sábado, 18 de março de 2017

A VERDADE, COMO LHE CONVÉM - Coluna Carlos Brickmann


15 de março

CARLOS BRICKMANN
Carlos Brickmann

Pois eis que agora, tantos anos depois do início da Operação Lava Jato, depois de impiedosamente atacado, Lula começa a repor a verdade dos fatos – a verdade dele, claro, mas quem disse que a verdade é apenas uma?

Agora sabemos, por seu depoimento, que Lula há três anos é vítima de um massacre. Pois nenhum político ou empresário, nem os Odebrecht, jamais lhe deu dez reais. E diz a verdade: ninguém lhe deu dez reais. 

Acusá-lo de tentar obstruir as investigações da Lava Jato, que absurdo! Afirma Lula que o senador Delcídio do Amaral “disse uma inverdade”, ao afirmar, em delação premiada, que haviam conversado sobre maneiras de convencer Nestor Cerveró a calar-se sobre o que sabia da Petrobras. Lula, aliás, nem conhecia Cerveró. É verdade, claro: é impossível exigir que o presidente da República conheça um funcionário de uma estatal, mesmo que seja de alto escalão, mesmo que a empresa seja a maior do país, mesmo que seja Cerveró. Lula deve tê-lo cumprimentado sem prestar muita atenção. Seria incapaz de reconhecê-lo– afinal de contas, por que iria prestar atenção num rosto tão comum, numa empresa tão grande? 

Lula diz também que fica profundamente ofendido com a insinuação de que o PT é organização criminosa. Só porque o “capitão do time” está preso, os três últimos tesoureiros do PT foram condenados, um presidente do partido também? Isso o ofende, claro: pois quem é o Brahma, o nº 1?

A verdade…

No depoimento, Lula disse que passou os oito anos de seu Governo sem participar de jantares e aniversários, “exatamente para não dar pretexto de aparecer àqueles que vêm tirar fotografia com celular para depois explorar essa fotografia”. Os maldosos lembram um belo jantar, em 4 de agosto de 2006, oferecido por ele no Jockey Club de São Paulo a empresários e políticos, para arrecadar fundos. Foram mil convites a R$ 2 mil cada; descontada a despesa, sobraria R$ 1,7 milhão. E, segundo o coordenador da campanha, Ricardo Berzoini, “é evidente que dá a oportunidade de diálogo do presidente com o empresariado e profissionais liberais”. Terá Lula dito uma inverdade? Não: ele disse que não participou de jantares. E esse, preparado pelo ótimo chef Charlô, não foi um jantar, foi um banquete.

…é uma mentira…

Houve também um almoço mais baratinho, em 13 de julho de 2006, no Restaurante São Judas, na rota do Frango com Polenta, no Grande ABC. Foram servidos dois tipos de frango (frito, com polenta frita; e à italiana, com molho de maionese); água, cerveja, refrigerantes. Lucro: R$ 495 mil. “É que Lula circula bem em todas as classes”, esclareceu Berzoini.

…que aconteceu

Lula disse, enfim, que não é contra a Operação Lava Jato. “Eu quero que a Lava Jato vá fundo para ver se acaba com a corrupção”. E não é que mais uma vez ele fala a verdade? Lula é a favor da Lava Jato, e só dela discorda num pequeno detalhe: andou pegando políticos companheiros e empresários aliados, que além de aliados sempre foram generosos. Se a Lava Jato esquecesse o PT, Lula seria 100% a favor. 

 A verdade…

Para completar o elenco de verdades pouco conhecidas, o ex-presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, disse ao juiz Sérgio Moro que “nunca falou de propina com Palocci”. Claro que não! Gabrielli sempre foi um executivo preocupado com a empresa. Até hoje, por exemplo, defende a compra pela Petrobras da Ruivinha, uma refinaria toda enferrujada em Pasadena, EUA. A empresa belga Astra Oil comprou a refinaria por US$ 42 milhões e a vendeu à Petrobras, pouco depois, por US$ 1,1 bilhão. Segundo o delator Agosthilde Mônaco de Carvalho, já antes da compra Gabrielli tinha indicado a Odebrecht para reformá-la. Um executivo tão preocupado com a empresa que antes mesmo de fechar um negócio já tinha decidido como iniciar a operação não iria conversar sobre propinas e pixulecos com um político importante como Palocci. Talvez tenham discutido a adequada destinação dos parcos recursos disponíveis.

…de cada um

O patriarca da empresa, Emílio Odebrecht, vê Antônio Palocci como um político especial – “não carreirista como a maioria, mas um homem inteligente com visão de estadista”. Emílio Odebrecht, com tantos anos de experiência no mercado, certamente sabe avaliar as pessoas; conhece a diferença entre o que um político acha que vale e seu valor real.

“A gente trocava muitas ideias sobre aquilo que era importante para o nosso Brasil”, narrou. De um lado da mesa, Emílio Odebrecht; de outro, Antônio Palocci. Assistir à troca de ideias entre ambos, conhecedores do mundo e do comportamento dos seres humanos, deve ser instrutivo, uma aula de economia, de gestão e de política. Um privilégio valiosíssimo.

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Twitter: @CarlosBrickmann

"Farinha do mesmo saco", por Ana Maria Machado


O Globo


A expressão popular lusitana refere-se a iguais que estão juntos como sendo vinho da mesma pipa. No Brasil, falamos em farinha do mesmo saco. Nos últimos dias, temos discutido políticos do mesmo caixa. Ou não?

Claro que sim. E claro que não. Também não são iguais os que os classificam de uma forma ou de outra. Não só pela autoridade de que se revestem ou por eventuais simpatias partidárias. O fato é que diferem uns dos outros. Igualmente são diversos entre si os jornalistas que reportam suas declarações — e não apenas pelos jornais para os quais escrevem ou por causa dos candidatos em que votam.

No entanto, é indispensável que o país neste momento debata essa questão. Dela não vão depender somente as decisões sobre fatos passados. Mas uma análise clara servirá para orientar medidas que ajudem a balizar uma reforma eleitoral que melhore o futuro. E a primeira coisa a fazer é discutir com clareza e transparência, lançando luz sobre o tema, de modo a que possamos entender o que se passa, sem deixar buracos de ratos nos desvãos mais escuros.

A esta altura, já deveríamos estar todos tão escolados que nem se precisaria repetir o óbvio. Mas os esquemas e mecanismos são propositadamente complexos, para embaralhar pistas. Então, insistir em alguns pontos básicos nunca é demais. Situações diferentes podem exigir punições diferentes.

1 — Ser mencionado por ouvir dizer, apontado por um delator, ou investigado não é a mesma coisa. E ser denunciado, acusado ou transformado em réu também é outra.

2 — Até recentemente, doação de empresa era perfeitamente legal até o limite de 2% de seu faturamento. Cada partido ou candidato podia pedir quanto quisesse e dentro desse limite. Desde que tudo fosse declarado, nenhum problema, por mais que se possa especular sobre os interesses de uns e outros na prática.

3 — Qualquer caixa 2 é ilegal, seja de grande empreiteira ou do botequim da esquina. É delito fiscal. Significa que um dinheiro não foi declarado e não pagou imposto. Tem punições previstas em lei, para quem o cometa. Mas em si ainda não é corrupção, embora possa se ramificar em vários crimes. Todos esses precisam ser expostos e castigados na forma da lei. O caixa 2 pavimenta o caminho para eles. Pode ocultar conflito de interesses e tráfico de influência. Pode ser forma de encobrir de um mandachuva a real preferência do doador, ou de ceder a achaque ou chantagem (ao que se sabe do Brasil profundo, práticas corriqueiras em prefeituras). Pode ser pagamento de propina por favores recebidos ou a receber — seja por meio de projetos de lei favoráveis, emendas a MPs e PECs, isenções fiscais, superfaturamentos, aditivos a contratos, e o mais que andamos descobrindo.

Nessas descobertas que horrorizam as pessoas de bem, vai se delineando o crime perfeito. Aparentemente, não surge como caixa 2, e até pode parecer inocente. A empresa (ou as empresas, em rodízio, conforme as regras que regem o cartel) recebe por uma obra ou serviço muito mais do que o necessário para executá-lo. Esse “a mais”, devidamente contabilizado no caixa 1 oficial, transforma-se em doação eleitoral legal e declarada. Ou seja, sai dos cofres públicos e vai para um partido ou candidato por mãos de uma empresa, mas no caminho é aprovado e legalizado pela Justiça Eleitoral que, sem desconfiar, atua como a lavanderia do dinheiro sujo.

Distinguir isso com clareza é essencial para não relevar práticas desse tipo. Juntar tudo no mesmo saco sem distinguir nuances atrapalha a democracia, porque engole a alteração de resultados eleitorais com base em mentiras, construídas em campanhas milionárias. E em mecanismos de cobertura midiática que vão além dos boatos, contranarrativas, fatos alternativos e outros exemplos de pós-verdade que assolam nosso tempo. Nesse sentido, um truque nivelador eficiente é o da falsa equivalência, que dá pesos iguais a coisas diferentes. Na campanha americana, para bater em Trump pelo conjunto da obra, espancou-se com igual força Hillary Clinton por seus e-mails. Os bem intencionados apoiadores de Bernie Sanders não admitiram trabalhar por ela. Trump acabou eleito.

Ainda agora, muitos dos que com razão caíram em cima da fala presidencial no Dia da Mulher, retrógrada e fora de moda, são os mesmos que ignoraram a piada ofensiva e asquerosa de Lula, dizendo que sua auxiliar de confiança Clara Ant achara que cinco policiais em sua casa eram um presente de Deus. Esta semana, um cronista chegou a citar o discurso de Temer sob a mesma pecha de selvageria e violência em que comentava o crime do goleiro Bruno.

A que serve essa veemência? É útil à democracia? Todo político é igual? A que salvador da pátria essa ira virulenta pode nos entregar?

Assim fica difícil. Mesmo se for tudo farinha do mesmo saco, o inteligente é distinguir farinha de trigo e farinha de joio. Desse modo, ganhamos eficiência para defender a democracia no imprescindível debate sobre reforma eleitoral. O que é outra conversa, que fica para outro artigo.