sábado, 3 de novembro de 2012

Viva a preguiça intensamente



O ócio não só faz bem. É um ato de heroísmo no mundo da supercompetição

LUÍS ANTÔNIO GIRON

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Luís Antônio Giron Editor da seção Mente Aberta de ÉPOCA, escreve sobre os principais fatos do universo da literatura, do cinema e da TV (Foto: ÉPOCA)
Já passei tantas ocasiões sem fazer coisa nenhuma. A ética cristã costuma ensinar que foram dias perdidos. Os provérbios da Bíblia afirmam que o preguiçoso se acha sábio, mas não passa de um tolo. A preguiça consta da famosa lista dos sete pecados capitais. No entanto, apesar de tudo, jamais me senti tão recompensado quanto nessas ocasiões em que a mente e o corpo flutuaram pelo nada e meus atos significaram nada para o progresso da humanidade. É o estado de ser que os italianos chamam de “dolce far niente”, o doce fazer nada. Mas, salvo esta expressão e a filosofia taoísta, que preconiza a extrema relevância ética e política do “wu-wei”, a perfeita inação, não conseguia encontrar apoio teórico à minha filosofia de existência.  
Isso até encontrar o oblomovismo. Essa doutrina originária da literatura russa insuflou um novo entusiasmo em minha hiperinatividade. Ela pode ser explicada como a teoria da preguiça de alto desempenho, que, caso seja aplicada, poderia salvar a humanidade do abismo. Ela serve, pelo menos, para me salvar do excesso de obrigações. Na verdade, adaptei o oblomovismo a minhas necessidades. Tropicalizei suas lições. Não é Macunaíma, o “herói sem nenhum caráter” de Mário de Andrade, que vive a bocejar “ai, que preguiça”? Ele tinha razão.  
Mas voltemos ao oblomovismo. O nome deriva de Oblómov, o incrível romance satírico de Ivan Gontcharóv (1812-1891), publicado em 1859, agora publicado no Brasil (CosacNaify, 736 páginas, R$119) em tradução de Rubens Figueiredo. O herói epônimo do romance é um senhor de terras preguiçoso, que gasta seus dias na cama ou no sofá, sonhando em reformar sua propriedade e recebendo visitas de amigos. Personagens, ações e diálogos ocorrem em torno dele, como se ele fosse o centro de um universo. Seu antagonista é seu amigo, o “alemão” Andrei Stoltz, um empreendedor entusiasmado com as conquistas da indústria. Oblómov não se emociona com o capitalismo que se instala na velha Rússia. Prefere ficar parado. Quando Stoltz o convence a sair para uma festa, ele conhece uma amiga de Stoltz, Olga Ilinskaya. Apaixona-se por ela, pede-a em casamento, mas nada acontece. Em seu pendor pela inação, Oblómov se muda para o subúrbio de São Petersburgo, onde amarga a decadência sem reclamar. Na verdade, consegue ainda se apaixonar pela viúva Agáfa Matviéievna Pchenítsina. O casal tem um filho. Enquanto seu espírito se apaga, Olga e Stoltz se unem e adotam o filho de Oblómov. Para nosso herói, a vida continua igual a ela própria. Assim Goncharóv descreve Oblómov: “Os pensamentos voavam como pássaros pelo rosto, chegavam até os olhos, paravam nos lábios semicerrados, escondiam-se no franzir das sobrancelhas. Depois desapareciam de vez, e então todo o rosto coruscava com a luz da despreocupação”.   

Outra é a imagem de Oblómov aos olhos dos estudiosos de literatura do século XX, para os quais a política importava menos que a linguagem e a intertextualidade. “Oblómov é certamente um personagem que merece lugar na galeria de figuras imortais criada pela imaginação humana”, escreveu o especialista em literatura russa italiano Renato Poggioli (1907-1963), comparando o protagonista a
 Don Quixote de Cervantes e a Ulisses, da Odisseia de Homero. É que a vida interior do protagonista é tão rica e contemplativa, que é capaz de encenar epopeias sem que saia de sua cama. Oblómov é um preguiçoso sublime. Poggioli termina seu ensaio em tom grandiloquente: “Oblómov é, com efeito, o herói máximo de um grande poema cíclico, de um vasto épico em prosa, mesmo que seja apenas uma Odisseia dos chinelos ou uma Ilíada do roupão”. Não parece um enredo promissor, não contivesse ele uma alta densidade simbólica. E, como todo símbolo, o significado se altera com o tempo. Para os compatriotas de Goncharóv daquele tempo, o personagem Oblómov representava uma sátira da alma russa que se afundava paralisada em suas tradições. Nos anos 1850 e 1860, a literatura refletia e dramatizava as mudanças históricas. No ensaio “O que é o oblomovismo” (1859), Dóbroliubov caracteriza os tipos da Rússia dos anos 1860, nos últimos estertores da escravidão e do feudalismo. Ele percebeu em Oblómov os vícios do antigo senhor feudal, um homem supérfluo incapaz de se adaptar à nova realidade do país. Assim, Oblómov refletia a imagem de uma elite russa retrógrada, agora estigmatizada pelos intelectuais. O oblomovismo é a inação da elite. Três anos depois, em 1862, no romance Pais e filhos (1862), Ivan Turguêniev retrataria as contradições revolucionárias daquele tempo, em especial o niilismo, que suplantava as outras correntes revolucionárias.  
Nessa excêntrica epopeia, quanto mais o herói recua dos desafios e aventuras, mais ele se aprofunda no que interessa: as trepidações do espírito, das ideias que farfalham as asas, voam e vão embora, para dar lugar ao mais delicioso bocejo. Espreguiçar-se, ensina Oblómov, pode ser a mais nobre das formas de ação.  
Como o oblomovismo pode ser convertido em atitude inovadora em nossos dias? Ora, em um mundo de supercompetição e cobrança de produtividade, o ócio criativo ou mesmo a preguiça desprovida de imaginação podem servir como antídoto aos abusos do mundo do trabalho e sua exigência de performances perfeitas. Por essa razão subversora, os sociólogos andam reabilitando a ética dos sambistas malandros dos anos 1920, que diziam “trabalhar só obrigado, por gosto ninguém vai lá” (“Se você jurar”, samba de Ismael Silva e Nilton Bastos, de 1928). Para responder ao mundo do trabalho desenfreado e da automação, da despersonificação e da alienação, nada mais eficiente que a preguiça exercida em modo turbo, em alto desempenho. A preguiça ganha a reputação de verdadeiro ato de heroísmo de nossos tempos hiperativos.

Assim, consigo justificar e até enobrecer meus atos antes considerados abjetos: isolar-me na cama, fechar os olhos e ouvir a linda canção do nada. Ao inverter a Bíblia, torno-me um sábio que se pensa tolo. E valendo-me do oblomovismo tropical, arvorar-me em me julgar a um só tempo preguiçoso, revolucionário e respeitável. Siga o oblomovismo. Cultive o próprio bocejo e tome posse do universo. Viva a sua Jornada nas estrelas de calção e chinelos.
(Luís Antônio Giron escreve às quintas-feiras.)

Uma morada, muitas histórias


Reforma realça detalhes de antiga casa australiana

28/10/2012| POR REDAÇÃO; FOTOS REPRODUÇÃO

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  (Foto: Justin Alexander)
Esta casa charmosa em Wiston Gardens, Double Bay, na Australia, é fruto do talento de muitos homens. A arquitetura original de Leslie Wikinson foi atualizada e completada porLuigi Rosselli. Os espaços existentes foram alterados, os sistemas hidráulico e elétrico trocados para entrar em conformidade com as normas atuais, as esquadrias foram reformadas, as paredes receberam novos acabamentos, e o chão de concreto também recebeu alguma atenção.
A cozinha e os banheiros foram completamente refeitos, conquistando um ar de modernidade. Além disso, uma série de cômodos foram acrescidos: a biblioteca, o quarto dos brinquedos, a sala da família, a piscina e sua área social, a nova garagem, a adega e o depósito.
Os proprietários julgaram que no interior da construção original não havia área suficiente para seus livros, sua coleção de arte e para a própria família numerosa. Mesmo assim, tinham um carinho especial pela casa que compraram, pela riqueza de suas camadas, pela intensa fragmentação interna que revela a idade da construção. Por isso, decidiram que parte do trabalho de Luigi seria manter a complexidade proposta por Wikinson, mantendo nos novos ambientes a escala humana aconchegante característica da residência.
  (Foto: Justin Alexander)
As adições ocupam dois novos espaços, um escavado no rochedo atrás da casa e outro debaixo da terra, junto à parede de contenção do jardim frontal. A exceção à regra é o quarto dos brinquedos, que foi implantado na antiga garagem - que era estreita demais para dois carros. Para ligar esse ambiente à circulação da residência, foi escavado um fosso onde se construiu mais um lance de escadas, que se ligou à escadaria principal.
Com a reforma, a morada manteve um ar de vilarejo italiano na área externa, com seus espaços limitados, suas escadarias e paredes de pedra. Internamente, porém, a casa ganhou uma identidade moderna e discreta, preenchida com muito branco pelas paredes, e alguma cor na lombada dos livros, no mobiliário, no piso de madeira e na arte.
A satisfação com o resultado não foi apenas dos proprietários e dos arquitetos e designers - as instituições que analisam a produção arquitetônica parecem tê-lo aprovado também. A reforma, tão bem feita, recebeu cinco prêmios importantes no ano em que foi finalizada.
  (Foto: Justin Alexander)

  (Foto: Justin Alexander)

  (Foto: Justin Alexander)

  (Foto: Justin Alexander)

  (Foto: Justin Alexander)

  (Foto: Justin Alexander)

  (Foto: Justin Alexander)

Décor do dia: sala para as crianças



Um living familiar, moderno e alegre

03/11/2012 | POR REDAÇÃO; FOTO REPRODUÇÃO
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  (Foto: Divulgação)
Colorido e divertido, este ambiente é a extensão de dois quartos infantis que residem atrás das portas corrediças de madeira, ao fundo da imagem. Sem deixar de ser lúdica, a decoração é moderna, com elementos industriais presentes também no resto da residência. Dois elementos definem o uso deste espaço: o grande sofá customizado em e”L” e a estante repleta de livros ao fundo. A ideia dos projetistas do escritório Sullivan, Goulette & Wilson Architects foi criar um ambiente alegre e aconchegante onde a família possa se reunir e as crianças possam brincar e ler tranquilamente. O layout da sala está em constante mudança, livre para o aflorar da criatividade infantil. A cor do grande tapete que dá unidade às muitas cores e estampas do sofá é um dos itens de mais inteligência da composição: o cinza neutraliza e não fica sujo facil

Charge do Sponholz



Alpino e o Dia de Finados



Confissões de Marcos Valério podem complicar Lula em outros processos



Carlos Newton
No processo do mensalão, o publicitário Marcos Valério não tem mais possibilidade de ser beneficiado, porque só pode haver delação premiada antes do julgamento. Isso é óbvio, caso contrário nenhum criminoso pediria esse benefício durante o inquérito, simplesmente esperaria o julgamento e, se fosse condenado, aí sim solicitaria a delação premiada.
“Não pode haver delação premiada com o processo finalizado”, diz o presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, Alexandre Camanho, que está participando de um evento num resort de Porto de Galinhas (PE), o 29º Encontro Nacional de Procuradores da República.
E o procurador-geral Roberto Gurgel acrescenta: “A partir do momento em que o julgamento se iniciou, não seria possível falar em delação premiada, porque ela vem apenas até a fase de conclusão, finalização da instrução criminal, que se encerrou, na verdade, no início do ano passado”.
Como sabe, em setembro Marcos Valério marcou espontaneamente uma audiência com o procurador-geral e fez novos relatos sobre o caso, que incluem menções ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ex-ministro Antonio Palocci.
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O QUE PODE ACONTECER
Com o novo depoimento de Valério, agora a Procuradoria Geral da República está analisando se abre ou não novo processo para investigar a veracidade dos dados. A revista Veja, que tem acesso privilegiado a Valério, está publicando em capítulos o teor do novo depoimento dele.  No número que está nas bancas, a revista diz que Lula e Gilberto Carvalho estavam sendo chantageados em função da morte do prefeito petista Celso Daniel, de Santo André, marido do atual ministra Miriam Belchior. Carvalho era secretário de governo em Santo André.
É possível, portanto, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda venha a ser julgado pelo mensalão, caso haja fortes evidências de que ele era o mandante do esquema de compra de votos, já que não há dúvidas de que era o principal beneficiário.
O que muitos esquecem é o importante processo em andamento na Justiça Federal, em que Lula é acusado de favorecimento ao Banco BMG, um dos participantes do esquema do mensalão. Nesse caso, o depoimento de Marcos Valério poderá ser decisivo, embora já existam provas robustas contra Lula e o então ministro da Previdência, Amir Lando, que também está sendo processado junto com o ex-presidente.
Lula e Lando (parece dupla sertaneja) não perdem por esperar.

Por que a saúde no Rio fica a cargo de Organizações Sociais e ninguém investiga essas ONGs?



Theo Fernandes
A saúde está no caos,em nosso Estado do Rio de Janeiro, a obrigação constitucional do governo prestar o serviço de saúde hoje está nas mãos de OSs (Organizações Sociais e Ongs). Em nossa capital o prefeito Paes irá dar as OSs mais de um bilhão em 2013.
O governador Sergio Cabral e seu secretário de Saúde Sergio Cortes, participantes e defensores desse sistema, dizem  que essas entidades não têm fim luvrativo. É uma piada, basta fazer uma investigação séria (Ministério Público  e Tribunal de Contas) e os diretores e donos não ficarão bem no “figurino”. E nem não falo dos legislativos, pois muitos parlamentares são bancados pelo sistema.
O “Zé Povinho” paga mais de 5 meses anuais de salário em impostos, para ter atendimento à saúde de forma digna, e o que recebe: péssimo atendimento, com morte e aleijume!!. O jornais citam alguns casos, mas  e os que não aparecem!?
O Ministério da Saúde, Ministérios Publicos, Tribunais de Contas, Controladoria geral da União; Conselhos – Nacional, Estaduais e Municipais, a maioria não cumpre a obrigação legal do “Controle Social”. Infelizmente, esta é a situação do País, o SUS é a grande utopia nacional.
E o caso do incêndio na luxuosa cobertura do secretário de Saúde,  presidente do Conselho Estadual (raposa no galinheiro) não me deixa mentir. Foi levado para o Hospital Samaritano pelo SAMU, contrariando a Legislação, movimentou 5 unidades dos bombeiros, inclusive o quartel central, e deram a desculpa esfarrapada dele ”não ocupar”a vaga de um pobre no Hospital Público, sem contar a ocupação da ambulância do SAMU. É muita falta de vergonha na cara, é taxar o cidadão de idiota.
Na cidade em que vivo, Guapimirim, sou Conselheiro da Saúde, que tambem está no caos, denuncio as autoridades desde 2004, a falta de prestação de contas.  E o que elas fazem é um peixe faz: NADA. Esse não é um país sério e Ruy Barbosa está atualíssimo.
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FALTA SERIEDADE
Isac Mariano Correa Filho
Eu sou cirurgião-dentista, e também trabalho para o SUS, numa policlínica do Rio de Janeiro.
Nestes meus 15 anos de formado eu realmente tenho notado muita falta de seriedade na área de saúde, deste nosso Brasil. Muito mais na saúde pública, mas não somente nela!
Vejo muitos profissionais levando na brincadeira certas atividades. Contando piadas durante cirurgias, falando de futebol em momentos inadequados, atendendo celulares durante procedimentos que pedem concentração total, passeando de jalecos pelas ruas, restaurantes e lanchonetes, dentre mil outras situações inadequadas.
Tenho a convicção de que há uma cultura da “seriedade parcial” entre os profissionais da saúde, como um todo, mas não generalizo, claro! E essa se reflete, de forma global, em quase toda a saúde no Brasil. Em todos os níveis, do Ministro da Saúde até o mais simples auxiliar de enfermagem do mais interiorano município brasileiro.
Muita coisa precisa ser mudada. Mas deve começar nas salas de aula dos mais básicos cursos de formação de profissionais da saúde. E levará muito tempo. Aliás, tal mudança de cultura sequer começou. Para comprovar isso basta observar como os profissionais tem saído hoje dos cursos.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG (Tribuna da Internet) – Em qualquer país sério, o secretário Sergio Cortes estaria cumprindo pena por enriquecimento ilícito. Como explicar que um modesto servidor público de repente se torne dono de uma cobertura triplex na Lagoa, com cinco vagas na garage, e de uma mansão em Mangaratiba, no condomínio mais sofisticado na região de Angra. E tudo começou quando ele dirigiu o hospital do Instituto de Traumatologia, seu primeiro cargo público de relevo. (C. N.)

Fome: o desafio ético e político que confronta a humanidade - Leonardo Boff



Por causa da retração econômica provocada pela atual crise financeira, o número de famintos, segundo a FAO, saltou de 860 milhões para 1,2 bilhão. Tal fato perverso impõe um desafio ético e político. Como atender às necessidades vitais desses milhões e milhões?
Historicamente, esse desafio sempre foi grande, pois satisfazer demandas por alimento nunca pôde ser algo plenamente atendido, seja por causa do clima, da infertilidade dos solos ou da desorganização social. À exceção da primeira fase do paleolítico, quando havia pouca população e superabundância de meios, sempre houve fome na história. A distribuição foi quase sempre desigual.
O flagelo da fome não constitui, propriamente, um problema técnico. Existem técnicas de produção de extraordinária eficácia. A produção de alimentos é superior ao crescimento da população mundial. Mas eles estão pessimamente distribuídos: 20% da humanidade dispõe de 80% dos meios de vida, e 80% devem se contentar com apenas 20% deles. Aqui reside a injustiça.
O que ocasiona essa situação perversa é a falta de sensibilidade ética dos seres humanos para com seus coiguais. É como tivéssemos esquecido nossas origens, a cooperação que nos permitiu ser humanos.
Esse déficit em humanidade resulta de um tipo de sociedade que privilegia o indivíduo e menos o coletivo, valoriza mais a apropriação privada do que a coparticipação solidária, mais a competição do que a cooperação, dá mais centralidade aos valores ligados ao masculino, como a racionalidade, o poder, o uso da força, do que aos valores do feminino, como a sensibilidade aos processos da vida, o cuidado e a disposição à cooperação.
A ética vigente é egoísta e excludente. Não se coloca a serviço de todos. Mas está a serviço dos interesses de indivíduos ou de grupos, com exclusão de outros.
Uma desumanidade básica se encontra na raiz do flagelo da fome. Se não vigorar uma ética da solidariedade, do cuidado de uns para com os outros, não haverá superação nenhuma.
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PODER POLÍTICO
O desastre humano da fome é também de ordem política. A política tem a ver com a organização da sociedade, com o exercício do poder e com o bem comum. O poder político é refém do poder econômico, articulado na forma capitalista de produção. O ganho não é democratizado em benefício de todos, mas privatizado por aqueles que detém o ter, o poder e o saber; só secundariamente beneficia os demais. Cria desigualdades; para milhões de pessoas, sobram apenas migalhas para atender às suas necessidades vitais.
Se não se instaurar uma economia submetida à política, uma política orientada pela ética e uma ética inspirada numa solidariedade básica, não haverá solução para a fome.
A fome resulta também do desconhecimento da função das mulheres na agricultura. Segundo a FAO, são elas que produzem grande parte do que é consumido no mundo: de 80% a 98% na África subsaariana, de 50% a 80% na Ásia e 30% na Europa Central e no Leste. Não haverá seguridade alimentar caso não lhes seja conferido mais poder de decisão sobre os destinos da vida na Terra. Elas representam 60% da humanidade. Por sua natureza, são as mais ligadas à vida e à sua reprodução. É absolutamente inaceitável que, a pretexto de serem mulheres, se lhes neguem os títulos de propriedade e o acesso aos créditos e a outros bens culturais.
Sem essas medidas, continua válida a crítica de Gandhi: “A fome é um insulto; ela avilta, desumaniza e destrói o corpo e o espírito… senão a própria alma; é a forma de violência mais assassina que existe”.
(Transcrito do jornal O Tempo)

Todos os personagens de Santo André foram para a Casa Civil. Foi coincidência?



Antonio Santos Aquino
Chama atenção o fato de o então presidente Lula ter levado para a Casa Civil todos os personagens de Santo André, suspeitos ou próximos do “affaire” que resultou no assassinato do prefeito Celso Daniel.
Vejamos: Antonio Palocci ficou no lugar de Celso Daniel, que seria o coordenador da campanha de Lula; Miriam Belchior, que trocou o marido Celso pelo PT; Gilberto Carvalho, secretário de Governo de Santo André,  que recolhia as propinas e (segundo Bruno Daniel, irmão de Celso) entregava a Dirceu para a campanha do PT; José Dirceu, que foi retirado do processo por Nelson Jobim, no Supremo Tribunal Federal.
É tudo coincidência?

Jogo Brutus



Jacques Gruman
Ao Carlos Heitor Cony, por uma inspiração involuntária
Somos um país de torcedores. Como em folhetins de todas as épocas, existe uma tendência nacional de reduzir tudo a heróis e vilões. Para a turma da minha geração, a mamadeira já vinha acompanhada de boas doses de Ted Boy Marino contra Verdugo (no inesquecível Telecatch Montilla), de Mickey contra João Bafo de Onça, de Popeye contra Brutus, de Super Homem contra Lex Luthor. Esses polos deixam de ser inocentes manifestações de paixão quando se transportam para o mundo puro e duro.
Utilizar a linguagem dos quadrinhos para se entender a sociedade leva a aberrações como, por exemplo, chamar o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, de “vendido” e “traidor”, e o também ministro Joaquim Barbosa, de “herói nacional”. Ou vice-versa, dependendo do gosto do freguês. A simplificação do Fla-Flu nunca foi boa conselheira.
O julgamento do mensalão segue, em grandes linhas, o padrão das torcidas. Há um clima de quase histeria em certos momentos. O que me inquieta é a base movediça que informa os torcedores. Quantos deles têm acesso aos autos dos processos ? Quantos, entre eles, têm competência jurídica para avaliar pareceres e sentenças ? Quantos entendem o idioma dos Meritíssimos ? Isso vale, claro, para todos os “times” envolvidos e nos remete a uma questão essencial: uma vez que depende de interpretações, não há neutralidade na Justiça. Aliás, não há neutralidade na vida.
Não acredito na ingenuidade e “espírito público” dos ilustres petistas que indicaram oito dos onze ministros do STF (e também os dois procuradores do mensalão, o que fez a denúncia inicial e o atual). Desconfio seriamente que imaginavam criar uma boa blindagem no Judiciário, uma sublegenda legal de confiança. Não à toa, antes do julgamento, Jilmar Tatto, líder do PT na Câmara dos Deputados, declarou, com toda a arrogância a que tinha direito: “Os réus petistas vão ser todos absolvidos. Vocês vão ver. Os ministros do STF são corajosos”. Corajosos ? Hoje, são rotulados de “farsantes” por esses torcedores. O time deles, afinal, está perdendo.
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IMPUNIDADE
Parte do sentimento popular com relação à malha de corrupção que está sendo julgada vem da história de impunidade para os criminosos de colarinho branco. Como dizem os juristas, neste país só são condenados os três Ps: pobres, pretos e putas. Com bons advogados e legislação leniente, é praticamente impossível que os abastados paguem por seus crimes. No Brasil, existe uma aristocracia que se comporta com a absoluta certeza de que está acima da lei.
Além disso, há uma lamentável, mas compreensível, péssima avaliação dos políticos em geral, não raro comparados a bandidos. Na sua época, digamos, veemente, Lula chegou a dizer que havia 300 picaretas no Congresso. Hoje, seu partido dissolveu todas as fronteiras éticas e se alia com o que há de pior, em todos os sentidos, da política brasileira. Como explicar isso ao cidadão comum ? Como defender a atividade política, quando lideranças importantes prostituem suas biografias e aderem ao vale-tudo ?
Não vou cair na armadilha da arquibancada. Estou acompanhando com seriedade as sessões do STF, estranhando “dosimetrias” e outros jargões, mas me considero incapaz de avaliar o trabalho dos juízes. Minhas conclusões são, portanto, políticas, desenhadas a partir dos dados de conhecimento público. Há indícios muito fortes de que se montou uma operação financeira, alimentada em parte por recursos públicos, com o objetivo de corromper políticos da base aliada do primeiro governo Lula, garantindo, dessa forma, a “governabilidade” e o continuísmo.
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AMANCEBANDO-SE
O jurista Fábio Konder Comparato, um intelectual de esquerda, escreveu: “Esse partido (o PT) surgiu, e permaneceu durante alguns poucos anos, como uma agremiação política de defesa dos trabalhadores contra o empresariado. Depois, em grande parte por iniciativa e sob a direção de José Dirceu, foi aos poucos procurando amancebar-se com os homens de negócio”. Tarso Genro, quadro petista histórico, disse, em entrevista ao Estadão: “Que tem pessoas que cometeram ilegalidades, não tenho dúvida. Seria debochar da Justiça do país e do processo dos inquéritos achar que todo mundo é inocente”.
Lula teve, desde o início, um comportamento de biruta de aeroporto. Atordoado pelas denúncias iniciais, fez dois comentários sintomáticos … e conflitantes. Em entrevista dada em Paris, sem qualquer base factual, afirmou que tudo não passava de rearranjo de caixa dois de campanha, coisa que, no Brasil, “todo mundo faz”. Caixa dois que o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, dizia ser “coisa de bandido”. Em seguida, numa reunião ministerial, desabafou:
“Eu me sinto traído por práticas inaceitáveis sobre as quais eu não tinha qualquer conhecimento. Não tenho nenhuma vergonha de dizer que nós temos de pedir desculpas. O governo, onde errou, precisa pedir desculpas”. Jamais revelou quem traiu. Hoje, há uma blitzkrieg governista, recusando todas as denúncias e colocando-se como vítima de uma “farsa”, montada por “golpistas” e “conspiradores”. Da confirmação à negação total: uma ponte esquizofrênica.
Os estilhaços não param de se espalhar. Os que pretendem ser “prisioneiros políticos” se forem para a cadeia por corrupção ativa e formação de quadrilha são, não apenas um refluxo patético de seu passado militante, mas uma ofensa grave aos verdadeiros presos políticos de todos os quadrantes e épocas. Uma comparação inaceitável e demagógica.
Na entrevista ao jornal argentino La Nación, Lula não conteve a soberba: “Já fui julgado pelas urnas. A eleição de Dilma foi um julgamento extraordinário”. Ato falho ? Ao que se saiba, o companheiro ex-metalúrgico não está no banco dos réus. Ao menos por enquanto. É melancólico.
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NA DIREITA
Um esclarecimento indispensável. O PT não é uma associação criminosa, como verbera a mídia de direita. Não é, claro, o inimigo principal na luta por um Brasil socialista. Tem quadros e militantes dedicados, honestos e sinceramente empenhados em lutas progressistas. Ocorre que renunciou, faz tempo, à esquerda. O projeto do partido no poder tem sido administrar os interesses do capital, conciliar com as forças conservadoras e amortecer os conflitos sociais, cooptando organizações populares. Desde a Carta aos Brasileiros, de 2002, o PT adernou para o centro e, em muitas situações, à direita. Nas campanhas eleitorais, que praticamente não se diferenciam dos demais partidos, trata de não fazer marola e retira a política da agenda.
Hoje, é legítimo perguntar: qual é o projeto político do PT ? Não levo a sério essa história de “conspiração” e ameaça às elites. Luta de classes é um conceito manipulado pelo PT ao sabor das conveniências. Quando se trata do mensalão, são a “mídia golpista” e as “elites” que querem destruir um partido de origem popular. Quando se trata de atender às demandas da burguesia, estende-se o tapete vermelho e toma de isenção fiscal, aumento de crédito e outros mimos. Replica o modelo consumista dos países capitalistas centrais, sem uma crítica consistente às limitações desse modelo.
Como nas novelas policiais, fica a pergunta: alguém irá preso ? No Brasil, não há a mínima condição de se responder. Tudo tem um bouquet meio shakespeareano. No magnífico Julio César, há o discurso de Marco Antônio, amigo do candidato a ditador que é assassinado. Os conspiradores convencem o povo, num primeiro momento, de que o crime tinha sido necessário para abortar a ameaça de um regime tirânico. Chega Marco Antônio e, com extrema habilidade, muda o estado de espírito da massa. Ficou célebre sua ironia sobre Brutus, um dos assassinos: “Venho aqui no funeral de César. Ele era meu amigo, fiel e justo comigo. Mas Brutus disse que ele era ambicioso, e Brutus é um homem honrado”. Todos os delinquentes se acham homens honrados. Há outra passagem no texto, menos citada. César tinha medo da inteligência. Referindo-se a um senador, diz: “Ele pensa demais. Homens assim são perigosos”. Profetas e Padins Ciços concordariam com César. E eles abundam no Brasil.
PS: A cara feia do fascismo: Dois graves incidentes marcaram a eleição de ontem em São Paulo. No primeiro, o ministro do STF Ricardo Lewandowski foi ofendido enquanto aguardava para votar. “Bandido, corrupto, ladrão, traidor”, gritaram-lhe alguns eleitores. No segundo, o coordenador da Comissão de Ética do PT paulista, Danilo Camargo, que é advogado (!), agrediu a socos o humorista Oscar Filho, do programa “CQC”, da TV Bandeirantes. Alegou ter sido “provocado”. Expando aos dois casos a nota do presidente da OAB-RJ, Wadih Damous, que se referiu apenas ao ministro Lewandowski: “Trata-se da conduta de vândalos, com conotações fascistas”. Caso de gente que só sabe conviver com o sim, senhor.

Livre pensar é só pensar (Millôr Fernandes)



Temos que aprender com os americanos como se faz



Nelson Pinheiro
Estava eu domingo assistindo futebol americano com o meu filho que entende as regras e ia me ensinando. Não vou lembrar o nome das equipes, mas a visitante estava ganhando de 26 a 23, era o último ataque da equipe local para fazer um “touchdown”, que é o gol deles, faltavam “7 segundos” para o término do jogo quando o lançador encontra o atacante livre na linha final, ele salta encaixa a bola e cai….ihihihih… Touchdown!
O estádio lotado foi ao delírio, 72 mil pagantes para um jogo no meio da temporada é de causar inveja por aqui no país do futebol. Mas eis que, pára tudo! Os juízes se reúnem, analisam o vídeo tape e percebem que o atacante ao cair toca os dedos fora do campo e o gol (touchdown) é anulado.
O juiz principal se encaminha ao centro do gramado e anuncia para todo o estádio a decisão de anulação do touchdown, tempo em que as imagens eram transmitidas pelo telão. Um detalhe, todo o estádio ouve o que o juiz diz. Nenhuma confusão acontece. Todos respeitam a decisão dos juizes. Tudo isso não levou 1 minuto e a regra foi cumprida.
Voltando a nossa realidade : Internacional x Palmeiras. O jogo fica parado “7 minutos” para o juiz decidir o que todo mundo viu, gol ilegal do Palmeiras. Confusão geral e ainda querem anular o jogo!
Quem foi que disse que o nosso esporte é mais dinâmico que o dos americanos, por isso não pode parar tanto? Lá os estádios estão lotados, não há brigas, a segurança é total, os juízes não erram porque têm o recurso tecnológico e todos bebem cerveja.

Curiosidades literárias: Drummond foi expulso do colégio, por se desentender com o professor de Português



Antônio M. Rocha
Aos dezessete anos, Carlos Drummond de Andrade foi expulso do Colégio Anchieta, em Nova Friburgo (RJ), depois de um desentendimento com o professor de português. Imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho. Ninguém notou. Tinha a mania de picotar papel e tecidos. “Se não fizer isso, saio matando gente pela rua”. Estraçalhou uma camisa nova em folha do neto. “Experimentei, ficou apertada, achei que tinha comprado o número errado. Mas não se impressione, amanhã lhe dou outra igualzinha.”
 Drummond jovem, retratado por Portinari
Numa das viagens a Portugal, Cecília Meireles marcou um encontro com o poeta Fernando Pessoa no café A Brasileira, em Lisboa. Sentou-se ao meio-dia e esperou em vão até as duas horas da tarde. Decepcionada, voltou para o hotel, onde recebeu um livro autografado pelo autor lusitano. Junto com o exemplar, a explicação para o “furo”: Fernando Pessoa tinha lido seu horóscopo pela manhã e concluído que não era um bom dia para o encontro.
Érico Veríssimo era quase tão taciturno quanto o filho Luís Fernando, também escritor. Numa viagem de trem a Cruz Alta, Érico fez uma pergunta que o filho respondeu quatro horas depois, quando chegavam à estação final.
Clarice Lispector era solitária e tinha crises de insônia. Ligava para os amigos e dizia coisas perturbadoras. Imprevisível, era comum ser convidada para jantar e ir embora antes de a comida ser servida.
Monteiro Lobato adorava café com farinha de milho, rapadura e içá torrado (a bolinha traseira da formiga tanajura), além de Biotônico . “Para ele, era licor”, diverte-se Joyce, a neta do escritor. Também tinha mania de consertar tudo. “Mas para arrumar uma coisa, sempre quebrava outra.”
Manuel Bandeira sempre se gabou de um encontro com Machado de Assis, aos dez anos, numa viagem de trem. Puxou conversa: “O senhor gosta de Camões?” Bandeira recitou uma oitava de Os Lusíadas que o mestre não lembrava. Na velhice, confessou: era mentira. Tinha inventado a história para impressionar os amigos. Foi escoteiro dos nove aos treze anos. Nadador do Minas Tênis Clube, ganhou o título de campeão mineiro em 1939, no estilo costas.
Guimarães Rosa, médico recém-formado, trabalhou em lugarejos que não constavam no mapa. Cavalgava a noite inteira para atender a pacientes que viviam em longínquas fazendas. As consultas eram pagas com bolo, pudim, galinha e ovos. Sentia-se culpado quando os pacientes morriam. Acabou abandonando a profissão. “Não tinha vocação. Quase desmaiava ao ver sangue”, conta Agnes, a filha mais nova.
(Texto enviado por Mário Assis)

Valério afirma que PT lhe pediu dinheiro no caso Celso Daniel, diz revista


Operador do mensalão teria recusado proposta de pagamento a empresário que envolveria Lula na morte do ex-prefeito


SÃO PAULO - Reportagem da revista “Veja” desta semana afirma que o operador do mensalão, Marcos Valério, foi procurado pelo PT para pagar um empresário que ameaçava envolver o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a morte do então prefeito de Santo André, Celso Daniel, assassinado em 2002.
Valério teria negado, segundo declaração à “Veja”. “Eles achavam que [o pagamento] ia ser através de mim, eu falei assim: 'Nisso aí eu não me meto, não'”Segundo o Ministério Público de São Paulo, durante a gestão do ex-prefeito petista Celso Daniel na prefeitura de Santo André, foi montado um esquema de desvio de recursos públicos. O dinheiro desviado iria financiar campanhas políticas do PT. Divergências em relação ao esquema teriam levado o empresário Sergio Gomes da Silva, amigo de Daniel, a encomendar o assassinato do então prefeito.Segundo a reportagem de “Veja”, a chantagem envolvia o empresário Ronan Maria Pinto, apontado pelo Ministério Público de São Paulo como integrante de um esquema de recolhimento de propina montado pelos petistas na gestão de Daniel. Ronam, de acordo com a reportagem, ameaçava envolver Lula e Gilberto Carvalho no episódio e pedia dinheiro para ficar em silêncio. Foi com esse cenário que Valério foi chamado pelo então secretário-geral do PT, Silvio Pereira, para uma reunião. A ideia era utilizar Valério para realizar os pagamentos a Ronan.
Segundo a “Veja”, apesar da negativa de Valério, Ronan acabou sendo pago por um “amigo pessoal de Lula”, por meio de um banco “que não faz parte do mensalão”.
O publicitário estaria disposto a revelar mais informações à Justiça, em troca de benefícios no cumprimento da sua pena. Ainda segundo a revista, Valério também diz ter informações sobre o escândalo dos aloprados, em que militantes petistas foram presos em um hotel de São Paulo. O dinheiro seria utilizado para comprar um dossiê contra adversários do partido.
Marcos Valério também já tinha mencionado o nome do prefeito Celso Daniel em depoimento prestado ao procurador-geral da República, Roberto Grugel, em setembro. De acordo com reportagens da edição anterior de “Veja” e do jornal “Estado de S. Paulo” de ontem,Valério mencionou nomes que não foram citados no processo em julgamento no Supremo Tribunal Federal, como o do ex-presidente Lula e do ex-ministro Antonio Palocci. O publicitário informou ainda ter feito outras remessas de recursos para o exterior e falou sobre o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel.
A edição anterior da revista traz a informação de que, também em setembro, Valério enviou um fax ao Supremo Tribunal Federal pedindo proteção de vida em troca de informações.
“Veja” diz ter gravações de conversa
Em entrevista publicada na noite de quinta-feira pelo portal de notíciasComunique-se, a direção da revista Veja confirmou, pela primeira vez, ter entrevistado Marcos Valério e gravado a conversa que embasou a reportagem.
Antes, a revista alegava que a reportagem havia sido feita com base em revelações de Marcos Valério a parentes, amigos e associados. Na “Carta ao Leitor” daquela edição, inclusive, a direção afirmava que Valério “não quis dar entrevista sobre as acusações indiretas do envolvimento de Lula”.
Segundo Eurípedes Alcântara, diretor de redação, o publicitário é quem vai decidir se o conteúdo da gravação realizada será divulgado ou não. Para o executivo da Editora Abril, a exposição do material é "uma prova desnecessária" para comprovar que o encontro realmente aconteceu.
Logo após a publicação da reportagem, o advogado de Valério, o criminalista Marcelo Leonardo, disse que seu cliente não deu a entrevistae negou as declarações atribuídas a ele. O fato levou o colunista do GLOBO Ricardo Noblat a aventar a possibilidade de a revista publicar o conteúdo das conversas - o que não aconteceu.

Oposição cobra investigação da PGR sobre fala de Valério



VEJA detalhou o que o operador do mensalão revelou em depoimento, com detalhes de sua ligação criminosa com o PT - passando pelo caso Celso Daniel

Gabriel Castro
Roberto Freire: “Um partido não pode ser penalizado pela formação de outro”
O presidente do PPS, Roberto Freire: visita à PGR (Beto Oliveira/Agência Câmara)
Lideranças da oposição reagiram neste sábado às novas revelações do operador financeiro do mensalão, Marcos Valério, publicadas por VEJA. A edição que chegou às bancas nesta sexta-feira mostra como o publicitário procurou o Ministério Público Federal para contar parte do que, até então, mantivera oculto - o que inclui até um elo com o caso Celso Daniel.
O presidente do PPS, Roberto Freire, diz que a reportagem torna ainda mais urgente a abertura de um inquérito na Procuradoria Geral da República para apurar os aspectos ainda desconhecidos do esquema de Marcos Valério - especialmente a participação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no mensalão. 
Representantes da oposição já tinham agendado uma ida à PGR nesta terça-feira; eles pedirão que o Ministério Público abra um inquérito para investigar o papel de Lula no esquema do mensalão. "Nós temos que nos posicionar, não podemos esperar. A cada dia surgem novos fatos. Nós precisamos que o Ministério Público abra um novo inquérito para investigar tudo isso", disse Roberto Freire, presidente do PPS.
O líder do PSDB no Senado, Alvaro Dias, diz que a caixa-preta petista deve ser objeto de apuração: "Isso é muito sério. É preciso que haja a abertura do inquérito e que se leve a fundo a investigação", disse o senador.
Líder do PPS na Câmara, o deputado Rubens Bueno (PR) diz que as novas informações sobre o caso Celso Daniel mostram, mais uma vez, a complexidade das ações criminosas envolvendo o PT:  "Isso não vai acabar tão cedo. Cada vez que você mexe, você puxa um fio de uma meada maior. E chega ao Lula. Nada disso aconteceu sem o seu conhecimento e sem sua ordem de comandante do processo."
A ida à PGR na próxima semana não foi consenso entre os três partidos de oposição: o comando do DEM avalia que um eventual arquivamento da representação contra Lula poderia ser visto como uma absolvição do petista. O PSDB também titubeia. O PPS não: "Os outros partidos que tomem o caminho que quiserem. O PPS vai cumprir a sua obrigação", diz Rubens Bueno. 
Revelações - O relato do publicitário à PGR, feito em um depoimento prestado em setembro, dá conta de que Lula e seu braço-direito, Gilberto Carvalho (atual secretário-geral da Presidência), estavam sendo extorquidos por figuras ligadas ao crime de Santo André – em especial, o empresário Ronan Maria Pinto, apontado pelo Ministério Público como integrante de um esquema de cobrança de propina na prefeitura que fora comandada pelo petista Celso Daniel, assassinado em 2002.
Procurado por integrantes do PT para dar aos achacadores o dinheiro que eles buscavam, Valério recusou: "Nisso aí, eu não me meto", disse ele em um encontro com Sílvio Pereira, então secretário-geral do PT, e Ronan. 
Valério também contou aos investigadores ter informações sobre o papel de Lula no esquema do mensalão. Mas ainda não disse tudo o que sabe: o publicitário quer garantias de que, em troca da delação, pode ter benefícios no cumprimento de sua pena.
Valério foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 40 anos de prisão. É provável que sua delação tardia não tenha grandes efeitos sobre a pena que terá de cumprir. Mas pode ajudar o país a resolver questões que ficaram sem resposta nos últimos anos.