Por Rafael Lisbôa, de Nova York, especial para o blog de Ancelmo Gois
Entro no metrô, pego o jornal que acabo de receber na estação e a manchete não me surpreende. Uma pesquisa recém-concluída por uma organização sem fins lucrativos que monitora a qualidade dos serviços de metrô e ônibus em Nova York revela que 13% das estações visitadas tinham ratos na plataforma. O número aumenta dependendo do distrito. No Bronx, por exemplo, a média é de uma em cada cinco estações com roedores passeando pela área de embarque e desembarque. Definitivamente, limpeza não é o forte do metrô nova-iorquino. Na verdade, a cidade de Nova York em geral não é muito limpa. Numa das maiores e mais densas metrópoles do mundo, são produzidas diariamente 26 mil toneladas de lixo. E, no meio de tanta sujeira, ratos desfilam por toda parte, inclusive bem acima dos subterrâneos da cidade. Ninguém sabe ao certo o número, mas estima-se que haja pelo menos um roedor para cada habitante.
E não é só em relação à limpeza que o metrô é um reflexo de Nova York. Em muitos outros aspectos, em diferentes detalhes, o sistema de metrô que tem o maior o número de estações do mundo parece reproduzir em menor escala o que acontece lá em cima. Comportamentos, manias, rituais nova-iorquinos. Uma simples viagem pelos trilhos da Big Apple pode ser extremamente reveladora da alma da cidade e de seus moradores.
Para começar, o metrô funciona 24 horas por dia em todos os 365 dias do ano. Não poderia ser diferente na cidade que nunca dorme. Se há movimento de dia, de noite e de madrugada, dá até para entender a dificuldade em manter o sistema limpo. Mas o importante é que os trens estejam sempre operando – e bem. E, disso, ninguém pode reclamar. O metrô – sujo ou não -- funciona. E a cidade também. O metrô faz quase 5,5 milhões de viagens por dia. Nova York tem oito milhões de moradores e 50 milhões de turistas por ano. E, apesar de números tão superlativos, da confusão de gente, da loucura em cima e embaixo da terra, tudo funciona.
Dentro de cada trem, é fácil perceber porque a cidade é considerada a capital do mundo. Com tanta gente vindo de fora (pelo menos um terço da população não é americana) e tantos idiomas ouvidos por aqui (são 800!), cada vagão vira uma babel de etnias, cores e sotaques diferentes. Mesmo os cartazes e avisos oficiais aparecem em outras línguas. Os turistas são os que, de fato, mais falam no metrô porque nova-iorquino (de origem ou escolha) não tem tempo para perder com conversa. Estão sempre focados, com fones de ouvido e tentando tornar a viagem produtiva. Usam os minutos lá embaixo para adiantar questões urgentes lá de cima, rascunhado e-mails, mexendo nos aplicativos do smartphone, lendo livros e jornais nos tablets. Na cidade onde tempo é dinheiro, a ansiedade é coletiva. Corre-se na rua. Corre-se dentro e fora da estação do metrô. E, quando se está dentro do trem e não é possível mais correr, fica-se em pé mesmo se houver lugares vazios. Tudo para facilitar a corrida na hora da saída.
Se falta interação diante de tanto individualismo e competitividade, Nova York esbanja tolerância, inclusive no interior dos vagões. Na Big Apple, cada um é o que quiser e ninguém tem nada a ver com isso. E assim é também no metrô. Os mais diferentes tipos de tribos e estilos desfilam pelos trilhos nova-iorquinos. Executivos apertados em ternos caríssimos, socialites empacotadas em roupas de grifes, hipsters com suspensórios e gravatas borboletas vintage, punks com cabelos coloridos e dezenas de brincos na orelha e nos rosto, jovens com camisas de basquete larguíssimas e bermudas no joelho com a cueca toda à mostra. Pode ser alguém vestido com roupa que parece de papel celofane ou uma versão contemporânea da Cleópatra cheia de brilho e lantejoulas (foto), ninguém parece prestar atenção ou se importar. O metrô é o principal meio de transporte da cidade e ponto. Das áreas mais nobres de Manhattan às regiões mais carentes do Bronx, todos os níveis sociais dividem democraticamente o mesmo espaço, os mesmos trens.
Andar de metrô por aqui é também ter contato com algumas das principais questões que preocupam as autoridades em NY. A segurança, por exemplo. Nos letreiros luminosos espalhados pelas plataformas e dentro dos vagões, alertas constantes para avisar à polícia em caso de qualquer comportamento estranho ou situação suspeita. Uma paranoia compartilhada e compreensível de uma cidade traumatizada com o atentado terrorista há 12 anos contra as Torres Gêmeas e de um país em constante sobressalto com ataques de fúria letais e randômicos em escolas, maratonas, aeroportos, bases militares.
Outra preocupação dentro e fora das estações é com o aumento da população de rua. Nem é preciso ser um observador muito atento para reparar, e esbarrar, na grande quantidade de pedintes. Na última década, o número de famílias de sem-teto cresceu mais de 60% e se multiplicou pelas esquinas nova-iorquinas. E também pelos vagões. Em relação ao ano passado, subiu 13% o número de mendigos que perambulam pelo metrô e fazem dos trilhos o seu lar.
Os anúncios publicitários distribuídos nos trens também ajudam a entender os hábitos de quem vive em Nova York. Além dos cartazes óbvios sobre espetáculos da Broadway, a lista de produtos e serviços oferecidos é vasta: abertura de novas turmas de cursos profissionalizantes ou carreiras universitárias, empréstimos bancários, sites de entrega de comida, propagandas de cirurgiões plásticos que anunciam milagres e advogados que prometem transformar qualquer processo em fonte de indenizações milionárias. A leitura do perfil não é difícil, mesmo para os iniciantes na Big Apple. Uma cidade extremamente competitiva e cara, onde é preciso se qualificar para fazer a diferença e às vezes recorrer a financiamentos para se manter por aqui. Na corrida para não ficar para trás, nem sempre dá tempo para parar e comer. Tem quem ache que melhorar a aparência pode ajudar. E, num lugar assim tão duro e com pouco diálogo, muitos embates – mesmo os mais simples – acabam no tribunal.
Nem Estátua da Liberdade, nem Central Park, nem Wall Street. Para conhecer verdadeiramente NY, basta um ticket de metrô. Nada é mais plural. Nada é cosmopolita. Nada é mais nova-iorquino.
E não é só em relação à limpeza que o metrô é um reflexo de Nova York. Em muitos outros aspectos, em diferentes detalhes, o sistema de metrô que tem o maior o número de estações do mundo parece reproduzir em menor escala o que acontece lá em cima. Comportamentos, manias, rituais nova-iorquinos. Uma simples viagem pelos trilhos da Big Apple pode ser extremamente reveladora da alma da cidade e de seus moradores.
Para começar, o metrô funciona 24 horas por dia em todos os 365 dias do ano. Não poderia ser diferente na cidade que nunca dorme. Se há movimento de dia, de noite e de madrugada, dá até para entender a dificuldade em manter o sistema limpo. Mas o importante é que os trens estejam sempre operando – e bem. E, disso, ninguém pode reclamar. O metrô – sujo ou não -- funciona. E a cidade também. O metrô faz quase 5,5 milhões de viagens por dia. Nova York tem oito milhões de moradores e 50 milhões de turistas por ano. E, apesar de números tão superlativos, da confusão de gente, da loucura em cima e embaixo da terra, tudo funciona.
Dentro de cada trem, é fácil perceber porque a cidade é considerada a capital do mundo. Com tanta gente vindo de fora (pelo menos um terço da população não é americana) e tantos idiomas ouvidos por aqui (são 800!), cada vagão vira uma babel de etnias, cores e sotaques diferentes. Mesmo os cartazes e avisos oficiais aparecem em outras línguas. Os turistas são os que, de fato, mais falam no metrô porque nova-iorquino (de origem ou escolha) não tem tempo para perder com conversa. Estão sempre focados, com fones de ouvido e tentando tornar a viagem produtiva. Usam os minutos lá embaixo para adiantar questões urgentes lá de cima, rascunhado e-mails, mexendo nos aplicativos do smartphone, lendo livros e jornais nos tablets. Na cidade onde tempo é dinheiro, a ansiedade é coletiva. Corre-se na rua. Corre-se dentro e fora da estação do metrô. E, quando se está dentro do trem e não é possível mais correr, fica-se em pé mesmo se houver lugares vazios. Tudo para facilitar a corrida na hora da saída.
Se falta interação diante de tanto individualismo e competitividade, Nova York esbanja tolerância, inclusive no interior dos vagões. Na Big Apple, cada um é o que quiser e ninguém tem nada a ver com isso. E assim é também no metrô. Os mais diferentes tipos de tribos e estilos desfilam pelos trilhos nova-iorquinos. Executivos apertados em ternos caríssimos, socialites empacotadas em roupas de grifes, hipsters com suspensórios e gravatas borboletas vintage, punks com cabelos coloridos e dezenas de brincos na orelha e nos rosto, jovens com camisas de basquete larguíssimas e bermudas no joelho com a cueca toda à mostra. Pode ser alguém vestido com roupa que parece de papel celofane ou uma versão contemporânea da Cleópatra cheia de brilho e lantejoulas (foto), ninguém parece prestar atenção ou se importar. O metrô é o principal meio de transporte da cidade e ponto. Das áreas mais nobres de Manhattan às regiões mais carentes do Bronx, todos os níveis sociais dividem democraticamente o mesmo espaço, os mesmos trens.
Andar de metrô por aqui é também ter contato com algumas das principais questões que preocupam as autoridades em NY. A segurança, por exemplo. Nos letreiros luminosos espalhados pelas plataformas e dentro dos vagões, alertas constantes para avisar à polícia em caso de qualquer comportamento estranho ou situação suspeita. Uma paranoia compartilhada e compreensível de uma cidade traumatizada com o atentado terrorista há 12 anos contra as Torres Gêmeas e de um país em constante sobressalto com ataques de fúria letais e randômicos em escolas, maratonas, aeroportos, bases militares.
Outra preocupação dentro e fora das estações é com o aumento da população de rua. Nem é preciso ser um observador muito atento para reparar, e esbarrar, na grande quantidade de pedintes. Na última década, o número de famílias de sem-teto cresceu mais de 60% e se multiplicou pelas esquinas nova-iorquinas. E também pelos vagões. Em relação ao ano passado, subiu 13% o número de mendigos que perambulam pelo metrô e fazem dos trilhos o seu lar.
Os anúncios publicitários distribuídos nos trens também ajudam a entender os hábitos de quem vive em Nova York. Além dos cartazes óbvios sobre espetáculos da Broadway, a lista de produtos e serviços oferecidos é vasta: abertura de novas turmas de cursos profissionalizantes ou carreiras universitárias, empréstimos bancários, sites de entrega de comida, propagandas de cirurgiões plásticos que anunciam milagres e advogados que prometem transformar qualquer processo em fonte de indenizações milionárias. A leitura do perfil não é difícil, mesmo para os iniciantes na Big Apple. Uma cidade extremamente competitiva e cara, onde é preciso se qualificar para fazer a diferença e às vezes recorrer a financiamentos para se manter por aqui. Na corrida para não ficar para trás, nem sempre dá tempo para parar e comer. Tem quem ache que melhorar a aparência pode ajudar. E, num lugar assim tão duro e com pouco diálogo, muitos embates – mesmo os mais simples – acabam no tribunal.
Nem Estátua da Liberdade, nem Central Park, nem Wall Street. Para conhecer verdadeiramente NY, basta um ticket de metrô. Nada é mais plural. Nada é cosmopolita. Nada é mais nova-iorquino.