quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

No Congresso, a profecia maia já se materializou



Agora já pode ser revelado sem receio de espalhar o pânico: o mundo começou a acabar na sexta-feira, 21 de dezembro de 2012. A profecia do calendário maia fora mal interpretada. O erro foi imaginar que o Apocalipse viria num grande e definitivo clarão. Não, não. A coisa será mais insidiosa. O Juízo Final virá num martírio lento, servido aos pouquinhos. Começou pelo Congresso brasileiro. E seguirá num crescendo, até que o vaticínio se complete, daqui a 5 milhões de anos.
As versões sobre o fim do mundo no Congresso ainda são desencontradas. Não existe um consenso sobre o que realmente aconteceu. Um deputado da oposição conta que tudo escureceu quando o Marco Maia declarou que daria asilo aos deputados mensaleiros nas dependências da Câmara. Um companheiro do PT diz ter ouvido de Maia (como ninguém suspeitou desse sobrenome?!?) o relato de uma visão que ele tivera durante o sono.
Vindo do horizonte, Maia jura ter visto Joaquim Barbosa numa jamanta, avançando em alta velocidade na direção do João Paulo Cunha, do Valdemar Costa Neto e do Pedro Henry. E atrás do relator do mensalão vinha um camburão com seis agentes da Polícia Federal. Três brandiam mandados de prisão. Outros três sacudiam as algemas.
Já um deputado do Piauí diz que se preparava para passar uma rasteira no veto da Dilma à Lei dos Royalties quando dois colegas de Estados produtores de petróleo saíram de uma nuvem negra com os cenhos crispados. Um deles, da bancada do Rio, esfregou-lhe na cara uma liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo. Agarrando-o pelo braço, virou-se para o outro, da bancada do Espírito Santo, e gritou: “Eu levanto e você corta”.
Um senador da Paraíba afirma que tentava inutilmente convencer a vice-presidente do Congresso, Rose de Freitas, a colocar os Royalties em votação quando, de repente, uma poeira tóxica recobriu o plenário. Rodando sob a camada de pó, ele viu 3.060 vetos que haviam saltado das gavetas do Sarney. Negligenciados pelos durante 12 arrastados anos, os vetos mais antigos haviam tomado a forma de espadas. E lanhavam o traseiro de deputados e senadores como a castigá-los pelo descaso.
Três senadores juram que, ao atravessar o túnel do tempo, que separa os gabinetes do plenário, viram-se cercados por uma legião de folhas de papel –425.022 páginas. Estavam pintadas para a guerra. Com as cores do desperdício. Juntaram-se no cerco o relatório da CPI do Cachoeira (5 mil folhas inúteis multiplicadas pelos 30 membros da comissão) e as megacédulas dos 3.060 vetos (463 páginas inservíveis reimpressas à larga, uma cópia para cada um dos 81 senadores e 513 deputados).
Um senador, que diz ter assistido à cena de longe, relata, entre lágrimas, que testemunhou o instante em que uma megacédula de vetos, liderando a revolta, avistou o Sarney saindo da sala da presidência. Viu quando, ao seu comando, o exército de folhas marchou na direção do presidente do Congresso. Os seguranças rodearam Sarney. Mas a cédula-líder lançou sobre eles uma interrogação inquietante: “Sabem quantos livros didáticos poderíamos ter produzido se não tivéssemos sido desperdiçadas?” E os seguranças abandonaram Sarney, que foi soterrado pelas folhas.
Um assessor do Planalto relata que não acreditou quando Romero Jucá lhe telefonou apavorado para dizer que o Orçamento da União de 2013 não seria votado. “Como assim?”, indagou, atônito. “Meu relatório está pronto. Mas o mundo está acabando no Congresso”, balbuciou Jucá antes de ser arrastado para o insondável por quatro cavaleiros saídos do nada. Eles se chamavam Apatia, Subserviência, Indiferença e Abulia. E foi o fim de tudo.
Ninguém deu muita bola porque o fim do mundo no Congresso coincidiu com o início do recesso parlamentar. De resto, o Legislativo brasileiro, como que antevendo final dos tempos, já vinha se desmoralizando por conta própria desde a redemocratização. Extinta a instituição, salvou-se o prédio. Diz-se que foi uma deferência a Niemeyer que, recém chegado aos céus, fez um pedido por escrito.
Reduzidos à condição de zumbis, os congressistas retornarão a Brasília em fevereiro. Enquanto decidem se arrastam correntes ou se apenas mancam, deputados e senadores, num delírio coletivo, seguirão dizendo “sim” no plenário, para que o Planalto cumpra o seu destino: continuar governando por medida provisória até que a profecia maia se cumpra integralmente.
- Ilustração via Miran Cartum.

A autocrítica de Dirceu: o PT fez menos do que deveria para melhorar prisões. (E para reduzir a desigualdade?)



Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)
Quanto Zé Dirceu importa pode-se medir pela jornada da colunista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, na última sexta-feira. Mônica às 5h30 da manhã estava à porta do prédio em que Dirceu mora, na Vila Mariana, para acompanhar sua eventual prisão.
Isso significa que ela acordou por volta de 4 horas. Jornalistas costumam dormir nessa hora, e só saem da rotina boêmia em circunstâncias especiais. Foi o caso de Mônica. Não houve prisão, mas ela acabou fazendo um relato excelente em torno de uma não notícia. Pela manhã, era o artigo mais lido no site da Folha.
Dirceu não estava se comportando exatamente como Sêneca diante da ordem de Nero para que ele cortasse os pulsos, mas o artigo de Mônica mostra que ele estava razoavelmente firme diante da possibilidade de passar já o Natal na cadeia, conforme solicitara, num gesto de extraordinária severidade malévola, o procurador Roberto Gurgel.
Dirceu já estava fazendo planos para a reclusão. Como é tão comum na linhagem da esquerda, falou em estudar. Os russos de esquerda que foram presos transformaram as prisões czaristas em universidades, no final do século 19 e início do 20, e estabeleceram um padrão de comportamento para esquerdistas de todas as partes.
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PRISÃO DE TREMEMBÉ
Dirceu disse a Mônica que espera ir para a prisão do Tremembé. Você também desejaria isso, se fosse preso. É para presos ‘especiais’. Numa reportagem da Veja SP de 2009, há uma boa descrição do presídio.
“Comparada a boa parte das 74 penitenciárias do estado de São Paulo, a P-II, como Tremembé é conhecida, proporciona vida diferenciada a seus presos. As celas de 15 metros quadrados do segundo pavilhão, por exemplo, com capacidade para seis pessoas, não são ocupadas por mais que cinco. A comida, feita por 24 presos e que alimenta tanto os confinados como os diretores do presídio, é boa. Aulas de música e inglês, campeonatos de xadrez e concursos de poesia são algumas das atividades regulares. A unidade tem ainda duas oficinas de usinagem e montagem de torneiras, templo ecumênico e um campo de futebol.”
Ao falar das prisões brasileiras, Dirceu fez para a jornalista uma autocrítica. Nenhum governo fez muito para melhorar a vida nas cadeias brasileiras. Nem o PT. É interessante esta reflexão. Se você vai além das cadeias, pode ser assaltado por um sentimento semelhante, por uma quase frustração.
A visão de tantas favelas em São Paulo, num giro pela cidade que fiz ao chegar de Londres para as festas de final de ano, me trouxe isso. Dez anos de governos com foco declarado nos 99% e não no 1%, e ainda assim tanta miséria, tanta iniquidade?
Quanto tempo é necessário para chegarmos perto da Escandinávia, então? Meio século? Um século? E então me ocorre a grande frase de Keynes: “A longo prazo estaremos todos mortos”.
Meus filhos verão uma São Paulo com ares de Copenhague? Meus netos? Bisnetos, talvez?
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TAXA DE URGÊNCIA
Estará faltando uma taxa de urgência, na administração petista, para mitigar a desigualdade? É uma possibilidade. Tendo a pensar nisso quando vejo certas declarações de Lula. Com uma certa frequência ele diz que os empresários jamais ganharam tanto dinheiro como em seu governo.
Talvez seja apenas uma frase para aplacar a raiva que boa parte dos empresários sente por ele. Mas talvez também seja verdade.
Se for verdade, isso significa que, a despeito da melhora na distribuição de renda, se fez menos do que poderia e deveria ser feito.
A riqueza nacional é um bolo. A fatia dos empresários já era suficientemente grande para que eles ganhassem mais dinheiro que nunca, para seguir na retórica de Lula. Como o bolo é um só, a parcela dos miseráveis brasileiros – ainda que tenha aumentado — ficou aquém do que deveria.
A ditadura militar fez o Brasil abjeto socialmente que está aí. O ensino público de alta qualidade foi destruído pelos generais, e a maior escada para a ascensão desapareceu.
Ainda durante a ditadura, os empregados foram proibidos de fazer greve, e assim não puderam reagir à perda de direitos trabalhistas como a estabilidade.
Nesse ambiente, floresceu uma monstruosa concentração de renda. Viramos uma contrafação da Escandinávia. O Brasil se tornou uma Dinamália, parte (pequena) Dinamarca, parte (enorme) Somália.
Foi este o país que a ditadura militar semeou – com o apoio das grandes empresas de mídia, como a Globo de Roberto Marinho, a Folha de Frias e o Estadão dos Mesquitas. Todas elas abriram as portas para os generais, e se deram bem financeiramente com isso – ao contrário da imensa massa miserável de brasileiros.
Foi a exaustão com esse modelo predador que levou Lula ao poder em 2002.
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10 ANOS DE PASSARAM
Passados dez anos, e não dez semanas, ou dez meses, o país não deveria ter andado mais na direção de uma sociedade harmoniosa, à escandinava?
Faltou dinheiro para melhorar as cadeias, como disse Dirceu? Se sim, a Receita Federal está verificando, como acontece hoje em todo o mundo, se as grandes corporações estão pagando o que deviam? A Receita cobra da Globo 2,6 bilhões de reais, e brasileiro nenhum sabe do que se trata, quando é tão grande o interesse público na disputa?
Nos últimos meses, nos Estados Unidos e na Europa, os governos começaram a publicar os impostos pagos por grandes corporações – do Google à Amazon, da Microsoft à Starbucks – que encontraram maneiras variadas de fugir dos impostos previstos. (Dentro do que se poderia chamar de legalidade imoral.)
E no Brasil, não fazemos nada? A Receita deixa prosperar a tese de que a carga tributária brasileira é abusiva (35% do PIB) quando na Escandinávia ela é de 50%?
É com dinheiro do imposto que, para voltar a Dirceu, você melhora cadeias – e faz escolas, hospitais, estradas, portos etc etc. A velocidade com que está sendo enfrentada a injustiça social pode transmitir a sensação de que é baixa demais. Nessas situações, a melhor alternativa é acelerar.

Justiça continua lenta – 63% das ações ainda sem previsão de conclusão



Roberto Monteiro Pinho
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou recentemente, que 71% de todos os processos abertos em 2009 não foram concluídos, fazendo com que as varas e tribunais acumulem 86,6 milhões de ações. O mais alarmante, senão cruel, é que desses 16,5 milhões tramitam na justiça laboral, e sem previsão de solução em 63% deles.
Em disposição da CLT, o magistrado deverá propor a conciliação em dois momentos distintos: em primeiro lugar no momento de abertura da audiência (art. 846 CLT) e após o termino da instrução. (art. 850 CLT). Este princípio estabelece que o interesse social poderá prevalecer sobre o interesse individual, conforme ensina o Professor Humberto Theodoro Junior: “…primeiro e mais importante princípio que informa o processo trabalhista, distinguindo-o do processo civil comum é o da finalidade social, de cuja observância decorre um quebra do principio da isonomia entre as partes, pelo menos em relação à sistemática tradicional do direito formal”.
A questão cerne é: por que a Justiça Trabalhista é morosa? E como chegamos a 63% de engessamento? A resposta herege, desprendida da obrigação de resolver, é a dos juízes, (via associação Anamatra) que atribuem ao calote no contrato de trabalho.
Pura balela, hipocrisia, eis que a solução passa pela fase inicial da ação, quando o juiz corporativo e assegurando a reserva de mercado, formata a ação, de cunho processualista, (judicializando) de tal forma, que a essência, o âmago da relação trabalhista, que é o diálogo e a conciliação, se esvai.
A conciliação é uma nobre tarefa que a maioria dos magistrados não estão dispostos a observar, e se o fazem, tamanha é a displicência que desestimula as partes.
Além disso, há uma calamidade, a Emenda 62 do “Calote”, que aumentou os prazos de pagamento das dívidas dos entes públicos de 10 para 15 anos, e 82% das ações que tramitam no Judiciário são públicas.

Charge do Duke (O Tempo)



As neofavelas americanas



Paulo Nogueira (Diário do Centro do Mundo)
Cidades de barracas. A versão americana das nossas favelas. Elas estão se espalhando assustadoramente pelos Estados Unidos. Já estão presentes em pelo menos 55 cidades do país.
This is America Um pesadelo americano...
Elas representam o extremo grau de desigualdade social a que chegaram os Estados Unidos. 47 milhões de americanos estão vivendo abaixo da linha da pobreza. Isso é equivalente a cerca de 15% da população. (Na métrica americana, essa linha está na faixa de 1.000 dólares por mês.)
O que aconteceu com o sonho americano? Foi usurpado por uma rarefeita, predadora, gananciosa elite mandante que, entre outras coisas, diminuiu absurdamente a carga de impostos dos ricos nas últimas décadas. Só recentemente esse descalabro veio à tona — quando o bilionário Warren Buffett mostrou, num artigo que entrou automaticamente para a história americana, que paga proporcionalmente menos imposto que sua secretária.
Os ricos americanos gostam de se gabar de sua filantropia, de suas ações de caridade. É uma falácia. Rico tem que pagar impostos. Ponto. É o que acontece na sociedade escandinava, a mais avançada do mundo — a única em que genuinamente se formou um consenso segundo o qual impostos altos para quem tem mais dinheiro são o preço a pagar para o bem estar geral da população. Não adianta você dar x em ações filantrópicas se manobra nos bastidores para que as leis permitam a você economizar 2x em impostos.
Os moradores das neofavelas americanas estão enfrentando temperaturas sinistras – e, não bastasse isso, a iniquidade das pessoas que de fato mandam em Washington. Para a maior parte deles não existe água corrente e nem luz elétrica — e nem comida suficiente. (Você pode ler uma boa reportagem de hoje da BBC sobre o tema. Fora isso, um vídeo de uma emissora americana com imagens e depoimentos expressivos está colocado no pé deste meu texto.)
É lamentável que os Estados Unidos tenham se convertido na negação das virtudes pregadas por líderes como George Washington e Thomas Jefferson, como frugalidade e solidariedade. Ao seguir a receita dos fundadores da nação, os Estados Unidos se transformaram no que foram. Ao dar brutalmente as costas para ela, viraram o que são – um pesadelo, povoado por barracas de miseráveis que se multiplicam.

A gravidade da energia e a redução da tarifa



Vittorio Medioli
“Vamos ao que importa”, esbravejou o vereador de uma erma cidadezinha do sertão. A discussão, durante a sessão plenária da Câmara, se dava sobre um erro de cálculo na construção da caixa de água que deveria abastecer o povoado. Ao topo do morro, a água captada numa nascente próxima não conseguia chegar. A quota da caixa era mais alta do que a da nascente. Assim, entre impropérios e dúvidas, com os opositores culpando o prefeito por ter desconsiderado a Lei da Gravidade, o líder da maioria emendou: “Que Lei da Gravidade é essa que impede a água de chegar ao alto do morro?”. Ninguém soube responder: “Colegas, não me lembro de ter aprovado lei alguma de gravidade. Mas vamos revogá-la e o problema está resolvido”.
Bobagem à parte, essa diminuição das contas de energias elétricas faz lembrar um raciocínio tosco como aquele do vereador. A conta está cara? Vamos diminuí-la! Parece simples. Tem variados “poréns” de que nem o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, no afã de ganhar popularidade e se engraçar com a presidente Dilma, se apercebeu. As leis econômicas não perdoam, não aceitam desaforos, nem podem ser revogadas por um simples voluntarismo, uma canetada ou, pior, um cálculo eleitoral e pessoal.
Se a crise que se abateu sobre o lulopetismo, eviscerado no STF pelo processo do mensalão, precisava de uma reação, o anúncio prematuro, em plena crise, de baixar em 20% as contas de energias elétricas, a partir de março de 2013, soou como a revogação “mágica” de uma lei irrevogável.
Tudo bem que as amortizações de usinas hidroelétricas, em muitos casos, já se tenham realizado e que não se justifique contabilmente repeti-las, mas essa “reserva” e outras questões estratégicas pesam sobre o sistema nacional de energia. As empresas geradoras são quase todas estatais ou controladas por fundos previdenciários de estatais. São elas também as maiores investidoras na expansão do sistema elétrico e nas redes de transmissão e distribuição, notadamente insuficientes para garantir as projeções de consumo dos próximos anos, quando a demanda dobrará. Sem contar a exorbitância dos impostos, que dobram o custo para o consumidor final. Portanto, mais do que penalizar o “investimento”, a vontade de diminuir o peso da conta valeria a retirada de impostos.
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TRÊS EFEITOS…
A traulitada imposta por Dilma às geradoras do sistema tem, de imediato e em curto prazo, três efeitos incontornáveis: a queda do valor acionário das estatais energéticas com saída de capitais do setor; a previsível escalada de consumo que esgotará o sistema; a queda imediata dos investimentos setoriais tanto públicos como privados. Consequentemente, para atender ao aumento da demanda “vegetativa” de 10% ao ano, em breve, faltará condição de atendimento.
A medida promoverá, seguindo a lei natural, um significativo aumento de consumo. Poderá levar a um rápido esgotamento da capacidade de atender à demanda turbinada. Pesa ainda o carcomido sistema de transmissão, que não é ampliado ou renovado como deveria ser há muitos anos.
Na esfera federal, Dilma atira ainda no pé da União retirando receitas da Eletrobras e de suas controladas, como a recém-absorvida Celg, de Goiás (tirada da falência), a gigantesca Eletronorte (altamente subsidiada), Furnas, Itaipu etc. Se a Cemig é controlada majoritariamente pelo governo do Estado de Minas, e a Cesp, pelo governo do Estado de São Paulo, a CPFL é controlada pelos fundos do BB e da CEF, como várias outras geradoras “privatizadas” de araque e mantidas na dependência “pública”.
A presidente, com sua caneta poderosa, consegue silenciar as “geradoras federais”, não as “estaduais”, que representam colunas de sustentação dos principais Estados da Federação: São Paulo e Minas. Cabe às estaduais denunciar apreensões de uma possível catástrofe. As federais, obviamente, estão impedidas de berrar. Não é que discordem de suas congêneres.
Contudo, não resta dúvida de que o peso da medida provisória tomada, monocraticamente, por Dilma, vai cair como asteroide na esfera pública, atingindo tanto a parte federal como aquela estadual do sistema nacional de energia elétrica. Aí, não paira dúvida, o contribuinte terá que retornar, em seguida, com juros e correção, o que economizou na conta de energia em 2013.
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RISCO DE APAGÕES
Mesmo sem bola de cristal, pode-se enxergar à frente, depois de uma esbórnia de descontos e de aumento de consumo, uma fase de apagões e de aumentos de tarifas. Sim, aumentos, pois o que regula a lei da oferta é o preço, e não a caneta extemporânea de uma presidente preocupada com sua reeleição.
Dilma está se arriscando, aconselhada pela ministra Gleisi Hoffmann, ex-Itaipu (ilha da felicidade do sistema), mais do que o conveniente. O processo de esgotamento de energia pode se dar antes do previsto e retornar como bumerangue a Dilma em pleno processo eleitoral, em 2014. A medida, em curto prazo, não parece solucionar as carências estruturais do sistema, mas acentuá-las; ainda, eleitoralmente, o cálculo pode ter sido feito precipitadamente. E se o marketing “Robin Hood” manteve a popularidade da presidente durante o inferno astral vivido pelo lulopetismo no processo tocado por Joaquim Barbosa, fez com que “Alea jacta est”. Enfim, a margem do Rubicão foi ultrapassada e a sorte está (mal) lançada.
Evidente. Não é estimulando o consumo de um bem escasso, mas, sim, aumentando sua oferta com investimentos, que se pode abrir um ciclo virtuoso de diminuição de tarifas. Com oferta abundante, o preço cairá de forma sustentada, e não por um toque de mágica efêmera.
Pode ser esse o erro que Aécio sonha para engrossar seu discurso em 2014? E Dilma encontrará a casca que lançou à frente? Vamos ver…

Sermão do Bom Ladrão, por Pe. Antonio Vieira



Pe. Antônio Vieira
(...) O que eu posso acrescentar pela experiência que tenho é que não só do Cabo da Boa Esperança para lá, mas também da parte de aquém, se usa igualmente a mesma conjugação.
Conjugam por todos os modos o verbo rapio, não falando em outros novos e esquisitos, que não conhecem Donato nem Despautério (a).
Tanto que lá chegam começam a furtar pelo modo indicativo, porque a primeira informação que pedem aos práticos, é que lhes apontem e mostrem os caminhos por onde podem abarcar tudo.
Furtam pelo modo imperativo, porque, como têm o misto e mero império, todo ele aplicam despoticamente às execuções da rapina.
Furtam pelo modo mandativo, porque aceitam quanto lhes mandam; e para que mandem todos, os que não mandam não são aceitos.
Furtam pelo modo optativo, porque desejam quanto lhes parece bem; e gabando as coisas desejadas aos donos delas por cortesia, sem vontade as fazem suas.
Furtam pelo modo conjuntivo, porque ajuntam o seu pouco cabedal com o daqueles que manejam muito; e basta só que ajuntem a sua graça, para serem, quando menos, meeiros na ganância.
Furtam pelo modo permissivo, porque permitem que outros furtem, e estes compram as permissões.
Furtam pelo modo infinito, porque não tem fim o furtar com o fim do governo, e sempre lá deixam raízes, em que se vão continuando os furtos.
Estes mesmos modos conjugam por todas as pessoas; porque a primeira pessoa do verbo é a sua, as segundas os seus criados e as terceiras quantas para isso têm indústria e consciência.
Furtam juntamente por todos os tempos, porque o presente (que é o seu tempo) colhem quanto dá de si o triênio; e para incluírem no presente o pretérito e o futuro, de pretérito desenterram crimes, de que vendem perdões e dívidas esquecidas, de que as pagam inteiramente; e do futuro empenham as rendas, e antecipam os contratos, com que tudo o caído e não caído lhes vem a cair nas mãos.
Finalmente nos mesmos tempos não lhes escapam os imperfeitos, perfeitos, plusquam perfeitos, e quaisquer outros, porque furtam, furtavam, furtaram, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse.
Em suma, o resumo de toda esta rapante conjugação vem a ser o supino do mesmo verbo: a furtar, para furtar.
E quando eles têm conjugado assim toda a voz ativa, e as miseráveis províncias suportado toda a passiva, eles, como se tiveram feito grandes serviços, tornam carregados e ricos: e elas ficam roubadas e consumidas...
Assim se tiram da Índia quinhentos mil cruzados, da Angola, duzentos, do Brasil, trezentos, e até do pobre Maranhão, mais do que vale todo ele.

Padre Antonio Vieirasacerdote jesuíta, professor de retórica, pregador, confessor, embaixador e escritor português. Trecho do Sermão do Bom Ladrão, escrito em 1655. Proferido na Igreja da Misericórdia de Lisboa (Conceição Velha), perante D. João IV e sua corte. O retrato que apresenta o autor é de Cândido Portinari.

Lula, Dirceu e a cultura de 'esquerda', por Bruno Lima Rocha



No dia 22 de dezembro o ex-ministro José Dirceu de Oliveira Silva recebeu uma colunista da Folha de São Paulo cedo em seu apartamento. Dentre os trechos de conversa reproduzidos pelo jornal dos Frias, me chama a atenção justo o que já fora destacado como editorial da Carta Maior, portal este de apoio crítico ao governo.
O ex-guerrilheiro ressalta a falha de seu partido ao não criar “uma comunicação e uma cultura de esquerda no país. Até nos Estados Unidos tem isso, jornais de esquerda, teatro de esquerda, cinema de esquerda. É uma esquerda diferente, deles, mas que é totalmente contra a direita. Aqui no Brasil não temos nada disso.”
Embora esta reflexão seja válida, e justificada, parece outra saída tática. Parodiando nosso poeta maior, vale perguntar: “Só agora José?!” Sim, porque dez anos após a ascensão da maior liderança popular da história do Brasil, chegando ao Planalto através de um pacto de classe assinado na Carta ao Povo Brasileiro, fica difícil crer nisso.
Ou a compreensão de cultura do “capa preta maior” não passa de um verniz estético; ou então a geração de dirigentes petistas não entendeu nada do que leu (se leram) do conceito de cultura de classe, operando como norma e código de conduta.
Soa como pastiche imaginar uma produção cultural contestadora em um país onde a melhoria das condições de vida não passou nem perto do aumento da mobilização social.
Ao contrário dos demais governos de centro-esquerda da América Latina, aqui a disputa se reduziu à arena política, isolando a luta econômica ao emprego direto e a criação de kits de felicidades para o empresariado nacional.
Já na frente ideológica, ocorreu a inversão de papéis. Tal como na obra de George Orwell, a nova elite dirigente da granja se identifica com os antigos inimigos.
Por fim, a contradição é tamanha, que nem as boas políticas do Ministério da Cultura, quando dirigido por Gilberto Gil ou Juca Ferreira, jamais receberam orçamento e apoios necessários para seu bom desenvolvimento. Qualquer um que conheça minimamente a escassez de recursos da Teia ou dos Pontos de Cultura concordará com a crítica.
É duro admitir, mas a “cultura” promovida nos últimos dez anos, embora não fosse elitizada, promoveu o “bastantão”. Consumo suntuoso, lixo cultural em larga escala, emprego direto e desmobilização social.
Os valores circulando são conservadores, a adesão ao sistema é integral e os setores dominantes nada têm com que se preocupar com Lula, e agora Dilma, à frente do Poder Executivo.

Bruno Lima Rocha é cientista político 

CRÔNICA Cartas de Berlim: Ah, o Natal na Alemanha...



Hoje, dia 26 de dezembro, ainda é feriado aqui na Alemanha, mais especificamente, o “segundo feriado de Natal”. Para você que planeja passar algum Natal em terras teutônicas, preparei um Pequeno Guia Prático das Boas Práticas Natalinas na Alemanha. Ou, se preferir, o PGPBPNA.
- Comece a se preocupar com os presentes já em abril. A troca de presentes no Natal é um ritual tão, mas tão importante, que merece até uma palavra própria na língua: Bescherung. Não, a troca de presentes na Páscoa ou na festinha da firma não pode ser chamada de Bescherung.
- Ainda sobre presentes, mesmo se comprar um frasco de sabonete líquido na drogaria mais próxima para presentear algum ente querido, não hesite em embalar lindamente e fazer um laço digno. Alemães dão muito valor ao tempo que você levou para embrulhar aquele presente “especial”.
- Prepare-se para assar muitos biscoitinhos de Natal para dar de presente ao longo do último mês do ano. Oi? Você não faz o tipo confeiteiro(a)? Então esteja preparado para ficar com a consciência pesada quando todo santo dia algum vizinho pendurar na sua porta um saquinho com os famosos “Plätzschen”.
- Esqueça as orgias gastronômicas natalinas brasileiras. Na Alemanha você vai provavelmente encontrar bastante comida, mas pouca diversidade. Então, conforme-se com provavelmente um prato de repolho vermelho, dois Klöße (bolinhos de batata) e um pedaço de ganso ou outra ave Natalina.
- Enquanto no Brasil o Natal é o segundo Carnaval, na Alemanha é um tempo de se recolher em nossa insignificância perante a natureza, que nos presenteia com dias curtos, frios e de pouco sol. O clima é de contemplação, calma e reflexão. Resumindo: você quer ficar em casa, pensando no que não fez durante o ano todo e engordando.
- Muito cuidado com o Glühwein, espécie de quentão alemão vendido nos típicos mercados de Natal para esquentar a alma. A combinação do álcool quente com temperaturas frias, mais o fato da qualidade do vinho não ser lá das melhores, sobe bem rápido à cabeça. Mantenha um cartãozinho no bolso com o seu endereço, em caso de perda total. É Natal, então sempre haverá bons samaritanos na rua para te levar para casa.
- Tenha sempre uma anedota sobre o Natal brasileiro na manga. O Natal alemão desse ano foi quente, com temperaturas pelo país de até 20 graus (!!!). E nada como um diálogo como o que tive ontem. Um verdadeiro tapa na cara da society:
- No Brasil, comemoramos o Natal no verão.
- Nossa, Natal sem neve! Não dá pra imaginar!
- Hum, (olha em volta) onde você está vendo neve exatamente?

Tamine Maklouf é jornalista e ilustradora nas horas vagas. Mora na Alemanha desde agosto de 2009, onde se encontra na “ponte terrestre” Dresden-Berlim. De lá, mantém o blog www.diekarambolage.wordpress.com

Nosso Maia e a profecia, por Zuenir Ventura



Zuenir Ventura, O Globo
Sobrevivi ao fim do mundo, ao Natal com todos os excessos e agora estou preparando o fígado para sobreviver ao fim do ano. Enquanto isso, gostaria de ver a cara dos que acreditaram na tal profecia maia, que dava o dia 21 como o do encerramento de nossa passagem por este vale de lágrimas.
É impressionante a credulidade das pessoas, a facilidade com que acreditam em qualquer teoria, principalmente se vem envolta num halo místico: milenarismo, adventismo, sebastianismo e até comunismo.
Não adianta mostrar que todas as profecias apocalípticas fracassaram — do milenarismo, que previa a volta de Cristo no ano 1000, até o Bug do Milênio, que anunciava o caos eletrônico, passando pela ameaça do cometa Halley em 1910.
Esses crentes estão por toda parte. Na China, cerca de mil foram presos acusados de difundir o boato alarmista. A polícia de Pequim teve que divulgar um comunicado de involuntário humor, avisando que “o fim do mundo é um rumor”. Nos EUA, a Nasa precisou reunir cientistas para desmentir na internet a enxurrada de cartas de pessoas em pânico. Algumas das mensagens falavam em suicídio. Um casal queria matar os filhos para que eles não presenciassem o apocalipse, ou seja, que morressem para não ver a morte. Pode?
Na Noruega, um homem fabricou um bote salva-vidas para enfrentar o dilúvio universal. Na França, fanáticos acorreram para um pico de 1.200 metros de altitude, na comuna de Bugarach, porque ali, segundo a profecia, seriam poupados da tragédia planetária. Para o templo maia Gran Jaguar, na Guatemala, acorreram multidões de estrangeiros.
Na Argentina, um usuário anônimo de uma página no Facebook escreveu: “Convidamos a todos os crentes, seres e guerreiros de luz a um suicídio espiritual em massa no morro Uritorco, em Córdoba.” O convite acrescentava: “Abandonemos a nossa carne impura e transportemos nosso espírito através do portal interdimensional às 21h12 minutos de 21/12/12 e dessa forma sejamos o exército de luz que salvará a humanidade.” Se não era uma brincadeira, a iniciativa não teve muito sucesso: o “suicídio mágico” esperava 15 mil seguidores e só teve cerca de 150.
O mais engraçado é que, mesmo desmoralizado, o fim do mundo virou uma metáfora para expressar situações ou atitudes absurdas. Nada mais fim do mundo, por exemplo, do que o presidente da Câmara dos Deputados — de sobrenome sugestivo — desafiar o STF em defesa de colegas condenados, ameaçando um apocalipse institucional, que por enquanto foi evitado.

HUMOR A Charge do Amarildo




A lógica desastrosa de Lula sobre a imprensa, por Eugênio Bucci



Eugênio Bucci, ÉPOCA
Há coisa de dez dias, em Paris, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva reclamou dos jornais. De novo. "Quando político é denunciado, a cara dele sai noite e dia nos jornais", disse ele. Na sequência, lançou uma acusação baixa contra a imprensa: "Vocês já viram banqueiro nos jornais? São eles que pagam as publicidades da mídia".
Segundo Lula, os anunciantes estão a salvo das reportagens investigativas, pois os repórteres e os editores não têm a dignidade de apurar os fatos e de publicá-los com um grau mínimo de independência crítica.
Claro: os jornalistas de brio, honrados, foram ultrajados por ele. O interessante é que quase ninguém se deu ao trabalho de responder à ofensa. Por que será?
Existe uma explicação. Essa história de político falando mal dos jornais e das revistas já se banalizou. Virou uma epidemia. Lula não é o único, embora seja dos mais reincidentes.
Há cerca de dois meses, no final da campanha municipal, em São Paulo, o então candidato a prefeito José Serra (PSDB) deu de acusar os repórteres que formulavam perguntas incômodas (na opinião dele) de ser agentes de "pautas petistas". Ao desqualificar os profissionais que cumpriam seu dever de perguntar, procurava se esquivar das indagações e, em parte, foi bem-sucedido na manobra.
Lula, outra vez, lança mão do mesmo truque. Quando lhe cobram explicações sobre os escândalos de seu partido, investe contra a reportagem. Como ele fala isso a toda hora, seus vitupérios já não chamam a atenção. Deixaram de ser notícia. Daí que os próprios jornalistas não se dão ao trabalho de responder.
Desta vez, porém, uma resposta não pode faltar. O julgamento de Lula está baseado em quatro grandes mentiras, que desinformam a sociedade e podem induzir a enganos desastrosos. Por isso, tratemos de pôr as coisas a limpo.
Primeira mentira. Não é verdade que a imprensa não publica reportagens que incomodam banqueiros. Você, leitor, há de se lembrar. Edemar Cid Ferreira, do Banco Santos; Luís Octávio Índio da Costa, do Banco Cruzeiro do Sul; Salvatore Cacciola, do Banco Marca; Silvio Santos, do Banco Panamericano; Katia Rabello, do Banco Rural; Ricardo Guimarães, do Banco BMG; entre outros, muitos outros, também se lembram muito bem.
Segunda mentira. Não é verdade que os bancos privados são os maiores anunciantes do Brasil. Segundo um levantamento do anuário Mídia Dados, o Bradesco investiu, em 2011, R$ 905 milhões em publicidade. É muito dinheiro.
Mas atenção: a Caixa, que pertence ao governo federal, investiu mais que o Bradesco: R$ 1,092 bilhão.
E os dois maiores anunciantes privados do país em 2011 não têm nada a ver com bancos: Casas Bahia (R$ 3,3 bilhões) e Unilever (R$ 2,6 bilhões).
Terceira mentira. Não é verdade que qualquer acusação contra político vira manchete assim sem mais nem menos. A imprensa erra, claro que erra, deve ser criticada com rigor - mas a imprensa não é uma instituição corrupta, vendida. Nos escândalos recentes (mensalão etc), acertou muito e ajudou a flagrar os bandidos de colarinho branco.
Quarta mentira. Não é verdade que os anunciantes saem sempre bem na foto. Se assim fosse, nenhuma revista, nenhum jornal, ninguém falaria mal dos governos (federal e estaduais), que anunciam bem mais que os banqueiros privados.
Já vimos que a Caixa é um anunciante mastodôntico, assim como o Banco do Brasil (R$ 587 milhões em 2011), e, não obstante, alguns de seus dirigentes andaram frequentando o noticiário.
Somente o Ministério da Educação, segundo estimativas do mesmo Mídia Dados, veiculou anúncios no valor de R$ 298 milhões em 2011 - e nem por isso está a salvo de críticas.
Essas quatro grandes mentiras põem em marcha uma lógica desastrosa. Nos dois governos de Lula, os gastos de dinheiro público em publicidade se mantiveram em crescimento. Hoje, o governo federal, com suas estatais, é um dos maiores anunciantes do mercado.
Agora que sabemos que, na opinião de Lula, os jornalistas são comprados pelos anunciantes, é o caso de perguntar: com que propósito o governo gasta fortunas em comunicação? Será que pretende comprar jornalistas? Será que os anúncios governamentais são uma tentativa de suborno?
Cuidado. Não caia em embromação. A imprensa pode perfeitamente brigar com os anunciantes, sejam eles estatais, governamentais ou privados. Ela pode até perdê-los. O que ela não pode perder é a confiança do leitor, a sua confiança, que vale mais que banco, mais que ouro.
A boa imprensa, aquela que realmente conta, é refém apenas da verdade. Não cede ao dinheiro do anunciante nem aos gritos dos políticos.

O Estado do medo (Maranhão), por Marco Antonio Villa


Marco Antonio Villa, O Globo
Em meio ao processo do mensalão, as diversas operações da Polícia Federal ou a turbulenta relação entre os poderes da República, o Brasil esqueceu do Maranhão.
Na fase final da guerra contra Canudos, em 1897, os oficiais militares costumavam dizer que não viam a hora de voltar para o Brasil. Quem hoje visita o Maranhão fica com a mesma impressão.
É um estado onde o medo está em cada esquina, onde as leis da República são desprezadas. Lá tudo depende de um sobrenome: Sarney. Os três poderes são controlados pela família do, como diria Euclides da Cunha, senhor do baraço e do cutelo.
A relação incestuosa dos poderes é considerada como algo absolutamente natural. Tanto que, em 2009, o Tribunal Regional Eleitoral anulou a eleição para o governo estadual. O vencedor foi Jackson Lago, adversário figadal da oligarquia mais nefasta da história do Brasil.
O donatário da capitania - lá ainda se mantém informalmente o regime adotado em 1534 por D. João III - ficou indignado com o resultado das urnas. A eleição acabou anulada pelo TRE, que tinha como vice-presidente (depois assumiu a presidência) a tia da beneficiária, Roseana Sarney.
No estado onde o coronel tudo pode, a Constituição Federal é só um enfeite. Lá, diversos artigos que vigoram em todo o Brasil, são considerados nulos, pela jurisprudência da famiglia.
O artigo 37 da nossa Constituição, tanto no caput como no §1º, é muito claro. Reza que a administração pública "obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência" e "a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos".
Contudo, a Constituição maranhense, no artigo 19, XXI, § 9º determina que "é proibida a denominação de obras e logradouros públicos com o nome de pessoas vivas, excetuando-se da aplicação deste dispositivo as pessoas vivas consagradas notória e internacionalmente como ilustres ou que tenham prestado relevantes serviços à comunidade na qual está localizada a obra ou logradouro".
Note, leitor, especialmente a seguinte passagem: "excetuando-se da aplicação deste dispositivo as pessoas vivas e consagradas notória e internacionalmente como ilustres".
Nem preciso dizer quem é o "mais ilustre" daquele estado - e que o provincianismo e o mandonismo imaginam que tenha "consagração internacional."
Contudo, a redação original do artigo era bem outra: "É vedada a alteração dos nomes dos próprios públicos estaduais e municipais que contenham nome de pessoas, fatos históricos ou geográficos, salvo para correção ou adequação nos termos da lei; é vedada também a inscrição de símbolos ou nomes de autoridades ou administradores em placas indicadores de obras ou em veículos de propriedade ou a serviço da administração pública direta, indireta ou fundacional do Estado e dos Municípios, inclusive a atribuição de nome de pessoa viva a bem público de qualquer natureza pertencente ao Estado e ao Município".
Quando foi feita a mudança? A 24 de janeiro de 2003, com o apoio decisivo de Roseana Sarney.
Desta forma foi permitido que centenas - centenas, sem exagero - de logradouros e edifícios públicos recebessem, em todo o estado, denominações de familiares, especialmente do chefe.
Para mostrar o desprezo pela ordem legal, em 1997 foi criado o município de Presidente Sarney, isto quando a Constituição Federal proíbe e a estadual ainda proibia.
Quem criou o município? Foi a filha, no exercício do governo. Mas a homenagem ficou somente na denominação do município. Pena. Os pobres sarneyenses - é o gentílico - vivem em condições miseráveis: é um dos municípios que detêm os piores índices de desenvolvimento humano no Brasil.
Como o Brasil esqueceu o Maranhão, a família faz o que bem entende. E isto desde 1965! Sabe que adquiriu impunidade pelo silêncio (cúmplice) dos brasileiros.
Mas, no estado onde a política se confunde com o realismo fantástico, o maior equívoco é imaginar que todas as mazelas já foram feitas. Não, absolutamente não. A governadora resolveu fazer uma lei própria sobre licitação.
Como é sabido, a lei federal 8.666 regulamenta e tenta moralizar as licitações. Mas não no Maranhão. Por medida provisória, Roseana Sarney adotou uma legislação peculiar, que dispensa a "emergência", substituída pela "urgência".
Quem determina se é ou não urgente? Bingo, claro, é ela própria.
Não satisfeita resolveu eliminar qualquer restrição ao número de aditivos. Ou seja, uma obra pode custar o dobro do que foi contratada. E é tudo legal.
Não é um chiste. É algo gravíssimo. E se o Brasil fosse um país sério, certamente teria ocorrido, como dispõe a Constituição, uma intervenção federal.
O que lá ocorre horroriza todos aqueles que têm apreço por uma conquista histórica do povo brasileiro: o Estado Democrático de Direito.
O silêncio do Brasil custa caro, muito caro, ao povo do Maranhão. Hoje é o estado mais pobre da Federação. Seus municípios lideram a lista dos que detém os piores índices de desenvolvimento humano.
Muitos dos que lá vivem lutam contra os promotores do Estado do medo. Não é tarefa fácil. Os tentáculos da oligarquia estão presentes em toda a sociedade. É como se apresassem para sempre a sociedade civil.
Sabemos que o país tem inúmeros problemas, mas temos uma tarefa cívica, a de reincorporar o Maranhão ao Brasil.

Marco Antonio Villa é historiador

O PT de Rosemary - Polícia Federal investiga se amante de Lula levou 25 milhões de euros na mala diplomática, o depósito teria sido feito em Portugal


TERÇA-FEIRA, 25 DE DEZEMBRO DE 2012



A história que envolve a ex-secretária da Presidência, Rosemary Noronha, a amante de Lula, e 25 milhões de euros em Portugal será oficialmente investigada pela Polícia Federal. Inicialmente, a denúncia foi feita pelo blog do deputado federal Anthony Garotinho (PR-RJ). Ela garantia que Rose havia levado o dinheiro em uma mala diplomática. A investigação preliminar deve ser concluída em janeiro pela Polícia Federal. O Banco Espírito Santo, que teria recebido o montante, de acordo com a fonte de Garotinho, negou a chegada do dinheiro no País e também que Rose fosse sua cliente. Por meio de acordos de cooperação, a Polícia Federal pediu informações à alfândega portuguesa e ao Banco Espírito Santo, para onde teria sido levado o dinheiro. Na Policia Federal,   Garotinho formalizou o pedido de averiguação no dia 6, depois de publicar a acusação em seu blog. Ele também encaminhou ofício ao Ministério das Relações Exteriores pedindo informações sobre todas as viagens a Portugal realizadas durante o governo Lula.

Síria: ativistas preveem banho de sangue sectário após queda de Assad



  • Integrantes da oposição e simpatizantes estão criando bancos de dados e traçando as diretrizes de uma estrutura interina para governar o país

Incerteza. Membro do Exército Livre da Síria distribui pão para a população em Aleppo: alguns ativistas avaliam que ajuda americana e europeia pode chegar tarde demais Foto: Muzaffar Salman/Reuters
Incerteza. Membro do Exército Livre da Síria distribui pão para a população em Aleppo: alguns ativistas avaliam que ajuda americana e europeia pode chegar tarde demaisMuzaffar Salman/Reuters
WASHINGTON — Planejar o dia depois da esperada queda do presidente sírio, Bashar al-Assad, se tornou uma corrida contra o tempo que muitos defensores de uma Síria democrática e pluralista temem estar perdendo. Em Washington, Istambul e em todo lugar, ativistas da oposição e simpatizantes estão criando bancos de dados e traçando as diretrizes de uma estrutura interina para governar a Síria até que algo mais permanente possa tomar seu lugar.
Mas mesmo os que trabalham nisso duvidam que vão servir como mais do que sugestões para a atmosfera pós-Assad, a qual preveem que será caracterizada, na melhor das hipóteses, por conflito e caos. No pior cenário, por um banho de sangue sectário e uma possível tomada de poder de combatentes extremistas ao lado das forças militares rebeldes.
Muitos ativistas sírios avaliam que os EUA e a Europa aumentaram os desafios ao proibir interações com a oposição armada no país enquanto Assad ainda estiver no poder.
— O que realmente precisamos é trabalhar com os líderes mais proeminentes e moderados no Exército Livre da Síria para torná-los líderes nacionais — disse Rami Nakhla, diretor-executivo da organização baseada em Istambul Dia Seguinte, que fornece suporte técnico para a Coalizão Síria de Oposição, apoiada pelos EUA.
Corações e mentes
Outros dizem que a ajuda para reconstrução após a queda de Assad chegará tarde demais para conquistar corações e mentes sírios.
— Mesmo pessoas de mentalidade secular que reconhecem que os jihadistas são uma ameaça potencial dizem que eles são as únicas pessoas que os ajudaram — disse Tom Malinowski, diretor da Human Rights Watch.
Sem um mandato internacional das Nações Unidas ou aprovação do Congresso, os EUA não têm base para ajudar ou interagir com os rebeldes sírios, sob a avaliação legal na qual o governo baseia sua política. Mesmo sem fundação legal, o governo deixou claro que acredita que somar-se ao combate em terra na Síria só iria piorar as coisas. A única “linha vermelha” que pode provocar intervenção, disse o presidente Barack Obama, é o uso de armas químicas da Síria.
Um dos principais esforços para guiar a Síria foi um projeto lançado pelo Instituto de Paz dos EUA, financiado pelo Congresso. Durante seis meses, o instituto reuniu dezenas de sírios, que em agosto lançaram o relatório “Dia Seguinte”, com desafios e recomendações para sistemas eleitorais e judiciais e uma política de reestruturação econômica e social.
— Cada vila, cada cidade, terá que lidar com as pessoas que apoiaram o regime, que cometeram crimes. O que podemos fazer é apresentar a elas uma série de princípios... aqui está o que a ONU diz, o que sul-africanos fizeram — disse Steven Heydemann, chefe do projeto. — O trabalho precisa ser entendido como um esforço para evitar o pior cenário, não como um esforço para desenvolver estruturas ideais que permitirão à Síria fazer a transição imediatamente.
A única previsão apocalíptica de Nakhla é que os poderosos elementos armados, incluindo extremistas, vão procurar um novo inimigo para reter seu poder depois de derrotarem Assad e devem mirar no vizinho Israel.
Complicado de um jeito ou de outro
O Ocidente vai inevitavelmente se opor a eles, e “o povo sírio vai começar a ver a comunidade internacional como inimiga”, disse Nakhla.
Frederic C. Hof, que atuou como conselheiro especial do Departamento de Estado na transição síria até setembro e é agora pesquisador do Atlantic Council, está menos pessimista, mas igualmente certo de que o fim de jogo na Síria está se aproximando.
O governo Obama, disse Hof, deveria se preparar para uma jornada difícil no pós-Assad:
— Os EUA e seus aliados não vão gostar sempre das decisões. Não controlamos o momento de tudo aqui. Esta é uma revolução síria. Num mundo ideal, seria uma transição fácil, o regime cai, a oposição se esgueira com as estruturas existentes e faz funcionar. Mas será complicado, para dizer o mínimo, de um jeito ou de outro.