É triste, mas este colunista – um ser urbano que desconhece os meandros da produção de alimentos, que não tem paciência para xiitas e xaatos que chegam a culpar as agressões à ecologia por fenômenos geológicos como terremotos – saiu do debate sobre o Código Florestal tão ignorante quanto entrou. A leitura de jornais, revistas e blogs o orientou a acreditar que a discussão sobre o Código Florestal foi um jogo entre duas equipes motivadas e rivais, que o time da destruição venceu o da preservação e que os bem-intencionados defensores da Natureza pedem que a presidente Dilma Rousseff anule o resultado da partida com seu veto – o equivalente, no mundo político, ao tapetão a que o futebol nos acostumou (enquanto isso, os vitoriosos movem campanha para que a presidente sancione a decisão do Congresso).
E, no entanto, o mundo é diferente. A Humanidade já fez muita besteira em termos de devastação: as oliveiras do Oriente Médio foram derrubadas para dar lugar a desertos, o cultivo mal orientado criou voçorocas, grandes e insaciáveis buracos, aqui mesmo no Brasil, pelo menos um rio desviado sem estudos suficientes transformou um pedaço dos Estados Unidos numa área imprestável para a vida. Só que o rio voltou a seu curso normal, embora tenha custado muito dinheiro desfazer a obra anterior, e as terras foram recuperadas; o deserto do Negev, em Israel, é hoje um grande laranjal; e as técnicas de reversão de áreas desertificadas, embora trabalhosas, já estão ao alcance de todos. Há muitos e muitos anos ninguém mais ouve falar em voçorocas.
Claro: o raciocínio lógico leva este colunista urbanoide a imaginar que o cultivo de uvas nas encostas da Serra Gaúcha, se não promoveu nenhuma tragédia ecológica até hoje, é feito com competência; que verduras e frutas plantadas à margem de rios em Santa Catarina, se não poluíram os rios até agora, nem reduziram seu volume de água, podem perfeitamente continuar como estão. Já a impermeabilização do solo em grandes cidades gerou enchentes e vai continuar a gerá-las, até que o erro seja corrigido com mais jardins, parques e árvores – o que envolve desapropriações e custos altos. A ocupação das margens do rio São Francisco fez com que o volume de água se reduzisse, e pede modificações. O uso intensivo da água dos afluentes do mar Cáspio em irrigação fez com que o nível do lago salgado ficasse mais baixo – o que provocou, entre outros problemas, a redução no número de esturjões, o nobre peixe do qual se tira o caviar.
Sem abundante suprimento de caviar de boa qualidade, como garantir o bem-estar do governador Sérgio Cabral e de sua turma de guardanapos na cabeça?
Este colunista circula em torno do tema, mas continua tão ignorante como antes do início do debate. A imprensa gostou do clima de Fla x Flu e virou campo de manifestações de quem acha que o Código Florestal é perfeito e de quem acredita que deveria simplesmente ser jogado no lixo (reciclável, claro). Como diria a vovó Maria, nem tanto ao mar, nem tanto à terra – mas quanto para o mar, quanto para a terra? Não se pode esperar que um lado ou outro detenha a verdade absoluta, que um dos times esteja sempre correto – até porque, como as pessoas bem informadas sabem, o único time sempre correto é o Corinthians.
Feijão, arroz, frutas, carne, verduras, soja, café, leite; enchentes, voçorocas, envenenamento de pessoas e animais. Estes temas interessam ao dia a dia da população. O resto é disputa ideológica, que gera muito calor e pouca luz.
Foi uma boa oportunidade perdida. Quem ganhou mesmo a disputa, no duro, foi o radicalismo (de ambos os lados). E, infelizmente, o desconhecimento.
Água...
Em Israel, o volume de chuvas equivale a cerca de um quarto daquele do nosso Polígono das Secas. Israel exporta frutas e verduras – ou seja, água. Nas melhores regiões produtoras de frutas do Chile, da Califórnia, da Espanha, chuva é um fenômeno raríssimo (e, quando chove, os agricultores ficam chateados, porque a qualidade de seus produtos não será tão boa). No Brasil há bolsões de irrigação que funcionam muito bem, e neles se produzem frutas de qualidade internacional. Por que, então, se investe insuficientemente em irrigação?
...terra...
Há muitos e muitos anos, a revista Visão fez reportagem sobre o aproveitamento dos açudes nas regiões dos coronéis. O resultado era trágico: havia açudes, mas num grande número deles não havia como retirar a água, que com o tempo ficava salobra. A água não servia nem para beber nem para molhar a terra.
Por quê? Os açudes, feitos com financiamento federal, eram geralmente sólidos, bem construídos; todos tinham comportas de bronze; mas, em muitos, a porta era chumbada no concreto. Não abria nem com reza brava. Claro, havia um motivo.
...fogo...
Os açudes tinham de ter comportas: se a nota fiscal da compra não fosse apresentada, não haveria financiamento. E as comportas eram soldadas exatamente para que a água não tivesse como sair. Assim, os vizinhos não teriam acesso à irrigação e sua terra perderia preço, permitindo que o coronel dono do açude a comprasse baratinho (e obtivesse novo financiamento, para construir novo açude, tão inútil quanto o anterior). A água ficaria salgada, claro, e não serviria de nada para o dono da fazenda; mas não fazia mal, já que a safra era segurada em bancos oficiais e, quando se frustrasse – o que sempre ocorreria – o dono receberia o dinheiro, sem precisar contratar lavradores, comprar máquinas e trabalhar a terra. Só perderia as sementes, mas se não as comprasse como é que convenceria o seguro de que tinha feito a plantação? Ao menos as sementes serviam para alimentar os passarinhos.
...e ar
Bom, a matéria foi feita, publicada, teve sua repercussão e dissolveu-se no vento. Este colunista jamais soube de alguma iniciativa dos financiadores dos açudes para apurar se houve ou não irregularidades na construção. Os seguradores federais, se fizeram algo para recuperar o dinheiro que haviam pago a coronéis que deliberadamente perdiam a safra, o fizeram no mais ruidoso silêncio.
A crise do papel
Não, ninguém pode reclamar dos problemas de circulação de boa parte dos jornais. Um grande jornal, de circulação nacional, publicou num domingo a programação da Virada Cultural de São Paulo, conjunto maciço de eventos que mobilizou boa parte da cidade. E, entre os eventos, um show do cantor Tinoco. O cantor tinha morrido na sexta-feira, dois dias antes da distribuição do jornal.
Na mesma edição, em outro caderno, em outra página, o jornal informou que tinha cometido um erro: como a edição da Virada Cultural tinha sido fechada antes da morte de Tinoco, estava lá a notícia do show que não mais haveria.
OK: numa época de informação instantânea, em que na própria sexta-feira houve homenagens especiais a Tinoco na TV e no rádio, em que a internet registrou o adeus ao criador de tantos sucessos da música caipira, como é que um jornal divulga dois dias depois da morte a informação equivocada de que haveria um show? E a explicação não explica nada: o consumidor de informação, que a teve gratuitamente, instantaneamente, na TV, no rádio, na internet, precisa pagar para recebê-la com atraso e ainda sujar as mãos de tinta? Que é que ele tem com problemas industriais, com cronogramas de impressão e outras questões que são da empresa?
Lembra velhos tempos, não tão distantes, em que a TV e o rádio transmitiam um jogo, faziam comentários, a TV colocava no ar os gols, os melhores momentos, o videotape completo, e o jornal, sete ou oito horas depois, dizia que o jogo, aos X minutos do segundo tempo, estava 0x0. Aliás, não lembra os velhos tempos, não: é muito pior. Naqueles velhos tempos não tão distantes, a notícia vinha incompleta, mas pelo menos no dia seguinte. Dois dias depois, só em épocas ainda mais antigas, quando a informação chegava às redações nas mãos de um passageiro do trem.
Dois é bom
Pesquisa do Ibope sobre as eleições paulistanas colocou José Serra (PSDB) à frente, seguido por Celso Russomanno (PRB), Netinho (PCdoB), Soninha (PPS), Gabriel Chalita (PMDB), Paulinho da Força (PDT) e só então, com 3% dos votos, Fernando Haddad (PT). Tudo bem: faltam muitos meses para as eleições, não começou o horário eleitoral gratuito, a pesquisa, hoje, dificilmente se manterá com esse aspecto mais perto das urnas. Mas o título “Embate Serra x Haddad” fica, por ora, adiado, é inaceitável: significa escolher agora quem disputará de fato o primeiro lugar. E escolher entre o primeiro colocado na pesquisa e o sétimo colocado. Claro que pode dar Serra x Haddad; mas hoje não é esta a disputa indicada pela pesquisa. Um título assim menospreza os demais candidatos.
Bons e maus
A propósito, os títulos vão ganhando tendências à medida que a eleição se aproxima. A mesma pesquisa do Ibope mostrou, segundo um grande portal noticioso: “65% veem Dilma boa ou ótima; 39% desaprovam Kassab”. E, tirando quem desaprova Kassab, sobram os que o consideram regular, bom ou ótimo. Quanto dá? Pois é: 61%.
Conforme o titulista, o copo pode estar meio cheio ou meio vazio.
Quem paga, manda
A Rede TV! informou que a Rede TV! renovou o contrato de Daniela Albuquerque, esposa do sócio majoritário da Rede TV!
Mundo, mundo
Onde está Wally?
Um importante jornal, informando sobre a partida Corinthians 3 x 0 Emelec, informa que Emerson foi substituído por Emerson.
Outro importante jornal, sob o título “Kassab colaborou”, conta como foi o acordo para o DEM apoiar a candidatura de José Serra em São Paulo, em troca do apoio do PSDB a ACM Neto em Salvador. Dizem que o entendimento ocorreu num encontro entre o governador Geraldo Alckmin e o presidente nacional do DEM, Agripino Maia. OK: e o prefeito Gilberto Kassab, como é que colaborou?
Tempos e costumes
Um grande jornal impresso, de circulação nacional, em reportagem sobre o São Paulo FC, diz que “o time enfrentará na semana passada o Goiás”.
Cartas à redação.
Como...
De um jornal de circulação nacional e ampla influência, comentando uma antiga tentativa de atentado:
** “(...) em um voo que ia de Amsterdam para o estado americano de Detroit”.
Talvez por isso o atentado não tenha dado certo. Detroit não é um Estado: é uma importante cidade do estado de Michigan.
...é...
De um grande jornal, comentando as ideias do novo presidente francês, François Hollande, sobre economia:
** “É claro que os mercados prefeririam uma abordagem conservadora que falasse em cortes nos gastos e aumentos nos impostos, e não a clássica abordagem socialista, que recorre mais amplamente aos aumentos nos impostos.”
Traduzindo, não se fala mais em cortar gastos do governo, sendo as despesas financiadas com aumentos de impostos.
...mesmo?
Uma delícia: de acordo com um portal noticioso ligado a um grande grupo de comunicação, “Raio-X de Congonhas barra algemas, soco inglês (...)”
Na foto, um soco inglês de verdade. E algemas de pelúcia, um velho apetrecho erótico.
Mundo, mundo
A flatulência, por incrível que pareça, foi um dos temas mais comentados durante a semana. Tudo começou com um cientista que levantou a hipótese de que a flatulência dos dinossauros tenha provocado o aquecimento da Terra, em priscas eras. E, já que se falava no assunto (e com o título “‘Pum’ de dinos pode ter feito a Terra aquecer”), voltou-se a falar na flatulência das vacas, que segundo outros cientistas também é perigosíssima em termos de aquecimento – embora o principal teórico do aquecimento da Terra causado por organismos vivos tenha dito que exagerou muito em suas previsões.
E aí surgem informações que teriam sido obtidas pelo OSS – Office for Strategic Services, o escritório americano do qual nasceu a CIA, a respeito de Hitler. De acordo com documentos encontrados nos arquivos nazistas (que, a propósito, serão leiloados nesses dias), Hitler usava cocaína como remédio, tomava injeções de sêmen de búfalo para melhorar sua libido e – caímos de novo no assunto – sofria de “flatulência incontrolável”.
Este colunista é caipira. Lá no interior quem sofre de flatulência incontrolável recebe um apelido bem mais popular.
E eu com isso?
Escolhe-se uma área não muito montanhosa, limpa-se o terreno, plantam-se alguns milhões de árvores, que são regadas, adubadas, cuidadas com carinho e, quando atingem determinado tamanho, derrubadas. A madeira é moída, misturada com água e determinadas substâncias, transforma-se em pasta de celulose, em celulose e, após o processamento completo, em papel de imprensa. É neste papel que os jornais informam que um cantor falecido há alguns dias fará um show. Ou informam outras coisas da maior importância:
** “A atriz Camila Pitanga e o cantor Lucas Santtana reataram o namoro”
** “De cabelo curto e bem magra, Anne Hathaway curte praia em Miami”
** “Casamento de Mirella e Ceará terá chocolate belga e show do DJ Sapão”
** “Diretor de ‘Battleship’ temia que Rihanna fosse comida por tubarões”
** “‘Tenho medo de Nietzsche’, afirma Flausino”
** “Hale Berry se irrita e tira satisfação com paparazzi”
** “Juju Salimeni usa maiô com decote ousado em praia do Caribe”
** “Sacha Baron Cohen vai à première cercado de ‘mulheres militares’”
** “Esbanjando em casamento, Belo deve até as calças, diz jornal”
** “Christina Aguilera aparece de calçolão com tachinhas”
O grande título
A disputa é boa.
Temos um título de excelente safra, do tipo que tem sentido, desde que o leitor tenha paciência de analisar a frase inteirinha:
** “Polícia localiza 2 corpos em acidente que matou acusado de degolar 7”
Outro exige explicações detalhadas:
** “Em ‘final adiada’, Santos já se prepara contra surpresa”
Explicando direitinho: em duas Libertadores seguidas, o Santos foi eliminado duas vezes por times argentinos. Deveria disputar novamente contra um time argentino no ano passado, mas o Peñarol uruguaio é que chegou à partida – por isso a “final adiada”. Agora, para o jogo contra o argentino Velez Sarsfield, o time se prepara cuidadosamente para evitar um novo problema.
E há um título notável:
** “Frente fria pretende chegar ao centro-sul”
Provavelmente, a frente fria já comprou até passagem para realizar o que pretende.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados
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