terça-feira, 21 de junho de 2016

NOSSA PIOR TRAGÉDIA NÃO É MORRER, MAS VIVER SEM ESPERANÇA - POR REBECA BEDONE




Às vezes, quando a noite esfria de repente, é como se uma cortina de nuvens cinzentas encobrisse a minha mente. Faz frio lá fora e aqui dentro. É o mesmo frio que me traz à lembrança outro dia distante. Eu andava por aí, observando as cores e descobrindo a novidade. Era uma cidade nova, de ares nunca antes aspirados por mim. Via com sincera alegria as maneiras e os costumes, sentia curiosidade e ansiedade. A vida é curta! Aproveite o agora! Levava comigo tantos lemas e mal sabia o que me esperava.
Em meio à beleza da paisagem e envolvida pelo romantismo do clima frio, um cheiro repugnante me adentrou. Um odor que penetrava em meus poros e me causava ânsia. Era um animal morto ou comida estragada? Não. Devia ser lixo em putrefação. Misturada aos outros transeuntes, eu, discretamente, procurava a origem daquele fedor. Se era curiosidade ou tortura, eu não sei. Mas queria saber o que era que paradoxalmente me atraía.
Então o enigma se revelou: o andarilho dormia sobre uma calçada esquecida. A sujeira escorria pela sarjeta dos humilhados e exalava o cheiro da indignação. Sua desgraça chamava a atenção dos que andavam por ali.
Passei pelo homem que tentava não morrer de frio, e não parei. Como todos os outros que passavam e não paravam, segui em frente, indiferente. Com pressa. Com medo. Com pena. Mas não parei.
Congelei-me por dentro ao perceber como somos fracos, egoístas e covardes. Deveria ser fácil ir até àquele ser igual a nós e oferecer-lhe ajuda. Mas sentimos repulsa pelo odor. O solstício de inverno diminuiu a claridade do nosso olhar. O sol se pôs dentro da gente, e foi mais fácil parecer cego a enfrentar o insuportável.
É… tem vento gelado que chega como um abraço da morte. Mas, de certa forma, a morte também nos aproxima da vida: participamos de campanhas de agasalhos, entregamos sopa nas ruas e doamos cobertores. Isso tudo ajuda, é bom e devemos fazer todos os anos. Ainda assim, há um inverno que teima em ser rigoroso em nossos corações.
As ruas estão desertas. Eu me recolho e me protejo da ventania, mas continua frio dentro de mim. O inverno fez solidão em meu coração. Mesmo que folhas de outono ainda enfeitem a estrada da minha alma, e que a alegria da primavera seja a espera da próxima estação, vira e mexe, preciso do inverno desse inferno em mim. Fico distante, esquecida. Quase morro, sobrevivo. Porque, na névoa cinzenta, tudo é mistério.
Há um inverno dentro de mim. Há um inverno dentro de você. Talvez, seja na junção de nossos dias arrefecidos que encontraremos mais calor humano em meio a tanta tristeza, indiferença e desigualdade. A inquietude acerca da nossa breve existência calar-se-á aos ouvidos aquecidos de vozes ansiosas por amor. E a distância que nos aproxima será como um cobertor em frente à lareira: diante fagulhas e chamas dançantes, estaremos juntos da esperança, e compreenderemos que a vida é um misterioso e doloroso milagre.

Validade da cláusula do “prazo de tolerância” para entrega de imóveis na planta. Afinal, qual é o entendimento que está prevalecendo?


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Após economizar para o tão sonhado da moradia própria, finalmente surge a oportunidade esperada e você realiza a compra do imóvel ainda na planta. A entrega não está próxima e você está ansioso, mas tudo bem, pelo menos tem uma data de entrega fixada no contrato e até lá, segue pagando as parcelas mês a mês, tudo certo.
Nem tudo… O limite para entrega expirou e a construtora, com a obra atrasada, recorre ao “prazo de tolerância”, que estava fixado no contrato e garante a ela mais 6 meses para a entrega do empreendimento.
E agora? Isso está mesmo correto?
Atraso na entrega da obra é uma das queixas mais comuns no Judiciário, levando casos até a instância máxima. Ocorre que, essa prorrogação é geralmente prevista no contrato para casos fortuitos ou de força maior, ou seja, situações que não poderiam ser previstas. Perceba que temporada de chuva, mão de obra insuficiente e material que não chegou, muitas vezes são argumentos inválidos pois caracterizam planejamento ineficiente da incorporadora.
Outro ponto que não é regulamentado é o limite de dias que pode ser estipulado como“prazo de tolerância”. Por não haver legislação específica que o defina acaba ficando por escolha da construtora qual será o adotado. Algumas fixam prazos de 90 dias, mas a maioria opta pela cláusula que delonga 180 dias à tolerância contratual para a entrega do imóvel, o que vem dividindo opiniões.
Tal prazo pode ser considerado como medida ilegal por ser um período tão longo que já não denota tolerância e compreensão, mas sim, abuso, exagero, falta de planejamento e desrespeito com o cliente.
Além disso, o Código de Defesa do Consumidor preza pelo princípio do equilíbrio nas relações de aquisição e prevê, no art. 51, a nulidade das disposições contratuais que:
IV – Coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.
Aqui a desvantagem do consumidor é clara, uma vez que, enquanto ele tem a obrigação de realizar seus pagamentos sem atraso sob risco de sanções contratuais, como multa, juros, até mesmo rescisão do contrato com perda de parte do que já investiu, a construtora se vê resguardada ao atrasar em um semestre a entrega do bem.
A jurisprudência também já vem reconhecendo essa realidade:
A cláusula que faculta à construtora o adiamento da entrega da obra por doze meses após o prazo previsto, sem qualquer justificativa para tanto, é abusiva e nula de pleno direito, por configurar nítido desequilíbrio contratual, rechaçado pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor.
(TJ/DF – 5ª T. Cív.,Ap.Cív. nº48245/1998, Rel. Des. Adelith de  Carvalho Lopes, julg.08.03.1999)
Por outro lado, muitos magistrados não reconhecem essa condição como ilegal, uma vez que está devidamente informada no contrato.
A cláusula de tolerância para entrega da obra que fixa o prazo de 180 dias não é nula, já que está redigida de forma clara e permite ao contratante ter conhecimento prévio sobre sua incidência. Não se permite, porém, o extravasamento deste período, dada a impossibilidade de se fixar cláusula aleatória.
(Desembargador relator Moreira Viegas, da 5ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP)
Sobre esse assunto, a Terceira Câmara de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo editou os seguintes enunciados, trazendo a necessidade de a construtora justificar a razão que a fez adentrar nesse prazo de tolerância, antes de fazê-lo:
Enunciado nº 38.1 da Terceira Câmara de Direito Privado: Não constitui hipótese de caso fortuito ou de força maior, a ocorrência de chuvas em excesso, falta de mão-de-obra, aquecimento do mercado, embargo do empreendimento ou, ainda, entraves administrativos.
Enunciado nº 38.2, da Terceira Câmara de Direito Privado: É valido o prazo de tolerância para entrega do imóvel estabelecido no compromisso de venda e compra. A prorrogação do prazo inicial, entretanto, está sujeita à efetiva comprovação, pela vendedora, de fortuito externo ocorrido dento do prazo inicial previsto para a entrega da unidade.
Nesse sentido, entende-se que é legalmente possível um prazo de tolerância de 180 dias dada a falta de legislação específica para esse termo. Porém, as construtoras devem usá-lo, como pede o Código de Defesa do Consumidor, com boa-fé, atualizando seus clientes sobre o andamento da obra e planejando com eficiência, respeitando sempre o disposto no artigo 43 da lei 4.591/64.
Art. 43, inc. I – O incorporador deverá informar obrigatoriamente aos adquirentes, por escrito, no mínimo de seis em seis meses, o estado da obra.
É importante ressaltar que caso o imóvel esteja atrasado, o consumidor não deve suspender os pagamentos à construtora, sob pena de uma execução judicial ou mesmo de uma ação de rescisão contratual. O adequado é buscar um advogado que tratará a solução ou mesmo indenização, nos casos devidos, de forma extrajudicial ou até mesmo judicial.
Para ajudar na solução do litígio, é útil guardar todo material de propaganda oferecido pela construtora, principalmente aquele que conste a descrição do empreendimento e a data de entrega.
Já comentamos aqui no blog um julgado que trazia a questão do atraso e a da cláusula dos 180 dias, confira aqui.
Para mais esclarecimentos, o Instituto Brasileiro de Estudo e Defesa das Relações de Consumo (IBEDEC) disponibiliza gratuitamente no site deles, a Cartilha do Consumidor – Edição Especial Construtoras, onde são tratados temas importantes tanto para o consumidor que ainda está à procura de um imóvel, como para o que está enfrentando problemas com o contrato de compra e venda.
Por Valéria Falcomer; e
Mariana Gonçalves

Novas regras para o setor imobiliário começam a valer em 60 dias

Em 60 dias, um termo de compromisso deve estabelecer critérios explícitos de compra e venda de imóveis para evitar práticas abusivas

07/06/2016 às 09:39
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Em Manaus, apenas em março, 95 contratos imobiliários foram desfeitos (Clovis Miranda)
Juliana Geraldo
Em aproximadamente 60 dias, representantes do segmento imobiliário e das associações ligadas ao direito do consumidor devem assinar a versão final do ‘Termo de Compromisso Nacional para adoção de novas praticas contratuais do mercado imobiliário’. Trata-se de um conjunto de regras que visam oferecer segurança jurídica ao mercado em todo o País e evitar práticas abusivas previstas em cláusulas nos contratos de compra e venda de imóveis.
O prazo foi estabelecido em reunião realizada na última sexta-feira, 3, na sede da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), em Brasília. De acordo com o presidente da Comissão da Indústria Imobiliária do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon-AM), Marco Bolognese, que estava presente no encontro, entre os principais objetivos do pacto está a definição de medidas visando reduzir o número de processos judiciais envolvendo conflitos entre consumidores e incorporadoras. Outra intenção é tornar menos traumático o processo de distrato (desistência por parte do comprador) que, em função da crise tem registrado crescimento expressivo. De acordo com os números do setor, 50 mil distratos foram registrados em 2015 em todo o País. E em Manaus não é diferente. Conforme os dados mais recentes da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário do Amazonas (Ademi). Apenas no mês de março, 95 contratos foram desfeitos por impossibilidade de pagamento. O número representa 30,6% do total de unidades comercializadas no mesmo mês (310 imóveis).
Às claras
A ausência das regras, diz Bolognese, faz com que o consumidor não saiba exatamente seus direitos e deveres na hora de comprar o imóvel. “Ele só descobre na hora de desfazer o contrato se for necessário. Hoje, a prática é de que se devolva no máximo 70% do que o cliente pagou, ficando 30% para cobrir custos administrativos da incorporadora. Mas sem critérios firmes, cada empresa acaba estabelecendo suas próprias medidas, que nem sempre agradam o cliente”, avaliou.
Embora só sejam divulgadas após a assinatura do convênio, algumas das correções que devem constar no termo de compromisso são as opções que o cliente saberá de antemão que terá no caso de decidir desfazer o contrato, se terá ou não que pagar comissão aos corretores de imóveis e demais detalhes sobre pagamentos de taxas e multas. “As regras serão unificadas e válidas em todo o território nacional para facilitar a negociação e evitar ainda mais ações judiciais”, reforçou.
Segundo ele, a falta de garantias contratuais sobre procedimentos como o distrato já renderam ao setor, um aumento de aproximadamente 300% no número de ações judiciais entre 2014 e 2016. “Ter regras claras ajuda muito tanto para os clientes quanto para as incorporadoras, uma vez que se o consumidor precisar ajuizar uma ação, tudo ‘fica parado’, não sendo vantajoso para ninguém”, salientou.
Critérios
No termo de compromisso, o cliente terá, entre outras definições, duas opções para reaver o dinheiro em caso de distrato. Pagar uma multa de 10% sobre o valor do imóvel até o limite de 90% do valor já quitado, ou perder o valor do sinal, acrescido de mais 20% sobre o que foi desembolsado.