terça-feira, 17 de setembro de 2013

Nunca digam nunca - ANTÔNIO DELFIM NETO


VALOR ECONÔMICO - 17/09


Stanley Fischer é, sem dúvida, um dos mais bem apetrechados economistas teóricos aos quais foram dadas oportunidades para usar seu conhecimento no exercício da política econômica. Recebeu o PhD no MIT em 1969 e se notabilizou rapidamente.

Quem ficou indiferente, em 1977, diante da sua inovadora combinação da teoria das expectativas racionais , com hipóteses keynesianas? Qual economista não se entusiasmou, em 1978, com a síntese magistral do Macroeconomics (em colaboração com Rudiger Dornbusch)? E não se maravilhou e sofreu, em 1989, com o seu Lectures in Macroeconomics (em colaboração com Olivier Blanchard)?

Tão longo e bem-sucedido percurso teórico foi acompanhado por uma incrível carreira de conselheiro e executor de políticas econômicas nos últimos 30 anos. Em 1984, assessorou o governo de Israel no seu bem-sucedido programa de estabilização. Logo depois ocupou o cargo de economista-chefe do Banco Mundial, no período de 1988-1990. Em 1994, foi nomeado economista-chefe do FMI, cargo que ocupou até 2001 e no qual enfrentou várias crises, inclusive a brasileira. Em 2001, ao deixar o FMI, foi assessorar o Citigroup e meteu a mão na massa no lado privado do sistema financeiro.

Voltou à vida pública em 2005, nomeado presidente do Banco Central de Israel, cargo que ocupou até 30 de junho último. Mostrou o seu virtuosismo na grande recessão de 2008. Antecipou um afrouxamento monetário (antes do Fed) e combateu a apreciação da moeda israelense, o shekel, para proteger o nível de atividade do país, onde as exportações são próximas de 40% do PIB. Ainda em 2008 instituiu um programa de compra diária de US$ 100 milhões, exatamente o oposto do que fazia o Banco Central do Brasil, que estimulava a valorização do real como fator coadjuvante para o combate à inflação, à custa da destruição do nosso setor industrial.

A competência e a sensibilidade de Fischer são confirmadas por seu pragmatismo. Não hesita em relativizar sua ciência diante da realidade fática que a nega. É o caso, por exemplo, de sua mudança de atitude diante da ampla liberdade de movimento de capitais e do regime de câmbio livremente flutuante que defendeu ardorosamente enquanto estava no FMI.

Toda a longa experiência de Fischer está destilada e amadurecida na imperdível introdução à conferência Lessons from the World Financial Crisis , realizada em Israel em 2011, agora publicada no livro The Great Recession - Lessons for Central Bankers , MIT Press, 2013. Ele aponta dez lições colhidas até agora. Particularmente interessante no contexto do que estamos tratando, é a lição nº 6: A importância da taxa de câmbio nas pequenas economias abertas .

Nela, Fischer nos ensina que a taxa de câmbio real é uma das duas mais importantes variáveis macroeconômicas nas pequenas economias abertas. A outra é a taxa de juros real. Nenhum banqueiro central em tais economias pode ser indiferente quanto ao nível da taxa de câmbio, mas infelizmente não há escolhas fáceis na sua administração .

E, continua: Primeiro, há a escolha do sistema cambial, que está intimamente ligado à questão do controle de capitais. Se os fluxos de capitais podem ser controlados, pode haver alguma vantagem na escolha de uma taxa de câmbio nominal fixa. Entretanto, e sem entrar no longo e irresoluto debate sobre o sistema cambial, eu acredito (sic) que é melhor operar com um sistema cambial mais flexível e com um movimento de capitais mais aberto. Mas flexível não significa, aqui, que um país não possa intervir no mercado cambial, ou que o movimento de capitais seja completamente aberto... Nenhum país pode comprometer-se a defender uma particular taxa de câmbio. Os participantes do mercado costumam dizer que o banco central não pode colocar-se contra sua força. Entretanto, é preciso reconhecer a assimetria existente entre defender-se de pressões para valorizar ou desvalorizar a moeda. No caso da depreciação, o mercado quer mais moeda estrangeira, das quais o banco central dispõe de quantidade limitada e não pode resistir indefinidamente. Os eventos recentes mostraram que grandes reservas podem ajudá-lo a resistir às pressões do mercado... No caso da valorização, os mercados querem mais moeda local, que o banco central pode produzir para comprar o fluxo de moeda estrangeira que está entrando. Evidentemente, para prevenir um processo inflacionário é preciso esterilizar os seus efeitos, como se fez em Israel e em outros países .

Fischer chama a atenção para um fato: quando a necessidade de intervenção aumenta, os países introduzem algum atrito no movimento dos capitais. Ele reconhece que tais controles são raramente elegantes, de administração difícil e permanentemente erodidos pela capacidade do setor privado de encontrar meio de elidi-los. Mas, às vezes, necessários, quando o país é confrontado com um importante movimento de entrada de capitais .

A 10ª lição de Fischer é definitiva e moralmente tranquilizadora para os sacerdotes do método do suponhamos que , que se pensam portadores da verdadeira ciência econômica. Numa crise - diz ele - os banqueiros centrais (e sem dúvida outros policy makers ) vão encontrar-se tendo que decidir por políticas que eles nunca pensaram em aplicar e, frequentemente, que eles nunca prefeririam aplicar. Portanto, uma palavra final para os banqueiros centrais: nunca digam nunca .

O conselho pode estender-se aos críticos que, sem saber, são potenciais policy makers .

Roger Pinto Molina: "Quero levar minha vida no Brasil"


Resgatado da embaixada brasileira em La Paz, o maior adversário político de Evo Morales afirma que se considera perseguido, ameaçado e que seu asilo no país, agora, é automático

LEONEL ROCHA
30/08/2013 21h43 - Atualizado em 30/08/2013 21h46


SEGURANÇA Molina, fotografado no escritório de seu advogado em Brasília na última quinta-feira. “Tenho legitimidade para ficar neste país” (Foto: Igo Estrela/ÉPOCA)
O senador boliviano Roger Pinto Molina, de 53 anos, líder da oposição ao governo Evo Morales, repete insistentemente sua gratidão à presidente Dilma Rousseff pelo asilo que recebeu na embaixada brasileira em La Paz. O discurso de Molina contrasta com a recepção que o governo lhe reservou nesta semana, quando chegou a questionar sua permanência no Brasil. Molina foi o personagem central da crise política que redundou na demissão do ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. “Já agradeci à presidente Dilma Rousseff pelo ato generoso de me conceder asilo”, afirmou em entrevista a ÉPOCA. 

ÉPOCA – O senhor se considera um perseguido político?
Roger Pinto Molina –
 Sim, mas não sou o único na Bolívia. Sou o líder da minha região (Estado de Pando) e líder da oposição no Senado. O modelo de poder de Evo Morales é de tomada de controle total do Senado. Foi aí que começou nosso confronto político. Os ex-presidentes, ex-governadores, ex-prefeitos, quem teve algum tipo de liderança é hoje processado judicialmente. Os processos atingem, sobretudo, quem tem viabilidade eleitoral. Não sou exceção. Mas só busquei asilo porque sofri ameaças de morte.
ÉPOCA – Como as perseguições começaram?
Molina –
 A primeira fase das perseguições começou com as mortes no departamento (Estado) de Pando, em setembro de 2008. Quando apresentei a documentação sobre o assunto, o presidente ordenou minha prisão e abriu oito processos por desacato. Isso só aconteceu porque denunciei atos de corrupção. Disse publicamente no Senado que o narcotráfico infiltrou-se no governo. Apresentei provas disso. Pedi que investigassem o ministro (da Presidência, Juan Ramón) Quintana e o vice-presidente da República. O presidente deveria levar adiante uma investigação. Mas isso não aconteceu. Fiz uma série de denúncias contra outros ministros. Denunciei o ministro da Fazenda pelo seu envolvimento com os bicheiros. Era senador e tinha direito de denunciá-los. O governo Evo, no entanto, acreditava que eu só poderia fazer denúncias em casa, para minha família, e não na imprensa. Minhas denúncias geraram um rosário de calúnias. Tive acesso a uma documentação que mostra que o ministro Quintana foi à casa de um narcotraficante para receber recursos para sua campanha. Todas as ameaças de morte tiveram origem no governo.
ÉPOCA – De que tipo? O senhor foi alvo de algum atentado?
Molina –
 Não. Muitas das ameaças que sofri foram gravadas. Estão documentadas. Há gravações em que dizem até a arma com que me assassinariam. Em 2009, antes de eu fazer minhas denúncias, descobriu-se uma tentativa de assassinato. Quintana ofereceu U$ 20 mil a um assassino de aluguel para me matar com arma que lhe fora entregue por ele mesmo. Denunciei e o governo não fez nada. Logo depois, descobriram um assassino do PCC (Primeiro Comando da Capital), ligado ao ministro Quintana, que pretendia me eliminar no portão de casa. Isso tudo está registrado no jornal Sol de Pando. Uma vez, resgataram um cidadão que fora sequestrado. No cativeiro em que foi mantido, encontraram a planta da minha casa, documentos, fotos de meu carro. Os sequestradores foram presos. No interrogatório, afirmaram que eu estava na lista deles. E era gente que tinha relação com o governo.
ÉPOCA – Quando começou seu confronto com o governo boliviano?
Molina –
 Minha diferença com o governo Evo Morales vem de muito tempo. Estou convencido de que a coca é a matéria-prima do narcotráfico. Por isso, defendo a erradicação da coca. Um compromisso estabelecido em lei prevê que uma área de 12 mil hectares seria mantida para preservar a produção de coca necessária para o consumo tradicional. Mas a área plantada chegava a quase 40 mil hectares. Todo excedente é destinado ao narcotráfico. Ora, os cocaleiros constituem a base social e política do presidente, que preside as seis federações de trabalhadores do setor. Então, sua base era fornecedora do narcotráfico. Ele sempre foi tolerante com os produtores de coca. Sempre dissemos que, em algum momento, o tênue limite entre a produção de folhas de coca e de matéria-prima para o narcotráfico seria ultrapassada. Foi o que aconteceu. Nós temos informação de que o setor cocaleiro financiou as campanhas do presidente Evo Morales. Denunciei isso e criaram-se situações de confronto. Em determinado momento, chegamos a descobrir uma série de documentos que estabelecia uma relação de funcionários do governo com o narcotráfico.
ÉPOCA – O governo Morales diz que o senhor não é um perseguido político, mas um criminoso condenado. O que tem a dizer sobre isso?
Molina – 
Há 22 processos de todos os tipos contra mim. Só um foi julgado, de corrupção. Quando governei (o Estado de) Pando, criei uma universidade e atraí investimentos privados para ela. Ora, corrupção é quando você tira dinheiro do Estado. O que fizemos foi dar dinheiro ao Estado. Existe uma Zona Franca em Pando, onde os empresários pagavam uma alíquota de 1% para se instalar. O que fizemos foi propor a eles que pagassem 1,5%. O 0,5% a mais seria destinado à universidade. Os empresários aceitaram. Mas sob a visão do governo, isso é corrupção. Dos oito que assinaram a resolução para criar a universidade, só eu fui sentenciado, e à revelia, sem defesa, a um ano de prisão. Esse é o único processo julgado. 
ÉPOCA – Por que o senhor pediu asilo à embaixada brasileira, e não a outra representação diplomática?
Molina – 
Há uma relação mais direta do Brasil com a Bolívia. O Brasil tem uma longa tradição de respeito à vida, aos direitos humanos, aos direitos dos asilados.
ÉPOCA – O senhor negociou com os diplomatas brasileiros seu asilo na embaixada em La Paz antes de pedir refúgio?
Molina – 
Não, nem houve nenhuma possibilidade de isso acontecer. Foi decisão tomada diante de uma emergência. Eu temia ser assassinado a qualquer momento. Procurei a embaixada do Brasil sem nenhum diálogo prévio e fui recebido por um homem de princípios, o embaixador Marcel Biato. Ele assumiu meu caso de maneira profissional. Levando em conta que precisava informar seu país, solicitou a documentação dos processos judiciais a que respondo. Depois de analisar os documentos, me concedeu o refúgio, sob o crivo da presidente (Dilma Rousseff). Por um descumprimento dos tratados e das leis internacionais, a Bolívia nunca me outorgou salvo-conduto para deixar o país. E isso é o que se deve a qualquer cidadão que obtém asilo diplomático.
ÉPOCA – O senhor pretende ficar no Brasil ou cogita pedir asilo definitivo a outras nações?
Molina –
 Quero regularizar minha situação no Brasil e levar minha vida aqui da maneira mais normal possível. Quando entrei na embaixada brasileira, pessoas próximas ao governo boliviano tentaram queimar minha casa e sequestrar minha família. Eles tiveram de abandonar a Bolívia. Saíram em busca de refúgio com o que tinham à mão. Hoje, vivem aqui. Já agradeci à presidente Dilma Rousseff pelo ato generoso de me conceder asilo e me dar as garantias necessárias para dar início à próxima etapa da minha vida. O que espero, agora, é superar esta etapa. Espero não ter nunca a necessidade de buscar outra alternativa.
ÉPOCA – A Advocacia-Geral da União diz que lhe foi concedido asilo apenas para permanecer na embaixada e que seu caso terá de ser reanalisado. O senhor teme ser deportado?
Molina –
 Em meu entender, o asilo diplomático que recebi em La Paz se converte automaticamente em asilo territorial no Brasil. Depende da presidente Dilma Rousseff, mas creio que tenho legitimidade para ficar neste país. Acredito que eu tenha definitivamente a condição de refugiado político neste país.
ÉPOCA – Os diplomatas brasileiros garantiram que o senhor teria asilo definitivo?
Molina –
 Não. Devo fazer aqui menção à qualidade humana do diplomata Eduardo Saboia, dos fuzileiros e de todas as pessoas que me acompanharam todo esse tempo. Eles fizeram de tudo para que me sentisse melhor num tempo prolongado de isolamento, muito difícil suportar.
ÉPOCA – O diplomata Eduardo Saboia, que resgatou o senhor da embaixada em La Paz, informou-o que o governo brasileiro poderia reagir mal à sua fuga?
Molina –
 Não. Acredito que ele fez o que fez por motivos humanitários. É alguém que entende as dificuldades que passa um ser humano e os perigos que ele pode enfrentar. O que Saboia mencionou várias vezes foi que reportou a minha situação às autoridades do Brasil, inclusive, com informes médicos sobre a minha saúde.
ÉPOCA – O senhor está satisfeito com a posição do Brasil em seu caso?
Molina –
 Não posso emitir juízos sobre as autoridades brasileiras. Só posso dizer que eles têm sido muito generosos. Quando cheguei, as autoridades de saúde se preocuparam em garantir meu bem-estar. A polícia se mobilizou para me dar as garantias. O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), num ato de desprendimento e humanidade, arranjou um avião para trazer-me a Brasília. Somado à decisão da presidente Dilma, isso mostra o espírito dos brasileiros de criar as condições para garantir a vida e a liberdade de quem, como eu, busca segurança em outro país. Não sou o único nessa condição.
ÉPOCA – Como foi sua viagem até o Brasil?
Molina – 
Uma operação muito arriscada. Não sei quem fez o planejamento profissional da viagem. Houve um cuidado com a distância, com a forma de avançar na estrada. Eram 1.600 quilômetros, passando por regiões perigosas. Foi necessário tomar várias medidas de segurança, cuidar das necessidades fisiológicas e da alimentação. Num momento da viagem, minha saúde estava muito debilitada. Cheguei a achar que sofria um princípio de infarto. Pelo menos, entendemos que era infarto. Vomitei durante o percurso. Em algum momento, pensamos em ir a um hospital. Mas isso significaria abortar a operação. Consultado, disse que deveríamos seguir adiante e correr o risco.
ÉPOCA – O governo Evo Morales ofereceu asilo a Julian Assange, o criador do WikiLeaks acusado de abusar sexualmente de duas suecas, abrigado na embaixada do Equador em Londres sem salvo-conduto para deixar o país. O que seu caso tem em comum com o dele?
Molina –
 Não há uma comparação, uma similaridade, além do fato de termos ficado em embaixadas. Os procedimentos e o contexto das garantias à vida nos dois casos são totalmente diferentes. Os motivos pelos quais nos buscam, também. Sou senador da República, chefe da oposição. Sou perseguido politicamente por uma decisão do presidente da República. O senhor Assange é um australiano na Inglaterra, com ordem de prisão, acusado por violação em países onde não existe a figura do asilo político. Nosso caso é oposto. Temos uma longa tradição de asilo e garantias. Há tratados estabelecendo essas regras, e eles estão em vigor.
ÉPOCA – O senhor passou 455 dias na embaixada em La Paz. Como o senhor e sua família estão sobrevivendo?
Molina –
 É uma situação difícil. Há uma decomposição da saúde física e mental. Se algo verdadeiramente se deteriora, são as condições econômicas. Tenho três filhas. Uma é psicóloga, as outras são advogadas. Minha mulher também é advogada. Sobrevivemos com o trabalho delas.
ÉPOCA – O senhor não tem mais negócios na Bolívia?
Molina –
 Tenho. Na verdade, sempre tive. À margem da vida política, desenvolvi um trabalho agropecuário, coisa que foi ameaçada por decisões do governo. Tenho 650 cabeças de gado. Na Bolívia, o que fazem é usar pessoas para invadir e ameaçar a propriedade dos adversários. Muitos sucumbiram ante ao temor e se alinharam ao governo. Fui convidado várias vezes pelo presidente Evo Morales para fazer parte de seu governo. Não fui. Entendi que não era o caminho. Temos visões política diferentes. Com o tempo, isso me converteu em inimigo dele e, sob a ótica do seu governo, em delinquente.
ÉPOCA – O senhor tem esperança de retornar à Bolívia e retomar sua atividade política e empresarial?
Molina – 
Nós, seres humanos, somos ligados aos lugares onde nascemos. Onde vivemos e crescemos sempre nos atrairá. Como boliviano, tenho a esperança de que este momento poderá ser superado, que a Bolívia voltará à tolerância, que a institucionalidade será recuperada e que poderemos retornar ao país, não somente eu, mas todos os bolivianos expulsos por qualquer motivo. Tenho esperança, sim.
ÉPOCA – O senhor chegou ao extremo de pensar em suicídio no tempo em seu asilo na embaixada brasileira?
Molina – 
É preciso entender que eu estava sem acesso e contato com as pessoas. O ser humano necessita dessas relações. Eu passava dias, semanas e meses totalmente isolado, sem falar com ninguém. Sou um homem cristão e, pelo princípio cristão, nunca se mata. Mas, num determinado momento, comecei a pensar que poderia dar outra saída ao problema. Essa ideia passou pela minha mente de maneira muito forte.
ÉPOCA – Há democracia na Bolívia?
Molina – 
A democracia boliviana está gravemente ameaçada. Em qualquer país do mundo onde não há respeito pela oposição, onde as instituições foram tomadas, onde as decisões verticais são diárias, onde o presidente é capaz de dizer quem é culpado e inocente e ditar sentenças, a democracia está ameaçada. Na Bolívia, não há instituições, não há independência entre poderes. Em meu país, a Justiça está totalmente tomada pelo poder executivo. Então, é difícil perseguir e prender a oposição e querer seguir sendo um regime democrático. Não creio que seja uma ditadura, mas que o sistema democrático esteja sob ameaça. Há repressão à oposição, há perseguição política, há intolerância em relação às pessoas que pensam diferente e há ainda o controle dos meios de comunicação.

PROGRAMA (?) DOS MÉDICOS CUBANOS…, por Anhangüera


…E DE AJUDA À DITADURA COMUNISTA DE CUBA
cornucopia-do-dinheiro-17253851Somente em 2013, o Brasil pagará ao governo cubano, por intermédio da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), organização também comandada por esquerdistas, a quantia de R$ 510.957.307, 00, em parcelas de R$ 100.000.000,00, R$ 300.000.000,00 e R$ 110.957.307,00, nos meses de setembro, outubro e novembro, respectivamente. Isso é um crime que mereceria o afastamento da chamada “presidenta” Dilma. Eles não estão interessados na saúde dos brasileiros e vão investir uma quantia muito grande para auxiliar a falida ditadura dos irmãos Castro. Parte desse dinheiro, com certeza, virá para a campanha eleitoral e para pagar a compra do apoio da Rede Globo, cujos atuais donos traíram a memória do falecido pai.
O programa tem a duração de 3 anos, podendo ser renovado por igual período. E as prefeituras das pequenas cidades brasileiras ainda serão obrigadas a pagar a alimentação e a hospedagem dos cubanos. Eles não podem fazer tudo o que querem. Ninguém deve ficar omisso. A sociedade brasileira precisa saber a verdade que se esconde por trás de mais essa empulhação que esse desgoverno nos enfiou goela abaixo. O portalsaude disponibilizou cópia do contrato firmado entre o Brasil e a Org Pan-Americana . O dinheiro do brasileiro estará sendo enviado para Cuba. O contrato referente à vinda de médicos estrangeiros, no valor de meio bilhão de reais (somente para o primeiro ano), firmado entre o Ministério da Saúde e a Organização Pan-Americana da Saúde, pode ser lido na íntegra no link abaixo.

Gilmar Mendes diz que o STF não pode funcionar como pizzaria ou como tribunal bolivariano


Gilmar Mendes, ministro do STF, teve de lembrar nesta terça-feira que o tribunal não pode funcionar como uma pizzaria. O ministro, que votou contra o cabimento de embargos infringentes, parece já trabalhar com um cenário em que eles passem a ser aceitos — Celso de Mello é que decidirá a questão nesta quarta. Caso se admita o recurso, Mendes defende que se crie um procedimento:
“Tenho a impressão de que é importante, desde logo, estabelecer ritos, prazos, para encaminhar este assunto. Quer dizer, que o tema não fique solto. Estou dizendo é que haja, de fato, uma responsabilidade em relação a isso. Isso aqui não é um tribunal para ficar assando pizza e nem é um tribunal bolivariano”. O ministro disse ainda: “Amanhã já pode distribuir processo. Aquele que tiver encaminhado assuma o compromisso de trazer dentro de um prazo razoável”.
Pois é… Eis o mais difícil. Como esquecer uma pergunta disparada certa feita por Ricardo Lewadowski: “Tanta pressa por quê?”. Pressa? O escândalo veio à luz em 2005, a denúncia foi aceita em 2007, e o julgamento só começou em 2012. Sem a definição de prazos, não tem tempo para acabar, o que já é uma tradição do Judiciário brasileiro — uma triste tradição, que nos confere fama internacional. Por falar em Lewandowski, basta que se lembre o tempo que ele levou para apresentar a chamada “revisão”. Tudo o mais constante, que se contem outros tantos anos pela frente.
A referência ao “tribunal bolivariano” é oportuna. O Poder Judiciário na Venezuela, na Bolívia, no Equador ou na Nicarágua existe hoje para a) homologar as vontades dos respectivos presidentes, b) para proteger os “marginais do poder” (como disse Celso de Mello em passado recente) e para c) perseguir os inimigos do regime. A nossa corte suprema está a caminho de cumprir os itens “a” e “b” da agenda. Chegar ao “c” pode ser só uma questão de tempo.
Uma vez aceitos os embargos infringentes nesta quarta, e parece que as coisas caminham nessa direção, o tribunal cairá num enorme vazio — ou num emaranhado — de procedimentos. Sem o estabelecimento de um rito, os mensaleiros podem comemorar a impunidade. Aí é só esperar os filmes financiados pela Lei Rouanet exaltando os heróis que ousaram desafiar, e vencer, a democracia.
Por Reinaldo Azevedo

Oposição diz que adiamento de viagem aos EUA é jogada eleitoral


Por Júnia Gama, Chico de Gois e Isabel Braga, no Globo:
A oposição reagiu nesta terça-feira ao adiamento da visita oficial que a presidente Dilma Rousseff faria ao presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, em outubro, devido à insatisfação com as respostas do governo americano pelo episódio de espionagem. Para senadores do PSDB e do DEM, a decisão do Palácio do Planalto levou mais em conta uma estratégia de marketing eleitoral do que os interesses do país.
“Abdica-se mais uma vez a defesa de interesses reais do Brasil para privilegiar uma ação de marketing eleitoral”, afirmou o senador Aécio Neves (PSDB-MG), segundo nota do partido. “Na nossa avaliação, seria muito mais adequado que a presidente dissesse isso objetiva e claramente ao presidente americano e aproveitasse esta viagem não apenas para enfrentar esta questão, mas para defender os interesses da economia e, até mesmo, de determinadas empresas brasileiras”, disse. Aécio defendeu que o governo deve fazer investimentos em defesa de redes e informações digitais. “Da mesma forma é inaceitável que o governo brasileiro não tenha gasto sequer 10% de uma verba orçamentária aprovada com defesa cibernética”, disse. 
Na mesma linha de Aécio, Aloysio Nunes (PSDB-SP) chamou o ato de “marketing político”. “Apoiamos uma reação forte da presidente Dilma de repúdio à espionagem. Mas, achamos que ela fez mal em cancelar a viagem, porque ela deveria aproveitar para dizer na Casa Branca que espionagem é intolerável. No contexto em que foi tomada, a decisão do cancelamento da viagem, fica claro que houve uma confusão entre diplomacia e marketing político. Isso foi feito para mobilizar os sentimentos de patriotismo no Brasil para fins eleitorais”, disse o líder do PSDB,  Aloysio Nunes (SP).
(…)
Por Reinaldo Azevedo

‘Infringentes são eles’, por Carlos Brickmann


No Português que falamos, todos esses réus que tentam novos recursos no Supremo são infringentes: infringiram (do latim infringere - descumpriram, violaram, transgrediram, desrespeitaram, ensina o dicionário) a lei e por isso foram condenados. Mas a discussão nem deveria ser essa: o Brasil perde longo tempo e o Supremo dedica boa parte de seus esforços pela oportunidade de tirar uma foto de condenados atrás das grades. Vale a pena o desgaste, a despesa, o esforço?
Este colunista sabe que está contrariando boa parte da opinião pública, que quer ver os condenados morando numa sólida masmorra, com chuveiro de água fria e banho de sol cronometrado. Mas a pergunta é pertinente: que é que ganhamos encarcerando os mensaleiros? Os crimes pelos quais foram condenados poderiam merecer outras penas que não as de prisão. Não é necessário, nem útil, nem adequado confiná-los em celas. Não precisam ser contidos; não oferecem risco físico a ninguém. Os condenados devem sem dúvida ser punidos, mas com a proibição de exercer atividade política (e, se desobedecerem a essa proibição, aí sim caberia o confinamento), com multas (o órgão mais sensível do corpo humano é o bolso), com restrições diversas e trabalho comunitário, de forma a não deixar tempo para que se dediquem ao que for proibido. Ganham todos; inclusive nós, contribuintes, livres da pesada conta da hospedagem.
E o exemplo? O exemplo é vê-los condenados, ponto. Pedaços do corpo de Tiradentes foram expostos na rua, como exemplo. Foi horrendo. E não deu certo.
Cumpra-se a lei
Este colunista sabe que a lei tem de ser cumprida, que a lei é a base das penas que os ministros do Supremo aplicam, que a alternativa que sugere só se tornaria possível com a mudança da lei. OK; então, que os especialistas pensem nisso, e não apenas para gente chique, como os mensaleiros. 
Por que construir cadeias caríssimas, sempre em número insuficiente, gastando dinheiro que faz falta em outras áreas, se é possível punir sem cadeia quem não oferece risco físico?
Curiosidade
O livro é de Zuenir Ventura, pode ler que é ótimo. Este, 1968 – o que fizemos de nós, tem um atrativo extra: conta que em 1968 José Dirceu e Celso de Mello moravam na mesma república estudantil em São Paulo. Um se dedicou à política, outro ao Direito.
Agora se reencontram, um como condenado querendo recorrer, outro como o juiz cujo voto decidirá se o recurso pode ser aceito.
Quem pode, pode
O caro leitor enfrenta problemas com seu celular? O Governo eleito pelo caro leitor enfrenta problemas ao investigar crimes e ao lidar com criminosos? Quem manda ser um cidadão respeitador das leis? Porque o PCC, Primeiro Comando da Capital, cabeça do crime organizado em São Paulo, determinou por celular, a partir de um presídio de segurança máxima, o assassínio dos responsáveis pela morte do menino boliviano Brayan Yanarico Capcha, de 5 anos. 
Cinco eram os matadores; quatro já foram mortos. Dois, nas ruas; dois, numa cadeia de Santo André, no ABC paulista. O quinto, um adolescente internado na Fundação Casa, antiga Febem, vive sob escolta permanente da PM, pois também está jurado de morte. E como é que criminosos condenados e presos dão ordens, sabendo que as ordens serão cumpridas?
Excelente pergunta, caro leitor. Excelente pergunta.
A onda que vai e vem
Sabe esse monte de irregularidades que acaba de ser revelado no Ministério do Trabalho e na Fundação Banco do Brasil? Pois é: a história de entregar dinheiro público a certas ONGs, organizações não governamentais que vivem de recursos do Governo, vem de longe. Em 2001, PSDB no poder, houve uma CPI das ONGs no Senado, para apurar safadezas iguaizinhas a essas de agora; mas a CPI não andou, porque não interessava a alguns parlamentares que têm parte no rolo, nem ao Governo, que usa as ONGs como instrumento político. Em 2006 e 2007, PT no poder, a CPI das ONGs ressuscitou, mas foi devidamente sepultada. 
A senadora Ideli Salvatti comandou a bancada governista para esvaziá-la (valeu a pena: Ideli, que na época era uma política regional, hoje chegou a ministra).
Nome estranho
Certas coisas, só no Brasil. Por exemplo, aqui houve uma Organização Não Governamental lançada oficialmente no Palácio do Governo de São Paulo, pelo governador Mário Covas, PSDB. Este colunista comentou o estranho fato de uma organização não governamental surgir no Palácio do Governo e mereceu críticas em boa parte do discurso de Covas.
A propósito, a ONG não funcionou.
Saúde quase perfeita
O então presidente Lula chegou a dizer que faltava pouco para o sistema brasileiro de saúde atingir a perfeição. Era quase perfeito ─ o único problema é o quase. A Rede Bandeirantes de Televisão, em excelentes reportagens, mostrou que há falta de seringas descartáveis para aplicar insulina nos postos de saúde do SUS. O Brasil tem 12 milhões de diabéticos, boa parte dos quais precisa de insulina. Como não há seringas suficientes para a população mais pobre, o Ministério da Saúde orienta a usar até oito vezes a mesma seringa. 
É arriscar o uso e rezar.

O poder da burrice’, por Nelson Motta


Publicado no Globo desta sexta-feira
Nelson Motta
Todos os governantes, políticos, empresários, juízes, policiais e burocratas corruptos estão aliviados e serão eternamente gratos aos black blocs e vândalos em geral, que lhes prestaram o grande serviço de expulsar das ruas as manifestações populares que exigem mudanças urgentes e têm neles os seus principais alvos. Por ignorância e estupidez, fazem de graça o trabalho sujo em favor do que há de pior no Brasil. E ainda se acham revolucionários… rsrs
Em São Paulo, um idiota mascarado dizia na televisão que o seu objetivo era dar prejuízos a empresas multinacionais do bairro. Se fosse o repórter, eu lhe perguntaria se ele nunca imaginou que a única consequência de uma vitrine de banco quebrada é o seguro pagar uma nova. E, se o seguro ficar mais caro, os bancos repassam o aumento para todos os seus clientes. Mas a anta encapuzada acha que está combatendo o capitalismo… rsrs
Outro bobalhão, no Rio, encurralado por um policial, exibia o cartaz “não há revolução sem violência”, mas não quer que o Estado democrático se defenda da revolução dele com todos os meios, inclusive a violência. As cenas das turbas desembestadas escoiceando vitrines, pulando em cima de carros, derrubando e incendiando latas de lixo, não evocam a queda da Bastilha ou as revoltas de maio de 68, mas as imagens grotescas e os grunhidos do “Planeta dos macacos”.
A violência é humana e pode ser legítima, criminosa, doentia, perversa, criadora, gratuita, justa ou inevitável, pode até ser o motor da história, e a sociedade democrática tem que conviver com ela e encontrar um equilíbrio entre os direitos individuais e coletivos. Mas nunca foi tão burra como agora no Brasil.
Atuando como tropa de choque dos políticos bandidos, esses anarquistas de araque não sabem que são apenas fascistas, e usam as liberdades e garantias da democracia para ameaçá-la, impedindo que a população ocupe as ruas duramente reconquistadas da ditadura e livrando os verdadeiros inimigos do povo da pressão popular. Nunca tão poucos, e tão burros, deram tanto prejuízo a tantos, não a bancos e seguradoras, mas à democracia no Brasil.

‘O juiz e a sociedade’, de Merval Pereira


Publicado no Globo deste domingo
MERVAL PEREIRA
Ao chamar a atenção de seus colegas na reunião de quinta-feira sobre a provável reação das ruas a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que indiquem retrocesso em nosso sistema jurídico, o ministro Marco Aurélio Mello levantou uma questão que está sempre sendo debatida entre os próprios juízes: até que ponto a sociedade deve ter repercussão nas decisões dos tribunais, especialmente do Supremo, a última instância da Justiça brasileira?
Marco Aurélio Mello lamentou na ocasião que o tribunal que sinalizara “uma correção de rumos visando um Brasil melhor para nossos bisnetos”, estivesse “a um passo de desmerecer a confiança que nos foi confiada”. Irônico como quase sempre, Mello disse que já não falava em esperança de dias melhores para os filhos e para os netos.
O comentário suscitou uma declaração do ministro Luís Roberto Barroso que não se coaduna com o que o próprio ministro afirmara em seu discurso de posse no STF. Nele, Barroso disse considerar um “bom símbolo” a juventude e o povo nas ruas cobrando melhorias para o País. Definiu o movimento social “como algo positivo. (…) essa manifestação pacífica, energia criativa e construtiva que está vindo das ruas, da sociedade brasileira, certamente fará muito bem a esta população.”
E o que disse Barroso na quinta-feira? “Não julgamos para a multidão, julgamos pessoas.” Sou um juiz constitucional, me pauto pelo que acho certo ou correto. (…). Se a decisão for contra a opinião pública é porque este é o papel de uma Corte constitucional”.
O tema, aliás, havia sido abordado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, em sua posse, quando afirmou que os magistrados devem levar em conta as expectativas da sociedade em relação à Justiça e disse que não há mais espaço para o juiz “isolado”.
O ministro Luis Roberto Barroso certamente não ignora o que fez o povo sair às ruas para pedir o fim da corrupção, que é o cerne do que se discute nesse momento. Portanto, quando diz que não está à cata de “manchetes favoráveis”, mas sim de fazer o que acha certo, está ao mesmo tempo desprezando, com uma visão personalista, a opinião pública e a imprensa que a expressa em regimes democráticos. Não é um bom sinal, e nem mesmo combina com a imagem de humanista com que Luis Roberto Barroso sempre foi reconhecido.
E, sobretudo, vai de encontro a textos dele mesmo, como o que se segue, de 2008, sobre “a opinião pública”. Escreveu Barroso:
“O poder de juízes e tribunais, como todo poder político em um Estado democrático, é representativo. Vale dizer: é exercido em nome do povo e deve contas à sociedade. Embora tal assertiva seja razoavelmente óbvia, do ponto de vista da teoria democrática, a verdade é que a percepção concreta desse fenômeno é relativamente recente. O distanciamento em relação ao cidadão comum, à opinião pública e aos meios de comunicação fazia parte da autocompreensão do Judiciário e era tido como virtude. O quadro, hoje, é totalmente diverso”.
“De fato, a legitimidade democrática do Judiciário, sobretudo quando interpreta a Constituição, está associada à sua capacidade de corresponder ao sentimento social. Cortes constitucionais, como os tribunais em geral, não podem prescindir do respeito, da adesão e da aceitação da sociedade. A autoridade para fazer valer a Constituição, como qualquer autoridade que não repouse na força, depende da confiança dos cidadãos. Se os tribunais interpretarem a Constituição em termos que divirjam significativamente do sentimento social, a sociedade encontrará mecanismos de transmitir suas objeções e, no limite, resistirá ao cumprimento da decisão”.
“A relação entre órgãos judiciais e a opinião pública envolve complexidades e sutilezas. De um lado, a atuação dos tribunais, em geral – e no controle de constitucionalidade das leis, em particular –, é reconhecida, de longa data, como um mecanismo relevante de contenção das paixões passageiras da vontade popular. De outra parte, a ingerência do Judiciário, em linha oposta à das maiorias políticas, enfrenta, desde sempre, questionamentos quanto à sua legitimidade democrática”.
“Nesse ambiente, é possível estabelecer uma correlação entre Judiciário e opinião pública e afirmar que, quando haja desencontro de posições, a tendência é no sentido de o Judiciário se alinhar ao sentimento social”(…)

‘Amanhã, o Brasil muda’, de Arnaldo Jabor


Publicado no Estadão desta terça-feira
ARNALDO JABOR
Comecei a escrever este artigo e parei. Minhas mãos tremiam de medo diante da gravidade do assunto. Parei. Tomei um calmante e recomecei. Não posso me exacerbar em invectivas, em queixumes ou denúncias vazias. Tenho de manter a cabeça fria (se possível) para analisar os efeitos do resultado do julgamento do mensalão, que virá amanhã. “Tomorrow, and tomorrow, and tomorrow” (…) “o amanhã se infiltra dia a dia até o final dos tempos”, escreveu Shakespeare em Macbeth (ato 5 cena 5); pois o nosso amanhã pode nos jogar de volta ao passado, provando a nós cidadãos que “a vida é um conto narrado por um idiota, cheio de som e fúria, significando nada”. Ou que “a nossa vida será uma piada”, na tradução livre de Delúbio Soares.
No Brasil nunca há “hoje”; só ontem e amanhã. Amanhã será amanhã ou será ontem. Depois de tanto tempo para se (des) organizar uma república democrática, o ministro Celso de Mello tem nas mãos o poder de decretar nosso futuro. Essa dependência do voto fatal de um homem só já é um despautério jurídico, um absurdo político. O “sagrado” regimento interno do STF está cuidadosamente elaborado por décadas de patrimonialismo para inviabilizar condenações. Eu me lembro do início do julgamento. Tudo parecia um atemorizante sacrilégio, como se todos estivessem cometendo o pecado de ousar cumprir a lei julgando poderosos. Vi o “frisson” nervoso nos ministros juízes que, depois de sete anos de lentidão, tiveram de correr para cumprir os prazos impostos pelas chicanas e retardos que a gangue de mensaleiros e petistas conseguiu criar. Suprema ironia: no país da justiça lenta, os ministros do Supremo foram obrigados a “andar logo”, “mandar brasa”, falar rápido, pois o Peluso tinha de votar, antes de sair em setembro. E só houve julgamento porque o ministro Ayres de Britto se empenhou pessoalmente em viabilizar prazos e datas. Se não, não haveria nada.
Dois ministros impecáveis e com saúde foram aposentados com 70 anos. Poderiam ao menos terminar o julgamento; mas, o “regimento” impediu. Sumiram de um dia para o outro, para gáudio dos réus. E foram nomeados em seu lugar Teori e Barroso, naturalmente ávidos para não se submeter ao ritmo de nosso Joaquim Barbosa e valorizar sua chegada ao tribunal. Até compreendo a vaidade, mas entraram para questionar o próprio julgamento, como Barroso declarou.
Amanhã, Celso de Mello estará nos julgando a todos; julgará o país e o próprio Supremo. Durante o processo, qualificou duramente o crime como “o mais vergonhoso da História do País, pois um grupo de delinquentes degradou a atividade política em ações criminosas”. E agora?
Será que ele ficará fiel à sua opinião inicial? Ele fez um risonho suspense: “Será que evoluí?” – como se tudo fosse mais um doce embate jurídico. Não é.
Se ele votar pelos embargos infringentes, estará acabando com o poder do STF, pois nem nos tribunais inferiores como o STJ há esses embargos.
Nosso único foro seguro era (é?) o Supremo Tribunal. Precisamos de uma suprema instância, algum lugar que possa coibir a cascata suja de recursos que estimulam a impunidade e o cinismo. Já imaginaram a euforia dos criminosos condenados e as portas todas abertas para os que roubam e roubarão em todos os tempos? Vai ser uma festa da uva. A democracia e a República serão palavras risíveis.
O ministro Celso de Mello provavelmente não lerá esse artigo, pois se recolhe num retiro proposital para consultar sua “consciência individual”.
Mas, afinal de contas, o que é essa “consciência individual”, apartada de todos os outros homens vivos no País?
O novato Barroso, considerado um homem “de talento robusto e sério”, como tantas personagens de Eça de Queiroz, já lançou a ideia e falou de sua “consciência individual” com orgulho e delícia: “Faço o que acho certo. Independentemente da repercussão. Não sou um juiz pautado sobre o que vai dizer o jornal no dia seguinte”. Mas, quem o pauta? A coruja de Minerva, o corvo de Poe, ou os urubus que sobrevoam nossa carniça nacional? Ele não é pautado por nada? A população que o envolve, não o comove? Ele nasceu por partenogênese, geração espontânea, já de capa preta e sapatos ou foi formado como todos nós pelo olhar alheio, pelos limites da vida social, pelas ideologias e hábitos que nos cercam? Que silêncio “fecundo” é esse que descobre essências do Ser na solidão? Ele é o quê? O Heidegger do “regimento”? Essa ideia “barrosiana” de integridade não passa de falta de humildade, de narcisismo esperando iluminação divina.
E Celso de Mello aponta nessa mesma direção. Será? Será que ele terá a crueldade (esta é a palavra) de ignorar a vontade explícita da população pela violenta anulação de nove anos de suspense, por uma questiúncula em relação ao “regimento”? Por que não uma interpretação “sistemática” da lei, em vez da estrita análise literal? Transformará a “justiça suprema em suprema injúria” sobre todos nós?
Os acontecimentos benéficos ao país sempre voltam atrás, depois de uma breve euforia. Assim foi o milagroso surgimento da opinião pública nas ruas, logo reprimida não pela polícia, mas pelos punks fascistas encapuzados que amedrontaram todos, para alegria do Executivo e Legislativo. Todos os escândalos inumeráveis voltam ao nada. Um amigo me chama de pessimista; respondo que o pessimista é um otimista bem informado.
A verdade é que, desde o início, o desejo de ministros como o Lewandowski e o Toffoli era retardar o julgamento. Eu gelei quando vi a cara impassível do Lewandowski analisando o processo por seis meses e o Toffoli não se impedindo de votar, apesar de suas ligações anteriores com Dirceu. Depois, os dois novatos chegaram para proferir sentenças contra o processo de que não participaram.
Em tudo isso há sim um forte desejo de ferrar o Joaquim Barbosa, por inveja da fama que conquistou.
E afirmo (com arrogância de profeta) que amanhã o Celso de Mello, com sua impecável “consciência individual”, vai votar “sim” pelos embargos.
Será a vitória para os bolcheviques e corruptos lobistas. Ok, Dirceu, você venceu

MENSALÃO: Julgamento já durou mais do que a II Guerra Mundial — desde o começo, entre muitos outros fatos, 4 ministros se aposentaram, 1 morreu e o Brasil ganhou 13 milhões de habitantes mais

7/09/2013
 às 19:30 \ Política & Cia

Ricardo Setti 

INTERMINÁVEL -- Até amanhã, dia do voto decisivo do ministro Celso de Mello sobre a aceitação ou não dos embargos infringentes, o processo do mensalão se arrastado por 7 anos, 5 meses e 7 dias (Foto: arche.org)
Na brilhante sacada do jornalista Carlos Brickmann, o processo do mensalão já durou mais do que a II Guerra Mundial, o maior conflito bélico da história da Humanidade e o acontecimento mais importante do século XX.
A guerra em que morreram 50 milhões de pessoas, iniciada com a invasão da Polônia pela Alemanha nazista de Adolf Hitler a 1º de setembro de 1939, terminou com a cerimônia de capitulação do Japão — aliado da Alemanha e da Itália fascista no chamado Eixo –, a 2 de setembro de 1945, a bordo do cruzador norte-americano Missouri, fundeado ao largo da Baía de Tóquio.
A II Guerra durou 6 anos e 1 dia. O julgamento do mensalão, até amanhã, dia do voto decisivo do ministro Celso de Mello sobre a aceitação ou não dos recursos denominados embargos infringentes, terá se arrastado por 7 anos, 5 meses e 7 dias.
Amontoada numa das mesas de apoio do plenário do Supremo, a montanha de autos do processo; 50 mil páginas e 200 apensos (Foto: Nelson Jr / STF)
A trajetória do mensalão começou quando o então procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, ofereceu denúncia contra os envolvidos, a 11 de abril de 2006. O Supremo aceitou a denúncia — ou seja, reconheceu que, ali, havia um processo criminal a ser julgado — a 22 de agosto de 2007.
Desde então, mais de 700 testemunhas foram ouvidas, a montanha de autos do processo abrange 50 mil página e cerca de 200 apensos com material pertinente ao caso, e o Supremo realizou quase 60 sessões de julgamento.
General Douglas MacArthur, à esquerda, assite o ministro japonês Manoru Shigemitsu a entregar documento de rendição à bordo do USS Missouri, na Baía de Tóquio, em 2 de setembro de 1945, em cerimônia que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial (Foto: AP)
2 de setembro de 1945: no momento soleníssimo em que termina o maior conflito bélico da história da Humanidade: o comandante norte-americano para o Pacífico, general Douglas MacArthur (esq.), assiste ao chanceler Manoru Shigemitsu assinar o instrumento de rendição incondicional do Japão a bordo do cruzador "USS Missouri", fundeado na Baía de Tóquio. (Foto: AP)

Enquanto o Japão se rendia incondicionalmente, mais de 1.000 aviões de guerra da Força Aérea dos Estados Unidos sobrevoaram, com um longo e enorme rugido, a Baía de Tóquio, em demonstração de força minuciosamente organizada (Foto: AP)
A coisa parece que não termina mais.
O processo que procura colocar na cadeia um grupo de políticos e outras personalidades que tramaram colocar o Legislativo sob controle do Executivo por meio de dinheiro sujo — uma tentativa de “um golpe de Estado branco”, como definiu o ministro aposentado do Supremo Carlos Aires Britto — dura
Lula (2003) e Dilma (2010), em momentos de posse, com a faixa presidencial (Fotos: AFP :: Flávio Florido)
O processo já atravessou um pedaço do primeiro mandato presidencial de Lula, seu segundo mandato inteiro e a maior parte do de Dilma (Fotos: AFP :: Flávio Florido)
tanto que já abrangeu um pedaço do primeiro mandato de um presidente, Lula (mais da metade de 2006), seu segundo mandato inteiro (2007-2011) e quase dois terços do mandato de sua sucessora, Dilma Rousseff (de janeiro de 2011 a setembro de 2013).
Os ex-ministros do STF Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto (Fotos: STF)
Os ex-ministros Eros Grau, Carlos Alberto Menezes Direito, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto. Menezes Direito morreu, os demais se aposentaram desde que o processo começou a caminhar no Supremo (Fotos: STF)
Desde a denúncia do Ministério Público, quatro ministros se aposentaram (pela ordem, Eros Grau, Ellen Gracie, Cezar Peluso e Carlos Ayres Britto) e um morreu (Menezes Direito, em 2011).
Ex-procuradores-gerais da República Antonio Fernando de Souza (que ofereceu a denúncia sobre o mensalão), Roberto Gurgel (que fez a acusação de viva voz no Supremo) e do atual, Rodrigo Janot (Fotos: STF :: STF :: André Borges / Folhapress)
O mensalão se estendeu tanto que esgotou os mandatos dos ex-procuradores-gerais da República Antonio Fernando de Souza (que ofereceu a denúncia) e Roberto Gurgel (que fez a acusação de viva voz no Supremo), avançando para dentro do mandato do atual, Rodrigo Janot (Fotos: STF :: STF :: André Borges / Folhapress)
O interminável julgamento também foi suficiente para engolir o mandato de dois procuradores-gerais da República — Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel — e alcançar o começo da gestão de um terceiro, Rodrigo Janot.
Papa Francisco (à direita) cumprimenta Bento XVI no mosteiro Mater Ecclesiae, onde o Papa Emérito vive desde que renunciou (Foto: Laurent Kalfala / AFP)
Processo tão longo permitiu até que a Igreja tivesse, nesse entretanto, dois papas -- Bento XVI, que renunciou, e seu sucessor, o papa Francisco (Foto: Laurent Kalfala / AFP)
Houve tempo suficiente até para que um papa encerrasse por vontade própria seu período à frente da Igreja Católica (Bento XVI, que renunciou a 28 de fevereiro passado, após oito anos de pontificado) e fosse escolhido um outro, Francisco.
"Operários", de Tarsila Amaral
Enquanto o mensalão se desenrolava no Supremo, a população do Brasil cresceu em 13 milhões de habitantes (Ilustração: tela "Operários" (1933), de Tarsila Amaral)
Finalmente, o que poderia ser mais eloquente para falar do quanto este país esperou pelo desfecho do escândalo do que lembrar que, durante o arrastar interminável do processo, o a população brasileira aumentou em 13 milhões de novos habitantes – equivalentes a 30% mais do que a população inteira de um país como a Bélgica?

STF: O voto de Minerva

MARCELO CERQUEIRA
Júri formado por 12 cidadãos de Atenas empata no julgamento de Orestes, que, vingando a morte do pai, mata o amante da mãe, que matara seu pai após este voltar de guerra de Troia. Em face do impasse na votação, a deusa Minerva resolve pela absolvição de Orestes e cria o mito (lógico) do voto que levou seu nome.
O que, no atual julgamento da Ação Penal 470, em exasperante curso no STF, cabe ao decano do tribunal em face do impasse nos votos dos juízes da Suprema Corte: decidir pelo voto de Minerva.
O que se está a verificar no atual estágio da democracia brasileira é que, em face do excesso de poderes do Executivo (v. gr. a insuportável "medida provisória") e da anomia do Congresso Nacional, a antiga divisão de poderes vem se transformando em uma espécie de "estado de juízes", com a deslocação dos poderes para o Judiciário, em especial ao Supremo Tribunal Federal.
E o impasse ora se assenta se cabe ao Supremo "conhecer" dos embargos infringentes, medida processual baseada em expressiva diferença de votos dos juízes no curso do julgamento de determinada norma penal.
A matéria, à primeira vista, parece simples: a Carta semioutorgada de 1967 conferiu ao Supremo dispor sobre normas processuais de sua competência; poderes não mantidos pela Constituição Federal de 1988, embora por ela não abolidos expressamente.
A lacuna foi preenchida pela Lei nº 8.038 de 1990, que instituiu normas para os processos nos tribunais superiores. Como o Superior Tribunal de Justiça é criação da Constituição em vigor, seu regimento naturalmente não previu a possibilidade dos recursos de "embargos infringentes". Antiga norma do regimento do Supremo Tribunal, que os previa, suscitou a discussão na Corte, às vezes em clima exacerbado. O empate em cinco votos dá a medida da divergência.
Estaria a norma regimental derrogada implicitamente, ou ela teria sido ela recepcionada (recebida) pela Constituição em vigor como lei ordinária? É esse o centro da controvérsia, que resvalou do debate jurídico para as paixões políticas, estas "amparadas" pela voz rouca das ruas que, entre outras palavras de ordem, reclamavam, além de saúde, escola e mobilidade urbana, a questão do combate à corrupção, com a qual ninguém discorda, mas estaria mais focada na questão do passe livre nos ônibus e na malsinada ação penal já referida.
A voz das ruas repercutiu nas discussões da Corte. Naturalmente o Judiciário não é indiferente ao clamor popular, mas certamente não pode deixar que ele substitua a independência judicial exclusivamente vinculada à obediência dos juízes à lei e ao Direito Os juízes devem aplicar a Constituição e as leis e demitem-se de suas funções quando se submetem a outras "demandas" que não estas, como lembrou um altivo magistrado.
É certo que a Constituição em vigor fez competir exclusivamente ao Congresso Nacional a competência para legislar sobre normas processuais, inclusive aquelas antes reservadas ao Poder Judiciário, e por isso editou a Lei nº 8.038/90 acima referida.
Entretanto, o Congresso Nacional decidiu expressamente manter na Lei 8.038 a norma do Supremo que previa o cabimento dos "embargos infringentes". Matéria publicada no GLOBO (14/9/2013, p. 6) descreve o debate travado no parlamento sobre a matéria. A mensagem presidencial nº 43, de 1998, que previa a revogação da norma concessiva dos "embargos", foi rejeitada pala Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, acolhendo parecer do professor de direito constitucional Jarbas Lima, então membro daquela Comissão. Essa mens legis poderá ser decisiva na apreciação da matéria.
O voto de Minerva não é prisioneiro de antigas declarações proferidas pelo juiz antes dos debates sobre o cabimento dos "embargos". Poderá soberanamente mantê-las ou modificá-las. A decisão que vier a tomar, que não antecipa o mérito da matéria, será respeitada como respeitado é o decano.
O voto de Minerva não é prisioneiro de antigas declarações proferidas pelo juiz antes dos debates sobre o cabimento dos 'embargos'
Publicado no Globo de hoje. Marcello Cerqueira é advogado.