sábado, 6 de outubro de 2012

As trajetórias de Joaquim Barbosa e José Dirceu


Destaque da revista ÉPOCA na semana:


A ascensão do juiz que condenou um político poderoso – e a queda dramática do poderoso condenado

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Fonte: Revista ÉPOCA edição Nº 751 - 06/10/2012

Destaque da revista ISTOÈ na semana: Vai ser mais difícil roubar?



A partir do julgamento do mensalão, ficará mais complicado fazer caixa 2 e montar esquemas para comprar apoio parlamentar. O desafio, agora, é como escapar do sistema político que cria um ambiente favorável aos delitos


O julgamento do mensalão no STF – que condenou 22 dos 37 réus, até agora – tem tudo para deixar um importante legado no combate à impunidade e à corrupção no País. Na avaliação de juristas, cientistas políticos e dos próprios ministros do STF ouvidos por ISTOÉ, as condenações históricas do mensalão podem mudar a maneira de se fazer política no Brasil. E, principalmente, inibir a ação dos corruptos. O recado é claro: roubar ficou mais difícil. A partir de agora, por exemplo, montar caixa 2 em campanhas eleitorais não será, como alegavam os políticos, algo corriqueiro e próprio do sistema brasileiro. A prática simplesmente deixou de ser considerada um crime menor e, no entendimento da corte, sempre vem acompanhadade outros delitos. ...


O foro privilegiado também não mais significa impunidade para quem tem mandato. Se, até então, o STF demonstrava dificuldades em julgar processos que dependiam da atuação de magistrados na fase de instrução, agora esses obstáculos foram removidos. O tribunal passou a nomear juízes de primeira instância para auxiliar os ministros, o que acelerou a tramitação dos processos e o julgamento. Ao firmarem convicção de que o autor do ato ilícito não é só quem executa, mas quem planeja e acompanha o desenrolar das ações ilegais, os ministros do STF colocaram na mira o mentor intelectual da corrupção. Agora, a responsabilidade não poderá ser transferida para funcionários subalternos e servidores mequetrefes. “O entendimento do tribunal contra a alegação de desconhecimento para derrubar a falta de provas diretas contra os chefes não funcionará mais”, disse o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, em conversas com interlocutores. “É uma concepção de que o autor não é só quem executa, mas quem planeja”, afirmou o ministro Gilmar Mendes.



Os avanços no plano jurídico, no entanto, não terão por si só o condão de extirpar de uma vez por todas a corrupção nas esferas governamentais. Afinal, as mazelas e os desvios da política nacional não podem ser atribuídos tão somente às inevitáveis imperfeições da alma humana. Delúbios, Valérios e companhia só conseguiram operar um audacioso esquema de compra de apoio parlamentar porque houve um ambiente favorável para essa prática. O largo espaço para a corrupção foi propiciado pelo sistema político-partidário brasileiro que, ao permitir uma inacreditável multiplicação de agremiações e a criação de verdadeiras legendas de aluguel, desembocou no que os cientistas políticos costumam chamar de presidencialismo de coalizão. Adotado a partir da redemocratização, esse modelo deletério, baseado na política do toma la da cá e no fisiologismo, já produziu pelo menos quatro grandes escândalos na história recente do País. Além do mensalão, houve a onda de denúncias que envolveram a fixação dos cinco anos de mandato para o então presidente José Sarney, o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, em 1992, e a aprovação da emenda da reeleição pelo governo Fernando Henrique Cardoso, em 1997.


Para aprovar os cinco anos para Sarney, durante a Constituinte de 1988, foi necessária uma articulação capitaneada pelo ex-deputado Roberto Cardoso Alves, integrante da tropa de choque do governo no Centrão (formado pelos partidos PMDB, PFL, PDS, PTB, PDC e PL). A manobra foi alvo de graves acusações de utilização de recursos públicos na conquista do voto de parlamentares. A moeda de troca teria sido a concessão de canais de rádio e televisão. Já durante a aprovação da reeleição, que concederia mais quatro anos de mandato para FHC, o principal operador político do governo, o ex-ministro Sérgio Motta, o Serjão, também foi acusado de compra de votos de integrantes do Legislativo. No caso de Collor, foi experimentada uma alternativa regional com a chamada “República de Alagoas” que concentrou a corrupção no Executivo. Quando Fernando Collor tentou envolver o Parlamento, rendendo-se às práticas usuais do presidencialismo de coalizão, já era tarde – e ele não escapou do impeachment. “O julgamento do mensalão me parece uma excelente oportunidade para rediscutir o sistema político”, afirma Dimitri Dimoulis, professor da Escola de Direito de São Paulo da FGV. “O dia a dia da negociação política que aparece no jornal todo mundo sabe que nem sempre é exatamente limpo.” Segundo Dimoulis, o que se observa é uma “patologia estrutural” do sistema. “É difícil para um político não se render a essas práticas, pois nosso sistema político é um convite aos maus hábitos e à corrupção”, concorda o cientista político Rogério Schmin.


Mas por que o presidencialismo de coalizão é um incentivo ao malfeito? Para se chegar a essa resposta, antes é preciso entender como ele funciona. Na origem de tudo está a profusão de agremiações partidárias incentivada pela legislação brasileira. “Hoje temos 30 partidos, o que é um absurdo que leva a acordos eleitorais espúrios”, diz o cientista político Marco Antônio Carvalho, da Fundação Getulio Vargas. “Não existe vida partidária no Brasil. Existem donos de legendas. É daí que surge a corrupção e a roubalheira. Sem uma reforma de fato, o pragmatismo político continuará”, diz ele. Misturando o presidencialismo tradicional com o parlamentarismo, o modelo político-partidário faz com que o presidente construa sua base de apoio concedendo postos ministeriais e cargos a integrantes dos partidos governistas com representação no Parlamento. Em troca, os partidos montam consórcios governistas e fornecem os votos necessários para aprovar sua agenda no Legislativo. Na prática, o presidencialismo de coalizão serve para dar governabilidade ao presidente, que dificilmente tem ampla maioria no Congresso apenas com seu partido. O presidente precisará de um novo arranjo para assegurar a aprovação das principais propostas do Palácio do Planalto no Congresso e evitar que a oposição paralise politicamente o governo com pedidos de investigação. Por mais bem votado que tenha sido o presidente eleito, seu capital eleitoral (os votos) tem de ser, no dia seguinte, convertido em capital político (apoios). “Do contrário ele reina, mas, sem a famosa base aliada, não governa”, já dizia o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.


No modelo presidencialista norte-americano, assim como no Brasil, são necessários 3/5 dos votos (60) no Senado e a maioria simples (216) na Câmara para aprovar reformas e aumentar o limite de gastos públicos, por exemplo. A diferença é que lá só existem dois partidos e, quando a legenda do presidente não possui maioria, o que é raro, a negociação com poucos opositores se dá com base em propostas, e não a partir do oferecimento de cargos na administração pública. E é justamente aí que reside o problema do presidencialismo de coalizão. E ele já começa durante a campanha eleitoral. Ao negociar as alianças, os partidos não discutem ideias nem projetos, mas o número de cargos que ganharão num futuro governo. Os postos na administração pública são atrativos para os dirigentes partidários porque é a oportunidade deles de aumentar seu poderio eleitoral e desenvolver projetos para a população que rendam votos. Também é a chance de praticar a corrupção e encher os cofres dos doadores de campanha. O Executivo, por sua vez, interessado em cooptar parlamentares e partidos para garantir a governabilidade, entra nesse jogo. “Dentro desse sistema, há aquele ambiente propício para que se passe do limite de um acordo em que o partido vai receber um ministério ou uma autarquia, em tese um benefício lícito em troca do apoio ao governo. De repente, vira uma linha tênue, talvez difícil de distinguir entre essa negociação política permitida e o momento em que você passa a tentar influenciar através de recursos financeiros o comportamento de pequenos partidos e deputados”, diz Dimoulis. Para Rogério Schmin, se os políticos brasileiros e noruegueses trocassem de lugar, sem mudar as regras em vigor, em pouco tempo os noruegueses iriam se contaminar com as práticas ilícitas. E os brasileiros, mesmo os mais corruptos, teriam dificuldades em andar fora da lei.


Resistir a esse modelo não é fácil. Quando assumiu em 2011, a presidenta Dilma Rousseff, considerada essencialmente uma gestora e técnica, demonstrou desconforto com as regras do presidencialismo de coalizão. Reagindo a denúncias de irregularidades, afastou ministros de partidos diversos. Colheu aplausos da mídia e desgaste com os aliados, especialmente o PMDB, o que fez com que ela assumisse as rédeas da articulação política, sob pena de não ver aprovado no Congresso projetos de seu interesse. Mas, aparentemente, há luz no final desse túnel. O ministro Marco Aurélio Mello acredita que, a partir de agora, os partidos políticos terão que enxergar as condenações como um ponto de reinauguração da relação entre o Executivo e o Legislativo. “A coalizão não pode ter como móvel o aspecto financeiro. Tem que ter como móvel a harmonia. Notamos que não acontece bem assim. Já no início, ocorre um loteamento de cargos públicos. A coisa vai degringolando e depois parte para a prata.” Para o sociólogo Luiz Werneck Vianna, professor da PUC-Rio, Dilma já está introduzindo uma guinada no presidencialismo de coalizão brasileiro, com ministérios sem “porteira fechada”. “A tendência é de uma coalizão cada vez mais programática”, avalia Vianna. Para o deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), a solução, porém, só virá com a reforma política. “Temos que acabar com essa monstruosidade”, diz ele.

Há, porém, quem minimize os problemas decorrentes do modelo político. Entidades que encampam ações de combate à corrupção estão animadas com a possibilidade de os entendimentos aplicados aos réus do mensalão se replicarem em processos de tribunais de Justiça por todo o País envolvendo agentes públicos sem foro privilegiado. O juiz Marlon Reis, fundador do Movimento de Combate à Corrupção, que deu origem à Lei da Ficha Limpa, afirma que o Supremo reviu sua posição – em relação à análise e consideração de provas – para enquadrar os réus do mensalão e criou práticas processuais que servirão como norte para criminalizar a corrupção. “A decisão de criminalizar as condutas gera um efeito cascata nos tribunais de Justiça. Sempre se disse que o Supremo tinha um número ínfimo de condenações, que era protecionista. Isso está sendo mudado. É uma mensagem institucional.” Para o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, as pessoas vão começar a pensar duas vezes antes de transgredir a lei. “As condenações demonstrarão que o crime não compensa.” É o que espera a sociedade.

Com reportagem de Alan Rodrigues e Josie Jeronimo
Montagem sobre foto de PEDRO DIAS/ag. istoé
Fotos: SÉRGIO MARQUES; ag. istoé; ROBSON FERNANDJES/AE; ICHIRO GUERRA
Fotos: Nelson Jr./SCO/STF; Sérgio Lima/Folhapress

Por: Sérgio Pardellas
Fonte: Revista ISTOÈ - Edição Nº 2239 - 06/10/2012

'A dor me impede de falar', diz Carvalho sobre Dirceu e Genoino


Julgamento do Mensalão



Ministro Gilberto Carvalho foi perguntado sobre condenações de petistas. Três de 4 ministros que votaram no STF condenaram Dirceu e Genoino

O ministro da secretaria-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, manifestou, nesta sexta-feira (5) sua tristeza com o resultado parcial do julgamento do mensalão sobre as acusações contra os petistas José Genoíno e José Dirceu. Até o momento, três de quatro ministros que já votaram condenaram Dirceu e Genoino por corrupção ativa. Perguntado por jornalistas sobre a avaliação que faz do resultado, Carvalho respondeu: "A dor me impede de falar".

Gilberto Carvalho participa na manhã desta sexta-feira (5) de abertura de uma exposição com quadros de Caravaggio no Palácio do Planalto. Os jornalistas presentes ao evento insistiram para que Carvalho desse entrevista, mas o ministro recusava alegando que não se sentia bem. "Estou muito sofrido. Aquela coisa do outro lado da rua dói muito", afirmou. O Supremo Tribunal Federal fica do outro lado da Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto. ...

Resultado parcial
Até a sessão desta quinta-feira (4), o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT José Genoino somam, cada um, três votos pela condenação e um voto pela absolvição no subitem da denúncia do mensalão que trata de corrupção ativa - oferecer vantagem indevida.

Outros seis ministros devem votar a partir da próxima terça-feira (9). Devido ao primeiro turno das eleições municipais, que será realizado no domingo (7), os ministros decidiram não realizar a sessão de julgamento do mensalão prevista para segunda-feira (8).

Para que um réu seja condenado ou inocentado, são necessários os votos de ao menos seis magistrados – veja como votou cada ministro e o que diz a acusação e a defesa sobre cada réu.

Na sessão desta quinta, o ministro-revisor, Ricardo Lewandowski, terminou de ler o seu voto e absolveu Dirceu e Genoino. Ele condenou, no entanto, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e outros quatro réus. O revisor argumentou que não há provas de que o ex-ministro da Casa Civil comandou o esquema de pagamento de propina a parlamentares da base aliada em troca de apoio político ao governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A posição do revisor não foi acompanhada pelos ministros Luiz Fux e Rosa Weber, que proferiram voto no sentido de condenar o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. Os dois magistrados acompanharam integralmente o voto do relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa, que na quarta-feira (3) condenou oito réus por corrupção ativa.

Os três ministros disseram que, além da antiga cúpula do PT, cometeram crimes Marcos Valério, seus sócios Ramon Hollerbach e Cristiano Paz, além de Rogério Tolentino e Simone Vasconcelos, ex-funcionários de Valério.

Assim como fizeram relator e revisor, Rosa Weber e Luiz Fux absolveram o ex-ministro dos Transportes Anderson Adauto e Geiza Dias, ex-funcionária de Valério.

A sessão desta quinta-feira demorou um pouco mais para começar em razão do apagão que atingiu o Distrito Federal. No começo da sessão, três geradores garantiam o fornecimento da energia no STF. Pouco antes das 17h a situação foi normalizada e o tribunal não dependia mais de geradores, uma vez que o fornecimento de energia elétrica já havia se normalizado.

Por: Priscilla Mendes
Fonte: G1 - 06/10/2012

Entrevista - Cármen Lúcia "Nenhum ficha-suja tomará posse"



Presidenta do TSE considera ruim para a democracia o descrédito na política e defende que a mentira eleitoral precisa ser punida como crime

RIGOR
Para Cármen Lúcia, o político que mentir ao eleitor deve ser responsabilizado

Pela primeira vez na história, uma mulher estará no comando das eleições municipais deste ano. Com a disciplina de quem cresceu em colégio de freiras e o traquejo social de quem adora uma boa conversa, a presidenta do Tribunal Superior Eleitoral, ministra Cármen Lúcia, acompanha pessoalmente cada detalhe do pleito. Na memória estão os nomes de uma centena de cidades que receberão reforços de tropas federais para garantir a segurança e o nome de governadores, para quem telefona quase diariamente perguntando sobre os preparativos. Está preocupada com serviços de telefonia, eletricidade e segurança. “Eu faço o possível para que tudo saia 100%. A eleição é o ápice da democracia”, diz. Reconhecida pelo rigor de seus votos em casos de corrupção, Cármen Lúcia conta nesta entrevista à ISTOÉ que não vai permitir a diplomação de políticos com a ficha suja, apesar da demora da corte em julgar os recursos de candidaturas. Com o processo eleitoral ocorrendo no auge do julgamento do mensalão, a ministra se diz preocupada com os crimes cometidos em nome da governabilidade. ...

"O julgamento no STF mostra que quem erra precisa pagar. Isso derruba a tese dos que acreditavam na impunidade"

"Espero que o eleitor acredite nele. Ele não pode se esquecer, especialmente nos rincões do País, que é livre para escolher e votar"

Fotos: Adriano Machado; DIDA SAMPAIO/AE



ISTOÉ - Ao julgar os réus do mensalão acusados de receber dinheiro em troca de apoio ao governo, a sra. fez um apelo para que as pessoas não desacreditem da política. Qual o seu temor?

CÁRMEN LÚCIA -Quando se julga um político de projeção, eu fico preocupada. Em vez de a sociedade entender que é um avanço porque estamos julgando, a pessoa acha que toda a classe política é igualmente corrupta. Os jovens de hoje são mais individualistas do que os da minha geração e toleram menos as diferenças. Tenho medo de que as pessoas, especialmente os jovens, desacreditem na política e a deixem de lado. Isso seria muito ruim para a democracia.

ISTOÉ - Esse descrédito não seria porque há outros mensalões e mensaleiros espalhados pelo País?

CÁRMEN LÚCIA - Não vamos desqualificar a atividade política. A sociedade descrente pode levar à antidemocracia. O desencanto é uma letargia, uma baixa imunidade democrática. Preocupo-me sobre que tipo de sociedade vamos ter em 20 anos. O descrédito não pode haver. O julgamento em andamento é justamente uma demonstração de que a política deve ser exercida dentro da lei e segundo padrões éticos. É um sinal de que condutas criminosas serão punidas, não o contrário.

ISTOÉ -Para justificar práticas criminosas, políticos recorrem ao argumento de que todos cometem pecados semelhantes. Como enfrentar isso?

CÁRMEN LÚCIA - O modelo brasileiro é difícil. A dependência que o Executivo tem do Legislativo pode ser uma porta aberta para o aliciamento. Pode ocupar o espaço do convencimento pelo debate, que é o caminho correto. Mas dificuldade com o sistema não justifica a criminalização de condutas. Você tem que vencer esses desafios de articulação de forma correta. Todo julgamento no STF tem dito que quem erra precisa pagar pelo erro. Isso derruba a tese dos que acreditavam na impunidade.

ISTOÉ -Que mensagem fica desse momento do Judiciário?

CÁRMEN LÚCIA - A mensagem é: escolham bem para que a Justiça não precise se posicionar. Mas, se os erros forem cometidos, estamos mostrando que a lei está aí e é para ser cumprida. A sociedade começa a estipular padrões éticos que devem ser observados. A Justiça começa a responder a essa demanda.

ISTOÉ - A Lei da Ficha Limpa está valendo, mas ainda há muita discussão sobre sua efetividade. Como fazer para ela realmente funcionar?

CÁRMEN LÚCIA - Acho que o segredo é informação clara. Esse é papel da Justiça Eleitoral e também da sociedade civil. É preciso lembrar que o povo tem liberdade para votar e essa possibilidade de voto livre tem de ser exercida à exaustão. A lei é uma lei da sociedade e ela também tem de fazer esse papel de informar e fiscalizar. As informações devem ser entregues com clareza ao povo. Os órgãos estatais têm nisso sua obrigação.

ISTOÉ - Como punir políticos que fazem promessas absurdas e mentem para os eleitores?

CÁRMEN LÚCIA - Acho um equívoco o fato de esse tipo de mentira ser uma das poucas formas de conduta condenável que não prevê punições. Ela não está discutida em nenhuma religião ou sistema social. Falo de religião porque o direito penal colheu de práticas religiosas o conceito de errado e certo, mas mentir nunca entrou nessa discussão. A mentira tem o mesmo desvalor de outros crimes e, especialmente em eleições, precisa ser punida como tal.

ISTOÉ - A Justiça Eleitoral tem feito algo sobre isso?

CÁRMEN LÚCIA - Na verdade, há um tipo de mentira que consiste na fraude, e essa é fiscalizada de perto e com rigor. O Ministério Público nos Estados tem feito um trabalho admirável quanto a isso. O conceito difícil de fiscalizar é a mentira eleitoral, que é mais teórica. Esse conceito e sua criminalização precisam fazer parte da cultura, chegando a todos os lugares do País. Entendo que a tentativa de divulgar uma mentira pode gerar convicções erradas por parte do eleitor e quem tenta fazer isso deve sim ser responsabilizado.

ISTOÉ - O que preocupa o TSE nesta eleição?

CÁRMEN LÚCIA - Nos preocupa a possibilidade de falhas na qualidade dos serviços da telefonia móvel. O atraso de um telefonema particular pode gerar um problema, mas no dia da eleição o mau serviço gera muitos prejuízos. Nosso sistema é todo informatizado e isso depende da telefonia. Tive reunião com a Anatel e com operadoras, porque as reclamações de consumidores sobre a qualidade dos serviços nos deixam em alerta. Precisamos que a telefonia funcione bem para fazer as conexões dos sistemas, a transferência de dados e a apuração.

ISTOÉ - Mas o País também apresenta outras falhas de serviços e segurança. Como enfrentá-las?  

CÁRMEN LÚCIA - Estou acompanhando pessoalmente os acontecimentos nos Estados e cobrando de cada governador as providências necessárias. Enviamos tropas federais para dezenas de cidades e acredito que os eleitores poderão votar com tranquilidade, porque as polícias estarão prontas.

ISTOÉ - O TSE ainda está com quase mil recursos de candidaturas pendentes de julgamento. Como lidar com tamanho passivo?

CÁRMEN LÚCIA - Fizemos o possível. As pendências serão julgadas rapidamente. O que preocupa mesmo são os recursos que nem sequer chegaram ao tribunal. A greve dos Correios atrasou a remessa desses processos sobre candidaturas enviados pelos tribunais regionais. Nem sabemos quantos ainda estão chegando. Nossa ideia era julgar todos antes da eleição, mas não sabemos quantos recursos ainda estão para chegar.

ISTOÉ - O que acontece com candidatos que não tiveram seus recursos julgados?

CÁRMEN LÚCIA - Tudo o que diz respeito ao registro é nossa prioridade número zero. Quem não teve julgado seu recurso vai para a urna com a observação de pendência. Isso me preocupa porque podemos ter dificuldades até depois da eleição. Mas minha ideia é de que ninguém com pendências será diplomado. Tudo será resolvido até lá.

ISTOÉ - O que o eleitor deve ter em mente quando for votar?  

CÁRMEN LÚCIA - Precisa lembrar que a lei é da ficha limpa, mas quem vota limpo é o cidadão. O voto é que faz o País acontecer. Ou ele se mantém igual ou ele muda. É preciso que o eleitor acredite nisso. Acredite no sistema e na política.

ISTOÉ - Há candidatos que declararam apenas repasses feitos por diretórios partidários para ocultar quem está bancando sua campanha. Como resolver essa brecha na legislação que ainda permite manobras desse tipo contra a transparência?  

CÁRMEN LÚCIA - Esse é um entrave que precisamos resolver. A doação precisa ser explicitada e divulgada em tempo real. Quem doa para um partido precisa aparecer. É preciso que se lembre que, apesar de o doador ser um particular, o partido político é pessoa jurídica de direito privado, mas cumpre função pública. Os partidos não podem se comportar como se fossem uma empresa. Nós teremos de preencher essa lacuna rapidamente.

ISTOÉ - Uma nova legislação sobre a forma de financiamento resolveria? Hoje se discute o financiamento público de campanhas.

CÁRMEN LÚCIA - Há muitas discussões em andamento. Acredito que uma das principais é a permissão para a pessoa jurídica doar. Um cidadão doando se compromete, personifica a contribuição. Já quando são as empresas, fica difícil saber quais os interesses por trás dessa doação. Por isso, deveria haver um sistema capaz de dar clareza. Isso depende do aprimoramento na legislação. Por outro lado, acho que uma mudança na jurisprudência da Justiça Eleitoral poderia ajudar. Falo de tomar decisões a favor da transparência total e imediata.


ISTOÉ - Que legado a sra. pretende deixar como a primeira mulher a comandar a Justiça Eleitoral?

CÁRMEN LÚCIA - Gostaria de sair com a certeza de que a Lei da Ficha Limpa está em pleno vigor. Acho que podemos contribuir para mudar o padrão ético da política. A Justiça tem um papel importante para fazer com que os princípios constitucionais sejam obedecidos e o cidadão tenha certeza de que o resultado das urnas foi a vontade democrática da maioria, que fez a escolha observando as condutas dos políticos.

ISTOÉ - Que conselho a sra. pode dar aos eleitores brasileiros?  

CÁRMEN LÚCIA - Espero que o eleitor acredite nele. O eleitor não pode se esquecer, especialmente nos rincões do País, que ele é livre para escolher e votar. Ninguém pode interferir nessa escolha. No exercício dessa liberdade é que se pode acabar com situações indesejáveis. 

Por: Izabelle Torres
Fonte: Revista ISTOÈ - Edição Nº 2239 - 06/10/2012

Ameaça ao sistema de saúde


Artigo



Por ter sido contestada pela Procuradoria-Geral do Estado, felizmente não tem efeito imediato a surpreendente decisão da Justiça do Trabalho de declarar nulos, por supostas irregularidades trabalhistas, todos os contratos firmados entre a Secretaria de Estado da Saúde e organizações sociais de saúde (OSSs) para a prestação de serviços públicos nessa área. O cumprimento imediato da decisão implicaria a paralisação dos serviços prestados por 37 hospitais e 44 outras unidades de saúde hoje operados por OSSs, com graves prejuízos para a população. ...

Como os contratos considerados nulos baseiam-se em lei federal, além da legislação estadual específica para esses casos, espera-se que a decisão, tomada em primeira instância, seja revista nos tribunais superiores, restabelecendo-se, assim, a segurança jurídica indispensável para a continuidade da prestação desse serviço público essencial.

Acatando pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho em 2010, a juíza Carla Malimpenso de Oliveira El Kutby, da 3.ª Vara do Trabalho, considerou que os funcionários das OSSs são, na prática, funcionários do Estado e, portanto, devem submeter-se ao regime de trabalho e de contratação dos demais funcionários públicos. Sua decisão implica a troca de todos os funcionários das OSSs considerados terceirizados por servidores concursados.

Se aplicada, a sentença representaria um grave retrocesso no necessário e inadiável processo de modernização do Estado iniciado na década de 1990, quando ficou evidente sua incapacidade de continuar prestando serviços públicos com a qualidade e na quantidade exigidas pelo País. Além do programa de privatização, a reforma modernizadora do Estado criou a figura da organização social (OS), formada por entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, para desempenhar serviços de interesse público que o Estado não consegue desempenhar a contento e que não são necessariamente prestados por órgãos governamentais, entre eles o de saúde.

As OSs foram criadas pela Lei n.º 9.637, de maio de 1998. Além de, necessariamente, terem em seus conselhos superiores representantes do poder público, essas OSs são obrigadas a cumprir diversas cláusulas relativas à qualidade dos serviços prestados. Elas devem publicar anualmente o relatório da execução dos termos do contrato, estão sujeitas a controle externo rigoroso, por meio da avaliação periódica de seu desempenho por uma comissão composta por especialistas de notória qualificação, e, sobretudo, são obrigadas a assinar um contrato de gestão. Para serem remuneradas, precisam provar que cumpriram metas e desempenharam os serviços para os quais foram contratadas.

O cumprimento da decisão de primeira instância da Justiça do Trabalho sobre essa questão resultaria na substituição imediata das OSs por funcionários concursados, ou seja, o restabelecimento da situação vigente antes da reforma administrativa prestes a completar dois decênios.

A decisão atende, assim, às queixas puramente corporativas dos que, em defesa de seus interesses, mas não os da sociedade, resistem a mudanças modernizadoras e lutam por seus privilégios, que incluem a estabilidade no emprego, qualquer que seja a qualidade do serviço que prestam, quando prestam.

Nenhuma restrição haveria à prestação dos serviços essenciais por funcionários públicos se, como nas OSs, sua remuneração e estabilidade estivessem sujeitas a cumprimento de metas e à divulgação de seu desempenho, entre outros requisitos de qualidade.

Decisões como a da juíza da 3.ª Vara do Trabalho caracterizam o que, em artigo publicado no Estado (3/10), o desembargador mineiro Rogério Medeiros Garcia de Lima chamou de "judicialização" da vida social e da política, processo pelo qual se recorre à Justiça para impor, arbitrariamente, obrigações a governantes, legisladores e aos cidadãos. Aos magistrados, afirma o desembargador, cabe apenas fazer cumprir a Constituição e as leis. "O Poder Judiciário não pode servir de trampolim para o exercício arbitrário e ilegítimo do poder público por quem não foi eleito."
Fonte: Jornal Estado de São Paulo - 06/10/2012

A caixinha das catástrofes


Destaque da revista ISTOÈ na semana:


Dinheiro que deveria servir para amparar cidades afetadas por desastres naturais foi parar no financiamento de campanhas


Catástrofes naturais não servem apenas para turbinar discursos de políticos que tentam se eleger nos municípios abalados por essas tragédias. Um cruzamento de informações realizado por ISTOÉ mostra que desastres viraram fonte de recursos para encher caixas de campanha. Em cidades de diferentes regiões do País há indícios de troca de favores entre construtoras beneficiadas com contratos sem licitação e candidatos em busca de doações eleitorais. O socorro aos flagelados vem sumindo pelos esgotos da corrupção política. ...
 

Os casos são tão variados quanto chocantes. Em Campo Grande, por exemplo, o candidato a prefeito Edson Giroto (PMDB) recebeu financiamento de pelo menos duas empreiteiras que prestaram serviços à prefeitura ou ao Estado, que é comandado pelo aliado André Puccinelli (PMDB). Uma delas, a Rosa Acorsi Engenharia, embolsou meio milhão do governo pela prestação de serviços que tiveram o próprio Giroto como ordenador de despesas, quando ele era secretário de obras. Em Alagoas, uma mesma empreiteira negociou com políticos de partidos diferentes, mas que se valem do cargo para inchar o caixa de campanha. A Arquitec lidera os contratos de casas populares no município alagoano de Penedo, onde também reconstruiu creches e escolas. Não por acaso, ela é a maior doadora da campanha de reeleição do prefeito Israel Saldanha (DEM), que a contratou sem licitação. A construtora consta da lista de fornecedores de obras emergenciais de outras cidades alagoanas e também fez doações ocultas para a campanha de Ronaldo Lessa (PDT) à Prefeitura de Maceió. Para não aparecer, ela entregou pelo menos R$ 200 mil ao partido do candidato, que encaminhou o dinheiro à campanha do pedetista. A manobra tem razão de ser: na semana passada, a empreiteira foi condenada a devolver cerca de R$ 26 milhões aos cofres públicos. O dinheiro, segundo o Ministério Público, foi desviado do superfaturamento da obra do Hospital Geral do Estado, realizada na gestão de Lessa em Alagoas. Em Camaçari (BA), São José do Rio Preto (SP) e Florianópolis (SC), há escândalos semelhantes. A capital catarinense foi a única do País onde as irregularidades graves fizeram o Ministério da Integração sustar o repasse de R$ 10 milhões destinados a obras de contenção na praia do Pântano do Sul.

REFORÇO
Em Campo Grande, o candidato a prefeito Edson Giroto (PMDB) recebeu financiamento de pelo menos duas empreiteiras que prestaram serviços à prefeitura

Apesar da dificuldade para recuperar o dinheiro desviado, é possível punir infratores. No Rio de Janeiro, os prefeitos de Nova Friburgo e Teresópolis perderam os cargos e estão fora das eleições deste ano. Eles foram responsabilizados junto com as empreiteiras contratadas pelos desvios dos recursos emergenciais. Nos dois municípios, a lentidão na reconstrução e as irregularidades praticadas transformaram a tragédia na principal plataforma eleitoral dos candidatos, que agora se preocupam em ocultar as doações recebidas para não deixar pistas em contratos futuros.

Foto: Jadson Marques; Daniel Marenco/Folhapress 

Por: Izabelle Torres
Fonte: Revista ISTOÈ - Edição Nº 2239 - 06/10/2012

As urnas são seguras mesmo?


Destaque da revista ISTOÈ na semana:


Especialistas em informática driblam sistema de segurança da votação eletrônica e dizem que a eleição não está imune a violações

NÃO SÃO SEGURAS
O professor Diego Aranha, que violou a urna em teste: “As falhas existem. As urnas não são 100% seguras como dizem”

Há 16 anos, os brasileiros depositam suas expectativas políticas em urnas eletrônicas. O sistema se notabilizou principalmente pela agilidade na apuração e pela garantia, por parte do Tribunal Superior Eleitoral, de que é imune a violações. Se a velocidade do trabalho de contagem dos votos é indiscutível, a segurança das urnas nunca foi uma unanimidade. Neste ano, a preocupação ganhou força depois que um grupo de especialistas em informática descobriu falhas graves na proteção do software utilizado nas urnas. A ação desses “hackers” fez parte de um teste público realizado no TSE. Em vez de ajudar a aperfeiçoar a votação eletrônica, a iniciativa acabou reforçando a impressão de que o processo eleitoral precisa evoluir e se tornar mais transparente. Em entrevista à ISTOÉ, o responsável pela equipe que conseguiu violar a urna eletrônica de teste, o professor Diego Aranha, da Universidade de Brasília, disse que foi pressionado para não divulgar a íntegra do relatório em que apontou as falhas de segurança do programa desenvolvido pelo TSE. “Apenas a versão aprovada pelo Tribunal foi publicada”, diz Aranha. “As informações sensíveis foram suprimidas.” ...

SIM, SÃO SEGURAS
O secretário de Tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino: “Nos 16 anos de uso do sistema, não houve sequer um caso de fraude”

Doutor em ciências da computação pela Unicamp e especializado em criptografia, Aranha decidiu arriscar sua reputação, convicto das vulnerabilidades da urna eletrônica. “Elas existem e nós demonstramos isso”, afirma. “As urnas não são 100% seguras como dizem.” Quase seis meses depois do início dos testes, em março, o pesquisador resolveu publicar um relatório independente no qual aponta uma série de fragilidades do processo eleitoral. “O software utilizado no sistema de votação eletrônica brasileiro não satisfaz requisitos mínimos de segurança e transparência”, afirma Aranha. Entre as principais falhas, estariam a proteção inadequada do sigilo do voto, que permitiria saber em qual candidato determinado eleitor votou, o uso de apenas uma única chave criptográfica para cifrar as mídias de todas as urnas eletrônicas do País e a aplicação de algoritmos obsoletos cujo uso para segurança em computação já não é recomendado há pelo menos seis anos. “Seria o mesmo que proteger milhares de urnas que serão usadas na eleição com cadeados que podem ser abertos pela mesma chave e ainda esconder essa chave debaixo do tapete, o lugar mais óbvio.”


A equipe de informática do TSE é formada por cerca de 150 servidores públicos da área de tecnologia da informação e metade desse quadro é responsável pelo desenvolvimento do sistema eleitoral. “Nossa democracia está sob controle absoluto de 70 pessoas e o TSE parte do princípio de que esses funcionários são absolutamente incorruptíveis”, afirma o professor. O secretário de Tecnologia da Informação do Tribunal Giuseppe Janino, rebate as críticas. “Nos 16 anos de uso do sistema automatizado, não houve sequer um caso de fraude ou tentativa registrada”, afirma Janino. Sobre suspeitas já levantadas em outros pleitos, ele diz que todas foram “devidamente apuradas”. Uma delas se deu na disputa pelo governo do Maranhão, em 2010. Roseana Sarney decidiu a eleição no primeiro turno por uma margem de 0,08% (ela obteve 50,08% dos votos). Candidato pelo PCdoB, Flávio Dino questionou a vitória no Tribunal Regional Eleitoral maranhense. Em relatório, ele indicou falhas nos arquivos de auditoria das urnas e a ocorrência incomum de votos “rápidos e tardios”, conforme descrito na denúncia. O caso, porém, foi arquivado pelo TRE. Professor da Universidade Federal de Pernambuco e um dos criadores do polo tecnológico Porto Digital, Sílvio Meira diz que não há dúvidas quanto à lisura do processo eleitoral, mas defende maior transparência por parte do TSE, que planeja, executa e fiscaliza as eleições, além de julgar os processos. “É um sistema monolítico e opaco”, diz Meira. “O eleitor deveria poder fiscalizar o seu voto.”

Fotos: Adriano Machado/ag. istoé; Ruy Baron/Folhapress

Por: Claudio Dantas Sequeira
Fonte: Revista ISTOÈ - Edição Nº 2239 - 06/10/2012

Repressão 30 horas atrás das grades



Yoani Sánchez ia a julgamento de motorista de dissidente morto; prisão motivou protestos


A blogueira Yoani Sánchez, o rosto mais famoso da dissidência cubana no exterior, foi detida junto com o marido, Reinaldo Escobar, e Agustín Canino, que viajava como motorista, em Bayamo, capital da província de Granma, no Leste do país por volta das 18h de anteontem. A jornalista pretendia cobrir, como colaboradora do “El País”, o julgamento do espanhol Ángel Carromero, acusado pela morte do ativista Oswaldo Payá num acidente de carro, em julho. ...

Na noite de ontem, ela anunciou sua libertação no Twitter após 30 horas de prisão e agradeceu as manifestações na internet. “Já fomos liberados! Graças a todos que levantaram sua voz e a seus tuítes para que conseguíssemos voltar para casa”, escreveu. Sobre a prisão, disse que se recusou a se alimentar ou a beber enquanto esteve detida. “O primeiro copo d’água tomei ao chegar em casa, como fogo no esôfago”.

A detenção da jornalista motivou críticas de  EUA e Itália, além de pedidos de libertação de organizações de direitos humanos e associações de imprensa. O chanceler Antonio Patriota disse que não comentaria o caso por se tratar de assunto interno de Cuba. O porta-voz do ministério, Tovar Nunes, afirmou:

— O fato de existir Yoani e outros blogueiros mostra que existe espaço assegurado de manifestação da sociedade. O Brasil deu visto a Yoani quando ela quis vir aqui.

Na Itália, o ministro das Relações Exteriores, Giulio Terzi, pediu que Bruxelas aumentasse a supervisão dos acontecimentos referentes a direitos humanos na ilha. Nos EUA, o porta-voz do Departamento de Estado, Mark Toner, condenou o uso de detenções arbitrárias e o impedimento à ação de jornalistas independentes.

— É muito claro que as condições de direitos humanos em Cuba permanecem pobres. O governo cubano continua a limitar liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de expressão.

NOVA ESTRATÉGIA DE DETENÇÃO
Segundo Elizardo Sánchez, da Comissão Cubana de Direitos Humanos, a blogueira e o marido não estavam credenciados para participar do julgamento. Eles foram reconhecidos pela polícia, que fazia uma operação na cidade contra ativistas. As autoridades cubanas têm recorrido à prática de prisões temporárias antes de eventos que atraem a atenção da comunidade internacional, como a visita recente do Papa Bento XVI, de acordo com o relato de opositores.

— Há uma metamorfose na repressão política cubana. Somente em setembro foram 533 detenções temporárias. É bom para o governo, que recebe menos críticas e desgasta os dissidentes — disse Sánchez.

Manuel Cuesta Morúa, presidente do partido Arco Progressista, destaca que a nova estratégia reduziu a divulgação das prisões:

— O governo tenta banalizar a repressão para a imprensa internacional, já que a situação em Cuba é como um passeio em Copacabana comparado ao que ocorre na Síria.

Não é a primeira vez que a blogueira enfrenta dificuldades com as autoridades: ela recebeu prêmios internacionais, mas nunca teve a autorização para viajar e recebê-los. Num episódio recente, gravou um vídeo pedindo a ajuda da presidente Dilma Rousseff para vir ao Brasil participar do lançamento de um documentário, mas as autoridades cubanas não autorizaram.

O blogueiro pró-governo identificado como Yohandry Fontana relatou que ela havia sido presa porque pretendia provocar e fazer “um show midiático” no julgamento. Durante a tarde, ele disse que Yoani estava sendo levada de volta para Havana porque o carro do casal estava em “terríveis condições mecânicas”.

A Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e o Comitê de Proteção a Jornalistas solicitaram, em notas, a libertação de Yoani.

— Se as autoridades cubanas pretendiam minimizar a cobertura internacional do julgamento freando os esperados textos de Yoani, conseguiram o contrário com esta prisão arbitrária e de óbvio conteúdo político — disse Gustavo Mohe, presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da SIP.

No julgamento, Carromero repetiu sua versão do acidente e lamentou a morte de Payá. A promotoria pede pena de sete anos de detenção. A defesa quer absolvição e libertação imediata.

— Perdi muitas coisas, mas não há comparação com o sentimento de dor das famílias. 

Por: Janaina Lage, Lis Miller
Fonte: Jornal O Globo - 06/10/2012

Presa, juíza faz campanha silenciosa na Venezuela


Eleições na Venezuela




O presidente Hugo Chávez costuma dizer que a Venezuela tem uma das democracias mais participativas do mundo. No entanto, alguns venezuelanos não poderão votar amanhã - como a juíza Maria Lourdes Afiuni. Ela está presa desde 10 de dezembro de 2009, quando concedeu a liberdade condicional ao empresário Eligio Cedeño, acusado de evasão de divisas mas que, segundo explicou a juíza naquele momento, havia superado o tempo máximo de prisão no país sem condenação firme (dois anos). Desde então, sua vida tornou-se verdadeiro pesadelo. Afiuni esteve 14 meses detida numa prisão feminina, onde sofreu ameaças de morte, ataques com facas e gasolina em sua cela e constantes humilhações. Ela só obteve o benefício da prisão domiciliar em fevereiro de 2011, porque teve de ser operada de tumores no útero e, desde então, está às voltas com lesões ainda não diagnosticadas em um dos seios. ...

Por ordem do Tribunal Supremo de Justiça, a juíza não pode falar com a imprensa e tampouco poderá votar na eleições presidenciais mais difíceis da última década para o chavismo. Seu caso é emblemático, e sua liberdade já foi pedida pelas Nações Unidas, Organização de Estados Americanos (OEA) e associações de juristas de países como Espanha e Inglaterra, entre outras entidades internacionais que lhe expressaram solidariedade. Mas Afiuni continua presa em seu apartamento localizado na região de El Hatillo, zona oeste de Caracas, que há cerca de duas semanas foi baleado por supostos seguidores do presidente. O GLOBO visitou a juíza e conversou com seus familiares. São eles que podem dar declarações sobre o drama da mulher que virou uma espécie de símbolo da resistência à revolução bolivariana.

Para entrar no apartamento de Afiuni é preciso se identificar como amigo da família e apresentar um documento aos oficiais da Guarda Nacional que estão instalados no prédio Rubi. Entre 17 e 20 militares estão permanentemente presentes no lugar. Quando a juíza foi operada, seus parentes asseguram que mais de cem oficiais estiveram no hospital — até dentro da sala de operações.

- Ela é tratada como se fosse uma terrorista. O mais incrível é que até hoje não entendemos por que o governo está atuando desta maneira - disse Elina, mãe da juíza.

Antes de chegar a Afiuni, o caso Cedeño já havia passado pelas mãos de vários juízes, que não se atreveram a tomar uma decisão favorável ao empresário. Segundo Nelson, irmão da juíza, quando Afiuni leu o expediente, percebeu que era impossível continuar mantendo o empresário atrás das grades. Até mesmo a ONU defendia, por escrito, a liberdade dele. Quinze minutos depois de ter assinado sua resolução, a juíza foi detida.

- Temos várias versões, algumas indicam que Cedeño teria dado dinheiro à oposição, outras que teria tido um problema amoroso com uma das filhas do presidente - disse Nelson. - Seja como for minha irmã fez o que era correto e até agora não foi provada nenhuma das acusações do governo, entre elas a de corrupção. Nosso processo está repleto de irregularidades, é tudo um grande absurdo.

O caso Afiuni foi um dos grandes destaques do último relatório da Human Rights Watch sobre a Venezuela, intitulado “Apertando o cerco: concentração e abuso de poder na Venezuela de Chávez”. O documento assegura que antes da detenção da juíza, seus colegas tinham medo de questionamentos públicos pelo Palácio Miraflores. Desde dezembro de 2010, apontou a ONG, havia medo de se terminar como Afiuni.

- Sempre achamos que o Judiciário não era independente neste governo. Hoje, temos plena certeza disso - assegurou Elina.

A juíza é mãe solteira e mora com a filha, Geraldine, estudante universitária que tenta manter uma vida normal, e seus pais. Sem poder sair de casa, Afiuni passa o tempo recebendo visitas, fazendo comentários no Twitter, cursos de inglês online, quebra-cabeças e lendo livros de autoajuda. Seus problemas de saúde são delicados, e os médicos que a atendem — todos indicados e autorizados pelo governo — não querem diagnosticar as lesões encontradas em um de seus seios porque argumentam que nenhum tratamento pode ser realizado com os prazos da Justiça venezuelana.

- O tribunal demorou um ano para liberar uma segunda cirurgia para corrigir a primeira intervenção na região do útero - contou Nelson.

Se Chávez for reeleito, seu futuro é absolutamente incerto, embora o presidente tenha dito, na quinta-feira, que estaria disposto a rever casos judiciais de pessoas que, segundo a oposição, são perseguidas políticas. Uma eventual vitória de Capriles poderia abrir a porta para um indulto. Sem medo de novos ataques, a família colocou uma foto do candidato opositor na grade da janela principal do apartamento, com um terço pendurado.

- Não vão nos calar - concluiu Elina, sem esconder as lágrimas nos olhos.

Por: Janaína Figueiredo
Fonte: O Globo - Extra - 06/10/2012

A lógica da corrupção pelo mundo


06/
10

Destaque da revista ISTOÈ na semana:


10:34:44

Levantamento feito com 1,75 mil empresários, sendo 50 brasileiros, mostrou que 39% deles veem a corrupção como algo comum


Um levantamento divulgado pela consultoria Ernst & Young no começo de junho com 1,75 mil empresários de diversos países, sendo 50 brasileiros, mostrou que 39% deles veem a corrupção como algo comum no país onde trabalham e 15% acham justo pagar propina para ganhar novos contratos. Mas a pergunta é: o que motiva esse tipo de comportamento? Por que empresários de multinacionais respeitadas concordam em se expor tanto sabendo que o risco de ser pego é cada vez maior e as consequências cada vez mais duras? Uma nova pesquisa conduzida por um grupo de estudiosos das universidades de Cambridge, na Inglaterra, e Hong Kong, na China esmiuçou 166 famosos casos de corrupção em 52 países entre 1971 e 2007 para dar uma resposta a essa pergunta. E a conclusão a que eles chegaram é tão simples quanto estarrecedora: ser corrupto é um ótimo negócio. ...


Para quem consegue ignorar as questões morais e vê a corrupção apenas como uma oportunidade de investimento, ela se torna quase irresistível, já que poucas empreitadas dão retorno tão rápido e tão garantido. Segundo o levantamento, para cada US$ 1 gasto em suborno por uma empresa para garantir um contrato de um órgão público, a empresa recebe, em média, US$ 11 de volta na forma de valorização em bolsa de valores ou investimento direto advindo da conquista do contrato. “Como se isso já não bastasse como estímulo para o comportamento criminoso, em países onde a legislação é falha, como é o caso do Brasil, a opção pelo suborno infelizmente fica ainda mais fácil”, explica Walter Maierovitch, jurista e desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP). No País, a tipificação dos casos de corrupção ainda é problemática, o que dificulta a apuração e o indiciamento dos envolvidos. “Uma nova tipificação ajudaria”, defende ele, que lembra que há diversos projetos de lei nesse sentido.
 

Como Maierovitch, os autores do estudo também defendem mudanças na legislação, principalmente em países desenvolvidos, onde as sedes de multinacionais com filiais espalhadas pelo mundo ainda fazem vista grossa para a corrupção em seus escritórios secundários. “Em boa parte da Europa, durante os anos 1990, não era crime empresas pagarem suborno em países onde não tinham sede”, disse à ISTOÉ Raghavendra Rau, professor de finanças da Cambridge Judge Business School e um dos autores do estudo. “Por exemplo, se uma empresa alemã pagasse suborno a um político de outro país, não estava configurado ilícito na Alemanha”, explica. Embora a legislação na Europa, em grande medida, tenha mudado, a cultura de tolerância ao pagamento de subornos fora do país ainda existe e serve de estímulo à corrupção em nações que sofrem com legislação falha.

Ilustração: Daniel Rosini

Por: João Loes
Fonte: Revista ISTOÈ - Edição Nº 2239 - 06/10/2012