quinta-feira, 7 de junho de 2012

Gays são bem-vindos



Casal de pastoras homossexuais foi o responsável por fundar a igreja. Foto: Divulgação
Atrás de uma porta de vidro fosco, em um trecho mal iluminado e repleto de botequins na Avenida São João em São Paulo, uma pastora prega trechos do livro de Gênesis para seus ouvintes. É um culto que ocorre em salão fechado, com paredes brancas e diversas cadeiras de escritório enfileiradas em frente ao altar. Para amenizar o calor, o salão com cerca de 300 metros quadrados tem diversos equipamentos de ar condicionado e ventiladores espalhados.
Logo na entrada, um membro da igreja recebe os fiéis e os acomoda nos poucos lugares vagos. A integrante é uma moça com camisa preta, calça jeans e cabelo com gel. No altar, a pastora começa a pregação do dia com um forte sotaque pernambucano, cabelo preso com um rabo de cavalo e uma camisa social azul clara masculina. Diferentemente dos cultos de outras igrejas evangélica ou católicas, a celebração deste domingo era majoritariamente composta por casais homossexuais, embora o fiel e assessor de imprensa da igreja, Abdalla Daichoum, diga que o público é diverso.
O culto acontece na igreja inclusiva Comunidade Cidade de Refúgio, que lançou em meados de maio uma campanha nas redes sociais contra discriminação de casais homossexuais. A ação denominada “Criação de Deus” mostra três casais – um heterossexual, um homossexual masculino e outro casal gay feminino – com os dizeres: “Criação De Deus”. Posaram para a campanha o casal de pastoras homossexual, Lanna Holder e Rosania Rocha, líderes da igreja.
A ação coincide com as comemorações do primeiro aniversário da instituição, que acontece na terceira semana de junho, e terá como ápice a distribuição de folhetos e a conversão de homossexuais durante a Parada Gay de São Paulo.
O culto prossegue de forma descontraída e bem-humorada. Entre uma leitura bíblica e outra, a pastora pernambucana Lana brinca com os fiéis e puxa um grito de louvor parodiando o sucesso sertanejo Eu quero tchu, eu quero tcha. Na versão da igreja, a música virou: “Eu quero Jê, eu quero zus, eu quero Jê-jê-jê Jesus!”
Criada com a intenção de reaproximar os homossexuais da religião, a igreja também preocupa-se em mantê-los por perto. Logo após a entrada, os fiéis encontram um aparelho de ponto eletrônico fixado na parede. Com ele, a presença dos fiéis é controlada e cobrada como disse a pastora durante o culto do domingo 27. “Não pode esquecer de passar pelo ponto (eletrônico), irmãos”, diz. “Quem não passar vai receber ligação em casa para sabermos porque está faltando nos cultos e se está tudo bem. É um cuidado que temos”, completa.
Todo esse cuidado está relacionado com os planos de crescimento da igreja inclusiva e “ultrapassar os muros”. Em comemoração a seu primeiro aniversário, a igreja comprou por 3500 reais um programa de rádio com uma hora de duração, que irá ao ar em todos os sábados do mês de junho, na 101,3 FM.
A iniciativa foi anunciada com euforia e descontração pela pastora Lanna Holder. “Você está chique, irmão. Congrega numa Igreja que tem programa na rádio”, disse. “Mas, agora, não deixem de orar para Jesus levantar mantenedores para esse processo”, emenda.
Imagem da fachada da Igreja, localizada na Avenida São João. Foto: Google Streetview
Logo após o anúncio do programa veio o momento da oferta. Juntamente com as cestas para a captação das doações em dinheiro, máquinas de cartão de crédito e débito passavam espremidas pelos corredores estreitos do salão da Igreja. Enquanto isso, Holder sempre bem humorada brincava “põe uma mão no coração e outra no bolso, irmão.”
No entanto, referências e críticas aos preconceitos das outras igrejas aos homossexuais são constantes. Segundo a própria definição da pastora, a Igreja Comunidade Cidade de Refúgio é formada por líderes que lutam para ser crentes.“A Igreja nasceu com um prognóstico negativo, mas não é porque existem todas essas dificuldades que vamos aceitar esse julgamento”, disse Holder, na metade do culto. No momento em que discursava, uma televisão fixada no teto do salão exibia a mensagem: ‘Lembre-se: O impossível é apenas uma das especialidades de Deus’.
Em referência direta às outras igrejas evangélicas, Holder prossegue dizendo que crente que faz muito ‘furdunço’, com pouco amor, não faz diferença. “Se profecia segurasse membros, centro de macumba estava cheio”, ironiza. Segundo ela, o que faz a Igreja crescer é o amor. “Muitos de nós fomos abortados do seio de sua Igreja. Passamos a descrer que a Igreja seja capaz de gerar filhos”, diz. “Nossa Igreja não é estéril, nós vamos gerar filhos, vamos evangelizar e salvar almas”, completa.
Essa evangelização já tem data e hora para acontecer: na semana de 7 de junho, durante a Parada Gay, em São Paulo. Intitulada Semana da Diversidade, as ações começam com uma campanha de evangelismo no Vale do Anhagabaú, no dia 7. Já durante os dias 9 e 10, membros da igreja participarão da caminhada lésbica na Avenida Paulista e na Parada Gay, vestindo camisetas com a frase “Já passou da hora de você voltar.”
O culto durou cerca de duas horas e meia e terminou com um canto entoado em pé por todos os presentes. Em seu refrão fica claro a intenção de reaproximar os fiéis homossexuais do evangelho. “Uma nova história Deus tem para mim. Um novo tempo Deus tem para mim. Tudo aquilo que perdido foi, ouvirei de sua boca…”, diz o refrão que encerra o culto do domingo.
Somente naquela noite, mais de dez pessoas se converteram. Jaqueline era uma delas. Acompanhada de sua esposa, Deise, e de sua filha com cinco anos de idade, Jaqueline estava muito emocionada ao final da celebração. “Procuramos a Igreja porque aqui ela nos aceita da forma como realmente somos”, conta.
Sob o olhar desconfiado de sua filha, ela completa “é importante trazê-la aqui e mostrar a importância de respeitar e ser tolerante com a escolha dos outros para ela não crescer homofóbica”.
Outra a se converter foi a descendente de americanos Heather. Para chegar até a Igreja Cidade Refúgio, Heather vence quase 20 quilômetros de distância entre sua casa no bairro do M’Boi Mirim até o centro de São Paulo, onde fica a Igreja. “Aqui o ambiente é animado e acolhedor, você não sente ninguém te olhando torto”, diz.
Heather conheceu a Comunidade Cidade de Refúgio através da Internet. “Não me aceitavam na Igreja que eu ia”. “É muito ruim crescer dentro de uma e depois não poder mais freqüentá-la”.
Naquele domingo, Heather foi à Igreja apenas acompanhada de sua companheira, mas disse ter dois filhos fruto de um ex-casamento. “Para os meus filhos é mais difícil por conta da convivência com o pai, mas quero que eles aprendam a respeitar e não cresçam no ambiente que eu cresci”, conclui.

Em dez anos, cresceu 182% o número de universitários mais velhos. Saiba o que tem levado essa turma para a sala de aula


Calouro depois dos 50


Rachel Costa
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DE VOLTA
Rodrigues (à esq.) e Roseli são calouros e colegas
do veterano Ribeiro; que cursa sua terceira faculdade
Uma multidão de estudantes na casa dos 20 anos que, entre uma prova e outra, gasta o tempo com festas e flertes. Essa é a imagem clássica associada aos universitários. O estereótipo, porém, está ameaçado por um público crescente nas salas de aula das faculdades, o dos alunos com mais de 50 anos. Eles têm idade para ser pais, às vezes, avós de seus colegas de classe e não formam um perfil exatamente homogêneo. Enquanto uns estão pondo os pés pela primeira vez em uma faculdade, outros já conhecem de longa data a engrenagem da vida acadêmica. Apesar do currículo escolar variado, trazem em comum a experiência de vida e uma relação madura com os estudos. A presença de estudantes mais velhos nas faculdades é uma tendência forte segundo dados do Ministério da Educação. Se o aumento do número de alunos com menos de 50 anos foi de 73% entre 2000 e 2010, para a faixa com mais de 50 anos o crescimento foi de 182%. 

Financiamento facilitado e mais vagas nas universidades públicas são alguns dos fatores que levam quem já passou dos cinquenta a tomar coragem para encarar os bancos universitários e realizar o sonho do diploma. A cobrança cada vez maior por capacitação também conta. “Quando eu era jovem, tinha que ir à capital para estudar”, diz o pedreiro aposentado Bartolomeu Queiroz Anastácio, de 86 anos, calouro do curso de matemática da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Aquidauana, cidade do interior sul-matogrossense a 140 quilômetros da capital Campo Grande. De família humilde, Anastácio não pôde sair da cidade para estudar quando moço. Começou a trabalhar, se casou, teve 12 filhos. Só depois de aposentado é que ele resolveu voltar à escola. Fez o ensino fundamental e o médio em supletivo, prestou o Exame Nacional do Ensino Médio em 2011 e, no começo deste ano, leu seu nome na lista de aprovados da UFMS. “Toda a vida eu tive vontade de ter estudo”, diz o ex-pedreiro, que ainda sonha em fazer engenharia quando terminar matemática. Na universidade, o vovô calouro já se tornou uma referência. “Ele é muito dedicado, nunca falta, copia todas as matérias e sempre pergunta quando tem dúvida. Uma participação que, geralmente, estudantes do primeiro período não têm”, afirma o professor de geometria de Anastácio, o matemático Leandro Bezerra de Lima – que, aos 32 anos, tem idade para ser neto do aluno.
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OPORTUNIDADE
Anastácio não pôde estudar quando era jovem.
Aos 86 anos, comemora a aprovação para matemática 
A vida universitária, porém, não é novidade para todos os alunos sênior. Alguns, como o professor aposentado Oscar Pinto Ribeiro, de 68 anos, já conhecem de longa data a rotina de estudante universitário. Calouro da turma de fisioterapia na Faculdade de Ciências Médicas, em Belo Horizonte, ele está de volta à universidade depois de mais de 30 anos lecionando (é formado em letras e pedagogia). Na turma, é o mais velho e serve de exemplo até para quem, assim como ele, não é mais jovem. “Quando fui para a faculdade, fui com receio de chegar lá e não encontrar meu lugar”, diz a artista plástica Roseli Soares, 43 anos, em seu primeiro curso superior. “Ver o Oscar foi um alívio para mim, porque ele está lá, com toda a naturalidade, muito bom aluno e sempre interessado.” Os cabelos brancos e a idade avançada chamam a atenção à primeira vista. “No primeiro dia de aula, quando vi o Oscar no corredor, achei que ele era professor”, afirma Bruno Henrique Rodrigues, 19 anos e colega de Ribeiro. “Tomei um susto. Mas logo começamos a conversar e hoje o tenho como um irmão.”

Uma característica comum a quem encara o curso superior após os 50 anos é ir para a sala de aula sem o peso de uma angústia própria dos jovens: a de ter uma profissão para fazer carreira e ganhar dinheiro. Muitos desses alunos já se aposentaram e, por isso, a preocupação é com o conhecimento adquirido e o convívio social. Essa última oportunidade, inclusive, tem sido cada vez mais explorada por idosos que não querem se isolar. “Brinco com meus alunos da maior idade que voltar a estudar rejuvenesce mais que botox”, diz o coordenador da Universidade Aberta à Maturidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Fause Saad. É o que sente a aluna Judith Moreira da Silva, 59 anos. “Eu me sinto jovem, apesar das rugas do rosto”, define ela, que até os 50 anos não tinha nenhum diploma e hoje é formada em pedagogia, possui pós na mesma área e está no sexto período de psicologia. Nos seus planos está seguir os estudos depois da conclusão do curso. Provavelmente, com cada vez mais colegas de sua faixa etária.
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