Gil Castello Branco - O Globo
Parodiando, às avessas, Milton Nascimento - na canção "Nos bailes da vida" - dizem que o corrupto vai onde o dinheiro está. Assim, os encontros de funcionários públicos desonestos com comerciantes venais, infelizmente, não são raros. As imagens e os diálogos mostrados no "Fantástico" chocam, mas não compõem um enredo inédito. Ao contrário, o filme é reprisado nos quatro cantos do Pais e a Viúva morre no final.O governo federal é o maior comprador do Brasil.
Na contratação de serviços de terceiros não é diferente. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário gastam, por ano, cerca de R$ 375 milhões com vigilância e R$ 486 milhões com limpeza, apenas para dar alguns exemplos de alvos da moda. Se incluirmos a aquisição de equipamentos, o mercado brasileiro é tão interessante que provoca alvoroço até no exterior, como acontece na compra dos aviões caças para a Força Aérea Brasileira.
As irregularidades ocorrem em todas as formas e fases das licitações. Nas dispensas indevidas, nas emergências planejadas, nos concursos e concorrências armados e dirigidos, e até nos pregões presenciais e eletrônicos que também não são imunes às fraudes. Vale tudo para que sejam geradas "gorduras" distribuídas na forma de propinas entre as partes. Nesses casos não há anjos. Há corruptos públicos e privados, nos dois lados do balcão.
A Lei que regula as compras e contratações (Lei 8.666/93) tem 19 anos, 121 artigos e muitos remendos. Cria inúmeras formalidades e enorme burocracia, mas não evita as fraudes cometidas pelos mal intencionados. Parte do problema, portanto, é melhorar a legislação.
A farra da moda são as adesões às atas de registros de preços, também chamadas de "caronas". A brecha legal permite ao fornecedor vencer licitação em uma repartição pública e posteriormente vender o mesmo produto, durante um ano, a vários outros órgãos. A tese do "onde passa um boi, passa uma boiada", tem falhas. O "registro vencedor" e a perspectiva de vendas futuras valem ouro e geram negociatas. Além disso, como o preço varia conforme a quantidade, é óbvio que a economia de escala beneficia somente o comerciante. Uma boa ideia seria limitar o valor da carona até, no máximo, o dobro do valor da licitação original. Outra sugestão saneadora seria acabar com os pregões presenciais - que não têm qualquer vantagem sobre os eletrônicos - e dão margem às combinações prévias.
Pior que a legislação, porém, é a gestão. Mesmo comprando há vários anos, o governo não possui sistema nacional de registro de preços confiável, com valores justos para cada item licitado. Se tivesse, qualquer preço estranho, fora do intervalo padrão, seria detectado. A área de Gestão, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com frequentes alterações de chefias e estrutura administrativa, ainda não conseguiu normatizar e gerir com eficiência os negócios governamentais.
O exemplo de que as inovações são possíveis vem do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ao comprar ônibus, bicicletas, vestuário, tablets, mesas e carteiras, entre outros itens, para 54 milhões de alunos o FNDE passou a adotar sistemática moderna. Definiu tecnicamente - em parcerias com o Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro) e universidades - o que precisava adquirir, contratou pesquisas de mercado, realizou audiências públicas com fabricantes e fornecedores e criou comitês de compras. Dessa forma, tem adquirido em pregões eletrônicos produtos padronizados, com qualidade atestada, por preços, em média, 20% inferiores aos oferecidos na praça.
O fato é que urgem mudanças na legislação, no planejamento e na gestão das bilionárias compras e contratações da administração pública federal, das estaduais e das municipais. O que assistimos na televisão é apenas o véu da cachoeira desse submundo.