Juca Kfouri
Por FERNANDO MORAIS*
A maioria dos brasileiros não deve fazer a mais pálida ideia a respeito de quem seja o novo presidente da CBF, José Maria Marin.
Eu também não, mas nossos destinos se cruzaram numa remota manhã de sábado, no final de 1982 – trinta anos atrás, portanto.
O Brasil se preparava para eleger pela primeira vez seus governadores pelo voto, direito que nos havia sido usurpado pela ditadura militar.
Aqui em São Paulo o governo era disputado pelo senador Franco Montoro, do PMDB, pelo ex-prefeito biônico da capital, Reinaldo de Barros, do PDS, que era o partido da ditadura, por Lula, Jânio Quadros e pelo advogado Rogê Ferreira.
As pesquisas indicavam que o vencedor deveria ser Montoro.
Colado nele, e turbinado pela máquina do governo do estado, vinha Reinaldo de Barros. Os demais candidatos não representavam perigo à candidatura do PMDB.
O governador de São Paulo na época era ninguém menos que o senhor José Maria Marin. Ele era vice-governador do também biônico Paulo Maluf.
Para sair candidato a deputado federal, Maluf havia renunciado ao governo do Estado em maio daquele ano, passando o governo para Marin.
As eleições ocorreriam no dia 15 de novembro, uma segunda-feira.
No sábado, dia 13, o governador Marin requisitou uma rede estadual de rádio e TV com duração de dez minutos, encaixados no filé do horário nobre, entre o telejornal e a novela.
A justificativa de Marin para a requisição da rede era – abre aspas – prestar uma homenagem à democracia por ocasião das primeiras eleições livres desde 1964 – fecha aspas.
Uma equipe da TV Cultura foi convocada ao Palácio dos Bandeirantes no sábado de manhã para gravar a fala do governador.
Terminado o serviço, os profissionais retornaram à Cultura para editar o material.
Às duas da tarde recebi em minha casa um telefonema do Alemão, cameramen da TV estatal paulista, com quem eu trabalhara anos antes.
Ele me ligava de um orelhão para contar que fizera parte da equipe que filmara a fala de Marin – que nada mais era, segundo ele, que uma monumental propaganda do candidato oficial, Reinaldo de Barros. Disse mais: estava tomando um táxi para me levar uma cópia em VHS do pronunciamento oficial, devidamente surrupiada por ele.
Vi aquilo e fiquei de cabelo em pé.
Eram dez minutos de escandalosa, escancarada propaganda de Reinaldo de Barros.
Liguei para o PBX do Tribunal Eleitoral e perguntei quem era o juiz de plantão – já que era um sábado. “Doutor Manuel Alceu Affonso Ferreira”, respondeu a telefonista.
Eu me identifiquei – eu era deputado na época – e pedi para falar com ele. Ao ouvir um “alô” mal humorado do outro lado da linha, cumprimentei-o formalmente:
- Bom dia, desembargador.
- Bom dia, desembargador.
O mau humor parecia ter aumentado.
“Não sou desembargador”, resmungou o meritíssimo. “Sou juiz do Quinto Constitucional”.
Meti o rabo entre as pernas e expliquei a ele que o governador José Maria Marin pretendia, naquela noite, fazer propaganda do candidato Reinaldo de Barros, em flagrante infringência da Lei Eleitoral, já que a propaganda eleitoral havia sido suspensa três dias antes.
Dez minutos depois eu estava na sala do juiz com a fita de vídeo e um requerimento, datilografado às pressas, pedindo a suspensão da rede estadual de rádio e TV que Marin pretendia usar horas mais tarde.
O juiz viu o vídeo e não pestanejou em determinar, na hora, que a fala oficial fosse suspensa.
Montoro ganhou a eleição e eu ganhei um grande amigo, o juiz Manuel Alceu Affonso Ferreira – o qual, aliás, viria a se tornar meu advogado.
Ah, sim, e com a repercussão que o assunto teve na imprensa, ganhei espaço nos principais jornais da cidade como o deputado atrevido que conseguiu tirar do ar o governador espertinho. Eu também ganhei a eleição.
Por que é que estou contando essa história?
Porque se o Marin governador fazia essas coisas, é fácil imaginar o que não fará como presidente da CBF.
*Fernando Morais é jornalista e escritor, autor de uma porção de livros dos mais vendidos pelo país afora.