domingo, 12 de fevereiro de 2017

Escândalo da merenda faz 1 ano sem punição


Danilo Verpa/Folhapress
O presidente da Assembleia Legislativa de SP, Fernando Capez, presta depoimento na CPI da Merenda, que investiga fraudes em contratos
O presidente da Assembleia Legislativa de SP, Fernando Capez, presta depoimento na CPI da Merenda

Um ano depois de deflagrada a Operação Alba Branca, para apurar desvios e fraudes na compra de suco para merenda escolar em São Paulo, as investigações prosseguem no Ministério Público, sem denúncias ou arquivamento em relação aos contratos com o governo Alckmin (PSDB). Ninguém foi punido até agora.
A Alba Branca veio a público em 19 de janeiro do ano passado, quando membros da Coaf (Cooperativa Orgânica Agrícola Familiar), de onde partiu a investigação, acusaram políticos de receber propina para liberar contratos com o governo e municípios.
Detidos, os então integrantes da Coaf disseram em depoimento que, nos contratos relativos ao Estado (de R$ 11,4 milhões), a propina foi negociada com ex-assessores do gabinete do presidente da Assembleia Legislativa, Fernando Capez (PSDB). Todos negam participação em crimes.
Como a maior parte do dinheiro usado para comprar produtos da agricultura familiar tinha origem federal, a apuração da Alba Branca referente às prefeituras foi para o Ministério Público Federal.
Já a parte referente a Capez ficou com a Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público de São Paulo, porque ele tem foro especial.
Por correlação, a Procuradoria ficou incumbida de investigar também todos os suspeitos ligados às fraudes nos contratos com Estado, como ex-assessores de Capez, um cunhado dele, ex-membros do governo e um lobista.
A última medida da Procuradoria em relação a Capez foi o pedido de quebra de seu sigilo. As informações bancárias, como é usual, levaram meses a chegar e, segundo a Folha apurou, não revelaram movimentações suspeitas nas contas em nome dele.
Já nas contas de dois ex-assessores do gabinete do deputado, Jéter Pereira e José Merivaldo dos Santos, foram encontrados valores que aparentemente não condizem com os proventos deles.
Na de Pereira, por exemplo, havia um depósito em dinheiro de R$ 34 mil em 2015, de um total de R$ 122 mil suspeitos. Em contas de Merivaldo são apontadas movimentações estranhas de cerca de R$ 500 mil em 2015 –boa parte de depósitos em dinheiro.
Agora, conforme a Folha apurou, a investigação deve rastrear o destino do dinheiro após passar por essas contas.
O delator Marcel Ferreira Julio, apontado como lobista da Coaf, afirmou que a propina era negociada e paga aos ex-assessores, mas que parte iria para Capez quitar despesas de sua campanha de 2014.
Entre pessoas ligadas à investigação, já é dada como certa a denúncia à Justiça contra os dois ex-assessores, além do lobista Marcel –que deve usufruir de pouco ou nenhum benefício em função de sua delação, porque não entregou provas que ajudassem.
Se a Procuradoria decidir arquivar o caso em relação a Capez, os ex-assessores e o lobista ganharão tempo, porque todo o processo terá que ser remetido para o Ministério Público Federal –já que não haverá mais ninguém com foro especial.
Enquanto isso, Pereira e Merivaldo já foram alvo de sindicância na Assembleia, mas ainda não foram punidos administrativamente. Em tese, podem até ser desligados do serviço público, mas a Casa arrasta uma tomada de decisão há meses.
Ainda na Assembleia, o Conselho de Ética arquivou na quarta (8) uma representação contra Capez. Em 15 de março, haverá eleição para o novo presidente da Casa. Capez deve ser substituído por outro tucano, Cauê Macris.
CRONOLOGIA
19.jan.2016 - Polícia Civil e Ministério Público deflagram a Operação Alba Branca para investigar fraudes em contratos da cooperativa Coaf com o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e prefeituras. Suspeitos citam Fernando Capez (PSDB), presidente da Assembleia, entre outros
21.jan.2016 - Cássio Chebabi, ex-presidente da Coaf, faz delação premiada e acusa Capez e o deputado federal Baleia Rossi (PMDB-SP) de envolvimento. Eles negam
5.fev.2016 - Procuradoria-Geral de Justiça pede quebra de sigilo do tucano, de ex-assessores de seu gabinete e de dois ex-membros do governo Alckmin
30.mar.2016 - Apuração paralela da Corregedoria Geral da Administração, ligada ao governo, diz que, apesar de ter falhas na contratação da Coaf, não houve corrupção
31.mar.2016 - Lobista Marcel Julio se entrega à polícia. Fecha acordo de delação e diz que Capez pediu dinheiro para sua campanha em 2014, em tom de brincadeira, mas que negociação foi feita com assessores
abr.2016 e mai.2016 - Estudantes ocupam escolas e o plenário da Assembleia Legislativa de SP para cobrar a abertura de uma CPI
jun.2016 a dez.2016 - Com 8 deputados da base e 1 da oposição, CPI toma depoimentos. Relatório final inocenta políticos

O VELÓRIO DE MAQUIAVEL - por Ruy Fabiano



Ruy Fabiano

Ruy Fabiano


Não há dúvida de que o presidente Michel Temer é um virtuose da velha política, um craque dos bastidores.

Acaba de eleger os presidentes da Câmara e do Senado, exibindo uma maioria de fazer inveja ao Lula dos tempos do Mensalão. Indicou para o STF um homem de sua confiança, Alexandre de Moraes, que adiante poderá vir a julgá-lo.

Livrou-se, dessa forma, de um problemático ministro da Justiça e ganhou um aliado estratégico na Corte Suprema. De quebra, criou dois ministérios – o dos Direitos Humanos e o da Secretaria Geral da Presidência -, colocando neste um de seus mais próximos colaboradores, Moreira Franco, blindando-o na Lava Jato.

Denunciado na delação da Odebrecht, onde, sob o apelido de Gato Angorá, é acusado de receber propinas, Moreira, agora ministro, fica abrigado na amigável esfera do STF, salvo de Sérgio Moro.

Com o Ministério dos Direitos Humanos, entregue à tucana Luislinda Valois, consolida a aliança com o PSDB. Pouco importa que a redução de ministérios tenha sido um de seus compromissos de posse. Com os que acaba de criar, Temer garante sua maioria parlamentar, na base do toma lá dá cá. Cargos por votos.

O problema é que a velha política, com suas manobras e engenhosidades, só funciona para dentro; só produz aplausos e admiração nos bastidores. O efeito é oposto na opinião pública, farta de maquiavelismos. Essa é a grande mudança imposta pelo Brasil da Lava Jato, que, ao que parece, ainda não foi percebida pelos políticos.

Ainda agem movidos pelos velhos paradigmas, em que a busca de resultados (não necessariamente administrativos) põe tudo o mais, inclusive (e sobretudo) os fundamentos morais mais elementares da governança, em segundo ou mesmo nenhum plano.

Isso explica, por exemplo, a abundância de ministros demitidos em menos de um ano de governo. Só Dilma Roussef ultrapassou essa marca, mas Temer parece empenhado em não ficar para trás. Moreira é sua mais nova aposta.

Sua posse foi suspensa por mais de um juiz de primeira instância e terá veredito definitivo no STF, por meio do ministro Celso de Mello. Pode não ser tecnicamente a mesma situação de Lula, que já era réu quando nomeado para a Casa Civil por Dilma.

Moralmente, porém, é.

Moreira está citado com detalhes nas planilhas da Odebrecht. Deveria, ele próprio, abster-se de pôr em dúvida sua presunção de inocência. Ao aceitar o guarda-chuva ministerial, sinaliza em sentido oposto. Lula foi barrado por Gilmar Mendes; vejamos o que dirá Celso de Melo. O país acompanha tudo de perto – e essa é, repita-se, a grande novidade na política.

Na velha política, ignora-se tal fenômeno. Temer, segundo se noticiou – e ninguém desmentiu -, pediu à presidente do STF, Cármen Lúcia, que não quebrasse o sigilo das delações para não interferir no resultado das eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Pedido aceito, as eleições consumaram-se sem surpresas. E as delações continuam sob total sigilo.

Tornou-se recorrente comparar a Lava Jato à sua similar italiana Operação Mãos Limpas, ocorrida entre 1992 e 1996, que também passou um trator sobre a política daquele país. Ao final, porém, não resistiu às manobras de bastidores, que resultaram em mudanças na legislação, que devolveram o país às práticas habituais.

Aqui, tenta-se o mesmo. Esta semana, a Câmara quis votar em regime de urgência proposta que retirava do TSE o direito de cobrar dos partidos prestação de contas. Não conseguiu.

As redes sociais derrotaram mais uma vez a manobra, já tentada antes em relação às dez medidas contra a corrupção, propostas pelo Ministério Público, e ao projeto de abuso de autoridade, que impunha sanções penais aos investigadores.

Esse é o diferencial destes tempos de Lava Jato em relação à Operação Mãos Limpas: a pulverização da informação, via internet. Não há mais como controlá-la, nem muito menos as reações que provoca e as mudanças que impõe. É uma viagem sem volta.

No futuro, que já começou, o político terá de ser honesto, senão por razões de ordem moral, por imperativo tecnológico.