segunda-feira, 16 de julho de 2012

A economia e a “Síndrome do Deslocamento de Caderno”


by Fábio Pannunzio

Vocês certamente já ouviram falar no Mário Rosa. É um jornalista com larga vivência em redações que hoje ganha a vida como consultor em crises de imagem. Escreveu já três livros e tornou-se um requisitado especialista sempre que alguém muito importante atravessa períodos de turbulência perante a opinião pública.
Em seu primeiro livro, Mário Rosa descreve o que chama de "Síndrome do Deslocamento de Caderno". Como já faz algum tempo que o li, pode ser que não consiga reproduzir exatamente suas assertivas. Mas a tal síndrome seria um dos indicadores de que algo vai mal em relação à imagem pública de quem, de uma hora para outra, passa a figurar no noticiário em editorias diferentes daquelas onde é citado normalmente.
É assim: se uma empresa costuma frequentar o caderno de negócios dos jornais, logo terá problemas se passar a figurar no de política ou, pior ainda, no noticiário policial. É mau-agouro.
Bem, dito isso, entro no assunto que queria abordar: a economia.
Já há algumas semanas a economia brasileira vem ocupando cada vez mais espaço nos cadernos de política.  Seria a tal "Síndrome do Deslocamento de Caderno" descrita por Mário Rosa ?
As notícias não são boas. Redução do PIB, frustração de expectativas, desemprego incipiente. A GM fechando uma unidade aqui, metalúrgicas que se transformam em importadoras de concorrentes chineses. A coisa não vai bem.
E por que não vai bem ? Não vai bem basicamente porque a Europa faliu e a China, seu principal fornecedor, não tem a quem exportar tudo o que produz. Não tendo a quem vender, não tem  por que comprar. É aí que a vaca da nossa felicidade vai caminhando para o brejo. Somos bons fornecedores de matéria-prima para a indústria chinesa.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu uma longa entrevista para as Páginas Amarelas de Veja esta semana. Foi ao fulcro do problema. Ao longo da era petista, o governo focou no consumo, e não na produção. Agora, faltam-nos condições de competitividade para enfrentar a predatória concorrência global.
O ex-presidente não disse, talvez porque isso poderia parecer um elogio a seus contendores, mas o Brasil conseguiu aguentar o tranco da crise inaugurada em 2008 com o vigor de seu mercado interno. Agora, no entanto, ele não parece ser suficiente para fazer girar a roda virtuosa da economia. Os pátios das fábricas estão lotados. Endividada, a população não tem como comprar carros em número suficiente para assegurar a continuidade da produção nas linhas de montagem. O mesmo ocorre em outros segmentos da economia.
A nova classe média, que cravou conquistas importantes nos últimos anos, vê-se ameaçada de perder a TV de LED para o credor, o carro para a financeira e o emprego para a crise.  E, para quem já teve um dia, a perda de algo pode ser muito mais dolorida.
Com o deslocamento da economia para a editoria de política, resta apenas saber quanto tempo a população vai levar para perceber o efeito previsto por Mário Rosa.
Num ano eleitoral como este, pode ser que ele já esteja começando a se manifestar nos índices risíveis dos candidatos petistas que, a despeito do patrono Lula, não conseguem sair da vala dos nanicos.
É o caso de Fernando Haddad, a maior aposta -- e também de maior risco -- do ex-presidente Lula.

O GERÚNDIO NA POLÍTICA


     
          Percival Puggina

            Formas gerundiais devem ser usadas com cautela. Não são caldo de galinha do bom estilo. Por isso, chama a atenção a invasão dos gerúndios na comunicação nacional. Você liga para um 0800 da vida com o intuito cívico de reclamar sobre algo. Quer providência e solução. Não obstante, inevitavelmente, a resposta vem assim: Vamos estar encaminhando sua solicitação... Vamos estar entrando em contato. Vamos estar agendando.  E por aí "vão indo" os encaminhamentos.

            Poderíamos dizer que é apenas um dos muitos erros acolhidos no nosso modo de falar. No entanto, se prestarmos atenção aos motivos dessa construção verbal, perceberemos que a linguagem frauda a mensagem. O gerúndio, empregado assim, dissimula uma negação do que expressa. Cria uma ilusão, ao sugerir que a ação ocorrerá no tempo presente, de modo continuado - encaminhando, entrando em contato, agendando. Mas faz o inverso disso ao remeter tudo para as imprecisões do futuro e da impessoalidade, através do "vamos estar". Quem diz vamos estar, não está. Omite a informação sobre quando estará. E não atribui a alguém o dever de estar. Para que a frase merecesse credibilidade seria necessário usar o verbo no tempo futuro, estabelecer quando a ação seria cumprida e indicar seu sujeito: encaminharei neste momento, entrarei em contato hoje, o diretor agendará imediatamente, e assim por diante. Imagine, leitor, o que aconteceria se na empresa do tal 0800, um gerente, interpelado por seu chefe sobre determinado problema, respondesse com um "vamos estar verificando e estaremos encaminhando"...

            Mas isto aqui não é lição de Língua Portuguesa. Nem eu a saberia ministrar. Pretendo mostrar que essa formulação marota, à qual nossos ouvidos "vão estar se habituando" cada vez mais, ganha crescente espaço no discurso político. Aliás, é a cara da nossa política perante as carências nacionais. Reflete a falta de projetos, a fatuidade dos programas de governo e os solavancos administrativos causados pelas manchetes. As decisões de governo, no Brasil, "estão sendo" tomadas ao sabor das emoções.

            Indagado sobre problemas específicos de sua atividade, o gestor público nunca mostra surpresa e raramente fornece resposta com começo meio e fim. A nova técnica consiste em dizer que "temos estado estudando" e "estaremos acompanhando, planejando, promovendo" ou coisas que o valham. Assim, há mais de uma década, temos estado tentando sair do RS para o norte do país por uma rodovia digna, e há mais de trinta anos temos estado programando soluções para o problema da BR-116 entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, por exemplo. Eminentes pedagogos têm estado estudando a queda dos nossos indicadores educacionais, mas são sucessivas gerações de alunos que vêm sendo, mesmo, prejudicadas.

            Avizinha-se um pleito municipal. Fique atento ao que dirão os candidatos. Firmou-se entre nós um hábito segundo o qual o que é prometido para os primeiros dias seguintes à posse, o pacote de bondades do discurso eleitoral, fica postergado para o último mês de dezembro do quadriênio em disputa. E o que acaba posto em prática é um pacote de maldades cautelosamente omitido durante a campanha. Os candidatos deveriam detalhar e comprometer-se com seus programas de governo. Os eleitores deveriam esmiuçá-los, ponderá-los, confrontá-los. E cobrá-los. No Brasil, ganha-se a eleição com um programa e governa-se com outro. A partir da posse, as bondades vão para o gerúndio. E o presente do indicativo serve para outras coisas.

Zero Hora, 15 de julho de 2012.