domingo, 28 de setembro de 2014

Nossa atração pelos vilões, os novos heróis. Por Claudia Penteado


Na 'Visita' de hoje, Claudia reflete sobre o anti-herói "libertador", que mostra na ficção a face obscura de todos nós

28/09/2014 11h27


Por que "o sombrio" tem hoje tanta audiência? (Foto: Silena Lambertini)
Quando eu era adolescente, lembro que as séries e programas que eu mais gostava na TV eram, em geral, de humor. Os dramas se restringiam às novelas mexicanas, a alguns personagens da novela das 8 e ao cinema, claro. Jeannie é um gênio, Os Trapalhões, intermináveis sessões da tarde, depois Friends, Seinfeld e Sex and the city. Em fases diferentes, captavam minha atenção pelo teor principalmente humorístico de seus personagens e um jeito leve de olhar a vida.
De alguns anos para cá, não sei se porque eu mudei, ou porque o mercado mudou, ou um misto dos dois, passei a me sentir atraída por uma verdadeira escória humana em forma de personagens em dramas onde não há sequer uma pessoa feliz. Nem mesmo os cães. O que houve?
Que atração é essa por dramas e que proliferação louca é essa de séries como The Killing, The Leftovers, House of Cards, Dexter, Breaking Bad, com personagens atormentados, egoístas, gananciosos, maus como pica-paus, essencialmente tristes, sequelados pelas agruras da vida quando não seriamente doentes na alma?
O que se tornou frouxo e desinteressante nos finais felizes, nas piadas e risos entremeando os diálogos, e moveu as atenções para histórias estreladas por vilões sem escrúpulo, que sofrem consequências implacáveis pelos seus atos, nos envolvem numa aura de ambiguidade sem fim e atrapalham nosso sono?
Comecei a assuntar sobre o tema e, ao mesmo tempo, olhar um pouco para dentro, em busca de algumas respostas. O que me atrai em histórias como Breaking Bad, por exemplo, (que conta a saga de um professor de química dono de um imenso orgulho ferido que de repente se vê com pouca grana, mulher grávida e um câncer no pulmão), é a curiosidade de espiar dentro da mente de uma alma atormentada e transitar em territórios novos, inexplorados. A ficção nos leva a vidas não vividas, a lugares de acesso – a princípio - proibido.   
Um amigo roteirista diz que o anti-herói é libertador porque faz coisas que nós não podemos fazer. “Você se identifica com o que fala com você, com medos, ideias e sonhos”, diz a psicóloga.
Ver personagens sem talento em diversas áreas de vida nos liberta e exercita o pensamento em torno das nossas próprias cobranças. Ver mães absolutamente inaptas como a detetive Linden, em The Killing, traumatizados na infância como Dexter ou ainda lidando com perdas gigantescas como os abandonados da série The Leftovers nos põe em contato com dores certamente desconhecidas em sua intensidade mas familiares em alguma medida, pois todos temos nossos traumas, uma certa falta de traquejo para viver no mundo,  nossas carências.
O amigo roteirista diz que todo mundo é péssimo em alguma área da vida - daí a empatia com essas pessoas ficcionais que se tornam reais, parceiros, amigos, que passamos a conhecer melhor do que a nossos amigos, quiçá filhos, maridos, esposas.
Eu diria também que as dores distantes – as da ficção - são mais palatáveis, mais digeríveis. Tragédias vividas na ficção são uma espécie de “treino” para o mundo real, acreditam alguns, mas o fato é que mantêm a dor a uma distância segura regulamentar. Na ficção, a dor é a dor do outro que não nos afeta a alma.
Atualmente, há uma máxima na dramaturgia tradicional que demanda aos roteiristas que evitem pessoas medianas: é preciso desenvolver personagens extremos, porque é por elas que as pessoas se interessam mais. Mas o que são, afinal, pessoas medianas? Eu acredito firmemente que elas não existem. Todas as pessoas possuem vidas interiores secretas e, por mais medianas pareçam, vivenciam longe das vistas da maioria experiências e histórias “extremas” – essas que tanto captam a nossa atenção.
Outro amigo repete: pessoas normais não rendem histórias. E quem é normal, afinal? O que me atrai nesses personagens e suas histórias interessantes, creio, é justamente a sensação de que não sabemos nada sobre ninguém e aqueles que têm, aparentemente, uma vida “normal”, podem ter uma vida interior rica e inacessível. A ficção faz o papel da lente de aumento que nos dá o privilégio de passear pelo mundo interior das pessoas aparentemente medianas, saber seus pensamentos mais angustiantes, seus dramas mais conflituosos, acompanhar suas piores decisões.
Nelson Rodrigues mostrou em suas peças “a sombra” das pessoas comuns da classe média carioca exatamente como quem espia pelo buraco da fechadura e descobre o lado mais primitivo – e real – de cada um. Para ele, o canalha é uma dimensão que existe em qualquer um, e todo grande homem é obsessivo.  Ele  disse, certa vez, que para ser purificadora, a ficção precisa ser atroz. “O personagem é vil para que não o sejamos. Ele realiza a miséria inconfessa de todos nós”. Portanto, o que seria de nós sem a ficção?
Esse mundo de pessoas cheias de conflitos, segredos, me faz olhar ao meu redor com a curiosidade ampliada. E também com menos idealização e ilusões a respeito de finais felizes, casamentos-modelo e vidas perfeitas. Não acredito em pessoas normais, medianas, ou comuns. Ou completamente felizes ou tristes. Pessoas são interessantes, e conhecê-las melhor, ou ler e escrever sobre elas é um exercício fascinante.
De vez em quando até faz bem ver um final “feliz” – ainda que contido, como o dos personagens principais da série The Killing. Com olhares mais resignados do que felizes, foi também a eles permitido superar suas (muitas) mazelas e encontrar um lugar mais aconchegante no mundo – depois, claro, de um bocado de batalha e sofrimento. Não é assim, afinal de contas, com boa parte das pessoas?
Gostar de histórias “esquisitas”, afinal de contas, não nos torna melhores ou piores, mas nos enriquece de possibilidades, de imaginação, de fantasia, de criatividade – alimentos da alma.
Bom domingo!

PAULO ROBERTO COSTA REVELA: PALOCCI PEDIU DINHEIRO DA QUADRILHA QUE OPERAVA NA PETROBRAS PARA A CAMPANHA DE DILMA

sábado, 27 de setembro de 2014


Segundo Paulo Roberto, em 2010,  Palocci apelou ao esquema corrupto para financiar a campanha de Dilma
Segundo Paulo Roberto, em 2010, Palocci apelou ao esquema corrupto para financiar a campanha de Dilma
O engenheiro Paulo Roberto Costa, que está preso na Polícia Federal do Paraná, deve ser solto até esta segunda-feira. Será monitorado por uma tornozeleira eletrônica. A liberdade é parte do acordo de delação premiada. De saída, pode-se afirmar que a concessão só está sendo feita porque se considera que, até aqui, ele efetivamente está contribuindo para desvendar os meandros dos crimes cometidos pela quadrilha que operava na Petrobras. Há duas semanas, VEJA revelou parte do que ele disse à Polícia e ao Ministério Público, incluindo a lista de políticos que, segundo ele, se beneficiaram do esquema. Lá estão cabeças coroadas do Congresso e também o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto. Na edição desta semana, VEJA revela um conteúdo que compõe o núcleo atômico da denúncia. Paulo Roberto Costa liga o esquema corrupto à eleição de Dilma Rousseff em 2010. É isso mesmo!
Paulo Roberto Costa, como se sabe, era diretor de Abastecimento da Petrobras. Por sua diretoria, passavam negócios bilionários, como a construção de refinarias, aluguel de navios e plataformas e manutenção de oleodutos. Ele chegou ao posto em 2004 — e lá permaneceu até 2012, já no governo Dilma — pelas mãos do PP, mas foi adotado depois pelo PMDB e pelo PT. As empreiteiras que negociavam com ele pagavam 3% de comissão, e o dinheiro era distribuído, depois, a políticos. Sim, Paulo Roberto Costa pegava a sua parte. Só em uma de suas contas no Exterior, há US$ 23 milhões.
Era íntimo do poder. Lula o tratava por “Paulinho” — o Apedeuta, como se sabe, é doce com os amigos… Pois bem: Paulo Roberto Costa revelou à Polícia Federal e ao Ministério Público que, em 2010, foi procurado por Antonio Palocci, um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff à Presidência. O ex-ministro da Fazenda, que já tinha sido membro do Conselho da Petrobras, precisava, com urgência, de R$ 2 milhões. Sim, vocês entenderam: pediu, segundo o engenheiro, que a quadrilha que traficava com o interesse público lhe arrumasse a dinheirama. Nota à margem: em 2010, Palocci era um dos três homens fortes da campanha de Dilma. Os outros dois eram José Eduardo Cardozo, hoje no Ministério da Justiça, e José Eduardo Dutra, hoje em uma diretoria da Petrobras. Dilma os apelidou de seus “Três Porquinhos”. Palocci, um dos porquinhos, virou ministro da Casa Civil, mas teve de deixar o cargo porque não conseguiu explicar como ficou tão rico atuando como… consultor. Adiante.
Dilma tem feito o diabo para sustentar que não sabia da casa de horrores em que havia se transformado a Petrobras. Como notou um ouvinte de “Os Pingos nos Is”, o programa  diário que ancoro na Jovem Pan, a “candidata Dilma” é aquela que finge saber tudo, e a “presidente Dilma” é aquela que nunca sabe de nada.
O dinheiro, afinal, foi parar no caixa dois da campanha de Dilma? A ver. Paulo Roberto Costa operava por cima: negociava a propina com as empreiteiras, pegava a sua parte e depois deixava a cargo dos políticos. A sua diretoria pertencia à cota do PP — e foi a essa cota que Palocci pediu o dinheiro. A distribuição da bufunfa era feita pelo doleiro Alberto Youssef, que também fez um acordo de delação premiada. Ele poderá dizer se a dinheirama ajudou a financiar a campanha da agora presidente, que concorre à reeleição.
Embora adotado pelo PMDB e pelo PT, reitere-se, Paulo Roberto Costa era o homem do PP. Os petistas, no entanto, tinham também o seu braço na estatal: Renato Duque, que ficou 10 anos na Diretoria de Serviços. Segundo Paulo Roberto, Duque operava exclusivamente para os petistas. Não percam isto de vista: de acordo com a denúncia, Palocci foi pedir R$ 2 milhões da cota do PP. Se mais pediu de outras cotas, eis uma possibilidade que tem de ser investigada.
Atenção! Paulo Roberto Costa só poderá ser beneficiado pelo estatuto da delação premiada se as informações que fornecer forem úteis à investigação. Se está prestes a sair da cadeia, é sinal de que a apuração está avançando. Palocci e Dilma negam qualquer irregularidade e dizem não saber de nada. Por Reinaldo Azevedo

Pagamos pela mordomia de poucos. Por Mônica El Bayeh


Na 'Visita' de hoje, Mônica se revolta, como professora e mãe, contra a boquinha educação pedida pelos juízes

21/09/2014 07h39 - Atualizado em 21/09/2014 11h19
- Ele tem de roubar, professora! Ele tem três filhos para sustentar!
- Pois eu tenho dois e não roubo ninguém.
O raciocínio de minha aluna faz um desvio do bem, da ética e da moral para proteger quem lhe é querido. É um raciocínio torto e cínico. É aluna de escola pública. Pobre. Favelada. Explica? Justifica? Pois tem juiz fazendo pior. Muito pior.
O mais recente raciocínio torto e cínico do Poder é a boquinha educação que os juízes e desembargadores querem para si. 
A desembargadora Leila Mariano, presidente do Tribunal de Justiça do Rio, enviou um projeto de lei à Alerj em caráter de urgência. Ela pede a aprovação de um auxílio-educação de até R$ 7.250 mensais para filhos de juízes e desembargadores.
Fiquei até feliz, sabia? Eu estou sendo descontada pelo prefeito Eduardo Paes há meses por conta de uma greve. A greve da educação era mais do que justa. Mas, aos olhos da justiça vendada, foi ilegal.
Achei que só eu, sem meu salário, estivesse na maior pindaíba. E olhe meu espanto: a vida dos juízes está muito pior! Se estão precisando de ajuda até para pagar escola dos filhos, a coisa está feia mesmo! Coitados! Fiquei com pena.
Você, que trabalha uma média de trinta a quarenta horas semanais, ganha R$ 7.250 mensais? Tem ideia de em quantas escolas um professor de escola pública precisa trabalhar para ganhar isso? Só para constar, a hora-aula de um professor do estado no Rio de Janeiro é de R$ 18,42. Isso porque teve aumento mês passado!
O sofrido povo brasileiro mais uma vez é obrigado a pagar pela mordomia alheia. Farinha pouca meu pirão primeiro, né? Vamos negociar, doutora? A situação está difícil aqui também.  Esse angu era para ser dividido. Mas para a gente só vem o caroço. Uma vaguinha no município, nem pensar, Vossa Excelência?
Já que a greve dos professores foi julgada ilegal, é sinal de que os educadores estão enganados. E que as escolas do município são tão boas que seriam um lugar perfeito para seus filhotinhos amados. Isso fora o intercâmbio cultural que eles fariam com o pessoal lá do morro! Desculpe, é comunidade agora. Esqueci. Faz toda a diferença! Nomenclatura é tudo!
Consigo visualizar seus filhos subindo morro para fazer trabalho de grupo. Vão de motorista, de Kombi ou de motoboy? Os meninos vão ensinar seus filhos a soltar pipa, jogar bola descalço, dançar funk. E como dançam, viu? Parecem de borracha. Nossos meninos também são bons, Excelência. Também têm potencial e merecem boa educação. Vamos juntar?
No Estado a situação não fica nada a dever também. A escola que vem sendo sucateada pelos governos passados de Garotinho, Rosinha, Cabral e Pezão é um lugar seguro, tranquilo, ótimo nível e acolhedor. Sugiro que experimentem.
R$ 7.250 mensais é muitas vezes mais que o salário mínimo dos trabalhadores honestos espremidos diariamente nos trens da Central e nos vagões de metrô. Paga o salário de seis professores e meio. É triste a situação dos educadores do município e do estado do Rio de Janeiro. Não é à toa que que, em oito dias, 233 pediram para sair.
O custo desse benefício vale para os filhos e dependentes dos magistrados que tenham entre oito e 24 anos. Eu não imaginava que os magistrados amigos estivessem nessa situação. Que me conste, os magistrados do Rio - ao contrário dos professores - estão entre os mais bem pagos do Brasil. E recebem salários que chegam a R$ 29 mil. Isso fora os auxílios. É pouco? Para quem? Para quem paga ou quem recebe?
No Brasil é precisamente o excesso de boca de uns que deixa os outros na fome. O olho grande dos que têm o poder e o dinheiro nas mãos, mas não usam para servir. Só para se servir. Vontade de gritar:
- Ei, não faz isso, não! É meu também. Trabalhei muito por ele.
Não me escutam. Nunca escutam. Não lhes pesa o mal que fazem? Não lhes dói a consciência? Ou será que culpa e ética são coisa só de pobre? Não acredito que seja.
A boquinha de poucos é a fome de muitos, quase todos nós. A voracidade dos que deveriam nos proteger e dar exemplo chega a ser imoral. Vergonha alheia.

perfil Mônica El Bayeh - blog da Ruth (Foto: ÉPOCA)

Os candidatos que "farão pela saúde, pela educação e pelos idosos"


Promessas genéricas não acabam com as filas do SUS. De onde sairá o dinheiro para financiar os serviços com que os brasileiros sonham?

CRISTIANE SEGATTO
29/08/2014 16h18 - Atualizado em 29/08/2014 16h59
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Poucos hits da internet traduzem tão bem o vazio de ideias e o deboche do horário eleitoral gratuito quanto o vídeo “Programa Político”, estrelado pelo ator Fábio Porchat, no canal Porta dos Fundos. É uma maravilha:

“Vote naquele que fará pela saúde, pela educação, pelos idosos”, diz o candidato. “Ah, pelos idosos...” E cai na gargalhada. Não vou contar o final para não estragar a surpresa, caso alguém ainda não conheça esse retrato perspicaz dos maus hábitos da nossa política.
 
Subestimar a inteligência do eleitor é uma prática disseminada. Não sei até quando ela vai funcionar. Mesmo com os imensos déficits de educação do Brasil, hoje qualquer pessoa com acesso à internet pode confrontar afirmações levianas e promessas sem pé nem cabeça com fatos e números. E quem tem disposição e habilidades suficientes para consultar as fontes corretas pode facilmente se transformar num multiplicador de conhecimento por meio das redes sociais. 
 
Sucessivas pesquisas demonstram que a saúde é a maior preocupação dos cidadãos. O que me intriga, eleição após eleição, é a falta de coragem dos candidatos de enfrentar as discussões duras e objetivas sobre o financiamento do sistema de saúde. Ele não vai melhorar enquanto os brasileiros continuarem caindo no conto das medidas emergenciais e eleitoreiras.
 
O SUS foi criado em 1988 com a melhor das intenções. Se funcionasse como o previsto na Constituição, seria um belíssimo instrumento de justiça social. Para ser justo e universal, para oferecer tudo (todo e qualquer tipo de tratamento) para toda a população (dos mais pobres aos mais ricos), o SUS precisa receber mais dinheiro. E, ainda assim, talvez não fosse possível oferecer todas as novas e caríssimas soluções criadas pela indústria farmacêutica. Nenhum país do mundo consegue fazer isso.

Os cerca de 9% do PIB que o Brasil aplica em saúde (somando-se os recursos públicos e privados) não sustentam o sistema imaginado em 1988. Como resolver a equação? Nesta eleição, ressurgiu a promessa de aplicar em saúde 10% do orçamento da União.
Isso é defendido por muitos especialistas desde os anos 80. É uma ideia justificável. O gasto público do país por habitante (US$ 474, segundo dados de 2010 reunidos pela OMS) é inferior ao gasto da Argentina (US$ 851), do Chile (US$ 562), da França US$ 3.075) e do Reino Unido (US$ 2.857).

Adoraria que o aumento do investimento em saúde pelo governo federal virasse realidade, mas é o tipo de promessa que tem grandes chances de ficar pelo caminho. Ela só poderia acontecer se houvesse um crescimento econômico espetacular – algo distante da realidade brasileira.
 
Os candidatos que fazem essa promessa precisam dizer com todas as letras como pretendem fazer isso. Vão aumentar impostos? Tirar dinheiro de outros ministérios? A discussão não deve ficar só no dinheiro. O que vão fazer para melhorar a gestão do SUS?
 
Há medidas impopulares no horizonte, como limitar o atendimento público a determinadas faixas de renda? Garantir o acesso a um determinado pacote de programas, tratamentos e drogas -- e só a eles? O que pretendem fazer para reduzir as ações judiciais de cidadãos que exigem todo e qualquer recurso de saúde – independentemente do preço e de estar ou não disponível no SUS?
 
Ninguém é capaz de assumir o ônus político de dizer que medidas impopulares podem ser necessárias para tornar o SUS verdadeiramente justo e universal. Sobra emoção e falta racionalidade quando se discute os rumos da saúde.

Se queremos um SUS melhor, precisamos nos armar de calculadoras. Fazer contas, mergulhar em planilhas, cobrar resultados e desprezar os políticos que só dizem generalidades.
 
São muitas as medidas necessárias para melhorar a assistência à saúde. Uma delas é garantir a correta distribuição dos recursos públicos entre as regiões. Um bom começo é investir na construção de um mapa das reais necessidades de cada região. Isso permitirá que o investimento seja feito de forma correta, na área que mais precisa dela.

Só com organização de alto nível é possível conter desperdício e transformar dinheiro em qualidade de vida. Em alguns estados do Nordeste, por exemplo, o número de mamógrafos disponíveis no SUS encontra-se acima do parâmetro adequado. Mesmo assim, a quantidade de mamografias realizadas está abaixo do esperado. Como isso é possível?

“Muitas mulheres faltam ao exame agendado porque não têm dinheiro para pagar o transporte”, diz o médico David Souza, professor de gestão em saúde do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
 
Não há dúvida de que os recursos da saúde são escassos, mas a falta de racionalidade nos três níveis de gestão (governo federal, estados e municípios) produz desperdício sem melhorar a vida das pessoas. Racionalizar, segundo a definição de David Souza, significa o seguinte:
• Fazer um diagnóstico preciso das necessidades de saúde da população
• Construir protocolos de conduta que permitam oferecer o cuidado necessário prioritariamente a quem mais precisa dele
• Regular o acesso a serviços e tratamentos com base nesses protocolos
• Capacitar os profissionais das redes de saúde para que eles possam fazer uma boa gestão dos recursos disponíveis
• Monitorar regularmente a efetividade de todo o processo de regulação
 
Hospital do Subúrbio, em Salvador (BA) (Foto: Márcio Lima/ÉPOCA)
“Todo médico precisa saber que os recursos são limitados. Isso vale para qualquer sistema de saúde do mundo”, diz Souza. “O exame que ele pede para um paciente faltará a outro”. Por isso, é fundamental que a solicitação seja feita com base em critérios claros e objetivos.
Faremos, daremos, construiremos são os verbos mais usados pelos candidatos quando se referem à saúde. Quem for sincero o suficiente para assumir as mudanças impopulares e necessárias para reorganizar o SUS perde a eleição.
 
Enquanto os brasileiros não estiverem preparados para ouvir as verdades duras e valorizar os políticos que as defendem, o sistema de saúde vai continuar na mesma. Assim como a balela dos candidatos que “farão pela saúde, pela educação e pelos idosos”.
  
Que o voto consciente traga um futuro melhor e mais saudável. Com esse texto, me despeço e entro em férias. A coluna volta a ser publicada em outubro. Até lá e boa eleição para todos nós!
(Cristiane Segatto escreve às sextas-feiras)