MARCELO NINIO - Folha de São Paulo
ENVIADO ESPECIAL À FAIXA DE GAZA
Conhecida pelo cenário de destruição das guerras com Israel, a faixa de Gaza vive um boom de construção.
Novos prédios são erguidos por toda a parte, alguns de 15 andares ou mais, numa corrida imobiliária que muda a paisagem e dá esperança de recuperação econômica.
Cinco anos após Israel e Egito fecharem as fronteiras, em reação ao controle do território pelo grupo extremista islâmico Hamas, Gaza está tomada por obras. São projetos de reforma da infraestrutura e prédios residenciais e turísticos, com requintes de luxo.
De onde vem o dinheiro para todo esse investimento? Parte considerável tem origem em doações internacionais, como os R$ 800 milhões dados pelo emir do Qatar em sua visita recente a Gaza.
São usados em obras de infraestrutura e conjuntos habitacionais populares. Com dinheiro qatariano e saudita, duas novas cidades estão sendo erguidas no sul de Gaza, área onde, até a retirada israelense em 2005, havia assentamentos israelenses.
| Said Khatib /AFP | |
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Palestino trabalha na construção de projeto residencial patrocinado pela ONU, em Rafah, no sudeste da faixa de Gaza |
Sob o comando do Hamas, são construídas milhares de moradias populares, dezenas de escolas e hospitais. Projetos de médio e longo prazo, que têm impacto imediato no desemprego.
Na paisagem de Gaza, porém, chamam atenção construções com investimento privado. Estima-se em mais de 500 o número de torres residenciais, além de projetos comerciais, como um hotel de alto padrão e mais um shopping.
Grande parte do investimento tem origem na "economia do bloqueio", baseada na indústria de túneis que floresceu sob a fronteira com o Egito para driblar o cerco.
Segundo o jornal panárabe "Asharq Al-Awsat", os túneis produziram 600 novos milionários. O boom de construção em Gaza seria, em parte, impulsionado pela lavagem de dinheiro.
"Há muitos rumores", disse Mohamed Ziara, diretor do Centro de Engenharia e Planejamento de Gaza. "Mas nos cinco anos de bloqueio muita gente fez fortuna com os túneis." Há ainda investidores palestinos dentro e fora de Gaza, incluindo "partidos políticos" que viram oportunidade de fazer bons negócios suprindo a escassez de moradia em Gaza. Muitos deles ligados ao Hamas.
O jornalista palestino Khaled Abu Toameh, do jornal "Jerusalem Post", calcula que 25% do orçamento do governo islâmico de Gaza venha de impostos cobrados dos donos dos túneis. O boom dos últimos dois anos foi possível graças a esses túneis, que permitiram o contrabando de materiais de construção do Egito, proibidos por Israel.
Além disso, o bloqueio à entrada de produtos foi reduzido ao mínimo. Hoje, nas prateleiras de Gaza, produtos israelenses de melhor qualidade competem com egípcios, bem mais baratos.
A economia da faixa de Gaza cresceu 27% em 2011, na comparação com 2010 -houve aumento de 23% no PIB per capita. Segundo o Escritório Palestino de Estatística, o desemprego caiu de 45% em 2010 para 28,4% no segundo semestre deste ano.
Para a ONU, a melhora é temporária. Em relatório recente, fez previsão sombria da economia de Gaza até 2020, afirmando que não acompanhará o crescimento da população, dos atuais 1,6 milhão para 2,1 milhões.
Mais de um terço dos moradores vive abaixo da linha de pobreza. Os serviços básicos (água, esgoto e eletricidade) são precários. O corte de luz (8h por dia) virou rotina.
Mesmo assim, há quem aposte na recuperação. Dona de um restaurante frequentado pela alta classe de Gaza, Mona Ghalayini investiu R$ 3 milhões num grande hotel à beira-mar, em fase final de construção. "Com sua posição geográfica e clima, o futuro econômico de Gaza é o turismo", diz ela, que sonha com uma riviera palestina no Mediterrâneo, mistura de Dubai, Beirute e Istambul.
Um dos projetos financiados com R$ 6 milhões do Qatar é uma estrada costeira nos 40 km de extensão da faixa de Gaza, que inclui plano paisagístico e calçadão. Para o engenheiro Ziara, responsável pela obra, o boom imobiliário chegou ao limite: a maioria não tem recursos para comprar um imóvel e é necessária ajuda internacional para criar um sistema financeiro que conceda crédito.