sábado, 5 de julho de 2014

A agenda do retrocesso


Ruy Fabiano
Em 1964, estavam em disputa dois projetos autoritários para o Brasil: de um lado, o projeto socialista, que preparava um golpe de Estado, já devidamente instalado no governo João Goulart; de outro, um projeto tecnocrático-militar, de cunho conservador, que lhe impôs um contragolpe, com apoio popular.
Nenhum contemplava a democracia, embora o contragolpe infundisse a ideia de que o faria. Disso derivou o apoio popular, baseado nos pronunciamentos das lideranças civis e do marechal Castello Branco, que viria a presidir o novo governo, comprometendo-se com as eleições presidenciais previstas para o ano seguinte. Foi frustrado pela ala radical do Exército, que lhe impôs a prorrogação do mandato e a sequência do ciclo militar.
O novo regime, após banir as lideranças da esquerda, voltou-se contra seus próprios aliados civis. Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, que disputariam as eleições de 1965 – e apoiaram o contragolpe -, foram cassados.
O Congresso tornou-se um poder de fachada, diversas vezes posto em recesso e submetido a constantes cassações de mandato.
A luta armada, que começara antes de 1964, intensificara-se e fornecia argumentos para a continuidade do ciclo militar, que, a esse pretexto, endureceria ainda mais, a partir da edição do ato institucional nº 5, em dezembro de 1969.
A luta armada foi derrotada, mas a ação da esquerda não cessou: voltou-se para as universidades e para o meio cultural, formando as gerações seguintes de intelectuais e artistas, que mantiveram acesa a chama do ideal revolucionário.
O advento do PT ao poder federal, a partir de 2003 – quase 40 anos após a derrota esquerdista de 1964 –, foi (e continua sendo) nova oportunidade histórica de implantar o projeto socialista, hoje em condições logísticas bem mais favoráveis.
Estabeleceu-se, a partir de 1990, com a criação do Foro de São Paulo – entidade fundada por Lula e Fidel Castro – uma vasta aliança entre partidos, governos e movimentos de esquerda do continente. Já não há ações isoladas ou improvisadas. Tudo obedece a um comando central supranacional, que cuida da logística, inclusive militar.
No Brasil, criou-se a Força Nacional e entidades como MST e MTST funcionam como milícias, dispondo ainda, segundo denúncias da revista Época e do senador Jayme Campos DEM-MT), de campo de treinamento para guerrilhas em Mato Grosso. São notórias as ligações com grupos criminosos como as Farc colombianas, o que explica que o Brasil figure hoje como o segundo maior consumidor de cocaína do planeta e o primeiro de crack.
O efeito interno dessa aliança mede-se em números: 50 mil assassinatos por ano, a maioria jovens e pobres, em decorrência das guerras de narcotraficantes. Paralelamente, fala-se em sucateamento das Forças Armadas.
No campo diplomático, toda a ação tem sido voltada para consolidar alianças com países hostis às democracias ocidentais, como Cuba, Coréia do Norte, Irã e ditaduras afro-asiáticas, beneficiárias de perdão de dívidas com o Brasil e de financiamentos do BNDES, sem qualquer consulta ao Congresso Nacional.
Na eventualidade de reeleição de Dilma Roussef, a agenda já anunciada, configura a nova etapa desse projeto socialista. Prevê a regulamentação (eufemismo de censura) da mídia e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva – isto é, dissociada do Congresso -, para, entre outras coisas, promover uma reforma política ajustada ao figurino do PT: voto em listas fechadas, financiamento público de campanha e estabelecimento de mecanismos de democracia direta, nos moldes do bolivarianismo venezuelano.
“Chávez é uma invenção nossa”, jactou-se certa vez Lula, na celebração dos 15 anos do Foro de São Paulo, quando ocupava a Presidência da República. Por aí, dá para se ter uma ideia do que está em pauta nestas eleições. Não se trata apenas de escolher nomes, mas um projeto político que definirá as próximas décadas.
Daí o termo “guerra eleitoral” mencionado por Lula e Rui Falcão, cuja senha parece ter sido dada pelo vice-presidente do PT, Alberto Cantalice, com a menção dos nomes dos jornalistas que, “entre outros menos votados”, precisam ser silenciados.
Tudo, só para não variar, começa com o silêncio da imprensa. O resto sabemos de cor. Sabemos?

Ruy Fabiano é jornalista.

OBRA-PRIMA DO DIA (PINTURAS) A obra de Lucian Freud

Maria Helena Rubinato Rodrigues de Sousa 

O pintor Lucian Michael Freud nasceu em 8 de dezembro de 1922 e faleceu em 20 de julho de 2011. Nasceu em Berlim, filho de mãe judia alemã, Lucie Brash Freud e pai judeu autríaco, Ernst L. Freud. Lucian era neto de Sigmund Freud.
Em 1933, para escapar do nazismo, a família mudou-se para a Inglaterra e instalou-se em St. John's Wood, bairro de Londres. Em 1939, Lucian naturalizou-se inglês.
Retratista muito conceituado, usava do impasto para repassar para as telas toda a gama de emoções que pretendia, mais do que os traços do retratado, expor em seus retratos.
Começou mais interessado em desenhar do que em pintar. Durante algum tempo namorou o surrealismo, depois o neo-romantismo para, finalmente, imprimir um estilo muito pessoal, meticulosamente realista, mas sempre com um distanciamento que mais atrai do que afasta o espectador.
Logo se voltou para a pintura. 
Suas pinceladas, no final da década de 50, passaram a refletir a forma e a estrutura do rosto e do corpo de seus modelos ao se preocuparem mais com o espaço ocupado na tela do que com detalhes exatos. Uma coisa, no entanto, nunca mudou: sua paleta foi sempre em tons sóbrios.

                                                Garota com um cachorro branco
Nessa tela vemos a primeira mulher de Lucian, Kathleen Garman, quando grávida. Foi observado pelo crítico inglês Herbert Read que Freud nesse quadro demonstrou sua admiração por Ingres, o grande pintor francês. Além de repassar para o espectador a solidão essencial do ser humano.
Óleo sobre tela. 76cm x 101cm. 1950/51, acervo Tate Gallery

                                                  Garota com um gatinho
Outro retrato de Kathleen, onde ela segura, muito tensa, o animalzinho pelo pescoço, com as juntas dos dedos muito proeminentes, parecendo que vai estrangular o gato sem se preocupar com isso. O apelido de Kathleen era Kitty, que em inglês significa gatinho e aí residem as dúvidas quanto à imagem de sua mulher que o pintor quis repassar para a tela. A mulher olha para o vazio com expressão pensativa, enquanto o bicho olha diretamente para o espectador.
Óleo sobre tela 41 cm x 30 cm 1947, acervo Tate Gallery

                                                   A mãe do pintor IV

Óleo sobre tela, 1973, acervo Tate Gallery

                            Autorretrato, 1985, acervo National Portrait Gallery, Londres

Os retratos foram centrais na obra de Lucian Freud. Eis o que ele disse a respeito:
"Sempre quis criar atmosfera em meus quadros, eis porque pinto pessoas. São as pessoas e suas emoções que tornam a pintura dramática, desde sempre. O mais simples dos gestos humanos nos conta muitas histórias". 


Vaias à reeleição


Sergio Tostes
O comportamento do poder central do país passa por momentos preocupantes. A presidente Dilma Rousseff, que dedica boa parte do tempo à sua própria campanha eleitoral, pratica atos incompatíveis com o mandato que o povo brasileiro lhe conferiu. A reeleição, infeliz ideia de um de seus antecessores, não se encaixa nas tradições políticas do Brasil e muito menos na mentalidade da população. Está visto como é negativo alguém ser candidato a um novo mandato em cargo que já esteja exercendo.

O coro mal educado com que foi agredida na abertura da Copa do Mundo, embora deplorável, não foi contra a presidente — que já teve sua chance de mostrar a que veio. Foi contra a candidata à reeleição, acuada quase escondida numa discreta fila de retaguarda, receosa de ser vista no telão do estádio. Seu semblante esquivo, algo assustado, era de quem sabia não estar ali para exercer o papel institucional que cabe a um chefe de Estado numa cerimônia cuja plateia era o mundo inteiro. Tradicionalmente, quem declara aberta a competição é o chefe de Estado que hospeda os jogos.

Mais grave é que a omissão não se resumiu apenas àquela cerimônia. A presidente deixou de acompanhar a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, chefe de governo da maior e mais rica nação da União Europeia, ao estádio na Bahia. Ainda que não seja gafe diplomática, convenhamos: foi um erro político. A menos, é claro, que a presidente tenha se apartado, de vez, da representação dos interesses do povo brasileiro. E, pior, não conseguimos nos desvencilhar de crítica a "malfeitos" acompanhada de não discreta atuação para acobertá-los. Enquanto isso, a China continua seu processo de desenvolvimento econômico, social e, principalmente, educacional; os Estados Unidos e a Europa se recuperam da crise estrutural por que passaram; e novos emergentes substituem o Brasil como destino para investimentos.

As próximas eleições trazem oportunidade única para escolha de liderança que conduza a reforma do sistema que emperra o crescimento. Os três principais candidatos são qualificados, inclusive sua atual ocupante, para bem exercer essa liderança, desde que, é certo, saibam se cercar de quadros competentes e não se deixem levar por interesses menores. A hora deve ser de união em torno de princípios éticos e de combate às forças que atravancam o desenvolvimento econômico e social. O Brasil espera dos candidatos programas de governo claros, objetivos e inteligíveis. Se for para termos mais do mesmo, o eleito contará com o lamento geral, e cenas constrangedoras se repetirão. Vaias e aplausos são direitos dos cidadãos. Autoridades, especialmente as eleitas, têm que saber que ambas são inerentes às funções escolhidas e que há apenas uma resposta para tais manifestações: a autoridade que emana do exercício honesto e competente das suas funções. Tudo o mais será mero exercício de retórica, o último bastião dos incompetentes.

Foi um erro político Dilma deixar de acompanhar a chanceler alemã Angela Merkel ao estádio na Bahia

Sergio Tostes é advogado
* Texto publicado no Globo de hoje

PSICANÁLISE DA VIDA COTIDIANA Animalidade na Copa do Mundo


CARLOS VIEIRA
“Todo-o-mundo é louco. O Senhor, eu, nós, as pessoas todas.” 
(Guimarães Rosa(2006, GV:v, pag. 16.)
Imagine uma pessoa que de repente começa a ter crises convulsivas, o mal epiléptico. Na antiguidade, e observamos ainda hoje, não poucas pessoas ainda acreditam no caráter contagioso da epilepsia e por extensão, na fantasia de que, distúrbio mental contamina como se fosse uma afecção contagiosa.

Agora imagine que uma pessoa, no caso, um jogador de futebol, o famoso Suarez, possa ter um distúrbio disritmico, um comportamento que se repete de um modo crítico, de crise, caracterizado por um impulso a morder seu semelhante. Sabemos pela mídia que foi a terceira ou quarta vez que o grande astro da Seleção de Futebol do Uruguai repete esse impulso oral agressivo, que na linguagem popular é conhecido como uma senhora dentada em outra pessoa. Consciente? Inconsciente? De propósito? perguntas que ficam a ser exploradas e examinadas por um competente exame psiquiátrico. Não é falta de bom senso conjecturar que Suarez tem um comportamento psicopatológico de fundo psicológico ou neurológico. É também de se perguntar qual a razão que uma pessoa de sucesso, de repente, tenha um ato insano que sabote sua própria pessoa, que coloque em risco sua profissão. Suarez é um vitorioso na arte do futebol, mas como qualquer ser humano pode estragar sua vida por não ter capacidade psíquica de lidar com o “bom”, com o “sucesso”, com suas vitórias na vida. 

Meu propósito hoje não é nem de longe analisar a personalidade de Suarez, o que seria uma insensatez e uma falta de ética da minha parte. A intenção em escrever essas linhas é fazer uma denúncia absurda, em pleno Sec.XXI: o mundo assistiu um ato de animalidade, um ato psicopatológico, carregado de um enorme preconceito contra os distúrbios mentais. A FIFA, ou melhor, seus juízes maiores, trataram Suarez como uma “besta humana”, como uma pessoa que deveria imediatamente ser excluída, internada, trancafiada num “Hospital Psiquiátrico”. Não falo um hospital de fato, mas simbolicamente uma exclusão da convivência entre os humanos como se fosse um “cão raivoso”, e não uma pessoa que apresenta um comportamento anormal que requer cuidados psiquiátrico e psicoterápico. Não, a FIFA teve uma atitude própria da Idade Média. SANTA INQUISIÇAO! Que Suarez mereça uma punição é óbvio, mas que uma Organização Internacional mostre ao mundo um ato animalesco, preconceituoso, arrogante em mostrar seu poder, isso é triste numa época que cada dia se respeita e se defende mais os direitos humanos.  Lembremos que a “santa” FIFA desde a Copa das Confederações e do modo como vem gestando a realização da Copa do Mundo tem mostrado uma arrogância animalesca. Lembram que o Presidente, que faço questão de esquecer o nome, em pleno Estádio Mané Garrincha, quando a Presidente da República foi vaiada por questões internas do nosso país, passou um verdadeiro pito na população brasileira. Esse mesmo senhor, segundo notícias veiculadas pela mídia, proibiu a Presidente Dilma de abrir oficialmente a Copa do Mundo, e ela aceitou.

Sabemos também que o lucro da FIFA nessa Copa do Mundo será o maior até hoje, inclusive com anuências de isenção de impostos retirados do nosso dinheiro. 

Qual a atitude mais canibal, a de Suarez ou da FIFA, que vocifera milhões de dólares? 

“Comigo as coisas não têm hoje e ant’ontem amanhã: é sempre. Tormentos. Sei que tenho culpas em aberto. Mas quando foi que minha culpa começou? O senhor por ora mal me entende, se é que no fim me entenderá. Mas a vida não é entendível.” Guimarães Rosa (2006, GS:v pag. 140.
Carlos de Almeida Vieira - psicanalista e psiquiatra.

Adeus ao Orkut


A nota a seguir é do próprio Orkut

Após dez anos de conversas e conexões sociais on-line, nós decidimos que é hora de começar a nos despedir do Orkut. Ao longo da última década, YouTube, Blogger e Google+ decolaram, com comunidades surgindo em todos os cantos do mundo. O crescimento dessas comunidades ultrapassou o do Orkut e, por isso, decidimos concentrar nossas energias e recursos para tornar essas outras plataformas sociais ainda mais incríveis para todos os usuários.
O Orkut não estará mais disponível após o dia 30 de Setembro de 2014. Até lá vamos manter o Orkut no ar, sem grandes mudanças, para que você possa lidar com a transição. Você pode exportar as informações do seu perfil, mensagens de comunidades e fotos usando o Google Takeout (disponível até setembro de 2016). Um arquivo com todas as comunidades públicas ficará disponível online a partir de 30 de Setembro de 2014. Se você não quiser que seu nome ou posts sejam incluídos no arquivo de comunidades, você pode remover o Orkut permanentemente da sua conta Google. Para mais detalhes, por favor, visite a Central de Ajuda.

Foram 10 anos inesquecíveis. Pedimos desculpas para aqueles de vocês que ainda utilizam o Orkut regularmente. Esperamos que vocês encontrem outras comunidades online para alimentar novas conversas e construir ainda mais conexões, na próxima década e muito além.

Bola na trave - FERNANDO GABEIRA


PUBLICADO EM 04.07.2014
A Copa do Mundo vai bem, dentro e fora dos estádios. Algumas previsões pessimistas, as minhas incluídas, baseadas em algumas evidências, não se confirmaram. Nesse sentido, Dilma tem razão em afirmar que a Copa, ao menos até agora, desmentiu os pessimistas. Mas enquanto o clima no País é de grande unidade, teoricamente favorável a falar dos anseios nacionais, Dilma aposta na fragmentação. Os dirigentes do PT iniciaram o discurso e ela o prolonga com verbos que me deixam perplexo.
Outro dia declarou que ninguém iria vergá-la. Na estrada nem sempre posso acompanhar tudo. Sinceramente, não conheço ninguém que queira vergar a presidente da República. Repassei os principais acontecimentos e não vi na oposição nada parecido com a ideia de vergar Dilma. Um verbo desse tipo é mais adequado, talvez, para relações hierárquicas ou na indústria de construção. Numa atmosfera democrática ninguém verga ninguém.
Um dirigente do PT lançou uma nota acusando nove jornalistas de disseminarem o ódio. Os textos desses jornalistas são públicos e o que há em comum entre eles é uma visão crítica do governo. A organização Repórteres sem Fronteiras protestou contra essa nota do dirigente do PT. E a reação dos parlamentares petistas foi afirmar que a Repórteres sem Fronteiras não deveria intrometer-se em assuntos internos do Brasil. Na verdade, eles estão propondo uma revolução que transformará a entidade em Repórteres com Fronteiras.
Os cubanos também pensam assim. Na leva de 70 intelectuais presos em 2004 havia muitos repórteres que cruzavam a ilha de bicicleta em busca de notícias. Acompanhei a trajetória de Raúl Rivero, poeta e escritor que dirigia a Cuba Press. Foi acusado daquelas coisas de sempre: ligações com o imperialismo, etc. Tive a oportunidade de escrever uma pequena introdução à edição em português do seu livro Provas de Contato. Rivero é um homem que ama Cuba e seu povo, no entanto, teve de se exilar na Espanha.
Não se trata de comparar a situação brasileira com a cubana. Mas de ter a noção de que esse desejo de controle da informação é típico de governos autoritários. Quem o conhece minimamente, como a Repórteres sem Fronteiras, se assusta e protesta ao ver a semente ser plantada.
Como explicar a reação do PT diante de um quadro que poderia favorecê-lo, uma vez que grande parte dos problemas previstos não ocorreu, ou bateu na trave? Isso não significa que não tenha havido problemas. Mas pesquisas com estrangeiros revelam um nível de satisfação e de críticas muito parecido com o dos turistas que nos visitam em épocas mais calmas.
Essa perda de contato com o momento da sociedade e a fixação numa áspera rivalidade política mostram também uma falta de horizonte que lembra o slogan dos punks em Berlim: “No future”. Claro que os petistas não concordam com essa análise. O horizonte, para muitos deles, é aprofundar o controle e levar adiante os grandes destroços do socialismo, uma espécie de Titanic que no século 20 nos deixou, os sobreviventes, agarrados a precárias balsas no oceano da História.
Controlar o Parlamento não basta. Ter maioria no STF, também não basta. O discurso do ódio visa a transformar a campanha eleitoral em pancadaria e manter a imprensa sob a permanente ameaça de controle.
Mas o discurso do ódio vai bater na trave.
No momento em que escrevo o Brasil avançou para as quartas de final na Copa. O País mostrou-se hospitaleiro e despendeu enorme energia estimulando a seleção de futebol. Um vínculo nos uniu de ponta a ponta.
A tragédia é que a política se mostra incapaz de mobilizar parte dessa energia, achar novos vínculos nacionais em torno de grandes temas, como o combate à pobreza e à corrupção, a racionalização da imensa máquina que trava o País. Enfim, algumas Copas em que estamos lutando ainda pela classificação. Com otimismo de torcedor, ainda espero que este Mundial tenha reflexos na política e se aproveite o momento especial para discutir o futuro do Brasil. Por enquanto, com essa de vergar ou não vergar estacionamos na construção civil.
Sei que não é conveniente lembrar isto em período de festa, mas as contas do governo federal em maio foram as piores da História. Coligações e convenções desenrolaram-se no período e passaram quase em branco. Sorte delas. Não foi um bom espetáculo, sobretudo o das coligações. Pornopolítica, bacanal, foram chamadas de tudo e, apesar do apelo erótico, ninguém se interessou por elas.
Atacante do “pior time do mundo”, o Íbis Sport Club, Mauro Shampoo disse-me numa entrevista: “O único título que ganhei na minha carreira é o de eleitor. O que fazer com ele?” Muita gente faz a mesma pergunta nas ruas. Não na expectativa de ouvir a sugestão de uma outra candidatura, mas apenas como pretexto para se lamentar, como se a esfera da política fosse algo fora de controle, marchando para um não acontecimento, sintetizado no “tudo dá no mesmo”.
A sociedade quer mudanças, seria importante definir as principais e transformá-las num grande debate nacional.
Ainda faltam alguns jogos para o fim da Copa. Mas quando soar o apito final começa a contar o tempo para encarar este momento que a sociedade brasileira vive, empolgada com sua seleção, mas sem encontrar no universo da política outros motivos de orgulho de ser brasileiro. E com muito amor, porque o ódio não se encaixa na canção.
A Copa do Mundo trouxe tantas surpresas dentro de campo que o sentido do inesperado prevaleceu em muitas partidas, mostrando que no gramado tudo pode acontecer. Essa imprevisibilidade do futebol transplantada para nossa vida nacional é o que ainda alimenta a esperança de este país mudar.
Nota do autor: Este artigo foi escrito antes da queda do viaduto na zona norte de Belo Horizonte, cidade por onde passei no dia da queda, mas tarde para incluí-la. Isso constará do balanço da segunda fase da Copa.
Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo em 04/07/2014

Terra de Ninguém


Viaduto Paulo de Frontin, no RJ, em 1971

Artigo no Alerta Total – www.alertatotal.net
Por Milton Pires

20 de novembro de 1971: desaba, no Rio de Janeiro, o Elevado da Avenida Paulo de Frontin matando 28 pessoas e ferindo outras 30, além de esmagar 17 automóveis, três táxis, um caminhão e um ônibus. A tragédia ocorreu quando um caminhão-betoneira, com oito toneladas de cimento e pedra, passava sobre o elevado em construção. 

Alguém lembra disso? Se lembrarem, peço que comentem o artigo que iniciei dessa maneira porque eu mesmo não consigo recordar... Eu era uma criança e só fiquei sabendo disso por curiosidade... Certa vez eu quis entender a razão de chorarem as “Marias e Clarices” na voz da Elis Regina e busquei saber também qual o motivo para Chico dizer ao vagabundo - “cuidado com o viaduto..cuidado com o avião”...rsss

Mais velho e já “crescidinho”, gravei de um filme americano de ação a fala de um bandido que, usando máscaras de ex-presidentes, assaltava bancos com sua gangue de surfistas. Disse o sujeito dando uma risada e olhando parar o agente do FBI que tentava prendê-lo: “a vida às vezes tem um senso de humor doentio, não tem?”
Eu não sei se a vida tem “senso de humor”... 

Senso de humor poderia ter alguém – Deus, eu suponho – se controlasse nossa vida como fantoches, mas digam-me vocês: é ou não é cômico, se nós conseguirmos esquecer a morte e o sofrimento das pessoas feridas, o luto dos parentes e a impunidade da legião de vagabundos que iniciaram à pressas a obra de Belo Horizonte, que o governo mais corrupto e totalitário que essa nação já teve seja envergonhado perante o mundo todo com essa tragédia quando os Chicos e Caetanos, quando toda intelectualidade e oposição da década de 70, entrou para história colocando em letra de música um evento semelhante?

Nada, absolutamente nada vai acontecer com os responsáveis pela obra que desabou ontem em Belo Horizonte! O que aconteceu com os responsáveis pela tragédia da Boate Kiss?? O que aconteceu com o desastre do avião da TAM? O que aconteceu com os responsáveis finais (aqueles que ocupavam cargos públicos) nesse prostíbulo disfarçado de país que tornou-se o Brasil ??

Como pode, pergunto eu, algum jornalista cretino escrever que a Copa foi um sucesso depois do que aconteceu ontem? Será que pensam que alguém é idiota? Era necessário que o maldito viaduto desabasse em cima do ônibus da seleção da argentina para que, aí sim, tragédia suficiente fosse declarada?

Tudo que a televisão ontem à tarde mostrou vai ser esquecido... tudo passa e tudo sempre passará..Ao invés de viadutos deveriam fazer sambas sobre passarelas pois é numa legítima passarela do tempo que o Brasil se tornou. Hipnotizada pela partida entre Brasil e Colômbia, jogo que melhor seria apitado pela polícia federal, já que envolve o maior produtor e o maior distribuidor de cocaína do mundo, a nação tudo assiste bestificada. 

Redes de televisão existem que, de tão bem pagas pelo PT, afirmaram ontem à noite que os brasileiros se sentem orgulhosos por causa da Copa e, ato contínuo, anunciaram a melhora dos percentuais de Dilma como candidata nas pesquisas de intenção de voto.

Por que não dizem isso às pessoas feridas em Belo Horizonte? Por que não visitam, Lula ou Dilma, os familiares dos que foram esmagados por toneladas de concreto? Vai haver “psicóloga” visitando essas pessoas? Um minuto de silêncio será feito em Fortaleza? O Brasil petista, meus amigos, é a mais vagabunda de todas as nações e vitória em campo algum, gol de placa ou estádio lotado pode esconder essa desgraça. 

De 1971 até hoje, 43 anos se passaram e a capacidade do brasileiro de tirar qualquer lição do sofrimento, de guardar qualquer memória da dor e da morte continua nula como sempre.

Não houve eleição ou mudança de regime capaz de mudar isso e afirmo eu, não haverá, enquanto a sociedade brasileira não parar de oscilar, como um doente bipolar, entre o “lúdico e o obrigatório”... enquanto cada fato novo capaz de prender a atenção das pessoas não se definir como algo gostoso ou muito ruim...

Digo, em outras palavras, que é entre a bunda da mulata e o imposto de renda que vivemos todos nós... entre o valor do ingresso para o futebol e a conta atrasada do dentista... entre o tênis Nike e o metrô lotado...Tudo que poderia ser visto como espaço público e interesse comum...

Tudo capaz de lembrar vida em sociedade e o próprio conceito de nação oscila entre nosso medo da dor e a nossa tara pelo prazer... É uma zona cinzenta como poucas vezes se viu onde vagam aqueles que ainda não morreram mas que nunca tiveram coragem de ir para guerra e finalmente lutar... A famosa Terra de Ninguém..

Em memória das pessoas que morreram em 71... Naquela época, talvez houvesse memória.


Milton Simon Pires é Médico.