A prefeitura precisa abrir os números, planilhas de custos, condições dos contratos com as empresas de ônibus que prestam serviço em São Paulo.
No dia 13 de junho, poucas horas antes de a Polícia Militar do Estado de São Paulo emboscar e bombardear cidadãos nas ruas, a prefeitura divulgou uma consulta pública. Trata-se das informações para elaborar o edital da concorrência dos novos contratos de transporte público em São Paulo. Serão, de acordo com a revista Exame, os maiores contratos feitos na história da Prefeitura: as duas consultas públicas (para empresas que operam 15 mil ônibus e 7 mil vans) somam R$ 46,3 bilhões, valor maior que todo o orçamento da capital para 2013, de R$ 42 bilhões.
O sistema de transportes de São Paulo é caro e dá sinais de esgotamento. Somente quem enfrenta essas baldeações congestionadas de gente, em corredores lotados e sem saídas, onde os funcionários do Metrô - público e privado - e da CPTM colocam grades para tentar organizar o fluxo, sabe o perigo e o desgaste que isso significa. "O direito de sentar" (eu ri!) é a reivindicação estampada em um dos cartazes manifestação que vai acontecer dia 20 em Recife, por transporte público melhor e mais barato. Serve para São Paulo.
O fato é que R$ 3,20 para andar de ônibus e de Metrô é muito caro, em relação ao salário mínimo. Também é fato que, para decidir oferecer transporte público gratuito, como é a reivindicação do Movimento do Passe Livre, a prefeitura teria que retirar dinheiro de outros setores. Mas que dinheiro? Quanto? O prefeito Haddad diz que seriam R$ 6 bilhões. Como podemos saber se o valor é este? E se vale a pena investi-lo?
O prefeito de São Paulo deveria abrir as contas do transporte na cidade. Abrir as planilhas de custo. Explicar por que as tarifas subiram acima da inflação, desde 1994. Mostrar como se organiza o sistema, quem o explora e ganha com ele. É inaceitável argumentar o peso de um serviço no orçamento sem mostrar seus componentes. É inaceitável debater transporte público sem enfrentar o fato de que o modelo usado na cidade -- de privilégio aos carros -- também tem custos imensos, tanto em investimentos para manter a infraestrutura adequada a este tráfego quanto em tempo, acidentes e... o dinheiro que pagamos pelas passagens.
É possível fazer adaptações neste modelo para torná-lo mais acessível e justo para os usuários. Mas ao longo do tempo os problemas, que permanecem, ficam gritantes novamente. O Bilhete Único é uma conquista importantíssima, mas quem pode me demonstrar que as empresas, com os aumentos acima da inflação desde 1994, não estão recuperando margens de lucro que eventualmente perderam com ele? Ah, as empresas não têm altos lucros? Não sei. Não conheço suas contas. E se as empresas argumentam que seus investimentos não são remunerados, mesmo que ofereçam um serviço sofrível a um público imenso e cativo, precisam provar isto. E se provarem, aí estará mais uma prova de que o sistema não funciona.
Não existe, como quer o prefeito, um "diálogo" tradicional com o Movimento do Passe Livre. O diálogo de sentar em torno de uma mesa com representantes das ruas e decidir o que fazer. Primeiro porque o movimento é horizontal. Não há carro de som. Não tem dono, o microfone, ele é de todos os que estão nas ruas. Segundo, porque as manifestações em São Paulo - segunda-feira será maior - felizmente extrapolaram e muito o número de bravos militantes do MPL. Na gestão Kassab, quando ninguém se manifestava aqui, quando havia um discurso oficial de "desocupação" dos espaços públicos da cidade, eram eles que exigiam, nas ruas, transporte público e gratuito.
É preciso dialogar com as ideias que essa galera está colocando na mesa. É preciso dialogar com a cidade. E o primeiro passo disso é mostrar e debater, com transparência, quanto, como e com base em que contas a prefeitura vai fazer "os maiores contratos de sua história". Não há sequer uma informação, no site da prefeitura, de como a sociedade pode participar deste debate.
E não se dá o mínimo passo nesta direção. Desde 2011, participantes da comunidade Transparência Hacker pedem à SPTrans os dados geoferenciados das linhas, pontos e trajetos de ônibus em São Paulo, de maneira que seja possível usá-los para criar aplicativos como o Cruzalinhas. Nada. A SPTrans fornece esses dados ao Google, mas não consegue organizar um sistema para que desenvolvedores e cidadãos possam livremente baixá-los. Nenhuma capital do Brasil fez isso, até agora. Por que?
No domingo, a Transparência Hacker vai promover o Transparência Hackday Transporte Público, em São Paulo. Hackear um sistema é entender como ele funciona e subvertê-lo a nosso favor. O Transparência HackDay é um evento para hackers e ativistas criarem e trabalharem com projetos baseados em informação pública, tecnologias digitais, inteligência coletiva e ação política.
Nessa edição, vamos tentar entender, abrir e hackear o sistema de transporte público da cidade. Este será o primeiro de vários. Entre na página no Facebook e veja como funciona. E mande, por favor, ideias sobre informações públicas que precisamos pedir, de acordo com a Lei de Acesso à Informação, à prefeitura e ao governo do estado para abrir esta caixa preta. Não somente a do transporte, mas também a dos recursos públicos mobilizados para reprimir as manifestações.
É a partir dessas informações que o poder público deve dialogar com os cidadãos. Não são R$ 0,20. É o direito de ir e vir. Defendido nas ruas: estarei segunda-feira no Largo da Batata. Mas a batalha pelo direito de se manifestar, de ser ouvido, para exigir o melhor para a cidade é também uma batalha de informações. Que são públicas. E deveriam, por lei, estar em nossas mãos.