade para ser o “preferido”. Seu pai chega a desabafar o ódio que tinha dele, e mais, chega a acusa-lo de “homossexual”, sob o ponto de vista moral, estigmatizado e cruel. A homossexualidade há muito que deixou de ser rotulada como uma anomalia perversa pela Classificação Internacional das Doenças Mentais. Razões existem, e a novela mostra, para que fatores genéticos, constitucionais e ambientais sejam aspectos determinantes desse modo de escolha sexual.
O ódio de sua mãe, o desprezo de seu pai, os aspectos instituais do próprio Félix, revelam o mistério, os fatores conscientes e inconscientes de uma personalidade com comportamentos antissociais. Querer tudo pra si, não suportar existência de irmãos, não tolerar as diferenças e não se inserir no meio de um grupo familiar sem ser “exceção”, é tudo que nosso personagem não digere. Sua incapacidade de amar e consequentemente não ser amado, são a marca dolorosa de quem o ódio, a cobiça, o desejo por bens materiais predominam como objetivo de vida.
Temos algum sentimento de compaixão em relação aos “Félixes” da vida? Temos sim, pois o sofrimento humano, a perda da capacidade de sentir amor pelos outros e pelos os grupos humanos remetem a uma vida de “Solidão”. Félix é só, no fundo uma pessoa depressiva, mas que não pode se deprimir, pois lhe falta uma condição essencial para considerar o Outro – o sentimento de culpa. O que faz os “corruptos” a continuarem sua vida de exploração dos seus semelhantes em busca de prazer de acumular bens materiais e prazeres efêmeros é a incapacidade de sentir culpa. Traficam, criam redes perversas, grupos de extermínio, quadrilhas para corromper, obtenção de benefícios daqueles que têm o Poder, para preencherem um “vazio existencial”, um “ódio às origens”, assim como a tristeza proveniente de uma inveja e voracidade que nunca serão satisfeitas. Mas eles tentam, perseguem esse objeto, tanto no aspecto individual como social. A novela revela com clareza os aspectos temáticos da nossa sociedade. Félix é a “metáfora” do filho que já nasceu com instintos destrutivos predominantes aos instintos amorosos. Revela a astúcia de alguém que sempre quer vantagens, excepcionalidade e deseja dominar tudo e todos. Vem daí aspectos de pessoas ou grupos de pessoas que instauram as ditaduras, os regimes de eterno poder, a tirania para manter suas benesses, as falcatruas corruptas para esvaziar o dinheiro do povo que paga impostos, as influências com nomeações de cargos administrativos, somente dos “amigos das gangues”. Felix quer tomar “hospitais da vida”, quer arrancar benefícios com medidas perversas de benefícios próprios, mesmo que o meio de adquiri-los seja contrabandear aparelhos, ferramentas cirúrgicas, próteses mamárias e ortopédicas, práticas comuns entre alguns médicos e empresas da medicina. Mas isto é a metáfora da patologia da perversidade humana em nossos rincões. 
A família do personagem não fica à deriva! Oferece exemplos dessas mesmas corrupções.
Questiono: hoje em dia em algumas famílias, as funções maternas e paternas não estão favorecendo “modelos de identificação” aos seus filhos, modelos que cuidem da ética, da justiça e da amorosidade. Estamos num mundo caótico de valores e virtudes. Estamos mergulhados numa sociedade egocêntrica, individualista, perversa e animalesca, onde o Ter predomina sobre o Ser.
Não somente algumas famílias, mas também na Justiça, no Legislativo, no Executivo e em algumas facções do mundo Empresarial, não se cuidam da Ética e da manutenção de um mundo civilizado, se é que temos. O “animal-humano”, mesmo com seu crescimento tecnológico, continua mais “animal” do que “humano”. É o que chamo de “Síndrome de Carcará”: pega, mata e come, para satisfazer prazeres individuais e egoísticos. 
A cultura, a literatura, o teatro, a televisão, enfim, as Artes em geral, e a novela é um delas com a maior presença na casa de todo mundo, têm esse compromisso social de denunciar o que se passa diante dos nossos olhos, mas tem gente que não vê ou se faz de cego, para não se comprometer.
A politização da juventude brasileira nunca foi tão necessária como nos dias atuais! Caso não cuidemos dela, caso o Governo não dê liberdade para sua implantação desde as escolas primárias, nada vai mudar para sanearmos nosso País, dos “Félixes” da parte corrupta da nossa sociedade. Saúde, moradia, melhoria da renda, e outros direitos constitucionais, não têm sentido se a partir da escola básica não se crie um mentalidade politizada. Só temem à politização, os grupos que querem a preservação no Poder para obter vantagens próprias ferindo abertamente os direitos dados pela Constituição!
Carlos.A.Vieira, médico, psicanalista, Membro Efetivo da Sociedade de Psicanálise de Brasília e de Recife. Membro da FEBRAPSI e da I.P.A - London.

Presidencialismo fragmentado - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 07/12
Enfim, um trabalho acadêmico que desafia o pensamento majoritário na literatura internacional das ciências políticas, contra uma visão pessimista desta combinação institucional que o Brasil tem de presidencialismo de coalizão. São ideias heterodoxas, mas põem em discussão pontos importantes de nosso sistema político-eleitoral.
A favor da fragmentação partidária como sendo um sistema inclusivo e democrático, por enquanto em inglês, editado pela Palgrave/ Macmillan, o livro "Making Brazil work -Checking the president in a multiparty system" será lançado, no dia 18, num debate na Fundação Getulio Vargas no Rio, com a participação dos cientistas políticos Sérgio Abranches e Simon Schwartzman e do economista Samuel Pessoa.

Os autores, Marcus André Melo, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco, e Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, pretendem travar uma discussão mais ampla, partindo do estudo do caso do Brasil, desse presidencialismo com fragmentação partidária que consideram ser um fenômeno das democracias modernas no mundo.

Eles pretendem desmistificar a interpretação dominante de que esse sistema é muito custoso e ineficiente, não gera estabilidade democrática, e sim corrupção e até mesmo impasses com o Legislativo que podem pôr em risco a democracia. "Achamos que quem pensa assim está errado", diz Pereira, reafirmando que há poucas experiências no mundo de presidencialismo bipartidário, sendo uma das exceções os Estados Unidos.

Para os autores, o presidencialismo multipartidário é um fenômeno das novas democracias, e esse modelo tem gerado estabilidade democrática e capacidade de governo. Presidentes mesmo eleitos de forma minoritária têm conseguido construir e sustentar maiorias ao longo de seu governo. E, quando utilizam bem as ferramentas de governo, têm conseguido enfrentar os embates com o Legislativo e perder poucas votações.

O grande fantasma da interpretação dominante é que esse presidente viraria um refém do Congresso, comenta Pereira, e por isso a ideia de forjar um presidente forte com instrumentos de governo para até mesmo, se necessário, ultrapassar o Legislativo se configurou como predominante dos presidencialismos a partir da década de 1980 no mundo inteiro.

Para os autores, a grande diferença é se isso se dá de forma legítima, como no Brasil, onde uma maioria legislativa optou por delegar esses poderes ao presidente, ou se ocorreu como na Venezuela e em outros países, onde o presidente superou e solapou a autoridade do Legislativo.

Outra diferença fundamental no Brasil, dizem eles, é que, aliada a um presidente forte, a nossa Constituição também configurou mecanismos de controle muito robustos. Não temos mecanismos do parlamentarismo que permitem descartar um presidente incompetente, mas temos um Judiciário muito forte, um Ministério Público incrivelmente independente, uma mídia muito competitiva, independente e fiscalizadora, uma Polícia Federal efetiva e um Tribunal de Contas muito ativo. "Esse é um emaranhado de estrutura de controle que tem a capacidade de dizer 'não' para esse presidente poderoso", ressaltam eles.

O trabalho defende a tese de que a fragmentação traz em si um componente endógeno quase que natural de fiscalização, porque, como o partido do presidente não tem maioria, vai ter de montar maiorias heterogêneas e fragmentadas. "Isso torna o jogo muito mais fiscalizado, mais transparente e com restrições".

Para Pereira, o papel do PMDB é fundamental nesse equilíbrio. O PMDB tem sido o voto mediano da coalizão, e sua tradição democrática tanto impediu alternativas à extrema direita - Tancredo contra Maluf no Colégio Eleitoral em 1985; e foi dos primeiros partidos a sair da coligação no governo Collor - como também a alternativa da esquerda fora da democracia. "Eles sabem que esse papel de fiel da balança será exercido até o ponto em que não sejam ameaçadores para os outros partidos que polarizam a disputa pela Presidência no Brasil, o PT e o PSDB", observa Pereira. Os autores não veem o fisiologismo como ameaça à democracia nesse sistema de presidencialismo fragmentado.

No livro, eles avaliam que não existe sistema político ideal, e cada sociedade determina qual o melhor sistema para ela. A nossa tradição seria a fragmentação, a única fórmula de se contrapor a um Executivo tirânico, posição consolidada no DNA do sistema político brasileiro. (Amanhã, o desvio do mensalão)

COLUNA DE CLAUDIO HUMBERTO


“O Estado é mais cego do que eu”
Sérgio Silva, fotógrafo que perdeu um olho após um tiro de borracha durante protesto


DILMA NÃO COGITA CONVIDAR JOAQUIM AO FUNERAL

A presidente Dilma já confirmou que vai às cerimônias fúnebres do ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, símbolo da luta contra a intolerância racial, mas não se cogita um convite ao ministro Joaquim Barbosa, o primeiro negro a presidir o Supremo Tribunal Federal, para integrar sua comitiva. O Palácio do Planalto limitou-se a informar a esta coluna que a comitiva à África do Sul “ainda não foi definida”.

GRANDEZA

Experiente senador governista observou, sem muita convicção: “Se Dilma tiver grandeza, convida Joaquim Barbosa para a comitiva”.

INCOMPATIBILIDADE

Como Lula já avisou que acompanhará Dilma, dificilmente Joaquim Barbosa faria parte da comitiva. Ele detesta o presidente do STF.

SURPRESA

Lula considera Joaquim Barbosa um “ingrato” por tê-lo surpreendido com sua independência, na relatoria do processo do mensalão.

SUGESTÃO

Então presidente, Lula queria nomear um negro para o STF. Joaquim Barbosa foi sugerido por Frei Betto, que o conhecera casualmente.

LICITAÇÃO DO METRÔ DE FORTALEZA SOB SUSPEITA

O Ministério Público e o Tribunal de Contas da União emitiram pareceres contrários ao vencedor da licitação de R$ 2,49 bilhões para a linha leste do Metrô de Fortaleza. O edital bilionário exige da empresa concorrente e do profissional encarregado experiência na construção de túneis e capital de 10% do valor da obra. As empresas do consórcio Cetenco-Acciona, que venceu, não se encaixariam nos pré-requisitos.

PRESSA

O governador Cid Gomes (PROS) se apressou para assinar o contato mesmo sem o consórcio vencedor demonstrar habilitação para a obra.

BILHÕES

A Comissão Central de Concorrências do Ceará ignorou as exigências do edital e aprovou a proposta do consórcio e Cetenco-Acciona.

SEM CONTROLE

O processo recebeu parecer desfavorável da Secretaria de Controle Externo do TCU, que atestou a irregularidade na licitação.

ÁGUA E ÓLEO

Na Rede, cresce a pressão para o PSB inverter chapa e lançar Marina Silva à Presidência. Aliados dela acusam Eduardo Campos de querer capitalizar votos “por osmose”, sem adotar o discurso da nova política.

PRONTO PARA A BRIGA

Um poço de mágoas com PMDB por “forçar a renúncia” do mensaleiro José Genoino, a bancada do PT já levanta quatro possíveis nomes para disputar a presidência da Câmara, em 2015: André Vargas (PR), Arlindo Chinaglia (SP), Cândido Vaccarezza (SP) e Marco Maia (RS).

AGIU SOZINHO

Familiares do ex-ministro José Dirceu disseram a petistas que também foram pegos de surpresa com as notícias de que o mensaleiro ganharia R$ 20 mil para trabalhar no hotel St. Peter, cujo dono é um “laranja”.

DE PLANTÃO

O deputado mensaleiro Pedro Henry (PP) obrigou seu advogado, José Antônio Alvarez, a dar plantão neste fim de semana em Brasília após parecer da Procuradoria-Geral da União pedindo sua prisão imediata.

SUBMERSO

Pressionado até por aliados no PSDB, o ex-governador José Serra (SP) diminuiu as agendas e viagens País afora para não azedar ainda mais as relações com a bancada e o desafeto Aécio Neves (MG).

REBORDOSA

Além de Paulo André, zagueiro rebelde que anda mal das pernas no Corinthians, outro com problemas é Martinez, do Náutico, que tentou liderar greve por salários. O presidente do Náutico, Paulo Wanderley, avisou: “O único clube onde ele vai jogar em 2014 é o Bom Senso FC”.

ECONOMIZA COMBUSTÍVEL

A Polícia Federal estava na torcida que o ministro Joaquim Barbosa (STF) expedisse transferência de Kátia Rabello e Simone Vasconcelos ao presídio de Belo Horizonte junto à prisão de Vinícius Samarane. Queria aproveitar a viagem de avião para já trazer o mensaleiro.

SEM NOÇÃO

O plenário do Senado é o refúgio dos senadores, que ficam protegidos do assédio de lobistas, pedintes e de chatos como Valmir Amaral (DF). Mas, o amigo de Renan Calheiros foi senador e aproveita o direito de acesso ao plenário para fazer lobby por CPI contra o governo do DF.

PERGUNTA NO HOTEL

Se o gerente do hotel St. Peter ganharia R$ 20 mil, quanto recebe o laranja dono do prédio?


PODER SEM PUDOR

AMEAÇA DE CARREGADOR

Carroceiro e aspirante a vereador, Braz Batista da Silva chegou revoltado no comitê do saudoso Marcos Freire, à procura de Bayron Sarinho, que o contratara para carregar "espontaneamente" o senador nos comícios.

- Dr. Byron, se não me pagar hoje, não carrego mais. E se não pagar certo daqui pra frente, eu jogo o senador no canal, em Casa Amarela...

Marcos Freire perdeu a eleição, mas Braz recebeu o dele.

Sensação de insegurança assusta - EDITORIAL CORREIO BRAZILIENSE


CORREIO BRAZILIENSE - 08/12

O medo paralisa. Impede que a pessoa saia de casa e busque o que a cidade oferece. A estratégia do caranguejo, porém, nem sempre funciona. É o que acontece no Brasil. A Pesquisa Nacional de Vitimização, feita pelo Ministério da Justiça em parceria com a ONU, a Universidade Federal de Minas Gerais e o Datafolha, ouviu moradores de municípios com mais de 15 mil habitantes. De tão preocupante, o resultado não pode ser ignorado pelas autoridades. Exige respostas efetivas.

Não são poucas as vítimas de violência de norte a sul do país. Um em cada cinco brasileiros sentiu na pele a ação de bandidos. Os crimes variam. Vão de ofensas, discriminação e fraudes, passam por furtos, roubos e agressões, chegam a sequestros, estupros e acidentes de trânsito. Não só os diretamente atingidos sofrem as consequências da barbárie. Muitos antecipam a tragédia. A sensação de insegurança é tal que interfere na vida do cidadão.

Nada menos de 63,3% dos pesquisados acham que a criminalidade piorou nos últimos 12 meses. Evitam andar pelas ruas à noite. Para não correr risco, abrem mão do lazer e de atividades sociais. Quase 65% temem morrer assassinados. O índice é maior em três capitais. Teresina, no Piauí, atingiu o inacreditável percentual de 86,8% da população. Em outras palavras: de cada 100 moradores, 87 sentem medo. Belém, no Pará, vem logo abaixo, com 80,7%. João Pessoa, na Paraíba, ficou com 80,6%.

Os crimes que mais assustam talvez expliquem a prosperidade da indústria da segurança. Ter a residência invadida ou roubada tira a paz de 71,9% dos cidadãos. Relacionado com a desproteção da casa, está o temor de 70,7% dos brasileiros de ter objetos de valor tomados à força, seja no lar, seja na rua. Câmeras, portões eletrônicos, cercas eletrificadas e blindagem de carros se tornaram itens quase obrigatórios no orçamento familiar.

Preocupante é o comportamento dos agredidos. Só 19,9% das vítimas registraram ocorrência. O fato, além de demonstrar pouca fé na ação da polícia, compromete as estatísticas. Subnotificados, os dados oficiais mostram realidade falsa, que recebe resposta insuficiente - aquém das necessárias para frear o avanço da violência cada vez mais desenvolto. A pesquisa ora divulgada traz informações valiosas que permitem traçar linhas de ação eficazes.

O governo só se mobiliza quando ocorre tragédia que ganha repercussão nacional. Aí, faz promessas e anuncia medidas. Passada a comoção, os projetos caem no esquecimento até que novo horror ocupe as manchetes. A brincadeirinha de faz de conta cobra preço alto. A violência e a sensação de insegurança, além de comprometerem o exercício da cidadania, sobrecarregam a previdência e o equipamento hospitalar. Roubam vidas. Deixam escorrer pelo ralo 10% do PIB. Até quando?

Gestão no futebol caminha para a modernização - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 08/12

Reivindicações de jogadores contribuem para o debate de ideias, mas calendário deve contemplar também as necessidades dos clubes de cumprir suas obrigações



Por longos anos, o futebol brasileiro foi ao mesmo tempo algoz e vítima de sua falta de organização. Se em campo os craques garantiram para o país papel de destaque no ranking das seleções, fora dos gramados a mistura de gestão ineficiente, interesses políticos, clubísticos ou pessoais, calendários que na verdade eram peças de ficção e falta de compromisso com a necessária profissionalização tornaram-se sério (e crônico) entrave à formação de um modelo que correspondesse administrativamente à força do esporte mais popular do país.

Em alguns aspectos, pontuais, este perfil ainda preocupa. Há, em clubes e federações, focos de resistência à modernização gerencial, que entravam a adoção, no futebol do país, de estruturas de gestão semelhantes às de bem-sucedidos modelos de praças mais avançadas, nas quais o esporte é sinônimo de organização, lazer e dividendos para atletas, agremiações e entidades. Mas muita coisa já mudou, aos poucos o arcaísmo vai sendo suplantado, graças a calendários mais bem ajustados, investimentos na melhoria de estádios, cobrança de ajustes na administração de clubes etc.

Neste sentido, boa parte das sugestões feitas pelos jogadores reunidos no movimento Bom Senso F.C. — algumas, inclusive, já parcialmente atendidas, ou em vias de serem implementadas — constitui importante contribuição ao debate de ideias sobre a questão. Uma das principais reivindicações do grupo diz respeito à adoção de um calendário mais enxuto, de modo a adequar competições regionais (campeonatos estaduais), nacionais (Brasileirão, Copa do Brasil) e internacionais (Libertadores, Sul Americana) a um período de atividades que deixe de sobrecarregar os atletas.

É o caso da proposta de acabar com jogos oficiais em janeiro, aumentando a pré-temporada, providência essencial para que os jogadores possam se preparar para enfrentar a maratona de jogos. Já se reduziu também, para algo próximo do que vigora na Europa, o número de partidas numa temporada. É possível enxugar mais o calendário, porém é claro que um time que chega à fase final de Libertadores, Sul Americana ou Copa do Brasil, acumulando com a participação no Brasileiro, acaba disputando mais partidas. Exceções precisam ser tratadas como tal.

É preciso ter o cuidado de preservar (antes, recuperar) a saúde financeira dos clubes. A chave é não prejudicar a capacidade das agremiações de gerar receita, até para pagar os bons salários dos jogadores. A discussão deve levar em conta, inclusive, a atipicidade de 2014, um ano de Copa do Mundo no Brasil, em que todo o calendário ficará subordinado à prevalência das datas da competição sobre qualquer outra atividade nos campos.

A urgência de encontrar respostas para as demandas também não pode atropelar normas. Há, por exemplo, prazos estabelecidos pelo Estatuto do Torcedor para a implantação de alterações em calendários, torneios etc. Isso é irrecorrível. O crucial é que todos os lados envolvidos na questão joguem como um time. Assim, ganha o futebol.

Vai-se uma geração - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 08/12

Evolução de alunos do Brasil em prova mundial é positiva, mas incapaz de transformar a realidade educacional do país no horizonte visível


O Brasil melhora, mas não dá saltos. A frase, válida para diversos aspectos do desenvolvimento nacional, aplica-se ao resultado do país no mais reputado exame internacional de estudantes.

A edição de 2012 do chamado Pisa confirmou a tendência evolutiva dos adolescentes brasileiros, em especial na matemática, seu flanco mais vulnerável.

A cada três anos, o exame patrocinado pela OCDE --grupo de 34 nações, em sua maior parte desenvolvidas-- testa a proficiência em matemática, leitura e ciências de alunos de 15 anos de idade. Também oferecida a países como o Brasil, que não integram a organização, a prova respeita padrões de comparabilidade e de amostragem estatística, de modo a representar a região onde é aplicada.

Ao longo dos quatro últimos exames, a partir de 2003, o Brasil foi o país que mais pontos ganhou em matemática. Sua nota média subiu de 356 para 391. No mesmo período, a Coreia do Sul, no topo do desempenho, ganhou dois pontos, chegando a 554.

Na escala do Pisa, cada 40 pontos representam o equivalente a um ano de conhecimento adquirido. Vê-se assim traduzido, mesmo após o avanço relativo de nossos adolescentes, o abismo que ainda separa brasileiros de coreanos, equivalente a quatro anos de atraso em desfavor dos primeiros.

Dos EUA --cujo desempenho em matemática ficou perto da média dos 19 países mais populosos que participaram do exame-- o Brasil dista 90 pontos, mais de dois anos atrás em nível de conhecimento das contas para a mesma faixa etária. Em relação à brilhante média da Polônia, fenômeno educacional a ser estudado, a nota dos brasileiros fica 117 pontos abaixo, quase três anos de defasagem.

Além da diferença para outros países, destacam-se as disparidades de desempenho entre as regiões brasileiras. Um aluno de São Paulo está um ano e meio à frente, no domínio da matemática, de um estudante de Alagoas. Nove Estados brasileiros (AL, MA, AM, AC, PA, AP, RR, PE e TO) obtiveram as piores médias em matemática, considerados mais de 180 países e regiões representados no Pisa.

Estudar numa escola particular no Brasil coincide com uma vantagem superior a dois anos de escolarização em matemática, na comparação com a rede pública. Ainda que essa distância tenha diminuído 27% em nove anos, prenúncio pior de resiliência da desigualdade social é difícil de encontrar.

O choque educacional de que o Brasil precisa para catalisar uma evolução quase inercialmente positiva ainda não foi desfechado. Ele tarda. A cada 12 anos, vai-se uma geração de estudantes.

Inflação, entranhas e profecias - EDITORIAL O ESTADÃO


O ESTADO DE S. PAULO - 08/12
A inflação continua elevada e é preciso manter a vigilância, segundo a ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável número um pelo combate à alta de preços. Não é hora de olhar para outro lado, porque o perigo permanece, e pelo menos este recado é inequívoco. Mas sobrou uma polêmica no mercado financeiro: como ficarão os juros no próximo ano? A busca da resposta evocou, mais uma vez, um velhíssimo ritual. Sacerdotes antigos tentavam ler o futuro nas entranhas de animais sacrificados. Exercício muito semelhante - e igualmente sujeito a erro - fazem hoje os analistas do mercado, quando examinam as entranhas das Atas do Comitê de Política Monetária (Copom).
Segundo algumas leituras, a taxa básica, a Selic, será elevada de 10% para 10,25% na próxima reunião do Comitê, em janeiro, e com isso será encerrado o ciclo de alta. Outros ainda apostaram em uma elevação para 10,5%. Muitos classificaram a ata como "dovish", adjetivo derivado de "dove", "pombo", apontando no documento sinais de moderação.

Houve, enfim, quem descrevesse o documento como ambíguo. A ambiguidade teria sido proposital, para deixar espaço a qualquer decisão quando os oito membros do Comitê, todos diretores do Banco Central (BC), se reunirem de novo, em 14 e 15 de janeiro, para examinar as condições da economia e decidir os próximos lances da política monetária. Alguns palpites e interrogações surgiram até antes da publicação da ata. Estarão os diretores do BC dispostos a continuar aumentando os juros - supostamente contra o interesse da presidente da República - num ano de eleição?

No momento, esses diretores, incluído o presidente do BC, Alexandre Tombini, parecem mais preocupados com a própria imagem e com a respeitabilidade de sua política.

O cenário básico das projeções apresentadas no documento justifica pouco ou nenhum otimismo quanto à evolução dos preços nos próximos dois anos. Taxa de câmbio de R$ 2,30 por dólar e juros básicos de 9,50% "em todo o horizonte relevante" foram incluídos nas hipóteses. Resultado: ligeiro recuo da inflação projetada para 2013, manutenção da taxa anteriormente estimada para 2014 e alta de preços acumulada ainda acima da meta anual de 4,5% no terceiro trimestre de 2015.

Esta avaliação sem dúvida justificou a elevação da Selic para 10% na reunião de 27 de novembro. Mas justificará novos aumentos da taxa?

Os efeitos da alta de juros iniciada em abril só serão completamente observados nos próximos meses, segundo a ata. Essa defasagem é um dado conhecido. Falta saber se os membros do Comitê usarão esse argumento, na próxima reunião ou na seguinte, para interromper o aperto da política monetária. Neste momento, parece precipitado prever uma data para a interrupção das medidas de combate à alta geral de preços.

São citados só dois fatores para justificar algum otimismo. Segundo a ata, o quadro fiscal poderá avançar para a neutralidade no "horizonte relevante". Em português corrente: o desarranjo das contas públicas ficará menos grave e deixará de contribuir para a alta de preços. Em segundo lugar, o documento menciona "evidências de acomodação dos preços das commodities nos mercados internacionais". Com base nos dados do dia a dia, é muito difícil, no entanto, apostar em melhora significativa das contas federais, especialmente em ano de eleição. Quanto aos preços das commodities, podem ter muito menos peso do que os autores da ata parecem sugerir. Depois de um recuo temporário, a inflação mensal voltou a subir, neste ano, mesmo com a queda das cotações de produtos básicos.

Em contrapartida, a ata aponta um número muito maior de fatores de risco. O descompasso entre a demanda e a oferta internas, salários subindo mais que a produtividade, as possíveis pressões cambiais, a indexação e a desconfiança de consumidores e produtores tendem a alimentar a inflação. Daí a necessidade, reconhecida pelo Comitê, de manter a política monetária "especialmente vigilante". Diante disso, difícil, mesmo, será explicar um afrouxamento " do combate à inflação.

O Estado-ombudsman - JOÃO BOSCO RABELLO


O Estado de S.Paulo - 08/12

A hierarquia da notícia é um dos elementos básicos na edição de um jornal e constitui prerrogativa de editores, por sua vez avaliados diariamente por núcleos internos especializados, encarregados de medir a qualidade e eficiência desse trabalho.

Em alguns casos, a essa avaliação interna é acrescentada a externa, feita por um ombudsman, eleito por mandatos de duração variável e imune a eventuais reações da redações.

Uma rotina que tem por alvo final o leitor, juiz cuja fidelidade é a razão de ser de qualquer veículo de comunicação e fator de seu êxito ou fracasso.

No contexto competitivo diário no âmbito das comunicações, a busca e preservação dessa credibilidade tornaram-se não só incontornáveis, mas o melhor antídoto à interferência da visão pessoal na triagem e tratamento da notícia. É o conceito de ombudsman que o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, tenta pôr a serviço da pauta política do PT, quando cobra à mídia isonomia de tratamento entre casos que afetam diretamente seu partido, como o mensalão, e outros que atingem seus adversários.

Nada demais e que não seja feito todos os dias por leitores que superestimam suas preferências. A diferença está em que o PT, que tem em Carvalho seu porta-voz no governo, visa a institucionalização do papel de ombudsman como função reguladora do Estado, jurando que isso não se traduz por controle da mídia, embora essa expressão seja encontrada em qualquer texto do partido a respeito do tema.

Serve-se do protesto contra uma fictícia manipulação política da informação para exercê-la com a hipocrisia que as ditaduras dispensam.

Na hierarquia da notícia, o desfecho do mensalão, com prisões de autoridades legislativas ainda em curso, é fato concreto, de dimensão política inédita, enquanto o cartel denunciado pela Siemens produz seus primeiros resultados, ainda insuficientes para dar nomes aos bois, como convém à urgência eleitoral do PT.

Não obstante, a mídia tem dispensado amplo espaço ao cartel, presente nas edições diárias dos jornais, portais, blogs e telejornais, como determinam sua consistência e importância. Não o tornará, porém, substituto do mensalão, tirando este da pauta para a inserção daquele. Como deseja o ministro-editor , ancorado pelo ex-presidente Lula, que ontem lhe fez coro.

Sabem ambos que a crítica à mídia é a forma que restou para atenuar a reação de José Dirceu, cujo isolamento ameaça o que não se conhece ainda de todo o episódio. Não sem razão, o confronto entre o ex-ministro e seu partido já mereceu de uma raposa felpuda o título sugestivo de "terceira guerra mundial".

A maldita imprensa burguesa (ou esquerdista) - ELIO GASPARI


O GLOBO - 08/12

Há sólidos indícios de que o comissariado petista arma iniciativas para criar uma base de apoio no setor de comunicações. Em 12 anos de poder, o projeto mais lógico rolou no BNDES em 2002. Como havia grandes empresas em dificuldades financeiras, concebeu-se algo como um ProPress. O comissário José Dirceu chegou a anunciar que “esse era um assunto de Estado”. Deu em nada porque, depois de examinar os contratos, alguns dos interessados recusaram a oferta. É elementar que um tomador de empréstimo só recusa as condições se pretende cumpri-las (leia-se pagar). Quem não quer pagar assina qualquer coisa.

O governo já criou uma rede de televisão, distribuiu os habituais feudos de radiodifusão e alguns comissários meteram-se em jornais. Como faltou combinar com os russos, ficaram sem audiência e com poucos leitores.

Seja qual for o governo, sempre haverá no palácio gente convicta de que os meios de comunicação lhes são hostis e sempre haverá um amigo disposto a resolver o problema criando um jornal, uma nova rede de rádios ou de televisão. Basta que receba alguma ajuda.

Em quase um século, todas essas iniciativas terminaram em ruínas, escândalos e, em pelo menos um caso, assassinato. Exceção, só a da “Última Hora”, criada por Samuel Wainer em 1951 para defender Getulio Vargas. Samuel, que foi um grande jornalista, conseguiu centenas de milhares de leitores. Paradigma do fracasso foi a compra do “Correio da Manhã”, em 1969, por empreiteiros amigos. Fechou anos depois.

Quando operações desse tipo passarem pela doutora Dilma, ela não deve se esquecer do nome do jornalista Alexandre Baumgarten. Suas vidas já cruzaram. Ele tinha mais amigos entre os generais da ditadura do que ela no PT. Em 1974 a revista “O Cruzeiro” estava falida, e Baumgarten armou um projeto para salvá-la com dinheiro oficial e a ajuda do Serviço Nacional de Informações para pressionar as agências de publicidade. O assunto chegou ao general Golbery do Couto e Silva, que chefiava o Gabinete Civil, com a advertência de que “já deu bolo”. Ele escreveu: “Tinha que dar. Ora, o BNDES emprestar aos Diários Associados!!!”

Oito anos depois Baumgarten foi assassinado com um tiro na cabeça durante um passeio de barco. Há a forte suspeita de que a execução tenha sido organizada por um oficial que anos antes patrocinava as andanças de Baumgarten. Em dezembro de 1969 esse mesmo oficial caçava a turma da VAR-Palmares e sabia que a “Wanda” era Dilma Rousseff. Ela foi presa semanas depois.

Os paladinos dos planos que darão nova vida ao governo na imprensa podem até parecer bons amigos. O problema é o que há em volta deles.

Doutora Dilma e a verdade

A doutora Dilma disse numa entrevista à edição em português do jornal “El País” que “esta semana resolveram reavaliar o PIB (Produto Interno Bruto). E o PIB do ano passado, que era 0,9%, passou para 1,5%.” Não disse quem “resolveram”. Há um mês, diante da notícia de que o governo pretendia inaugurar 8.685 creches, rebateu a informação e perguntou: “Quem foi que aumentou para oito mil?” Ela, no seu programa radiofônico.

Quando o IBGE informou que a revisão elevara o PIB de 2012 para 1%, a lambança deslizou para o ministro Guido Mantega, e, dele, para sua Secretaria de Política Econômica, chegando a uma simples consultoria privada.

Quando verificou-se que não existia o título de doutora que lhe era atribuído na biografia oficial da Presidência, a responsabilidade rolou para um anônimo burocrata.

No Palácio do Planalto, todo mundo acredita nisso. Só no palácio.

O preso Dirceu

O comissário José Dirceu pediu para trabalhar num hotel, furando a fila dos demais detentos que estão trancados e ainda não conseguiram serviço fora da Papuda. O juiz de Execuções Criminais negou a solicitação, e ele desistiu do emprego.

Em seguida, Dirceu pediu permissão para usar computador e alimentar seu blog. Nesse caso, poderia ser criada a seguinte situação: de manhã, o preso vai para o hotel, e, ao final da tarde, volta à prisão, onde passa algumas horas conectado na rede. Teria R$ 20 mil de salário, cama na Papuda, comida e roupa lavada no hotel.

Se essa situação pudesse ficar de pé, o Brasil teria duas populações, a dos presos exercendo seus direitos e a dos condenados a ficar soltos.

Conta de barão

A Viúva gasta R$ 40 mil por ano com cada preso, e R$ 15 mil com cada estudante universitário. Essa conta não vale para o ex-deputado Valdemar Costa Neto. Ele receberá também R$ 201,6 mil anuais como parlamentar aposentado. Seu patrimônio declarado está em R$ 1,7 milhão. Fora da declaração, provavelmente ele é o mensaleiro mais endinheirado.

Costa Neto foi condenado a sete anos e dez meses de prisão e a pagar uma multa de R$ 1 milhão. Na ponta do lápis, preso, ele receberá da Viúva cerca de R$ 1,5 milhão.

Eremildo, o idiota

Eremildo é um idiota e acredita que só havia quadrilha de fiscais na prefeitura de São Paulo. Em todas as outras, não há caso de corrupção. As empresas imobiliárias estão aí para garantir que nunca pagaram propinas.

Farra fiscal

O ministro Guido Mantega deve contratar um ator para representar o papel de defensor da responsabilidade fiscal. Sua capacidade de desempenho esgotou-se. Não se pode dizer que perdeu a credibilidade. O que perdeu foi a graça.

Um exemplo:

O governo do Ceará batalhou um empréstimo de até US$ 100 milhões do Bird, com garantia da União e, em 2012, o Senado autorizou-o. A Secretaria do Tesouro Nacional considerou que as contas do Ceará estavam capengas com um déficit na sua capacidade de pagar o que deve.

Se isso fosse pouco, o estado tem 40% de sua dívida atrelada ao dólar. Num piripaque cambial, dana-se.

O governador Cid Gomes foi a Mantega e obteve dele uma autorização especial para que a União garantisse o empréstimo.

Quando chegar a hora de pagar ao Bird, o Ceará terá outro governador, e a Fazenda, outro ministro.

Falando demais

O advogado Valmar Souza Paes é um veterano profissional bem- sucedido no Rio de Janeiro e deu ao filho, o prefeito Eduardo Paes, uma educação da melhor qualidade. A sorte pode ter lhe faltado quando comprou o registro de empresa criada em nome de um pobre panamenho, que fora associado a outra, para um acionista do Hotel Saint Peter, atual patrono do comissário José Dirceu.

Mesmo assim, ele gosta de desafiá-la. Durante as manifestações de junho, um passageiro do elevador do edifício onde funciona seu escritório jura tê-lo ouvido dizer que situações como aquelas não aconteciam quando os militares estavam no poder.

Quando os militares estavam no poder, o prefeito do Rio era nomeado.

Moedas heterodoxas - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 08/12

A fragmentação partidária, vista por muitos, inclusive eu, como uma das características mais deletérias de nosso sistema político-eleitoral, é defendida por Marcus André Melo, professor de Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco, e Carlos Pereira, professor de Políticas Públicas na Fundação Getulio Vargas no Rio, como um instrumento de inclusão democrática e fórmula de se contrapor a um Executivo poderoso, posição consolidada no DNA do sistema político brasileiro.

Eles publicaram sua tese pela Palgrave/Macmillan no livro, por enquanto só em inglês, "Making Brazil work - Checking the president in a multiparty system" que será lançado no dia 18 num debate na Fundação Getulio Vargas no Rio, Nele, registram que as opções que surgiram para derrotar esse sistema não vingaram ao longo da História, referindo-se à tentativa do PSDB de aprovar o voto distrital misto e as cláusulas de barreira para a atuação dos partidos no Congresso. Ontem, no lançamento do seu livro "O improvável presidente" o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso voltou a defender esses instrumentos "para aproximar o eleitor do eleito" referindo-se à reforma política como essencial. Ao contrário, a fragmentação de partidos, para os autores, garante um sistema I extremamente inclusivo, hiper-representativo.

"Claro que isso gera dificuldades governativas, fisiologismo" ressalta Carlos Pereira, que, no entanto, não tem receio de afirmar que partidos políticos no Brasil, e nos presidencialismos multipartidários, não são fonte de agregação de preferências ideológicas. "Nosso sistema não comporta preferências retilíneas, ele é concebido para acomodar as diferenças"

Para que essas alianças heterodoxas tenham certo grau de coesão e disciplina, é necessário que o presidente use instrumentos capazes de atrair esses partidos. Pereira lembra que logo no início do primeiro governo de Fernando Henrique seus assessores perceberam que vários parlamentares tinham conexões em alguns ministérios, partidárias ou regionais, e aprovavam projetos independentemente, e, mesmo fazendo parte da base, poderiam votar contra o governo no Congresso.

Foi criada então uma Secretaria ligada à Casa Civil que cuidaria dos acordos com o parlamento. "Ela deu uma grande capacidade de gerência para o Executivo, e a ferramenta para executar essa política foi o contingenciamento do orçamento. Assim, o Executivo pode identificar qual a preferência revelada pelo legislador ao fazer suas emendas, bem como o comportamento nas votações no Congresso"

A discussão que pode haver, lembra Pereira, é sobre a transparência desse procedimento, que a sociedade pode identificar como um jogo sujo, de toma lá dá cá. "Se você institucionaliza essas moedas de troca, toma claro o que é negociável, diminui as margens de comportamentos oportunistas" avalia Pereira.

O mensalão, na sua opinião, foi um desvirtuamento desse processo. Lula fez uma coalizão heterogênea com muitos atores, e não compartilhou o poder. O PMDB tinha o mesmo peso do PT e só teve dois ministérios no início do governo, quando o PT tinha 21. Cedo ou tarde os partidos que não foram recompensados iriam inflacionar o preço do apoio" analisa.

Houve uma progressiva inflação do preço do apoio, principalmente quando o governo assumiu uma agenda de reformas constitucionais pesadas, e todos os recursos só estavam sendo gastos com o PT. O governo teve então que descobrir novas moedas de troca, e o dinheiro não contabilizado de Delúbio Soares é chamado no livro de "moedas heterodoxas de recompensa".

Só que esse, lembra Pereira, era um governo de coalizão, onde deveriam ser construídas alianças estratégicas de longo prazo. Fernando Henrique falou também sobre esse "presidencialismo de coalizão" que se baseava, segundo ele, em programas de reformas no seu governo, e hoje se transformou em "presidencialismo de cooptação" para manter o poder.

Carlos Pereira acha que como o PT é um partido com muitas facções internas e que ficou fora do poder durante muito tempo, foi duro para Lula dizer para o MST ou para a Convergência Socialista que tinha que dividir com o PMDB o ministério. "Ele preferiu dizer sim para as facções internas e não para os externos, que foram recompensados "de forma heterodoxa".

Os pontos-chave

1 A fragmentação partidária, vista por muitos como uma das características mais deletérias de nosso sistema político-eleitoral, é defendida em novo livro.

2 Para que essas alianças heterodoxas tenham certo grau de coesão e disciplina, é necessário que o presidente use instrumentos que tenham capacidade de atrair esses partidos.

3 O dinheiro não contabilizado de Delúbio Soares é chamado no livro de "moedas heterodoxas de recompensa".

A babá de Borgado - GAUDÊNCIO TORQUATO


O ESTADÃO - 08/12

Quem diria, hein, que o vizinho Paraguai, cantado em prosa e verso como o território da muamba, fosse capaz de oferecer uma das mais vigorosas lições de cidadania nesta região tão pouco afeita ao civismo, à ética e à racionalidade. Pois na semana passada, a sociedade civil deste pequeno país de 6,5 milhões de habitantes, na onda da mobilização social que começa a sacudir o continente, decidiu realizar o mais veemente protesto contra a corrupção, ao proibir a entrada de um grupo de políticos em bares, restaurantes, cinemas, supermercados, postos de gasolina e até em hospitais particulares. Tudo porque 23 congressistas votaram contra a perda de imunidade do senador Victor Borgado, do partido Colorado, denunciado pela Justiça por contratar com dinheiro público a babá de seus filhos. A fogueira que se formou no rastilho da expulsão de senadores de alguns ambientes – aos gritos de “fora ladrão” – correu o país, multiplicando reações e induzindo servidores – garçons, vendedores, frentistas etc - a não oferecer seus serviços a “corruptos”, sob a percepção de que era necessário não apenas punir os agentes de um caso concreto, mas eliminar a impunidade.

A mobilização paraguaia assume extraordinária importância, porquanto o nosso vizinho exibe o estereótipo de terra do contrabando. Na linguagem das comparações em torno de objetos de consumo, o “relógio paraguaio” assume o sinônimo de falso, tosco, sem qualidade, imagem que ganhou força por estas bandas no enredo de novelas, como Avenida Brasil, ou de músicas, como Muamba, de Bezerra da Silva: “Muamba, olha quem vai querer muamba? Tô vendendo barato, malandro, quem vai?

Tô levando minha sogra pra vender no Paraguai”. É verdade que os movimentos de junho passado, que abriram as portas da indignação em quase todas as regiões do nosso território, continham elevada taxa de repúdio a padrões e costumes da velha política, incluindo o combate ao nepotismo, um dos alvos da “guerra paraguaia”. Ali, denúncias deram conta de centenas de familiares contratados para servirem à Suas Excelências, os congressistas, em funções tão desimportantes quanto singulares, como preparar-lhes o tereré, o popular chá de mate e água fria. Aqui, não chegamos a este passo avançado de democracia participativa, simbolizado pela decisão social de coibir a políticos o uso de serviços de lazer e alimentação.

A experiência do nosso vizinho, somada à semente cívica que se planta por estas plagas, permite vislumbrar cenários promissores no entorno da democracia participativa que se expande no continente. Emerge, primeiro, a impressão de que a região fura a redoma da inércia e da tradição patrimonialista que, por décadas, impregna sua cultura política. A paisagem calcinada de desconfiança e ódio, tão bem descrita por Simon Bolívar, meses antes de morrer de tuberculose, em 1830, na região de Santa Marta (Colômbia), não mudou por completo, mas permite enxergar avanços daquela visão pessimista: “Não há boa fé na América nem entre os homens nem entre as Nações; os tratados são papéis; as constituições são livros; a liberdade é anarquia e a vida, um tormento”. A boa fé já se faz presente no sistema de parcerias e integração que caracteriza um bloco de países, como bem o demonstram organismos como o Mercosul (Mercado Comum do Sul), a Unasul (União das Nações Sul-Americanas) e a Celac (Comunidade de Estados Latino-Americanos e do Caribe). Confiança também se observa no ingresso de novos parceiros na frente comercial, como é o caso da China, cujo efeito se dá por aqui na reversão da deterioração histórica de preços de produtos primários e na geração de superávits comerciais.

É patente a melhoria de condições de vida, apesar de remanescerem na região traços de populismo, demagogia e autoritarismo, como os que se observa na República Bolivariana da Venezuela, onde o falecido comandante Hugo Chávez elevou ao altar da veneração o Libertador Bolívar. Registre-se, ainda, a tendência de governos de incentivar um nacionalismo populista, vinculado a um capitalismo de Estado, a par da adoção dos fundamentos macroeconômicos neoliberais. Apesar de abrigar ainda cerca de 50 milhões de latino americanos vivendo em condições precárias de alimentação, moradia, saúde e educação, merecem destaque políticas de inclusão social, a começar pela experiência brasileira, base de uma sociedade mais solidária. Nesse desenho, é possível divisar sinais de forte empuxo popular na direção do centro da política e um caminhar gradual, apesar de lento, na esfera participativa. Reformas lideram o vocabulário das ruas, como atestam pesquisas no Brasil: mesmo com 41% aprovando o governo Dilma, 66% dos entrevistados, segundo o Datafolha, pedem mudanças na próxima administração. Na Argentina, o kirchnerismo, passados 10 anos de protecionismo, duras políticas fiscais e cambiais e reservas descendo de um piso de 32 bilhões de dólares (eram 52 bilhões em 2010), ameaça ruir.

A aprendizagem democrática obedece a um processo irreversível. Desde os anos 80, as nações reconquistaram o direito de escolher seus governantes: equatorianos em 1979; peruanos em 1980; argentinos em 83; em 85, uruguaios e bolivianos; em 89, paraguaios e chilenos; e, em no final de 89, também os brasileiros puderam escolher diretamente seu presidente. Tentativas golpistas, na Venezuela e no Peru, em 1992, foram frustradas. Maior transparência das administrações e combate ao poder invisível, que age nas entranhas do Estado, são ferramentas da modernização institucional. Órgãos em defesa da sociedade, a partir do Ministério Público, se esforçam para extirpar os cancros que corroem governos. As populações escancararam a vista, apontam o dedo para os malfeitos, chegando a fechar portas para corruptos. Maneira de evitar que helicópteros, lotados de cocaína, sejam abastecidos com o nosso “rico” dinheirinho. Ou que o povo paraguaio use seus parcos guaranis para pagar os serviços da Babá do senador Borgado.

O ativismo e seus limites - BELMIRO VALVERDE JOBIM CASTOR


GAZETA DO POVO - PR- 08/12

Ativismo é a palavra e o conceito da moda.

Índios tentam invadir o Palácio do Planalto porque não gostam da ideia de que, depois de já terem recebido 13% do território brasileiro (ou seja, mais que a área de seis Paranás juntos), os processos para futuras reservas indígenas sejam analisados por vários orgãos públicos diferentes, representando inclusive as pessoas que habitam há décadas as áreas pretendidas, e não apenas pela Funai, que se vale de critérios que horrorizariam quaisquer geógrafos ou antropólogos minimamente responsáveis para deferi-las e demarcá-las. É o ativismo indígena em ação.

Amantes dos animais resolvem tomar a lei em suas mãos, invadem um instituto de pesquisa que funcionava legalmente com o argumento de que adoráveis cachorros beagles eram submetidos a maus-tratos. Arrombam o canil, subtraem quase 200 animais (muitos dos quais, passada a euforia do gesto, foram abandonados nas ruas) e o instituto é fechado. É o ativismo em prol dos animais a pleno vapor.

Alunos e funcionários da USP não se conformam com o fato de as eleições para a Reitoria não serem diretas, invadem o prédio da administração, passam mais de um mês dentro de um edifício supostamente público, contando com a leniência cúmplice de um juiz que manda a USP “negociar” com os invasores e estabelece um prazo dilatadíssimo para isso e, finalmente, “aceitam” evacuar o edifício deixando um rastro de imundície e de destruição de patrimônio público. É o ativismo estudantil em marcha.

Os membros do tal Black Bloc sumiram, depois de provocar destruições e impedir passeatas pacíficas de gente que nada tinha a ver com violência nem depredações. Na realidade, tanto o aparecimento como o desaparecimento súbito do bloco mostra que por trás dessa demonstração “espontânea” de inconformismo havia uma orquestração política de algum grupelho radical que, quando sentiu que a tolerância geral estava acabando e que, em vez das mesas de boteco para contar aos basbaques as proezas da noite anterior, arriscava dormir na cadeia em distinta e numerosa companhia, tirou o time, pois ninguém é de ferro e quem tem... tem medo, como diz o ditado.

Em Curitiba, há o ativismo dos taxistas, que montaram um lobby poderoso que transformou o prosaico ato de conseguir um carro “de praça” numa façanha hercúlea. Além de, no Brasil, taxista ter passado a ser uma profissão hereditária como os gondoleiros de Veneza, Curitiba é a única cidade que conheço dominada por três ou quatro centrais de rádio, onde é simplesmente impossível se postar na calçada e acenar para um táxi que passa... pois não passa nenhum. Enquanto isso, 750 novos táxis continuam a patinar nos meandros burocráticos da prefeitura para entrar em operação. É o ativismo corporativo fazendo a população sofrer.

E ainda há o ativismo das “redes sociais” e do “Face”, a expor e denegrir as pessoas na internet sem direito a resposta nem recurso.

Alguns consideram esses ativismos como demonstrações de vitalidade democrática. Eu penso de maneira diferente: essa defesa aguerrida dos interesses de cada grupo ou categoria social nos afasta de uma agenda cívica comum, em que todos estejam unidos em favor de valores fundamentais, para que um dia – por mais remoto que seja – possamos nos transformar em um país de qualidade para todos e não para alguns ativistas mais ousados.

O fator Copa - DORA KRAMER


O ESTADÃO - 08/12

A indagação é recorrente: o desempenho do Brasil na Copa do Mundo pode influenciar o resultado das eleições? Tendo em vista os últimos cinco pleitos, a resposta é negativa. Mas a pergunta continua a ser feita porque, desde 1994, o Mundial coincide com o ano eleitoral e muitas análises insistem em conectar um fato ao outro.

A realidade, porém, não autoriza o vínculo. Com uma única exceção, candidatos oficiais ganharam a eleição em anos em que o Brasil foi eliminado e perderam três meses depois de o país ser campeão. Só em 1994 o presidente elegeu o sucessor três meses depois da vitória na Copa nos Estados Unidos. Ganhou Fernando Henrique Cardoso, candidato do então presidente Itamar Franco. Ainda assim, o resultado se deveu ao Plano Real, e não ao futebol.

Indo adiante, chegamos a 1998, quando Fernando Henrique ganhou a reeleição e o Brasil deu aquele famoso vexame na França. Quatro anos depois, na Ásia (Japão e Coreia) saímos vencedores; o governo, no entanto, viu seu candidato ser derrotado pelo PT, há anos na oposição.

Em 2006, perdemos a Copa na Alemanha em junho. Em outubro, o então presidente Luiz Inácio da Silva foi reeleito. Isso em pleno escândalo do mensalão. A escrita se repetiu em 2010: o Brasil não conquistou o campeonato na África do Sul e a candidata de Lula, Dilma Rousseff, ganhou a eleição.

Ou seja, estatisticamente comprovado que uma coisa não tem nada a ver com a outra. O entusiasmo ou a decepção com o desempenho no futebol não se transfere para a escolha eleitoral. Assim tem sido, mas assim pode não ser em 2014. A Copa é no Brasil, que terá muitas responsabilidades além de buscar a vitória na final. Vai precisar ganhar o jogo também fora do campo.

Se correr tudo bem, a infraestrutura funcionar e for um sucesso de crítica e bilheteria, evidentemente os méritos serão creditados ao governo. Com justiça. Mas, se não for tudo nos conformes, se a Copa transcorrer na base dos “disformes”, a conta será cobrada no guichê do Palácio do Planalto.

O presidente da Fifa, Joseph Blatter, diante dos atrasos em obras e do acidente ocorrido no Itaquerão previsto para ser inaugurado em abril, quatro meses depois da data combinada, entregou literalmente aos céus: “Não temos plano B. O que a Fifa pode fazer é pedir a Deus, a Alá, a quem quer que seja para que não haja mais acidentes envolvendo a Copa do Mundo”.

O ministro do Esporte, Aldo Rebelo, fez metáfora: “As noivas chegam atrasadas e nunca vi um casamento não acontecer por causa disso”. É fato, mas não assegura o sucesso do matrimônio. Integrante do Comitê Organizador Local, o ex-jogador Ronaldo embarcou na canoa do improviso: “O gringo, em geral, não conhece o nosso jeitinho brasileiro de ser e fazer as coisas no último momento e começar uma correria, mas a gente tem garantia de que todos os estádios estarão prontos para a Copa”.

Fossem apenas os estádios até que estaria tudo bem, serão entregues, não há dúvida. Mas, e o resto? Os aeroportos, os transportes públicos, os táxis, a hospedagem, a dita mobilidade urbana, as estradas, os serviços, as comunicações, a segurança? Isso sem falar nos superfaturamentos em obras e no questionamento sobre o “legado” do qual está prometido que o país poderá se valer. É preciso bem mais que “jeitinho brasileiro” para, senão resolver, ao menos equacionar essas questões a fim de não pôr a perder a oportunidade.

A “correria” citada por Ronaldo não é peculiaridade cultural a ser celebrada. É sinal de descaso e incompetência. Afinal de contas, desde o anúncio de que o Brasil seria sede do Mundial até hoje lá se vão cinco anos. É o tipo do atraso que pode estragar a cerimônia de um casamento.

Nós não temos razão - HENRIQUE MEIRELLES


FOLHA DE SP - 08/12

Um dos mais importantes aspectos culturais de uma nação são os valores que prevalecem nos conflitos entre o interesse individual e o público. Exemplo simbólico é o julgamento no STF dos planos econômicos, que, à primeira vista, opõe bancos e poupadores. Bancos são credores da sociedade --e sempre há má vontade com eles. Mas, ao aprofundar a discussão, surgem implicações diferentes.

Se os bancos forem derrotados, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil (empresas públicas) terão que arcar com a maior parte do custo astronômico do processo, calculado em até R$ 180 bilhões. Já os bancos privados perderiam capacidade de emprestar por bom tempo, com impacto muito forte na economia, no emprego e na renda da população, como vimos nos EUA e na Europa.

Estamos, portanto, numa disputa entre o interesse público e o individual, que suscita a seguinte questão: estarei melhor ganhando parte de uma ação que pode quebrar o país, causar desemprego e reduzir a renda? A resposta é não. Ninguém tem o direito de quebrar o país, como já foi dito.

Há ainda a questão do mérito. O poupador teve prejuízo e deve ser ressarcido? Por todos os cálculos que vi, não. E é possível explicar isso de forma simples. No início do mês, num período de hiperinflação, um liquidificador custava R$ 100. Um cidadão depositou R$ 100 no dia primeiro para comprá-lo em 30 dias. Como a inflação era de 50% ao mês, no final daquele período o liquidificador custaria R$ 150. Mas, com o plano econômico veio o congelamento de preços, e o liquidificador, após um mês, seguiu a R$ 100.

O problema surgiu das regras de indexação da poupança. O correto seria pagar a correção do mês de acordo com a inflação do período, porém, como não existia a medição da inflação do mês corrente já no final do próprio mês, usava-se como referência a inflação do mês anterior. Como a inflação era de 50% antes do plano, a poupança, em tese, pagaria lucro de 50% ao poupador naquele mês, o que era insustentável. Os planos então determinaram que a poupança não pagasse a inflação anterior, mas a do mês corrente, que era zero.

Representantes dos poupadores argumentam que houve mudança arbitrária de regras. Houve, sim, mudança de regras, mas ela valeu para todos, não só para o poupador.

Na essência, essa é a situação em todos os planos. Todos os poupadores da época terão ganho relevante caso a decisão nos seja favorável. Por outro lado, as perdas do Tesouro Nacional e da economia poderiam desencadear a famosa tempestade perfeita temida por muitos.

Essa decisão terá um caráter mais profundo do que parece e pode marcar o Brasil por muitos anos.

Tempestade no horizonte? - AFFONSO CELSO PASTORE


O Estado de S.Paulo - 08/12

A concessão do Prêmio Nobel de economia de 2013 suscitou perplexidade. Um dos ganhadores foi Eugene Fama, o autor da hipótese de mercados eficientes. Para ele, os preços das ações refletem as expectativas de lucros futuros, e nunca se desviam dos "fundamentos". Outro ganhador foi Robert Schiller, que se curva às evidências de que muitas vezes os preços dos ativos, como ações e casas, têm trajetórias que parecem absurdas. Para ele, a psicologia tem muito a dizer sobre as bolhas - a divergência dos preços com relação aos "fundamentos". Ambos têm razão em momentos específicos da história dos países.

Nos últimos meses, os índices de ações nos EUA, como o Dow Jones e o Nasdaq, vêm crescendo aceleradamente, com sucessivos recordes de alta. Quem seguir as ideias de Fama dirá que os investidores estão antecipando um grande crescimento nos lucros, o que é indicativo de uma recuperação forte da atividade econômica. Mas quem seguir as ideias de Schiller alertará que o atual comportamento pode ser a indicação de uma bolha em formação. Essa previsão é reforçada pelo tamanho do ativo do balanço do Federal Reserve, em torno de US$ 4 trilhões, e que continua crescendo com compras de US$ 85 bilhões por mês, o que diante de um crescimento econômico mais vigoroso tem uma probabilidade ainda mais elevada de gerar bolhas nos preços dos ativos.

Através de vários canais de transmissão as compras de ativos por parte do FED ajudam na recuperação da economia, mas carregam consigo o risco da formação de bolhas. Hoje seria difícil ter certeza sobre se a razão está com Fama ou com Schiller. Mas, qualquer que fosse o veredicto, a indicação é de que o Federal Reserve deveria considerar seriamente o início da redução na intensidade das compras de ativos. Se Fama tiver razão, essa decisão seria necessária porque o crescimento econômico já adquiriu tração, prescindindo de maiores estímulos monetários. Já se a razão estiver com Schiller, o FED teria que ter a cautela de evitar uma nova bolha de ativos, causadora de fragilidade financeira.

A preocupação com os eventos nos EUA não vem de mera curiosidade. No mundo globalizado o câmbio e os juros em um país são influenciados pelo que ocorre nos demais. Um crescimento mais vigoroso dos EUA atrai capitais que valorizam o dólar, mas quem sofre mais, perdendo mais intensamente os ingressos de capitais, são os países que vêm seguindo políticas fiscais expansionistas e monetárias acomodativas, como Índia, Indonésia, África do Sul, Turquia e Brasil. Não é por coincidência que estes cinco países figuram entre os que em 2013 tiveram as maiores depreciações cambiais. No caso brasileiro, em particular, antes que o tapering fosse postergado na reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, em inglês) de setembro, o real havia chegado a R$2,43/US$, valorizando-se com o anúncio, mas voltando a se depreciar recentemente com o aumento da probabilidade de que o início do tapering está mais próximo, mesmo diante das maciças intervenções do BC no mercado futuro de câmbio.

Mas a depreciação do real está distante de ser explicada apenas por ocorrências nos Estados Unidos. Em primeiro lugar, as políticas macroeconômicas expansionistas adotadas pelo governo brasileiro têm provocado o aumento da absorção relativamente ao PIB, aumentando o desequilíbrio externo no momento em que os capitais estão refluindo do País. Entre 2010 e 2012, o Brasil tinha déficits nas contas correntes apenas um pouco acima de US$ 50 bilhões por ano, mas recebia ingressos de capitais entre US$80 bilhões e US$ 130 bilhões por ano, gerando enormes superávits no balanço de pagamentos, que conduziam à acumulação de reservas. Ainda assim o real se valorizava. Atualmente os déficits nas contas correntes superaram US$ 80 bilhões por ano, e os ingressos de capitais, somando investimentos diretos, ações e renda fixa, situam-se um pouco abaixo, e tendem a declinar diante da atração de capitais pelos Estados Unidos. A consequência é que o déficit brasileiro nas contas correntes terá que declinar para um nível compatível com a nova realidade sobre os ingressos de capitais, o que provoca o enfraquecimento do real.

Mas, além disso, a depreciação vem se acentuando devido à desastrada conduta do governo na política fiscal. A queda de qualidade da política fiscal vem acarretando a contração da demanda por ativos brasileiros por parte de estrangeiros. Quem quer que tenha observado simultaneamente as trajetórias das cotações do CDS (uma das medidas de risco do país) e da taxa cambial, notará a forte correlação positiva entre elas. Isto não é uma obra do acaso, mas a consequência de que o aumento na percepção de risco contrai a demanda de ativos brasileiros por parte de estrangeiros, elevando as cotações do CDS e depreciando o real.

Nos últimos meses as cotações do CDS brasileiro têm se elevado significativamente, como se vê no gráfico anexo. Mas estes não são movimentos originados pelas reações do FED, e sim dentro das nossas fronteiras. A prova é que a elevação somente ocorre no CDS brasileiro, sem alterações nos CDS de Peru, México e Colômbia, para tomarmos apenas três exemplos. A última elevação, ocorrida a partir de setembro, está claramente associada aos péssimos resultados dos últimos superávits primários.

O governo abusou das transferências por fora do orçamento a bancos oficiais, maculando o conceito de dívida líquida como aferidor da solvência pública, que somente pode ser avaliada pela dívida bruta. Abusou, por outro lado, de truques contábeis que tornaram o superávit primário uma peça de ficção. Sem confiança nem no conceito de dívida líquida, e nem nas informações provenientes do superávit primário, é claro que a percepção de risco teria que se elevar.

Felizmente, o governo parece ter entendido que as ações do aprendiz de Luca Pacioli que reside em Brasília vêm causando um enorme dano, e resolveu tolher a sua criatividade. A presidente pode não ligar para o impacto eleitoral de um rebaixamento que tire do Brasil o grau de investimento, mas sabe que se isso ocorrer a economia sofrerá danos enormes. O governo voltou atrás na tentativa de usar a Caixa Econômica para travestir o buraco criado nas companhias de eletricidade pela sua decisão de baixar os preços, e refreou-se de aprovar a mudança do indexador das dívidas de Estados e Municípios, que seria na revogação de fato da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas nenhuma dessas atitudes é suficiente para mudar o quadro extremamente pessimista quanto a qualidade da política fiscal. Se de um lado aparentemente o governo desistiu de criar um novo Luca Pacioli, de outro continua preocupado em seguir os ensinamentos de seu contemporâneo, Niccoló Machiavelli, que recomendava que a primeira tarefa do governo é se manter governo. Se combinarmos um ano de eleições com a crença quase religiosa do governo de que o crescimento econômico se obtém através de estímulos fiscais, as perspectivas não são boas. O governo continua tendo fé nos efeitos das desonerações, que em um ano de eleições dificilmente seriam revistas para elevar as receitas, e não quer abandonar as transferências, com as quais obtém votos. Lembremos que o péssimo desempenho dos superávits primários, neste ano, não se deve apenas às desonerações, mas também ao crescimento exagerado dos gastos discricionários em proporção ao PIB.

O mais provável é que as ondas vindas dos EUA se somem às geradas em Brasília, aumentando a turbulência na economia brasileira. Há nuvens cobrindo o horizonte, e o caminho à frente não promete ser agradável.