FONTE - Blog do Ricardo Noblat
Nunca se viu um suicida tão de bem com a vida na véspera da morte. Neste 16 de janeiro, um sábado, o promotor federal Alberto Nisman saudou com um largo sorriso quem o viu sair do prédio onde morava em Buenos Aires. De volta para o apartamento no bairro de Puerto Madero, fez a lista de compras para a semana seguinte e pareceu muito animado aos amigos com os quais conversou por telefone. A um deles, Nisman enviou por celular uma foto que mostra alguns documentos sobre a mesa de trabalho. Eram parte das provas do envolvimento de Cristina Kirchner e figurões do governo numa cabeludíssima trama político-policial.
Na segunda-feira, o promotor pretendia convencer o Congresso de que a presidente vinha agindo nas catacumbas, em parceria com o governo do Irã, para sepultar as investigações sobre o atentado terrorista sofrido em 1994 pela Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA). O arquivamento do caso garantiria a impunidade dos oito iranianos que planejaram a explosão da bomba que matou 85 pessoas. Em troca da repulsiva demonstração de apreço, o país dos aiatolás atômicos beneficiaria a cúmplice com generosos acordos comerciais. No domingo, o corpo de Nisman foi encontrado na sala do apartamento com uma bala enfiada na cabeça. Um revólver calibre 22 jazia ao lado do corpo.
Os integrantes do esquema de segurança juraram que foram dispensados do serviço, entre a noite de sexta à manhã do domingo, pelo homem que deveriam proteger. De volta ao trabalho, não conseguiram falar com Nisman por telefone. Só à noite conseguiram entrar por uma porta que, segundo o chaveiro, estava apenas encostada. Designada para cuidar da história, a promotora Viviana Fein chegou ao cenário no drama no início da madrugada de segunda-feira. Ao reaparecer uma hora mais tarde, surpreendeu os jornalistas com a solução do mistério: “Foi suicídio”.
O parecer de duas palavras foi prontamente encampado por Cristina Kirchner, que aproveitou para culpar o morto e, claro, a oposição. Segundo a sherloque aprendiz, Nisman optara pelo suicídio ao constatar que, tapeado por adversários do governo, acreditara em invencionices, avalizara provas fabricadas e fora injusto com governantes inocentes. Em resumo: aos 51 anos, um combativo homem da lei morreu de remorso. Na terça-feira, os peritos informaram que não havia resíduos de pólvora nos dedos do promotor federal. “Lamentavelmente, deu negativo”, suspirou Viviana Fein, que nem por isso se rendeu. “É preciso fazer outro exame, porque disparos com armas desse calibre às vezes não deixam vestígios”.
Na quinta-feira, Viviana e milhões de argentinos se surpreenderam com a abrupta guinada da viúva de tango. “O suicídio foi um assassinato”, mudou de ideia a presidente. Sem mudar de culpado: na versão reciclada, Nisman foi vítima de inimigos do governo muito espertos: eles adivinharam que, na cabeça da gente comum, a execução do acusador de Cristina só poderia ser coisa de parceiros da acusada, nunca de beneficiários das acusações. “Eles o usaram vivo e agora precisavam dele morto”, deduziu a viúva de tango. Viviana Fein continuou onde sempre estivera. “Podemos examinar outras teorias, mas para mim foi suicídio”. Entre segunda e sexta, acumularam-se as evidências de que houve um assassinato. A promotora rechaçou uma por uma..
“Foi suicídio”, reiterou neste fim de semana depois de confrontada com a revelação do El Clarin: o tiro foi disparado a uma distância de 15 cm a 30cm. “A distância foi de um centímetro”, devolveu de canela a promotora. Se a polícia argentina fosse séria, Viviana não estaria por aí concedendo entrevistas. Estaria revelando o que sabe na sala de interrogatório da delegacia mais próxima. O que ela quer é exorcizar com mentiras o fantasma que assustava a chefe. A promotora e o resto do país logo saberão que o assassinato disfarçado de suicídio gerou a assombração que vai antecipar a morte política de Cristina Kirchner.