domingo, 29 de dezembro de 2013

Tarso, Lula e Mercadante usaram dados falsos do banco Julius Bauer para forjar dossiês contra Tasso Jereissati

Transcrito do Blog do Polibio Braga

Mercadante, o pai dos aloprados, entregou o pen drive com dados falsos para o dossiê de calúnias desfechado pelo governo Lula contra Jereissati. Tarso e Lula participaram da tramóia.



O modus operandi era o mesmo já usado por procuradores federais ligados ao PT, e denunciado tempos atrás pelo Conjur, escreve o delegado Romeu Tuma Júnior no seu livro Assassinato de reputações, página 168, ao contar esta ordem criminosa que recebeu da nomenklatura petista em janeiro de 2009:

- Fulmine o Jereissati.

. Quem falou foi o senador Aloísio Mercadante, na época líder do governo Lula no Senado, e hoje ministro da Educação de Dilma Roussef. Mercadante foi o mesmo homem sob cujas ordens os “aloprados” tentaram comprar um dossiê para desmoralizar o tucano José Serra, e também foi o mesmo homem que chamou o senador Paulo Paim, em 2008, para boicotar a aprovação do empréstimo do governo Yeda Crusius junto ao Banco Mundial, sendo repelido pelo gaúcho, conforme o editor conta em seu livro Cabo de Guerra.

. Eis o que conta Tuma Júnior:

- Lá (na liderança do governo no Senado) entregaram-me um pen drive com as “seríisimas" denúncias contra um adversário do governo que já tinham sido entregues ao ministro Tarso Genro e ainda não haviam sido apuradas. (...) A exigência era de que eu plantasse uma investigação em cima do Jereissati.

. Acontece que Tuma Júnior era amigo do senador do PSDB, desde que ele foi governador do Ceará, a um ponto tal que chegou a ser convidado para ser secretário de Segurança do seu sucessor, Ciro Gomes.

. No livro, o delegado conta que não quis tocar o caso adiante por constrangimento moral e condutra profissional, mas decidiu abrir o pen drive para ver o que estacva ali:

- O principal é que tinha sido montado em um escritório particular, documentos com cópias de contas feitas no exterior, inclusive de Tasso Jereissati.

. Tudo de origem criminosa e imprestável para procedimentos legais, mas precioso para forjar dossiês falsos contra o senador do PSDB.

. O banco que produziu o dossiê:


- Julius Baer Bank &Trust, que tem sede em Nassau e pertence a um grupo alemão.

A esculhambação dos cargos de governo no Brasil



Fernando Rodrigues


Geddel-Twitter
O episódio em que um vice-presidente da Caixa Econômica Federal pediu à presidente Dilma Rousseff, via Twitter, para ser demitido é um exemplo de duas coisas: 1) falta de capacidade gerencial e operacional nos altos escalões da República e 2) péssimo manejo político da coalizão governamental. Para não ser injusto, é relevante deixar registrado também que essa inépcia se reproduz em dezenas de governos estaduais e municipais.
O que aconteceu? Em setembro, o vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal (CEF), o político baiano Geddel Vieira Lima, entregou uma carta pedindo sua exoneração do cargo. O documento foi enviado ao vice-presidente da República, Michel Temer. Ambos, Geddel e Michel Temer são do PMDB.
Até esta semana, nada havia acontecido. A política se sobrepunha à gestão: tudo bem deixar a CEF com um vice-presidente demissionário, mas nada de desalojar uma peça importante do PMDB sem ter outra pronta para ser colocada no lugar.
Temer mostrou recentemente a carta à presidente Dilma Rousseff, que pediu que a situação fosse contornada até que um substituto fosse encontrado.
Qual tipo de substituto? Alguém que pudesse satisfazer aos desejos fisiológicos do PMDB por cargos e aos anseios políticos do PT de ter sob controle um partido como esse. É com cargos que o governo consegue apoios partidários e tempo de rádio de TV nas eleições de 2014.
Geddel Vieira Lima foi ministro da Integração Nacional durante a administração do petista Luiz Inácio da Silva. Antes, havia sido um dos mais fieis defensores do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso. Também foi um feroz adversário na Bahia, seu Estado, de Antonio Carlos Magalhães (1927-2007). Hoje, é aliado fidelíssimo do herdeiro direto de ACM, o prefeito de Salvador ACM Neto (DEM).
Esse ecletismo em alianças e o apego a cargos públicos levou Itamar Franco (1930-2011), quando presidente da República, a descrever Geddel Vieira Lima como “percevejo de gabinete”. No início dos anos 90, como deputado federal, Geddel se notabilizou durante a CPI dos Anões do Orçamento ao prestar um dos depoimentos mais chorosos daquela investigação. Foi às lágrimas várias vezes. Apesar de seu nome ter constado em arquivos secretos da empreiteira Odebrecht (e de ele ter privilegiado 8 obras dessa empresa na condição de relator-adjunto do Orçamento da Secretaria de Desenvolvimento Regional), acabou absolvido.
Sem ter nenhuma qualificação profissional específica para o cargo de vice-presidente de Pessoa Jurídica da Caixa Econômica Federal (CEF), Geddel Vieira Lima foi nomeado para o cargo em 2011, durante o primeiro ano de Dilma Rousseff no Planalto.
Ontem (26.dez.2013), Geddel escreveu no perfil de seu microblog Twitter: “Cara Presidenta Dilma,por gentileza, determine publicação minha exoneração função q ocupo, e cujo pedido ja se encontra nas mãos de V Excia” (sic).
Nenhuma surpresa que um político como Geddel tenha feito o que fez –impor um constrangimento ao seu partido, o PMDB, e ao governo federal. É do jogo. Há até um benefício civilizatório nessa atitude, pois expõe à luz do Sol o que se passa muitas vezes apenas por trás das portas fechadas de gabinetes de Brasília.
Mas sobra muito de embaraço para o governo e para o PMDB.
Como é possível uma administração federal que controla a CEF (cerca de 80 mil funcionários e um lucro anual de bilhões de reais) nomear um político para um cargo de tamanha relevância como se fosse apenas uma sinecura para ganhar dividendos políticos?
[é importante dizer aqui que essa não é uma prática apenas petista, mas praxe generalizada em todas as instâncias de governo no país].
Parece evidente que Geddel Vieira Lima nunca deveria ter sido nomeado para um cargo na CEF. Mas Dilma Rousseff o nomeou, apesar de todo discurso sobre meritocracia na administração pública. Hoje (27.dez.2013), saiu a exoneração do baiano no “Diário Oficial da União”.
Outra dúvida relevante: como é possível o vice-presidente da República, Michel Temer, que é também o principal cacique do PMDB, ter apadrinhado Geddel Vieira Lima e não ter conseguido controlar o processo de demissão do aliado?
Está em voga em Brasília uma narrativa: Michel Temer controla o PMDB e nada acontece no partido sem que ele queira ou saiba. O episódio do “twitaço” de Geddel faz desmoronar um pouco (ou muito) essa tese.
Geddel Vieira Lima comanda o PMDB na Bahia. Deseja ser candidato ao governo daquele Estado. Tudo bem. Mas sinaliza que fará campanha aberta contra Dilma Rousseff, que tentará se reeleger presidente em 2014… tendo Michel Temer, do PMDB, como candidato a vice-presidente. É algo próximo ao surreal.
O nome correto disso tudo é esculhambação política e bagunça gerencial. Não se sabe onde uma começa nem onde a outra termina. Não adianta culpar “o sistema”. Só entra no sistema quem quer. Dilma Rousseff e Michel Temer sabiam muito bem quem era Geddel Vieira Lima ao nomeá-lo para um cargo na CEF. Os responsáveis por esse episódio são eles, Dilma e Temer.
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Saúde, Dilma!


É disso que o país precisa – como revela a carta de um leitor médico que tem medo de represália

RUTH DE AQUINO
20/12/2013 22h54 - Atualizado em 23/12/2013 07h38
São nossos votos para 2014, presidente. A senhora venceu uma doença e uma eleição. Ao que tudo indica vencerá a próxima. A senhora precisa de saúde como mulher, mãe e avó. O Brasil precisa de Saúde, com maiúscula.
A coluna anterior “O corredor da morte nos hospitais” atingiu o nervo da revolta entre os leitores. Reproduzo abaixo parte da carta de um médico, que pede para não ser identificado, com medo de represálias:

“Prezada Ruth. O que aconteceu com seu pai, infelizmente, é normal. Acontece com TODOS os planos de saúde em TODOS os hospitais do Brasil, quando se trata de atendimento de emergência. A autorização de procedimentos é sempre por telefone e, se você já tentou, sabe que isso significa horas de lenga-lenga e musiquinhas irritantes.

Até que se contate um médico auditor responsável, pelo menos uma hora já é perdida na espera. Por isso, os melhores atendimentos de emergência ainda estão nos hospitais públicos. Quando é preciso uma cirurgia de urgência, o cenário muda: vou dar o exemplo de um caso comum em nosso dia a dia.

O paciente chega politraumatizado – com uma fratura exposta de perna e um traumatismo craniano leve. A pancada na cabeça torna necessária a realização de exames, como uma tomografia, e a colocação do paciente em observação. A fratura exposta deve ser operada logo.
Quanto mais tempo demora, maior o risco de o paciente contrair uma infecção que, se confirmada, será de difícil tratamento – ossos não respondem bem a infecções, o que obrigaria a cirurgias posteriores. Uma urgência, portanto.

Como o paciente está lúcido, ele diz à equipe que tem plano e quer operar em hospital particular. O chefe de equipe faz o contato e, em até duas horas, a transferência é autorizada. Falta a ambulância chegar, o que só costuma acontecer cerca de três horas depois.

É isso mesmo: em média, entre a chegada do paciente ao hospital público e a saída do paciente para o particular, o tempo de espera varia entre 5 e 8 horas. Diz-se que o período de ouro para essas cirurgias é de menos de 6 horas, para diminuir o risco de infecção. Normalmente, convencemos o paciente de que é melhor operar no hospital público e, depois, fazer o acompanhamento pós-operatório num hospital particular.

E é com isso que os planos de saúde contam. Que, com a demora, o SUS acabe arcando com as despesas maiores. Exames, medicamentos, material anestésico, material cirúrgico. E que, depois, não haja ressarcimento ao hospital por todos os serviços. Sem contar que um paciente que teria condições de arcar financeiramente por um serviço melhor acaba ocupando ou disputando espaço com pacientes menos favorecidos.

Talvez, no Hospital Lourenço Jorge, seu pai tivesse sido atendido mais rápido. Só teria de esperar pelos procedimentos numa maca muito menos confortável, em contato próximo com outros pacientes. Talvez visse alguns pacientes aguardando cirurgia espalhados nos corredores, por falta de vaga nas enfermarias. Quer dizer, talvez não. O Lourenço não tem neurocirurgião para ver a tomografia cerebral de seu pai. Sobraram só o Miguel Couto e o Souza Aguiar no Rio. Faltam neurocirurgiões que aceitem trabalhar por pouco.

Atualmente, meu salário pela prefeitura do Rio é de R$ 1.686. Passei num concurso entre os primeiros lugares para ter direito a esse salário. Somente aceitei por respeito à instituição onde fiz internato, residência e pós-graduação. Não aceitaria se não fosse por motivos idealistas. Sou obrigado a dar plantões com colegas que não fizeram concurso nenhum. Apenas conhecem as pessoas certas. E, por isso, recebem até R$ 7.500. Para realizar o mesmo serviço.

Também trabalho em hospitais particulares. E tento fazer o certo por lá também. Mas os mesmos planos de saúde que se negavam a pagar a tomografia de seu pai também se negam a pagar decentemente por nossos procedimentos. Recebo cerca de R$ 150 – para a equipe toda, cirurgião, auxiliar e instrumentadora – por uma fratura de calcâneo, cirurgia complexa, com alto risco de complicações. Para a placa e os parafusos utilizados para a fixação, que custam R$ 1.500, os planos pagam tranquilamente R$ 5.000.

Meus antigos professores me dizem que o foco precisa ser a saúde pública. No dia em que a saúde pública remunerar adequadamente a classe médica, os hospitais particulares e os planos de saúde serão obrigados a aumentar as remunerações se quiserem atendimento de qualidade.
Meus mestres são de um tempo em que um médico fazia carreira no mesmo hospital durante toda a vida. O que é cada vez menos possível, mesmo em hospitais particulares. O médico hoje tenta sobreviver até conseguir o suficiente para montar um consultório. Aí, é fugir tanto do serviço público quanto dos planos.  Ou largar a especialização, ir para o interior e entrar para o Mais Médicos.

Atendi índios na Amazônia e sou apaixonado pelo serviço público. Mas é cada vez mais difícil fazer carreira de Estado nos dias de hoje”.


Saúde, Dilma! 

Jatinhos da FAB - Ministros-candidatos abusam da FAB para voos pré-eleitorais.


12:04:04

Antes que seja tarde, os ministros pré-candidatos abusam do conforto dos jatinhos da Força Aérea Brasileira (FAB) em visitas às suas bases eleitorais.


De 20 a 22 de Dezembro pelo menos dois deles fizeram agenda de pré-campanha com desculpa de acompanhar programas. ...

Escolhido por Lula para disputar o governo de São Paulo, Alexandre Padilha (Saúde) fez seis voos. De São Paulo (Congonhas) para Ribeirão Preto, Marília, Guarulhos, São José dos Campos, São José do Rio Preto, de volta a Guarulhos e dali para Brasília.

A agenda entrega Padilha: visitas para assinaturas de portarias e liberação de verbas, usualmente realizadas no gabinete. E visitas a hospitais e UPAs – onde recebeu aplausos, sorrisos e abraços.

Candidato à reeleição para a Câmara dos Deputados – e até cotado para o Senado – Pepe Vargas (PT), do Desenvolvimento Agrário, voou para visitas a aliados em Porto Alegre, Santa Maria, Passo Fundo e Caxias do Sul.

Segundo a assessoria, o ministro foi participar de cerimônia de entrega de diplomas de 700 alunos do Pronatec, e entregou máquinas agrícolas. As cidades supracitadas são parte de sua base eleitoral.

Não são poucos os ministros que têm utilizado os jatos da FAB semanalmente para agendas pessoais – uma prerrogativa do cargo. Depois que a Coluna citou o vaivém do ministro da Micro e Pequena Empresa, Afif Domingos, apagado no cargo, em voos semanais de Brasília para casa, e vice-versa, ele passou a citar ‘A serviço’ ao requerer os jatinhos.

O Comando da FAB não pode fazer nada a não ser acatar as ordens do vaivém de suas excelências. O ponto positivo é que os pilotos acumulam experiência.
Fonte: Leandro Mazzini-Portal UOL - 28/12/2013

A divina tragédia de Belchior


16:50:34

Procurado pela polícia e hospedado de favor na casa de fãs, o compositor de clássicos como “Divina comédia humana” protagoniza uma história de amor e decadência.

Capítulo 1
“No trevo, a 100 por hora”

Edna Prometheu é o pseudônimo da produtora cultural Edna Assunção de Araújo, de 46 anos. Morena, de cabelos encaracolados e baixa estatura, não é uma mulher de beleza estonteante. Militante de organizações de extrema-esquerda, é definida por seus amigos como “idealista utópica”. No começo de 2005, ela estava em São Paulo, no ateliê do artista plástico cearense Aldemir Martins, já morto, quando entrou pela porta o músico Belchior. O cantor de “Paralelas” também pinta quadros e frequenta o ambiente artístico. Edna queria organizar uma exposição de Aldemir no Ceará. Belchior disse que tinha amigos por lá, poderia ajudar. Trocaram telefones. ...

Os dois acabaram organizando juntos a exposição em Fortaleza, naquele mesmo ano. Na volta, Edna ligou para um amigo e contou a novidade: “Estamos namorando”. A partir daí, a vida plácida de Belchior derrapou no trevo a 100 por hora, como diz a letra de “Paralelas”. Para ficar com Edna, ele abandonou a então mulher, Ângela, com quem estava casado havia 35 anos, mãe de dois dos quatro filhos que tem. Afastou-se dos amigos e foi gradativamente deixando de fazer shows, até sumir sem dar explicações, em 2009. “Essa figura nefasta está fazendo uma lavagem cerebral nele”, afirma Jackson Martins, ex-empresário de Belchior. “Depois dela, sua vida só andou para trás”, diz o artista plástico cearense Tota, amigo de Belchior.

A FELICIDADE É UMA ARMA QUENTE
Belchior com a mulher, a produtora cultural Edna Prometheu. “Eles juntaram suas utopias”, diz o amigo José Roberto Aguilar (Foto: Bruno Alencastro/Ag. RBS)

O desaparecimento de Belchior, há cinco anos, surpreendeu a todos, família e amigos. Ninguém poderia esperar tal atitude. Ele deixou para trás a agenda de shows e todo o patrimônio, incluindo roupas, documentos, quadros, automóveis e apartamento. O sumiço transformou Belchior  em figura cult. A pergunta “onde está Belchior?” ecoou na internet e teve até repercussão internacional. Surgiram blogs sobre o tema. Campanhas nas redes sociais pediram  a volta do músico. E apareceram montagens cômicas – “memes” – em que Belchior aparece em locais inusitados como a ilha do seriado Lost. Suas músicas no YouTube, que antes tinham 5 mil acessos diários, hoje batem 500 mil.

O sucesso no mundo virtual não trouxe nenhum benefício para o Belchior de carne e osso. Aos 67 anos, ele vive escondido com Edna em Porto Alegre. Não pode sair em público, pois é procurado pela polícia. Pesam contra Belchior dois mandados de prisão pelo não pagamento de pensões alimentícias. Uma devida à ex-mulher Ângela, com quem tem dois filhos já maiores de idade, e outra à mãe de uma filha de 19 anos que teve fora do casamento. Além das pensões, Belchior abandonou todos os demais compromissos e é cobrado na Justiça em processos que correm à revelia. O ex-secretário particular de Belchior, Célio Silva, ganhou um processo trabalhista contra ele no valor de R$ 1 milhão. Não há mais como recorrer. As contas de Belchior estão bloqueadas, e os imóveis que tinha comprometidos. Sem dinheiro, ele já se abrigou numa instituição de caridade no Rio Grande do Sul e morou de favor na casa de fãs que nem conhecia.

O mais intrigante na espantosa história de Belchior é que ele aparentemente não agiu movido por depressão, dívidas ou golpe publicitário, como se pensou no princípio. A influência da mulher é apontada pela maioria dos amigos como o motivo do seu comportamento. Ainda assim, não há unanimidade. “Edna não conseguiria sozinha virar a cabeça de alguém inteligente como Belchior. São dois sonhadores, juntaram suas utopias. Deixaram de acreditar neste mundo materialista, objetivo e mesquinho e partiram para um caminho de desapego”, diz o artista plástico José Roberto Aguilar, de 72 anos, amigo do casal.

Belchior nasceu numa família simples no interior do Ceará. Foi o mais bem-sucedido entre 23 irmãos. Estudou medicina na capital. Abandonou o curso depois de quatro anos, para ingressar na carreira artística. Estourou nos festivais na década de 1970 e compôs músicas com letras poderosas, como “A palo seco”. Seus sucessos foram gravados por Elis Regina, Jair Rodrigues e Roberto Carlos. Belchior é um artista com vasta cultura, domina cinco idiomas, conhece filosofia e gosta de física quântica. Até os anos 2000, lançava em média um disco por ano. “Ele era uma máquina, chegava a fazer três shows por noite. Era uma pessoa completamente dedicada à carreira”, diz o parceiro e ex-sócio Jorge Mello.

Tudo isso ficou para trás. O sumiço de Belchior lembra o caso do escritor russo Liev Tolstói. Aos 82 anos, ele abandonou tudo para viver como camponês. Tolstói teve um fim trágico – morreu de pneumonia depois de viajar na terceira classe de um trem durante o inverno soviético. Belchior, quanto mais se afasta da vida em sociedade, mais se afunda em dificuldades mundanas.

Capítulo 2
“Onde nada é eterno”

Depois que conheceu Edna, Belchior percorreu uma trajetória descendente em que, aos poucos, se despojou de todos os bens e obrigações. No final de 2006, ainda com a carreira aquecida, pediu que o empresário Jackson Martins parasse de agendar novos shows. Pretendia passar um tempo se dedicando à pintura e à tradução do poema Divina comédia, de Dante Alighieri, para uma linguagem popular. No início do ano seguinte, deixou o apartamento em que vivia com Ângela, mas continuou morando em São Paulo com Edna, num flat alugado. Desde então, a família diz não ter mais notícias dele. Belchior não era um marido muito presente, ficava até dois meses sem aparecer em casa. Teve duas filhas fora do casamento. Uma delas com uma fã que morava em São Carlos, no interior de São Paulo, com quem saiu uma única vez. A outra era fruto de um caso com uma estudante de psicologia no Ceará. Belchior pagava pensão alimentícia para a primeira. A família da segunda menina, hoje com 16 anos, não o acionou na Justiça.

As complicações começaram a aparecer em 2008. Ângela cobrava na Justiça uma pensão mensal de R$ 7 mil. Belchior se recusou a pagar. Na época, deixou de pagar também a outra pensão. Seus amigos notaram uma diferença de comportamento. “Ele parecia estranho. Me ligou perguntando sobre amigos que não vemos há 30 anos, num tom de voz que não era o seu”, diz Jorge Mello. Em outubro daquele ano, abandonou um carro no estacionamento do aeroporto de Congonhas, em São Paulo.

Belchior continuou em São Paulo até março de 2009, quando deixou o flat sem quitar os últimos meses de aluguel. Na garagem, ele largou um segundo carro, e em seu apartamento ficaram roupas, rascunhos de música, cartões de crédito e o passaporte. Belchior também abandonou tudo na casa alugada onde funcionava seu escritório: coleção de quadros, discos, documentos e o computador onde estava parte da tradução da Divina comédia, projeto que lhe consumira três anos. Seu secretário, Célio Silva, continuou abrindo o escritório, na esperança de que retornasse.

RASTROS
Acima, a instituição em Cachoeirinha, Rio Grande do Sul, que abrigou Belchior. Abaixo, o quarto no sítio do advogado Jorge Cabral onde ele ficou hospedado (Foto: Ricardo Jaeger/ÉPOCA)

Belchior viajara com Edna para o Uruguai, onde descansava num vilarejo. Foi processado por Célio e por todos os credores que ficaram em São Paulo. Não se defendeu. Foi representado por defensores públicos até nos processos de pensão alimentícia. Como consequência, suas contas foram bloqueadas, e apareceram dois mandados de prisão contra ele, já que não pagar pensão é um crime passível de cadeia. “Como não tive contato com ele, a defesa ficou restrita a questões formais”, diz a defensora Claudia Tannuri, escolhida para defendê-lo no processo movido pela ex-mulher Ângela. Belchior nem sequer se importou com o destino de seus pertences. As roupas que estavam no flat foram doadas à caridade. A filha mais velha recolheu os documentos. Os carros foram levados para depósitos públicos. A dívida com os estacionamentos já ultrapassava seu valor. O proprietário do imóvel onde funcionava o escritório lacrou o lugar e recolheu os pertences. Seus quadros se perderam com a umidade.

Como na música “Divina comédia humana”, “em que nada é eterno”, Belchior e Edna perambularam durante todo esse período de hotel em hotel – várias vezes, sem pagar a conta. Amigos culpam Edna pela iniciativa. O primeiro hotel em que isso aconteceu foi o Gran Marquise, em Fortaleza. Os dois ficaram hospedados ali ainda em 2006. Saíram sem pagar dois meses de estadia, no valor de R$ 8 mil. Depois, repetiram a prática em pelo menos quatro locais. No Icaraí Praia Hotel, em Niterói, deixaram uma conta de R$ 4 mil. “Alguns funcionários tiveram de arcar com parte da dívida, já que permitiram que ele ficasse hospedado mais de uma semana sem pagar a conta”, diz o atual gerente, Germano Lopes. No Royal Jardins Boutique, em São Paulo, a conta pendurada foi de R$ 12 mil. “Eles deixaram um cheque caução, mas não tinha fundos”, diz Elly Shimasaki, gerente na ocasião.

O caso mais recente foi no hotel Cassino, na cidade de Artigas, no Uruguai, onde o casal se hospedou entre julho de 2011 e novembro de 2012. Os últimos meses ficaram sem pagamento, restando uma dívida de R$ 35 mil. Lá, Belchior deixou para trás roupas e um laptop.

“É uma lástima que um artista brasileiro dessa importância tenha agido assim”, diz o gerente uruguaio Ricardo Rodrigues. O hotel entrou com uma queixa criminal contra o casal.

Capítulo 3
“Sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco”

Nos últimos anos, Belchior se manteve à distância de qualquer atividade remunerada. Em 2009, quando o desaparecimento ganhou repercussão nacional, a montadora General Motors ofereceu um cachê milionário para ele aparecer num comercial. Belchior deveria dizer que, com o novo carro da GM, até ele voltava. Belchior recusou o convite e ficou bastante chateado com o teor da proposta. O empresário Jackson Martins diz que recebe constantes pedidos para shows, mas não consegue localizá-lo desde 2007. “Pago as dívidas dele se ele voltar”, diz. Outro empresário que trabalhou com Belchior por quase 30 anos, Hélio Rodrigues, diz que o desaparecimento fez aumentar o interesse do público. “Depois do escândalo, ele consegue lotar qualquer casa de espetáculo. Com dois shows em São Paulo, eliminaria as dívidas”, diz.

Hoje, a maior pendência de Belchior é o processo trabalhista ganho pelo secretário Célio, no valor de R$ 1 milhão. A causa está julgada. Um apartamento de propriedade do músico em São Paulo está em execução. A dívida da pensão para a ex-mulher Ângela soma cerca de R$ 300 mil. Mas cresce a cada dia, já que Belchior continua obrigado a pagar R$ 7 mil por mês. “O sumiço só agravou a situação dele. Se não tem dinheiro, deveria enfrentar juridicamente o processo, argumentando que não pode pagar”, diz Paulo Sato, advogado de Ângela. A pensão atrasada da filha que mora em São Carlos gira em torno de R$ 90 mil. As dívidas com hotéis cobradas na Justiça somam R$ 47 mil. Não são impagáveis, desde que Belchior volte a se apresentar.

A derradeira fonte de renda de Belchior eram os direitos autorais de suas músicas. Segundo o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), nos últimos cinco anos foram depositados R$ 367 mil referentes à execução pública de suas obras. Parte do dinheiro ficou retida quando as contas bancárias foram bloqueadas. Desde então, Belchior não contou com nenhum outro tipo de renda.

Capítulo 4
“Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho”

Em janeiro deste ano, Edna e Belchior procuraram a Defensoria Pública em Porto Alegre. A história ganhou ingredientes ainda mais estranhos. Os dois alegavam que o bloqueio das contas e os mandados de prisão impediam que ele trabalhasse e voltasse a ganhar dinheiro para pagar as dívidas. Belchior aparentemente estava disposto a voltar. Mas o comportamento do casal era confuso. Edna falava desbragadamente, enquanto Belchior ficava quase sempre calado. “Durante um mês, me informei sobre os processos que tramitam em São Paulo. Fizemos um pedido judicial para a suspensão da execução, até que ele conseguisse se restabelecer. Nesse meio-tempo, Belchior sumiu”, diz a defensora pública Luciana Kern, que o atendeu.

Nesse mesmo período, Edna ligou para o jornalista gaúcho Juremir Machado, que não conhecia. Disse que Belchior estava escondido na cidade e precisava de ajuda. Ela queria que Juremir os levasse à sede regional da TV Record para fazer uma denúncia delirante. Juremir notou algo de incomum no casal. Eles se escondiam atrás de pilastras e ficavam olhando a movimentação nas ruas antes de entrar em algum lugar, como se fossem seguidos. Na retransmissora da TV, Edna afirmou ter um dossiê contra a TV Globo. O programa Fantástico noticiara o desaparecimento de Belchior em 2009 e a fuga do hotel uruguaio, em 2012. “Ela dizia que Belchior era difamado pela Globo e queria justiça. Falou até que havia uma tentativa de matá-lo”, diz a jornalista Vânia Lain, que recebeu os dois. Eles disseram que voltariam na semana seguinte trazendo os documentos, mas desapareceram.

CANTOR EM FUGA
À esq., com o advogado Jorge Cabral, que hospedou Belchior em seu sítio em Guaíba, Rio Grande do Sul. Acima, à direita, na União Brasileira de Compositores, abaixo, em um hotel no Uruguai, de onde saiu sem pagar a conta (Foto: Reprodução e arq. pessoal)

Em Porto Alegre, Belchior e Edna ficaram inicialmente hospedados num hotel simples no centro, pago com ajuda dos funcionários do Tribunal de Justiça, primeira porta em que o casal bateu quando chegou à capital gaúcha. Depois, foram abrigados no Centro Infantojuvenil Luiz Itamar, instituição de caridade na região metropolitana. Dali, foram levados ao advogado Aramis Nacif, ex-desembargador do Estado, que poderia ajudar Belchior com os processos. “Ele dizia que um agente apareceria, mas nunca apareceu”, diz Nacif. Durante um mês, o casal ficou abrigado na casa de praia do filho dele. “Eles não tinham dinheiro algum. Edna apresentava um sentimento de perseguição muito grande, parecia ter algum distúrbio psicológico”, diz. Foi nesse momento que Belchior conheceu o advogado Jorge Cabral, na casa de quem se hospedou por quatro meses.

Cabral tomou um susto ao perceber que um músico importante como Belchior estava ali. E os convidou para ir a um sítio de sua propriedade, em Guaíba, local mais agradável. Belchior e Edna continuavam sem dinheiro. Nesse período, o advogado levou mantimentos, roupas, itens de higiene pessoal e até tintura para Belchior pintar os bigodes de preto.

No sítio de Cabral, Belchior não bebia nem comia carne vermelha. Passava os dias tomando chá, caminhando e cuidando das ovelhas. Fazia muitas anotações em papéis, que escondia numa pasta. Durante esse período, gastou duas canetas inteiras. Leu cerca de 40 livros. Não apresentava sinais de depressão. Parecia, segundo Cabral, alheio aos problemas que o cercavam. “Eu imaginava que ele era apenas um compositor nordestino, mas encontrei um artista plástico, um pensador, um filósofo”, diz Cabral. Ele pretende escrever um livro sobre a experiência.

Belchior só não gostava de falar sobre sua situação. Recusava-se a tocar violão e cantar. Edna impedia que ele fosse fotografado. O casal também não tomava nenhuma providência para resolver os problemas jurídicos. “A gente esperava que a situação se resolvesse, mas não acontecia nada. E aquilo não condizia com um homem lúcido, com memória fantástica, que fala várias línguas e tem uma quantidade enorme de músicas gravadas”, diz Jorge Cabral.
“Esse tempo que ele falou que daria na carreira já está longo demais. Só queremos notícias dele”, diz a irmã, Ângela Belchior. Belchior não apareceu nem no enterro da mãe, que morreu em 2011. Por telefone, a ex-mulher Ângela soa reticente. Não gosta de falar sobre um assunto tão delicado com a imprensa. Ela conta que, desde 2007, Belchior não entra em contato nem com os filhos. “Não entendo. Os empresários dele não entendem”, diz.

Em julho deste ano, Cabral pediu que o casal saísse, dado que Belchior e Edna não davam sinal de acabar com aquela situação de total dependência. Ele os deixou na porta da sede regional da União Brasileira de Compositores, com R$ 50 no bolso. Na União, Belchior tentou desbloquear o pagamento de seus direitos autorais, comprometido pelos processos na Justiça. Não conseguiu.

Belchior foi visto pela última vez na entrada do prédio, um edifício moderno num bairro de classe média de Porto Alegre, em frente a uma avenida bastante movimentada. Carregava uma pequena mala nas mãos e material de pintura debaixo do braço. Belchior – na belíssima letra de “Comentário a respeito de John”, ele cantava “eu prefiro andar sozinho” – estava, como sempre, ao lado de Edna. 
Fonte: Marcelo Bortoloti - ÉPOCA.com - 28/12/2013

Alvarás - Brasil: o país dos alvarás

18:31:19

Como a tradição brasileira de exigir papéis que nem as autoridades levam a sério favorece a informalidade e estimula a corrupção

O auditório do Memorial da América Latina não tinha alvará de funcionamento quando pegou fogo, em 29 de novembro. Nunca teve, em duas décadas de existência. Como a obra em execução era diferente do projeto aprovado pela prefeitura de São Paulo, também estava irregular a construção da Arena Corinthians, onde morreram dois operários, no dia 27. Faltavam alvarás à boate Kiss, de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, quando um incêndio em janeiro matou 242 pessoas. A quantidade de construções sem alvará envolvidas em tragédias recentes pode passar a impressão de que esses documentos funcionem como atestado de segurança. Infelizmente, é só uma impressão. Em vez de “tragédias”, use outro critério para filtrar o universo de edificações do país. Por exemplo, “estádios da Copa do Mundo”. A falta de alvará também será frequente. “Há uma década, pesquisamos cinco cidades do Rio de Janeiro. Sete em cada dez construções não tinham alvará”, afirma o advogado João Geraldo Piquet Carneiro, ministro da Desburocratização no governo João Figueiredo e presidente do Instituto Helio Beltrão, ONG dedicada a estudar a burocracia no país. “Um imóvel com alvará pode ser inseguro e um imóvel sem alvará pode funcionar normalmente.”  ...

O QUE RESTOU
O cenário de destruição do auditório Simon Bolívar, um dia depois do incêndio (Foto: Avener Prado/Folhapress)

O alvará é então apenas um pedaço de papel? A julgar pelo comportamento das autoridades, alvará é isso mesmo – apenas um pedaço de papel. Não tem utilidade prática. A prefeitura de São Paulo nunca concedeu alvará de funcionamento ao auditório do Memorial da América Latina. Paradoxalmente, só neste ano, usou três vezes aquele espaço para eventos. O Maracanã, no Rio de Janeiro, estádio reformado para a Copa do Mundo de 2014, funciona amparado por um alvará provisório, válido até 11 de abril de 2014. Teoricamente, poderá perder a autorização para funcionar um mês antes da Copa. Mas ninguém se preocupa com isso. Situação semelhante ocorre no Mané Garrincha. O estádio de Brasília não tem o “habite-se”, certidão de que a obra seguiu o projeto aprovado, exigida para a concessão do alvará de funcionamento. Tal detalhe não impediu a partida inaugural da Copa das Confederações, em junho, com a presidente Dilma Rousseff na tribuna. Amparado por autorizações provisórias, o Mané Garrincha já recebeu 17 eventos, como o jogo entre Santos e Flamengo, com 63.501 espectadores. Deverá receber sete partidas da Copa do Mundo. Em nota, o governo do Distrito Federal afirma que a emissão do alvará de funcionamento exige o cumprimento de “extenso rol de exigências técnicas, que inclui, por exemplo, a análise de cerca de 2 mil plantas do projeto da arena”. “A emissão posterior do alvará definitivo não impede, de forma alguma, o uso seguro e de acordo com a legislação”, diz a nota.
A afirmação do governo é tão verdadeira quanto desconcertante. Se o alvará fosse levado a sério como atestado de conformidade com as leis, nenhum evento deveria ocorrer até sua concessão. Mas o estádio funciona mesmo assim, porque o alvará, na verdade, é uma mera formalidade. Em Brasília, os prédios da Esplanada dos Ministérios, da Câmara dos Deputados e do Senado, pertencentes à União, também não têm alvará. É a mesma situação, em São Paulo, da Pinacoteca do Estado, administrada pelo governo estadual, e do Museu de Arte de São Paulo (Masp), ponto turístico mais procurado da cidade.

Em vez de dar o exemplo no cumprimento das leis, o Estado desmoraliza o alvará. O Brasil vive assim uma contradição: é o país onde, para quase tudo, se exige um alvará – mas ele raramente é levado a sério. A onipresença e a desmoralização do alvará são antigas. Em 1809, Dom João VI assinou o Alvará Régio que autorizou o funcionamento da Praça do Commercio, no Rio de Janeiro. A utilidade da permissão era discutível, uma vez que ela não mudou o mercado já existente. O selo real servia sobretudo como mostra de poder, necessária ao imperador absolutista. O Brasil declarou independência de Portugal em 1822, tornou-se uma República em 1889 e, desde a Constituição de 1988, funciona como democracia plena. Os alvarás e seu ranço imperial, porém, permanecem.

O uso do alvará como mero instrumento de afirmação de poder está tão enraizado nos costumes brasileiros que frequentemente gera disputas entre diferentes instâncias institucionais. Uma esfera de poder resiste a aplicar ou cumprir as exigências de outra. A prefeitura de São Paulo não fiscaliza as condições de segurança das escolas públicas estaduais, porque há uma controvérsia jurídica sobre se elas dependem de alvarás municipais. Preocupado com o risco aos alunos da rede pública, o promotor Carlos Alberto Amin Filho propôs um acordo para que as escolas fossem submetidas a inspeções. “A lei exige esses autos de vistoria”, diz Amin. “É um reconhecimento de que os edifícios respeitam as normas técnicas.” Não deu certo. Apenas 72 das 1.153 escolas estaduais na capital paulista têm certificado de vistoria dos Bombeiros. O conflito entre esferas de poder também mantém as lojas de aeroporto no limbo. A Constituição diz que a infraestrutura nos aeroportos é de competência da Infraero. Ela pode construir pistas de pouso sem a necessidade de uma licença municipal. Mas há uma polêmica: essa interpretação vale também para as lojas nos aeroportos? “Os fiscais da prefeitura visitam as lojas, exigem alvarás, dão multas, e a Infraero contesta”, diz Heloisa Uelze, advogada especializada em Direito Público. “Quem tem loja em aeroporto vive pedindo alvará à prefeitura. O documento nunca chega, mas o pedido serve para o lojista recorrer das multas.”

Como União, Estados e municípios têm autonomia para criar suas regras, sem compromisso de torná-las integradas ou, ao menos, coerentes, quem está sujeito a elas paga o preço de viver um inferno burocrático. “Só em normas tributárias, surgem mais de 30 por dia no Brasil, nos três níveis da Federação. Dá uma nova norma a mais por hora em todo o Brasil”, afirma Roberto Abdenur, presidente executivo do Etco, Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial. “Para lidar com a variedade e complexidade de regras, as empresas brasileiras têm departamentos de finanças seis vezes maiores que similares no exterior. Executivos estrangeiros que vêm trabalhar no Brasil se espantam.”

DILMA E O DILEMA
A presidente Dilma Rousseff no estádio Mané Garrincha, em junho. Se o campo pode receber jogos, por que não tem alvará ? Se faltam análises para o alvará, por que recebe jogos? (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

O emaranhado de instâncias e exigências faz do Brasil um dos piores lugares do mundo para empreender. No ranking Doing business 2014, do Banco Mundial, o país ocupa a 116ª posição, num total de 189 economias. Dos dez aspectos avaliados, em quatro, o Brasil tem mau desempenho por causa do excesso de burocracia na concessão de autorizações. “Regularizar um empreendimento no Brasil nem é tão caro, em comparação com outros países”, afirma Rita Ramalho, economista do Banco Mundial. “Mas são tantos documentos exigidos que o processo se torna complexo e demorado.” Segundo ela, regularizar uma obra no Brasil (os dados referem-se à cidade de São Paulo) requer 15 procedimentos e demora 400 dias – sete vezes o tempo da Colômbia. “Demora tanto que muitos construtores não esperam o alvará para começar a obra”, diz André Sacconato, diretor de pesquisa da Brain, organização do mercado financeiro dedicada a atrair investimentos para o Brasil. Potenciais inquilinos de prédios comerciais ficam, porém, reticentes em fazer investimentos sem a segurança da licença. “Metade dos shopping centers na cidade de São Paulo está irregular, e shoppings novos são inaugurados com lojas fechadas”, afirma João Baptista, diretor de franquias da lanchonete Rei do Mate. “Os comerciantes ficam com medo. E se depois o shopping não conseguir o habite-se? O cara vai investir R$ 350 mil numa loja e depois desistir, porque o shopping não conseguiu alvará?”

Os mesmos órgãos públicos que exigem o alvará são responsáveis pela demora na concessão. Em São Paulo, a equipe da prefeitura dedicada aos alvarás é pequena e pouco especializada. “A prefeitura de São Paulo tem 561 fiscais responsáveis por avaliar obras em propriedades privadas e em vias públicas, validade de licenças de funcionamento e invasões de áreas municipais – e só 18 arquitetos e engenheiros no trabalho interno, responsáveis por analisar pedidos de alvará”, diz Paula Maria Motta Lara, secretária municipal de Licenciamento. “No começo do semestre, o prefeito autorizou a contratação de mais engenheiros e arquitetos.”

Segundo Sacconato, da consultoria Brain, medidas simples poderão reduzir o tempo de regularização de uma obra de 400 dias para 90, até 2016. Até junho deste ano, obras de características e interesse público tão diversos quanto padarias e hospitais entravam numa mesma fila de aprovação. Eram fiscalizadas por uma única equipe da prefeitura de São Paulo – isso comprometia a qualidade e a rapidez da inspeção. Desde julho, os procedimentos de aprovação foram aperfeiçoados, com a criação de equipes específicas por setor. Isso deverá fazer a fila de obtenção de alvará andar mais rápido e reduzirá a demora para os empreendedores. Mas ainda é pouco. Segundo o Banco Mundial, abrir um negócio no Brasil leva 108 dias. Na Nova Zelândia, a mesma tarefa leva meio dia. Governos e governos já prometeram melhorar a situação, em vão. A promessa do momento é feita por uma agência da prefeitura paulistana criada neste ano, a São Paulo Negócios. Ela revisa a tramitação da abertura de empresas. Se o trabalho, ao contrário das promessas anteriores, der resultado, até o fim de 2014, o tempo médio para abrir um negócio com documentação em dia na cidade será de uma semana. E um terço dos negócios, os mais simples, será aberto em apenas um dia. Ainda estaremos longe da Nova Zelândia, mas mesmo esse objetivo parece ousadíssimo, dado o pantanal em que nos encontramos hoje. “Abrir um negócio toma tanto tempo que o alvará provisório é válido por dois anos”, diz Baptista, do Rei do Mate. “Muitos negócios fecham antes de receber o documento de abertura. É triste.”


Demorada e sujeita a critérios subjetivos, a concessão de alvarás no Brasil é um convite à corrupção. O Índice de Percepção de Corrupção 2013, divulgado pela ONG Transparência Internacional, confirma a relação entre excesso de burocracia e corrupção. “Quanto mais caros e demorados são os trâmites de um país, mais frequentes são os casos de suborno”, afirma a economista Rita, do Banco Mundial. “O empresário pede um alvará, e a resposta leva seis, sete, nove meses para chegar. Imagine uma empresa parada esse tempo todo, pela falta de uma assinatura”, diz Vicente Bagnoli, presidente da Comissão da Concorrência e Regulação Econômica da OAB-SP. “Muitas vezes surgem os ‘vendedores de facilidades’.”

Implantados no Brasil pela Coroa Portuguesa, os alvarás servem agora a pequenos déspotas, encastelados em órgãos de fiscalização e expedição de documentos. Como se estivessem no Brasil Colônia, fiscais distribuem autorizações de utilidade discutível, em troca de obediência ou dinheiro. O achaque de fiscais é talvez a modalidade de corrupção mais difundida no país. “Um fiscal do município fechou meu estabelecimento porque eu não tinha um documento devido pela própria prefeitura”, afirma “Paulo”, um empresário de porte médio do Rio de Janeiro que pediu que seu nome fosse trocado por temer represálias. “Só para começar a defesa, meu advogado cobrou R$ 50 mil. Meus sócios e eu tivemos de vender o carro e pedir empréstimo. Dias depois, fomos convidados a um almoço de apoio à candidata do prefeito a sua sucessão. Passamos por uma fila de beija-mão, numa das situações mais horríveis da minha vida. Assinamos uma cartinha de apoio à candidata e, só então, nossa autorização saiu.”

O comportamento imperial de fiscais é apoiado por normas arcaicas. Inadequadas ao século XXI, as leis das maiores capitais do país dão margem à lentidão e à subjetividade de quem as interpreta. “Um dia, um fiscal disse que me autuaria por ter um bar com licença de restaurante”, diz “Paulo”. “Perguntei: ‘Como não é restaurante, se as pessoas comem sentadas em mesas?’. Ele respondeu: ‘Se as pessoas pedem a bebida antes da comida, então aqui é um bar’. Meu queixo caiu no chão. É medieval.” No Rio de Janeiro, os alvarás para atividade comercial são atrelados a uma lei de zoneamento urbano sancionada em 1976. “Os alvarás de casa noturna são concedidos apenas para uma área restrita da cidade”, diz “Paulo”. “Então a maioria das boates tem alvará de casa de festas. Como a casa de festas não pode cobrar entrada, o empresário aluga o espaço a um produtor, e ele pode vender ingressos. É o jogo do cinismo.”
DESVIO Luiz Alexandre Magalhães, fiscal da prefeitura, algemado. Ele confessou que participou do escândalo dos alvarás em São Paulo (Foto: Bruno Poletti/Folhapress)
DESVIO
Luiz Alexandre Magalhães, fiscal da prefeitura, algemado. Ele confessou que participou do escândalo dos alvarás em São Paulo (Foto: Bruno Poletti/Folhapress)
Esse jogo do cinismo entre fiscais e comerciantes foi abalado pelo incêndio na boate Kiss, em janeiro. Em menos de um mês, fiscais da prefeitura do Rio e do Corpo de Bombeiros fecharam temporariamente 167 casas – entre elas, 50 centros culturais do Estado e do município. Os Bombeiros afirmam que, até outubro, vistoriaram 7.654 estabelecimentos e encontraram irregularidades em 4.925. Muito mais do que em 2012 inteiro, quando encontraram 1.179 irregularidades em 1.725 estabelecimentos. Logo surgiram denúncias contra os próprios órgãos de fiscalização.

Em fevereiro, o Ministério Público do Rio começou a investigar fiscais por corrupção, enriquecimento ilícito e improbidade administrativa. ÉPOCA teve acesso aos inquéritos. Os promotores investigam bombeiros suspeitos de manter empresas responsáveis por projetos de prevenção e combate a incêndios. Os bombeiros são acusados de encontrar problemas, como se fossem fiscais, para depois vender soluções, em empresas de projeto ligadas a eles. Em outubro, foram presos 25 agentes da Vigilância Sanitária do Rio, acusados de cobrar propina para não aplicar multas desnecessárias a empresários. Atuavam em bares, restaurantes, clínicas e, quando requisitados, faziam vista grossa para as irregularidades em estabelecimentos. A quadrilha arrecadava quase R$ 8 milhões ao ano. Em São Paulo, o Ministério Público investiga fiscais da prefeitura e funcionários da Secretaria de Finanças por fraude na cobrança de Imposto sobre Serviços (ISS), necessário à concessão do habite-se, de grandes construtoras. O grupo é suspeito de desviar cerca de R$ 500 milhões. No computador de um dos acusados, o auditor Luiz Alexandre Magalhães, o Ministério Público encontrou uma lista de recebimento de propinas de 22 empresas, cobradas para a liberação de 410 empreendimentos.

A corrupção é ruim não apenas para a sociedade, ao distorcer as regras de disputa do mercado. É ruim também para os corruptores. Um estudo do Banco Mundial concluiu que empresas que pagam mais propina estão sujeitas a gastar mais tempo para administrar assuntos burocráticos e encaram um custo de capital mais alto. Burocratas corruptos não honram a confiança do Estado, nem a do empresário desonesto. Vendem facilidade, mas raramente garantem a qualidade do produto.

Fonte: Marcelo Moura, com Ana Luiza Cardoso, Felipe Pontes, Graziele Oliveira, Leopoldo Mateus e Marcos Coronato - ÉPOCA.com - 28/12/2013

Sistema Prisional - Os governos não têm controle do sistema prisional, diz desembargador do CNJ


23:36:04

Supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça, Guilherme Calmon critica o uso de verba na área e defende intervenção federal em presídios críticos.


Desembargador Guilherme Calmon, supervisor de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça. ...

Como o senhor avalia o anúncio de que o Regime Diferenciado de Contratações (RDC) poderá ser usado para construir presídios?

Esse é um sinal de que o governo federal está se preocupando com o sistema penitenciário, mas é a adoção de uma medida paliativa. O RDC ajuda porque vai dar maior agilidade à contratação de construção de presídios, vai dar mais flexibilidade. Mas é uma medida que vai ter efeito a longo prazo. E esse efeito, quando vier, talvez já chegue defasado. O que temos percebido, no âmbito federal ou estadual, é resistência a ações que solucionem mais rapidamente pontos como condições de insalubridade das unidades, separação dos detentos e concessão de benefícios. Poderiam se planejar e realizar ações para melhorar serviços prestados dentro dos presídios. Mas os governos não têm controle do sistema prisional atual.

Um exemplo seria o Maranhão.

Sim. Lá, o CNJ enviou ofício ao estado, além do relatório entregue ao ministro Joaquim Barbosa (que preside o Supremo Tribunal Federal e o CNJ).

Seria o caso de uma intervenção lá?

O CNJ não tem poder de decretar intervenção num estado, quem tem esse poder é o Supremo. Tem de haver uma ação da Procuradoria Geral da República (PGR) pedindo essa intervenção, e isso segue para decisão do Supremo. A PGR pode basear essa ação nesse nosso ofício ao estado, por exemplo, se o que recomendarmos ao governo estadual não for atendido. Outra situação crítica é no Presídio Central de Porto Alegre, onde o caso foi denunciado à OEA (Organização dos Estados Americanos); ali, pela falência do poder público, o Brasil pode, sim, vir a ser condenado na OEA. E talvez seja uma forma de se chegar a uma solução; no caso da Lei Maria da Penha, por exemplo, essa lei só veio após condenação do tipo. No Espírito Santo, por volta de 2008, foi denunciado que havia presos em contêineres; só depois que se chegou a esse fundo do poço é que o sistema lá começou a melhorar.

Já houve alguma intervenção federal desse tipo no país?

Em relação ao sistema prisional, acredito que não. E, na minha avaliação, há três estados onde já deveria ter havido uma intervenção federal no sistema penitenciário há muito tempo: Maranhão, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte, também crítico, este ano teve rebeliões e fugas com mortos. E na pior rebelião no Maranhão este ano, o que houve? A capital parou, lojas fechando, com os boatos de arrastão. Há ordens de crimes vindas de dentro da cadeia. O problema prisional não é só do detento e de sua família, é da sociedade.

Como seria uma intervenção do tipo?

Quem passa a gerir o sistema estadual é o governo federal. Triagem de presos, revisão de benefícios, tudo passa para administração e responsabilidade federal.

Além de intervenção, quais outras medidas urgentes podem ser tomadas?

Mudanças no Fundo Penitenciário, por exemplo. Hoje, há um valor de aproximadamente R$ 1,2 bilhão reservado para melhorias e principalmente construção de unidades prisionais. Mas, desde que o Fundo foi criado (em 1994), nem um terço foi utilizado, liberado. É dinheiro subutilizado. Um dos motivos são as exigências rígidas do governo federal aos estados para liberar o recurso, como já possuir um terreno para a unidade e, principalmente, ter um projeto arquitetônico que, na minha opinião, cobra-se que tenha um padrão alto demais de hotelaria. Precisa haver revisão dessas exigências e da própria gestão do Fundo; hoje, o Ministério da Justiça é o único responsável pela liberação dessas verbas, quando poderia haver um conselho com representantes do ministério e outros órgãos para isso. O RDC não exclui a possibilidade de se usar o dinheiro do Fundo, esse dinheiro poderia passar a ser usado via RDC, que é uma forma mais ágil de contratar obra. Mas essas exigências para liberar recurso do Fundo e a gestão dele precisam ser revistas.

E o papel dos estados nesse quadro?

Falta gestão estadual no setor prisional. Há anos. Um nível de gestão minimamente adequado. Não são todos os estados que têm Secretaria de Administração Penitenciária, por exemplo; há geralmente uma superintendência numa pasta.

A não adoção de uma medida como bloqueio do sinal de aparelhos celulares em presídios seria uma amostra da falta de gestão? Esse bloqueio seria uma ação custosa ou complexa?

Não, não seria. É falta de gestão mesmo.

Esse bloqueio não seria feito por temor quanto à reação dos presos?

Posso dizer é que, se o diretor do presídio tivesse o controle sobre ele, não deveria existir esse temor. Mas o bloqueio do celular resolve uma parte, há a comunicação por meio das visitas. O que se precisa ter claro é a ausência de administração mínima de um sistema pelos estados. Aponto outra medida a ser adotada: descentralização das unidades prisionais. O planejamento das unidades precisa ter em conta a necessidade de unidades no interior, para presos ficarem perto das famílias. No Maranhão, 30% a 40% da população carcerária, que está em São Luís, são do interior. E há, claro, necessidade de mais ações de profissionalização dos presos.

No Mutirão Carcerário de 2013, constatou-se piora de algum estado?

O Rio Grande do Norte piorou em relação a 2011, quando fomos lá. Piorou em relação a superlotação, por exemplo. De forma geral, todos os estados visitados este ano pioraram.

A piora na superlotação tem a ver com o aumento dos presos por tráfico, após a nova lei antidrogas?

Sim, o aumento de detentos por tráfico com a nova lei, a partir de 2006, é uma constatação. Isso pelo maior encarceramento do pequeno traficante e de usuários. Mas essa lei não exclui penas alternativas, como prestação de serviços ou monitoramento por tornozeleiras eletrônicas, o que deveria ser adotado em muitos casos, muitas dessas pessoas não são perigosas. Então o que está faltando também, por parte dos juízes, é maior uso das punições alternativas no país.
Fonte: Alessandra Duarte-Portal O globo - 28/12/2013