Vitor Hugo Soares
A charge de Thiago Lucas, na Folha de Pernambuco, edição de quinta-feira, 09, é arguta, bem humorada e emblemática. Representação mais que perfeita destes primeiros dias de 2014 na política brasileira. Quando as coleiras são abertas e as matilhas parecem liberadas de seus canis, para sair à caça e morder quem achar pela frente.
Principalmente os que aparentem, ou de fato representem alguma possibilidade de mudança, mesmo que remota. Ou algum "perigo", por menor que seja, de alternância de poder neste ano imprevisível de eleições quase gerais no País, sendo mais relevante a presidencial.
Crucial e urgente, também, é uma resposta à pergunta proposta no desenho do chargista pernambucano, através do governador Eduardo Campos (PSB). Até aqui, o desafiante principal e o mais incômodo aos atuais donos do poder.
Além de ser o político e eficiente administrador pernambucano, o mais ousado, até aqui - ao lado da escudeira Marina Silva (Rede), no enfrentamento do principal grupo de mando (os petistas) instalado no Palácio do Planalto há mais de uma década. Sem contar, é claro, o tempo de governo nos dois mandatos do tucano Fernando Henrique Cardoso.
Uma rápida descrição se impõe. Para contextualizar o fato jornalístico em foco e, ao mesmo tempo, permitir um melhor entendimento e comparação do leitor que não tiver a possibilidade imediata de conferir o texto deste artigo semanal de opinião com a charge de humor político referida.
No desenho de Thiago Lucas, dois cachorros ferozes atacam o governador de Pernambuco. Ambos vermelhos de fúria. Os dois com uma estrela do PT tatuada no lombo. O menor, abocanha o calcanhar do postulante socialista ao lugar da presidente Dilma Rousseff. O maior, ladra ameaçadoramente ao lado do surpreendido e aterrorizado Eduardo Campos, que pergunta: “Quem soltou vocês?”.
A interrogação segue incomodamente no ar. À espera de respostas mais sérias e lúcidas (se é que pode haver seriedade ou alguma lucidez nessa história maluca, malvada e intrigante) e objetivas, sobre motivos e mandantes da grosseira e intempestiva emboscada verbal.
Armada insidiosamente contra Campos e Marina em forma de "editorial apócrifo" e com as características jornalísticas das "notas soltas" de imprensa em antigas e devastadoras campanhas eleitorais.
A "nota solta" intitulada "A Balada de Eduardo Campos", publicada esta semana na pagina oficial do Partido dos Trabalhadores, em meio a grande estupefação e alaridos no Nordeste e País afora, chama o presidenciável socialista, neto e herdeiro político do legendário ex-governador Miguel Arraes, revolucionário e aliado petista reverenciado de outras épocas (a exemplo de Campos e Marina), de "tolo" "playboy mimado" , "vaidoso" . Além de candidato a presidente da República "sem projeto, sem conteúdo e sem compostura política".
E por aí vai o carro, sem freios, ladeira abaixo.
A ex-ministra do Meio Ambiente no governo Lula, Marina Silva, brava e resistente ex-senadora acreana - símbolo internacional das melhores lutas brasileiras em defesa das florestas, dos recursos naturais e da afirmação da mulher na luta política e na administração pública -, foi qualificada de "ovo de serpente". Posto no interior do PSB como venenoso e destruidor "Cavalo de Tróia" na antiguidade. Um mergulho, já se vê, nas profundezas da mais gratuita e infeliz maneira de travar um debate político.
Diga-se a bem da verdade factual, no entanto, apesar do susto com o ressurgimento de velhas manobras em pleno Século XXI, neste ano prometedor de 2014: nada de novo sob o sol ou debaixo do céu de Brasília e do planeta.
No livro "Contra La Prensa", a excelente antologia de textos elaborada pelo jornalista argentino Esteban Rodriguez (minha melhor compra na última passagem pela Livraria Ateneo, de Buenos Aires, cuja leitura indico vivamente, para jornalistas ou não), há um escrito especial sobre o tema, de autoria de Osvald Spengler.
Intitulado "O Grande Silêncio: obediência devida", o texto começa com a afirmação de que a imprensa e a pólvora guardam uma relação íntima desde a origem de ambas, como técnica e como tática de guerra. As duas, a pólvora e a imprensa, podem se converter em armas terríveis e devastadoras nas mãos de quem saiba manipulá-las.
No jornalismo, o primeiro grande exemplo desta tática de guerra para ataques de longa distância e largo alcance, chamada no Brasil, há séculos, de "Notas Soltas" (do Sec. XVIII), vem de Londres. Nas batalhas de artigos e memoriais apócrifos, inclusive em território francês, que desde os jornais e panfletos impressos na capital inglesa, na época se lançavam contra Napoleão. O líder corso foi firme e inflexível na reação.
O governador pernambucano Eduardo Campos reagiu aos ataques com a indignação devida. Argumentos sólidos e equilibrados. Recebeu solidariedade dos socialistas, ambientalistas e outras forças políticas próximas.
Até mesmo de alguns petistas, mais libertos da "obediência devida", partiram protesto contra "o perigo de rebaixamento do nível da campanha".
Na Bahia, o ex-ministro de Lula e postulante ao governo do Estado, Geddel Vieira Lima (PMDB), em oposição ao candidato petista Rui Costa, apadrinhado pelo governador Jaques Wagner, escreveu no Twitter: "este tipo de campanha e de ataque não interessa a ninguém, muito menos ao Brasil".
"Os cachorros ladram e a caravana passa", concluiu olimpicamente (ou não?) Eduardo Campos, ao avaliar as ofensas da "nota solta petista".
Pode ser que sim. Pode ser que não.
A conferir.
Vitor Hugo Soares, jornalista, é editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitor_soares1@terra.com.br
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