sexta-feira, 7 de junho de 2013

A descoberta da origem do câncer de mama


MEDICINA & BEM-ESTAR
|  N° Edição:  2273 |  07.Jun.13 - 21:20 |  Atualizado em 07.Jun.13 - 23:19

Pesquisadores identificam um grupo de células que podem desencadear a doença. No futuro, as informações deverão servir de base para a criação de métodos que consigam detectar a enfermidade em estágios bastante iniciais

Cilene Pereira e Mônica Tarantino
Desvendar as origens do câncer de mama é um dos desafios mais prementes da medicina. Na semana passada, um novo estudo divulgado pela revista científica “Stem Cell Reports” acrescentou uma informação valiosa para o entendimento dos mecanismos que levam à doença. Pesquisadores americanos e canadenses descobriram que um dos tipos de células-tronco, as chamadas luminal progenitoras (que dão origem a um gênero de tecido mamário), são geneticamente mais vulneráveis às transformações que levam ao câncer. Elas estão situadas nos ductos, canais que conduzem o leite produzido pela glândula mamária até os mamilos. Seria nessas estruturas, portanto, que a enfermidade começaria.
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O motivo que as torna mais sujeitas a apresentar os erros genéticos que deflagram o câncer é o fato de terem telômeros menores do que as outras células que dão origem a outros tecidos das mamas. Os telômeros são estruturas presentes nas extremidades dos cromossomos (onde estão abrigados os genes que compõem o nosso código genético). Uma de suas funções é proteger a integridade dos genes durante o processo de renovação celular, impedindo, por exemplo, as fusões de cromossomos. Quando isso ocorre, a célula pode ganhar ou perder um cromossomo, o que resulta em um defeito genético.
Durante o processo de envelhecimento, os telômeros vão encurtando, deixando as células mais vulneráveis a essas alterações. O que o trabalho agora divulgado demonstra, porém, é que eles são naturalmente menores nas células luminais progenitoras, independentemente da idade. Significa que essas células são normalmente mais expostas a erros de funcionamento que podem desencadear a doença. “A região onde essas células se encontram pode ser vista como um palco onde provavelmente o câncer de mama pode ter início”, disse a pesquisadora Connie Eaves, da Agência para o Câncer em Vancouver, no Canadá, coautora da pesquisa. A investigação que levou a esse achado foi realizada com amostras de tecido mamário retiradas de mulheres que se submeteram a cirurgias plásticas para reduzir os seios com finalidade estética.
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Estudos anteriores já haviam indicado que esse tipo de câncer poderia ter início nos ductos mamários. A literatura científica registra, inclusive, a associação entre o aparecimento dos tumores de mama ligados às mutações no gene BRCA1 aos pontos do seio onde estão essas células luminais progenitoras. “Nosso trabalho ajuda a entender melhor como a enfermidade começa a partir de mudanças no DNA que podem, por exemplo, ligar ou desligar um gene envolvido na replicação celular”, disse à ISTOÉ David Gilley, coordenador da pesquisa.
De fato, neste momento, a principal contribuição da descoberta é permitir uma compreensão mais detalhada da origem da enfermidade. “Ela reforça evidências que já haviam sido obtidas a respeito dos mecanismos que podem estar envolvidos nesse tipo de tumor”, diz o oncologista Antônio Buzaid, chefe do Centro Avançado de Oncologia do Hospital São José, em São Paulo. No entanto, o cientista Gilley acredita que as suas descobertas poderão servir de base para a criação de meios diagnósticos e de tratamentos que atuem diretamente no começo do processo que leva à doença. “Estamos trabalhando para encontrar formas de detectar as mudanças moleculares genéticas associadas a essa etapa da enfermidade. Entre elas, procuramos meios de identificar alterações nos telômeros que permitem que os cromossomos se fundam”, contou à ISTOÉ. O propósito é impedir a ocorrência dessas modificações.  

Caso do estudante de Medicina morto em trote: a crítica de Joaquim Barbosa à Justiça gélida e indiferente à vida real só o engrandece


Joaquim Barbosa, presidente do STF (Foto: Nelson Jr. / STF)
Joaquim Barbosa, presidente do Supremo: "Estamos aqui chancelando a impossibilidade de punição aos que cometeram um crime bárbaro" (Foto: Nelson Jr. / STF)
Já faz 14 anos que o jovem Edison Tsung Chih Hsueh, calouro do curso da melhor escola de Medicina do Brasil, abdicou à força de seus sonhos e, morrendo afogado na piscina da Associação Atlética da Faculdade de Medicina da USP, teve destroçada a felicidade de sua família por um absurdo e violento trote praticado por veteranos.
Hoje, esses veteranos, devidamente identificados pela Polícia, são médicos prósperos e respeitáveis. Ninguém mais se lembra de seus nomes. O inquérito policial que os identificou transformou-se num processo-crime e quatro dos rapazes escaparam de condenação pelo tribunal do júri porque advogadões conseguiram trancar a ação penal. O Ministério Público recorreu.
O processo engatinhou na Justiça como se Edison, o rapaz promissor que morreu porque não sabia nadar e não foi socorrido por ninguém, fosse um inseto — uma barata, um pernilongo, um mosquito esmagado.
O processo rolou por todas as instâncias da Justiça até ir parar, pelos absurdos do sistema legal no Brasil, no Supremo Tribunal Federal, quando poderíamos e deveríamos ter uma legislação que tornasse viáveis decisões finais sem necessidade de o caso “subir” à corte mais alta do país.
E, lá, o Supremo acabou convalidando uma decisão tomada no longínquo ano de 2006 pelo Superior Tribunal de Justiça — vejam as demoras de um caso tão grave –, no sentido de mandar arquivar o processo. Ponto final. Dane-se a família de Edison, dane-se o futuro que o rapaz nunca teve.
Edison Tsung Chi Hsueh morreu afogado numa piscina durante o trote com veteranos do curso de medicina
Edison Tsung Chi Hsueh: seus sonhos, seu futuro e sua vida acabaram quando ele morreu afogado numa piscina durante o trote com veteranos de Medicina, e, 1999; o caso, agora, está arquivado em definitivo (Foto: arquivo de família)
A votação no Supremo não foi apertada nem folgada — 5 votos pelo arquivamento, 3 contrários. E aí o presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa, resolveu manifestar sua revolta:
– Estamos aqui chancelando a impossibilidade de punição aos que cometeram um crime bárbaro. Quero dizer que o Supremo Tribunal Federal está impedindo que essa triste história seja esclarecida.
O ministro opinou que o Supremo “violou a soberania” do júri e, por causa disso, “violou abertamente” a Constituição. E perguntou: “A quem (senão ao júri) incumbiria examinar se eles são ou não culpados? O tribunal do júri — ou um órgão burocrático da Justiça brasileira situado em Brasília, o Superior Tribunal de Justiça?”
O ministro ficou tocado pelo fato de que toda a discussão do caso da morte do jovem estudante de Medicina tivesse ficado focada em questões técnicas — em nenhum momento entrou-se no núcleo da questão, no mérido da causa em exame, o virtual assassinato do estudante.
E aí o ministro disse o que provavelmente inúmeros brasileiros gostariam de dizer aos demais ministros, aos ministros do STJ e aos magistrados de outras instâncias em que cabe a carapuça:
– O tribunal se debruça sobre teorias, sobre hipóteses, e esquece aquilo que é ESSENCIAL: a vítima. Não se fala da vítima, não se fala da família!
Sabemos todos que o ministro Joaquim Barbosa é explosivo e, não raro, fala mais do que deve, em tom acima do razoável.
Mas, nesse caso, não poderia estar mais certo. Eu, como profissional, já vi funcionar a Justiça em países tão diferentes como o Reino Unido, o Chile, os Estados Unidos — e, de formas diferentes, os magistrados se envolvem mais nos processos, passam pitos em réus, se comovem com o conteúdo dos processos, agem no mais das vezes com um visível interesse nas pessoas que estão em causa.
Aqui, não. A Justiça, e especialmente os chamados tribunais superiores, com as exceções de praxe, agem de forma gélida, a anos-luz das tragédias que lhes passam pelos olhos, limitando-se, até porque assim determina nossa legislação, a examinar papelada e a ouvir advogados, longe, muito longe da vida real que pulsa fora de seus gabinetes.
As críticas do ministro Joaquim Barbosa a essa postura dos tribunais só o engrandece.

BLUES com muita guitarra - Excepcional - Freddie King - Have You Ever Loved A Woman

Investigação; Um apartamento mal-assombrado de R$ 3,5 milhões no Rio de Janeiro


08:32:36

O imóvel de luxo pertencente a George Augusto Pereira, o empresário fantasma ligado ao deputado Garotinho e sua família, foi bloqueado pela Justiça

A Operação da Delegacia Fazendária em apartamento em condomínio na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro (Foto: Bruno Gonzalez / Agência O Globo)
Por determinação da Justiça, em decisão tomada na última quarta-feira (dia 5), o apartamento 402 em um dos edifícios do luxuoso condomínio Barra Golden Green, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, não pode ser vendido ou transferido a outro proprietário. O imóvel ficará numa espécie de bloqueio pelo menos até a Delegacia Fazendária (Delfaz), da Polícia Civil do Rio de Janeiro, concluir a investigação sobre um esquema de desvio de verbas públicas. O bloqueio seria uma providência corriqueira da polícia para impedir que o investigado se desfaça de bens eventualmente obtidos com dinheiro ilícito, mas nesse caso há uma diferença inédita. A escritura de promessa de compra e venda do imóvel está em nome de um fantasma. George Augusto Pereira é um empresário fictício com carteira de identidade falsa. Ele também aparecia como dono de uma empresa ligada ao deputado Anthony Garotinho (PR-RJ) e a sua família. Até a polícia descobrir quem está por trás de George, o apartamento permanecerá tecnicamente em nome de uma assombração. ...

O condomínio fica de frente para a praia da Barra da Tijuca, tem campo de golfe e jardim planejado pelo paisagista Burle Marx. O apartamento tem área útil de 210 metros quadrados, três vagas na garagem e, segundo corretores, está avaliado em R$ 3,5 milhões. Quem mora no imóvel é o empresário Fernando Trabach Gomes. A Delfaz acredita que Trabach esteja por trás de George.

Nos papéis da Junta Comercial, o fantasma era dono da GAP Comércio e Serviços Especial. A empresa, que aluga ambulâncias, recebeu R$ 32 milhões da Prefeitura de Campos dos Goytacazes, cidade do norte fluminense administrada por Rosinha Garotinho (PR), mulher do deputado. O Ministério Público do Rio diz que o contrato com o município é totalmente fraudulento. A GAP ainda alugou um carro para o gabinete de Garotinho em 2011, despesa paga com verba da Câmara dos Deputados. A GAP também emprestou um carro de luxo a Wladimir Matheus, filho do deputado.

Trabach opera uma rede de postos de gasolina que prestou serviço para a campanha eleitoral do PR em 2010 no Rio de Janeiro. Garotinho, que é presidente estadual do PR, diz que conheceu Trabach na campanha e nega qualquer relação com a fraude cometida pela GAP. A Prefeitura de Campos afirma que apura eventuais fraudes no contrato. Trabach alega que um escritório de advocacia foi responsável pela criação do fantasma George.

Por Hudson Corrêa
Fonte: ÉPOCA.com - 07/06/2013

A arte de revelar rostos pelas cidades


Com uma furadeira, Vhils cria 'street art'

08/05/2013 | POR REDAÇÃO; FOTOS DIVULGAÇÃO

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 Intervenção do artista plástico Alexandre Farto na Comunidade dos Tabajaras, em abril de 2013 (Foto: divulgação)
Em comemoração ao Ano de Portugal no Brasil, o street artist português Alexandre Farto, que assina como Vhils, apresenta uma série de trabalhos chamada Fragmentos, na galeriaClark Art Center, em Botafogo, Rio de Janeiro. Além das 15 obras expostas na galeria a cidade também recebe quatro intervenções urbanas feitas pelo artista localizadas entre os bairros cariocas de Botafogo e Copacabana - na Comunidade dos Tabajaras, em um prédio próximo à estação do metrô Siqueira Campos e nos arcos do Túnel Velho.

Sua arte parte do princípio de que trabalhando com a cidade como matéria-prima a relação entre indivíduo e meio é moldada reciprocamente e, dessa forma, gera uma reflexão crítica sobre o meio urbano, as relações socioeconômicas e suas inevitáveis consequências. Todas as obras expostas na galeria – produzidas em paredes, papel e madeira reaproveitadas – estão à venda.
O trabalho de Vhils, aclamado internacionalmente como um dos jovens mais promissores na arte urbana, consiste em uma técnica, criada por ele, de escavar superfícies como muros, portas e cartazes. A ideia é esculpir imagens, em sua maioria rostos, utilizando martelo, espátula, furadeira e, em alguns casos, até explosivos. A partir desses retratos o artista tenta captar histórias, memórias e preocupações das comunidades urbanas.
Fragmentos
Local: Galeria Clark Art Center
Endereço: Rua Teresa Guimarães, 35, Botafogo, Rio de Janeiro
Data: até 26 de maio
Intervenção na fachada da Galeria Clark Art Center  (Foto: divulgação)

 Intervenção em Aveiro em Portugal, em 2012  (Foto: divulgação)

 Intervenção em Baltimore, em 2012  (Foto: divulgação)

 Intervenção em Berlim, em 2011  (Foto: divulgação)

 Intervenção em Girona, na Espanha, em 2012  (Foto: divulgação)

 Intervenção em Miami, em 2011  (Foto: divulgação)

 Intervenção em Moscou, em 2010  (Foto: divulgação)

 Intervenção em Xangai, em 2012  (Foto: divulgação)

 Trabalho escavado em cartazes publicitários, produzido em abril de 2013   (Foto: divulgação)

 Trabalho escavado em bloco de parede (Foto: divulgação)

Trabalho produzido em portas de demolição, em abril de 2013   (Foto: divulgação)

 Alexandre Farto interferindo na fachada da galeria Clarck Art Center   (Foto: divulgação)

O rei dos imóveis nos EUA escolhe o Brasil como alvo


O americano Stephen Ross é o empresário que mais ganhou dinheiro com imóveis nos Estados Unidos. Ele falou a EXAME sobre seu mais recente alvo — o Brasil

Andrew H. Walker/Getty Images
Stephen Ross, empresário americano
São Paulo - Sujeitos excêntricos fizeram fortuna no mercado imobiliário americano nas últimas décadas. O  empresário  Donald Trump é presidente da incorporadora herdada do pai, mas ficou mais conhecido por seus casos extraconjugais, por ter sido protagonista de um programa de TV, por ser um eterno candidato fanfarrão à Presidência e por ter quebrado um punhado de vezes.
Outro exemplo é o investidor Sam Zell, que, aos 71 anos, é o líder de um grupo de motoqueiros chamado Zell’s Angels, que organiza viagens de moto pelo mundo. Quem mais ganhou dinheiro nesse mercado, porém, foi um empresário bem mais convencional e discreto, o americano Stephen Ross.
Com uma fortuna estimada em 4,4 bilhões de dólares, Ross comanda a incorporadora Related, que é dona de 20 bilhões de dólares em imóveis nos Estados Unidos. É, hoje, a maior proprietária de prédios para locação em Nova York — tem quase 18 000 apartamentos e 2,6 milhões de metros quadrados de escritórios e lojas.
Como seus colegas menos convencionais, Ross decidiu que é hora de construir no Brasil. “Ainda há muito espaço para investir no mercado brasileiro, principalmente no segmento de luxo”, disse ele a EXAME.
Formado em direito pela Universidade de Michigan em 1962, Ross começou a trabalhar como advogado tributarista em Detroit, onde nasceu, mas desistiu da carreira em pouco tempo. Nos anos 70, mudou-se para Nova York para tentar a sorte em Wall Street. Foi demitido do primeiro emprego, no banco Bear Stearns, e decidiu mudar de novo.
Pegou um empréstimo de 10 000 dólares com a mãe e investiu na construção de casas populares nos subúrbios de Nova York. Na época, a vantagem desse tipo de imóvel é que havia financiamento de sobra, subsidiado pelo governo.
Fez fortuna aí, mas ganhou notoriedade depois que resolveu lançar grandes projetos imobiliários, como o Time Warner Center, que reúne prédios residenciais, comerciais e um shopping em Manhattan. Hoje, a Related coordena a construção do maior empreendimento de Nova York, que ocupará uma área equivalente a dez campos de futebol e deve levar, numa estimativa conservadora, dez anos para ficar pronto.
Batizado de Hudson Yards e orçado em 12 bilhões de dólares, está sendo construí­do numa região desvalorizada no lado oeste da ilha — que a prefeitura vinha tentando revitalizar há tempos, sem sucesso.
A Related fechou um acordo camarada com o prefeito Michael Bloomberg,  que prometeu inaugurar uma estação de metrô ao lado do complexo e permitiu a Ross fazer um empreendimento três vezes maior que o original. “Vamos criar um novo bairro na cidade”, diz Ross. 
Enquanto constrói seu bairro em Manhattan, Ross está em plena expansão internacional. O objetivo é ganhar dinheiro em mercados onde a demanda por imóveis ainda cresce de forma acelerada, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos.
Desde 2011, lançou empreendimentos em locais como Argentina, China, Emirados Árabes, Índia e México. Agora, segundo ele, sua maior aposta é o Brasil. Em 2012, a Related abriu um escritório em São Paulo. Os projetos começam a sair do papel.
Alta renda
Ross afirma ter separado 600 milhões de dólares para investir no país nos próximos três anos (a empresa de Sam Zell aplicou 1 bilhão de dólares aqui em 14 anos).
O primeiro lançamento da Related no mercado local está previsto para junho: um edifício residencial em São Paulo, próximo à avenida Brigadeiro Faria Lima, com apartamentos de 40 a 70 metros quadrados, bem ao estilo nova-iorquino — com prédios repletos de serviços e próximos ao local de trabalho.
O plano inicial é cobrar 18 000 reais por metro quadrado. “É o preço. Apostamos em quem está disposto a trocar tamanho por localização”, diz Daniel Citron, presidente da Related no Brasil. O alvo seguinte é o Rio de Janeiro.
Ainda que suas maiores apostas estejam no setor imobiliário, Ross começou a diversificar depois da crise de 2008 (ele estava levantando recursos para o Hudson Yards na época e corria o risco de perder o projeto). Nos Estados Unidos, é dono do time de futebol Miami Dolphins e da rede de academias Equinox, voltada para a classe A.
No ano passado, criou a RSE Ventures, empresa de marketing esportivo e organização de shows e jogos. Seu plano é trazer a academia e a RSE para o Brasil no futuro. Faz sentido colocar dinheiro no Brasil agora, após a disparada recente no preço dos imóveis? “Ruim seria entrar quando todo mundo já comprou os imóveis que tinha para comprar”, diz ele. “E isso não aconteceu.”

Brasil cai para 22º lugar no ranking da Fifa, a pior colocação de sua história


Seleção brasileira
Deu no Estadão
A ausência de jogos oficiais e de vitórias nos principais amistosos faz a seleção brasileira despencar no ranking da Fifa. A seleção dona da casa vai jogar a Copa das Confederações, a partir do próximo dia 15 de junho, como apenas a 22ª melhor equipe do mundo, de acordo com a lista atualizada nesta quinta-feira. O time, que empatou com a Inglaterra no último domingo, perdeu 30 pontos e agora tem 872.Assim, o Brasil chega, mais uma vez, ao pior ranking de sua história. A seleção de Luiz Felipe Scolari caiu mais três posições em relação ao 19º lugar ocupado na atualização de maio. De julho de 1994 até agosto de 2007, o país liderou o ranking de forma quase ininterrupta. Depois, em maio de 2010, esteve no topo da lista pela última vez.
Agora, a liderança é da Espanha, também com poucas interrupções, desde 2009. A equipe atingiu 1.614 pontos, contra 1.416 da Alemanha, segunda colocada. A lista das quatro primeiras não mudou neste mês e tem ainda Argentina e Croácia.
Quem subiu bastante foi a Holanda, que ganhou quatro lugares e agora é a quinta colocada, seguida de Portugal e Colômbia. Dos times que jogam a Copa das Confederações, a Itália é oitava, o México 17º, Uruguai 19º, Nigéria 31º, Japão 32º e o modesto Taiti o 138º.
Outras modificações relevantes no ranking ficaram por conta da Bélgica, que subiu mais três lugares e agora é a 12ª, e principalmente da Bósnia Herzegovina, que passou a linha dos mil pontos para assumir o 15º lugar, subindo seis posições de uma só vez. A Inglaterra, por conta do empate com o Brasil, perdeu dois postos, aparecendo agora em nono.
O ranking da Fifa voltará a ser atualizado no dia 4 de julho, após a Copa das Confederações. Confira os 22 primeiros colocados da lista:
1) Espanha, 1.614 pontos
2) Alemanha, 1.416
3) Argentina, 1.287
4) Croácia, 1.222
5) Holanda, 1.158
6) Portugal, 1.137
7) Colômbia, 1.123
8) Itália, 1.097
9) Inglaterra, 1.095
10) Equador, 1.066
11) Rússia, 1.059
12) Bélgica, 1.035
13) Costa do Marfim, 1.022
14) Suíça, 1.010
15) Bósnia Herzegovina, 1.008
16) Grécia, 1.006
17) México, 928
18) França, 922
19) Uruguai, 913
20) Dinamarca, 890
21) Gana, 887
22) Brasil, 872
Cecília Meireles

A última entrevista de Cecília Meireles

A escritora morreu alguns meses depois de ter concedido o depoimento ao jornalista Pedro Bloch, em maio de 1964
“Tenho um vício terrível” — me confessa Cecília Meireles, com ar de quem acumulou setenta pecados capitais. “Meu vício é gostar de gente. Você acha que isso tem cura? Tenho tal amor pela criatura humana, em profundidade, que deve ser doença.” “Em pequena (eu era uma menina secreta, quieta, olhando muito as coisas, sonhando) tive tremenda emoção quando descobri as cores em estado de pureza, sentada num tapete persa. Caminhava por dentro das cores e inventava o meu mundo. Depois, ao olhar o chão, a madeira, analisava os veios e via florestas e lendas. Do mesmo jeito que via cores e florestas, depois olhei gente. Há quem pense que meu isolamento, meu modo de estar só (quem sabe se é porque descendo de gente da Ilha de São Miguel em que até se namora de uma ilha pra outra?), é distância quando, na realidade, é a minha maneira de me deslumbrar com as pessoas, analisar seus veios, suas florestas.”
Cecília é carioca. Nasceu em novembro, dia de S. Florêncio (filha de Matilde e Carlos Alberto de Carvalho Meireles, funcionário do Banco do Brasil), em Haddock Lobo, na Rua São Luís. Seriam quatro irmãos, mas nunca chegaram a ser dois sequer, porque, mal nascia um, o outro já tinha morrido. Só ficou Cecília. Perdeu a mãe com três anos e meio, tendo sido criada pela avó, Jacinta Garcia Benevides, da Ilha de São Miguel, Açores, descendente de gente que andou do lado do Infante D. Henrique. A ela dedica Cecília:
Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos
Tive medo de a enxugar: para não saberes que havia caído…
No dia seguinte, estavas imóvel, na tua forma definitiva,
Modelada pela noite, pelas estrelas, pelas minhas mãos.
Cecília Meireles: Minha primeira escola foi a Estácio de Sá, que depois passou a Escola Normal, onde me formei. Olhando para trás me sinto uma criança extremamente poética. Em casa de meu padrinho, Louzada, onde brincava, sempre silenciosa e observando-a, via estátuas, pinturas, coleções de pequeninos, objetos e leques em vitrinas, coisas que me levaram a fazer o “Inventário Lírico”.
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Cecília Meireles: Vovó era uma criatura extraordinária. Ex­tremamente religiosa, rezava todos os dias. E eu perguntava: “Por quem você está rezando?” “Por todas as pessoas que sofrem.” Era assim. Rezava mesmo pelos desconhecidos. A dignidade, a elevação espiritual de minha avó influíram muito na minha maneira de sentir os seres e a vida.
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios, nem o lábio amargo.
Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração que nem se mostra.
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
Em que espelho ficou perdida a minha face?
Cecília Meireles: Uma das coisas que mais me encantavam em minha vida de infância era o eco que vivia em casa de minha avó. Eu vivia procurando o meu eco. Mas tinha vergonha de perguntar. Recolhida, tímida, deslumbrada, me debruçava no mistério das palavras e do mundo. Queria saber, mas tinha imenso pudor de confessar minha ignorância.
Nós merecemos a morte,
porque somos humanos
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pelo nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.
Cecília Meireles: Terminada a Escola Normal, fui lecionar o primário, ainda com um jeito de menina, num sobrado da Avenida Rio Branco. Ali, na mesma sala, havia duas turmas e duas professoras, a metade voltada para cada lado. Pois as crianças, vendo-me quase tão menina quanto elas, viraram quase todas para mim. Sempre gostei muito de ensinar. Trabalhei na Escola Deodoro, ali junto ao relógio da Glória. Fui professora de Literatura da Universidade do Distrito Federal. Criei a primeira biblioteca infantil, ali onde era o Pavilhão Mourisco. Criança que não tivesse onde ficar podia encontrar o livro que lhe faltava, coleção de selos, moedas, jogos de mesa, sonhos, histórias e as explicações de professoras prontas e atentas. Acabou, depois de quatro anos, mas frutificou em São Paulo onde hoje existe até biblioteca infantil para cegos. Também ensinei História do Teatro na Fundação Brasileira. O resto da minha atividade didática está nas conferências em que sempre procuro transmitir algo.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
Cecília Meireles: Você sabe que eu tenho muito medo da literatura que é só literatura e que não tenta comunicar?
Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.
Cecília Meireles: Vivo constantemente com fome de acertar. Sempre quase digo o que quero. Para transmitir, preciso saber. Não posso arrancar tudo de mim mesma sempre. Por isso leio, estudo. Cultura, para mim, é emoção sempre nova. Posso passar anos sem pisar num cinema, mas não posso deixar de ler, deixar de ouvir minha música (prefiro a medieval), deixar de estudar, hindi ou o hebraico, compreende?
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Cecília Meireles: Casei com vinte anos. Tenho três filhas: Maria Elvira, Maria Matilde e Maria Fernanda. As três são bibliotecárias mas a minha biblioteca não está fechada. Maria Fernanda você conhece como atriz, não é mesmo? As três têm em comum uma bondade comovente mas são de temperamentos completamente diferentes. Tenho cinco netos. Viúva, casei em 1940 com Heitor Grilo, um homem admirável pela sua extraordinária fé no ser humano, em sua ânsia de tudo elevar. Basta dizer a você que, nesta primeira e única doença que tive e que me segurou cinco meses, ele não arredou pé, um momento de carinho, gesto e palavra prontos, apesar de suas inúmeras responsabilidades e ocupações. Conheci-o quando fui entrevistá-lo certa vez. Depois… nunca mais o entrevistei. Entendemo-nos até calados.
No fio da respiração,
rola a minha vida monótona,
rola o peso do meu coração.
Cecília Meireles: Estudei canto e violino. Abandonei. Era preciso ganhar a vida e poesia se pode criar até numa viagem de bonde. Mesmo nas reuniões em que muita gente discutia eu era capaz de me ausentar em meu mundo e construir. Aos poucos pude criar a minha Ilha de Nanja, a São Miguel transfigurada pelo sonho. Acho linda a continuidade humana através da poesia. Só viajo com a Bíblia. A Bíblia é uma biblioteca. Tem tudo: história, poesia, religião. Já disse que, se tivesse que escolher o meu livro para uma ilha deserta, levaria a Bíblia. Ou um dicionário.
Minha esperança perdeu seu nome…
Fechei meu sonho, para chamá-la.
A tristeza transfigurou-me
como o luar que entra numa sala.
Cecília Meireles: Mas comigo aconteceu uma coisa deliciosa, deixe-lhe contar. Neste Natal eu estava doente em São Paulo. Pois bem. Ao voltar para esta minha casa (Cecília vive ao lado do bondinho que sobe pro Corcovado) encontrei cartões de gente de todos os cantos do mundo que se lembrou de mim. De todas as raças e religiões. Todos unidos pelo Natal. E o mais curioso é que eu olhava um cartão e outro e dizia comigo mesma: “Fulano talvez não combine com Beltrano, mas eu servi de elo entre os dois. A mim eles escreveram!” Me fez um bem enorme aquele meu Natal atrasado!
Na quermesse da miséria,
fiz tudo o que não devia:
se os outros se riam, ficava séria;
se ficavam sérios, me ria.
Cecília Meireles: Se eu inventei palavras? Não. Isto nunca me preocupou. No inventar há um certa dose de vaidade. “In­ventei. É meu”. O que me fascina é a palavra que descubro, uma palavra antiga abandonada e que já pertenceu a tanta gente que a viveu e sofreu! No “Romanceiro do Rio de Ja­neiro”, que estou preparando para o IV Centenário, procuro usar, em cada capítulo, a linguagem da época.
Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…
Cecília Meireles: Tenho amigos em toda parte. Mas sou feito o Drummond que é tão amigo quase sem a presença física. Esse meu jeito esquivo é porque eu acho que cada ser humano é sagrado, compreende? Eu sou uma criatura de longe. Não sei se me querem mas eu quero bem a tanta gente! Sou amiga até dos mortos. Amiga de muita gente que nem conheci. Você não imagina quanta gente eu levo ao meu lado. E fico emocionada quando penso como uma criatura só recebe tanto de tantos lados, de tantas pessoas, de tantas gerações!
Como tenho a testa sombria,
derrame luz na minha testa.
Deixe esta ruga, que me empresta
um certo ar de sabedoria.
Cecília Meireles: Tenho pena de ver uma palavra que morre. Me dá logo vontade de pô-la viva de novo. “Solombra”, meu novo livro, é uma palavra que encontrei por acaso e que é o nome antigo de sombra. Era o título que eu buscava e a palavra viveu de novo.
Que procuras? Tudo. Que desejas? — Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
Cecília Meireles: Cada lugar aonde chego é uma surpresa e uma maneira diferente de ver os homens e coisas. Viajar para mim nunca foi turismo. Jamais tirei fotografia de país exótico. Viagem é alongamento de horizonte humano. Na Índia foi onde me senti mais dentro de meu mundo interior. As canções de Tagora, que tanta gente canta como folclore, tudo na Índia me dá uma sensação de levitar. Note que não visitei ali nem templos nem faquires. O impacto de Israel também foi muito forte. De um lado, aqueles homens construindo, com entusiasmo e vibração, um país em que brotam flores no deserto e cultura nas universidades. Por outro lado, aquela humanidade que vem à tona pelas escavações. Ver sair aqueles jarros, aqueles textos sagrados, o mundo dos profetas. Pisar onde pisou Isaías, andar onde andou Jeremias … Visitar Nazaré, os lugares santos! A Holanda me faz desconfiar de que devo ter parentes antigos flamengos. Em Amsterdã, passei quinze dias sem dormir. Me dava a impressão de que não estava num mundo de gente. Parecia que eu vivia dentro de gravuras. Quanto a Portugal, basta dizer que minha avó falava como Camões. Foi ela quem me chamou a atenção para a Índia, o Oriente: “Cata, cata, que é viagem da Índia”, dizia ela, em linguagem náutica, creio, quando tinha pressa de algo, chá-da-Índia, narrativas, passado, tudo me levava, ao mesmo tempo à Índia e a Portugal.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.
Cecília Meireles: A babá Pedrina me contava a história do Palácio de Louça Vermelha. Eu achava que devia ser muito fresco viver num palácio assim e, em menina, já estava pronta a transformar um jarro imenso que havia em casa em palácio, quando, querendo escondê-lo de meus sonhos, de tanto procurarem lugar para ocultá-lo, o partiram em mil pedaços.
Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
— vê que nem te peço alegria.
Cecília Meireles: Viagens, folclore e idiomas são uma espécie de constante em minha vida. Comprei livros e discos de hebraico. Estudei hindi, sânscrito. O desejo de ler Goethe no original me obrigou a estudar alemão. Não estudo idiomas para falar, mas para melhor penetrar a alma dos povos.
Cecília conhece uma meia dúzia de línguas mais.
Cecília Meireles: Meus amigos, é curioso, ou vivem longe ou estão distantes. Minha casa já é contramão. Gosto de estudar o que me dá conhecimento melhor das pessoas, do mundo, da unidade. Por meio dos idiomas e do folclore, vejo até que ponto somos todos filhos de Deus. A passagem do mundo mágico para o mundo lógico me encanta.
Eu deixo aroma até nos meus espinhos
ao longe, o vento vai falando de mim.
E por perder-me é que vão me lembrando,
por desfolhar-me é que não tenho fim.
Cecília Meireles: Nunca esperei por momento algum na vida. Vou vivendo todos os momentos da melhor maneira que posso. Quero realizar coisas, não para ser a autora, mas para dar-me, para contribuir em benefício de alguém ou de alguma coisa. Quando adoeci e tinha que repousar uma hora depois do almoço, ficava calculando quanto poema deixava de escrever, quanta coisa linda deixava de ler e conhecer naquelas horas perdidas. Mas aprendi também a renunciar. Não tenho poema predileto. Ainda não o escrevi. A intenção é que é perfeita. Às vezes, um poema viaja comigo muito tempo sem ser escrito. Se não lhe dou muita importância, vai embora. Tenho muita pena dos poemas que não escrevo. E também muita dos que escrevo.
E minha alma, sem luz nem tenda,
passa errante, na noite má,
à procura de quem me entenda
e de quem me consolará…
Cecília Meireles: A juventude de hoje? Acho que são meninos que não têm tempo de crescer. Saltam do apartamento fechado para a calçada de mil solicitações, sem armadura, sem objetivo, sem a necessária religiosidade. A vida passa a ser uma coisa zoológica. Muitos crescem zoologicamente. Inventam modas, mas como não têm essência de verdade, as modas não pegam. As frustrações crescem. Felizmente muitos se realizam apesar de tudo. Cada geração acredita que traz uma nova voz e uma nova mensagem.
Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.
Cecília Meireles: A arte abstrata? Nós, pouco a pouco, vamos caminhando para o subentendido, não é? A arte abstrata é uma alusão. Você constrói dentro de si. Muita gente faz coisas com nomes concretos que geram um mundo abstrato e vice-versa.
Aquilo que ontem cantava
já não canta.
Morreu de uma flor na boca:
não do espinho na garganta.
Cecília Meireles: Tenho, nos lugares mais diferentes, amigos à minha espera. Você já reparou que, entre centenas, em cada país, nós temos sempre aquela pessoa, que, sem mesmo saber, espera por nós e, quando nos encontra, é para sempre? Por isso é que eu gosto tanto de viajar, visitar terras que ainda não vi e conhecer aquele amigo desconhecido que nem sabe que eu existo, mas que é meu irmão antes de o ser.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Cecília Meireles: Educação, para mim; é botar, dentro do indivíduo, além do esqueleto de ossos que já possui, uma estrutura de sentimentos, um esqueleto emocional. O entendimento na base do amor.
Em prosa Cecília dá lições de grandeza. Vejam como descreve o barquinho Elenita: “parece uma nuvenzinha a correr por um espelho”. E o “Anjo da Noite”: “À noite o mundo é bonito, como se não houvesse desacordos, aflições, ameaças. Há muitos sonhos em cada casa. O gato volta apressado, com certo ar de culpa”. “Chuva com Lembranças”: “Começaram a cair uns pingos de chuva. Tão leves e raros que nem as borboletas ainda perceberam”. Outro: “Com estas florestas de arranha-céus que vão crescendo, muita gente pensa que passarinho é coisa de jardim zoológico”.
Cecília Meireles: Houve um tempo em que a minha janela se abria para um chalé. Na ponta do chalé brilhava um grande ovo de louça azul onde costumava pousar um pombo branco. Nos dias límpidos o pombo parecia pousado no ar. Eu era criança, achava essa ilusão maravilhosa e me sentia completamente feliz.
Mas houve épocas em que a janela abria para um canal em que oscilava um barco carregado de flores. Outras em que se abria para um terreiro, sobre uma cidade de giz, para um jardim que parecia morto. Outras vezes abre a janela e encontra um jasmineiro em flor, nuvens espessas ou crianças que vão para a escola, pardais que pulam pelo muro, gatos, borboletas, marimbondos, um galo que canta, um avião que passa. E Cecília se sente completamente feliz. E conclui: “Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas, e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim”.
Olho para Cecília encolhida em sua poltrona, iluminando a penumbra do canto da sala. Vejo-a tão menina olhando o solo e descobrindo na madeira floresta e lendas, deslumbrada de azul! Uma ilha cercada de pontes por todos os lados. Pontes para a ternura, pontes para a poesia, pontes para a alma de cada um. E olhando-a assim, poesia ela mesma, tão alta e tão pura, percebo porque continua a ser a garotinha à procura do eco, correndo por todos os cantos e por todos os deslumbramentos, sem poder recolher o eco da própria voz: nós somos o seu eco, cantamos o seu canto, sem que ela perceba; somos todos um pouco habitantes de sua Ilha de Nanja “onde as crianças brincam com pedrinhas, areia, formigas”. “Solombra”, a última obra de Cecília, quer dizer só sombra. Cecília, para nós. é só luz.
Entrevista publicada na revista “Manchete”, edição nº 630, em 16 de maio de 1964. E posteriormente no livro “Pedro Bloch Entrevista”, Bloch Editores, em 1989.
Revista Bula