domingo, 24 de novembro de 2013

Lya Luft: Que profissionais queremos?


"Questões que anos atrás seriam inusitadas povoam nossas perplexidades e conversas: onde vamos parar? Que nível de profissionais teremos dentro de pouco tempo, em todas as áreas?"
“Questões que anos atrás seriam inusitadas povoam nossas perplexidades e conversas: onde vamos parar? Que nível de profissionais teremos dentro de pouco tempo, em todas as áreas?” (Imagem: Getty Images)
Artigo publicado em edição impressa de VEJA
 QUE PROFISSIONAIS QUEREMOS?
Lya Luft
Lya Luft
Não sei quanto a vocês, leitores, mas eu quero em todos os campos o melhor profissional. Eu mereço, vocês merecem, todos merecemos, não importa nossa classe social, cor da pele, ascendência, cultura.
Quando digo todos me refiro também aos moradores dos povoadinhos mais remotos, das aldeias sobre palafitas, das encostas deslizantes de tantos morros e beiras de rio que as chuvaradas levam embora ano após ano – algumas continuam como estavam há muito tempo, pois nada se fez.
Todos merecemos o melhor, começando pelos professores das crianças. Com salário digno, com escola que não esteja em ruínas – onde existirem escolas. O número de abandonados pela educação é incalculável.
Quero os melhores engenheiros: que consigam projetar e fiscalizar a construção de pontes sólidas, edifícios firmes, casas confiáveis – também casas populares, porque todos, incluindo os menos favorecidos, merecem o melhor. Estradas transitáveis, e mais que isso, boas – ligando até cidadezinhas afastadas: todos precisamos do melhor, e disso devem cuidar os governos.
Quero políticos ótimos, interessados no bem de seus eleitores, quando forem eleitos, pois muitos conseguem seu lugar sem um voto sequer, por artes de regras bizarras que tanta coisa regem no Brasil.
Quero os melhores policiais, bem preparados, bem armados, psicologicamente bem orientados, e apoiados pela sociedade e pela Justiça, para poderem cumprir o seu dever.
Mas na medicina, ah, na medicina, é que eu quero os melhores profissionais: depois do árduo curso de seis anos, mais uma residência de dois, eventualmente mais especialização, e mestrado, e quem sabe doutorado, para saberem mais e cuidarem melhor de nós, seus pacientes. Mas que sejam valorizados em sua carreira, e que tenham locais onde seja possível trabalhar: outro dia um profissional atuando em uma área menos privilegiada se queixava na imprensa de que não havia nem aspirina nem água no local de trabalho, e foi embora.
Muitos estão nessas condições. A mais alta autoridade em saúde no país declarou (estava na imprensa) que não se importaria de ser atendida por médicos reprovados no Revalida. Fiquei pasma. Então para que médicos? Para que cursos de medicina? Para que essa profissão sacrificada e exigente, se dá na mesma sermos atendidos por aqueles que não passaram num exame básico?
Será mais simples largarmos esse luxo de profissionais formados e aprovados: vamos recorrer só a curandeiros, pajés, benzedeiras – com todo o meu respeito por eles. Dispensar as faculdades de medicina, de direito, de engenharia e outras mais.
E quem sabe as escolas, já que o estudo por aqui é cada vez mais negligenciado, dos primeiros anos às universidades: em lugar de exigentes, os currículos estão mais para brincadeira, os professores, atemorizados, não querem reprovar ninguém, muito menos suspender ou expulsar, por pior que seja o delito cometido por algum aluno – quem sabe vai um processo de algum pai contra o mestre ou a escola.
Fica a indagação que nos pode fazer qualquer menino de quem exigimos que cumpra sua tarefa: preparar-se para a vida e alguma profissão. A pergunta é: para que estudar se posso entrar na universidade alegando fatores favoráveis ao não estudo? Se cada vez mais o nível do ensino é rebaixado em lugar de ser elevado desde os primeiros anos escolares para que todos cresçam e possam ter uma vida melhor, sejam mais capazes e felizes e o país progrida e cresça na única maneira real, pela educação de todos, e não pela ilimitada tolerância ao medíocre e ao insuficiente?
Questões que anos atrás seriam inusitadas povoam nossas perplexidades e conversas: onde vamos parar? Que nível de profissionais teremos dentro de pouco tempo, em todas as áreas? Certamente não os bem preparados, aprovados, confirmados, que possam atender às naturais e legítimas expectativas de quem, como todos nós, merece o melhor.

Carlos Brickmann: O nascer da crise


Olívio Dutra:  "Olívio Dutra, fundador do PT, ministro de Lula, ex-governador do Rio Grande do Sul, disse que Genoíno, Dirceu e Delúbio se conduziram mal, que o processo não podia ter final diferente e que não os considera presos políticos" (Foto: reprodução)
UMA EXCEÇÃO — Olívio Dutra, “fundador do PT, ministro de Lula, ex-governador do Rio Grande do Sul, disse que Genoino, Dirceu e Delúbio se conduziram mal, que o processo não podia ter final diferente e que não os considera presos políticos” (Foto: reprodução)
Notas da coluna que o jornalista Carlos Brickmann publica hoje, domingo, em vários jornais
O NASCER DA CRISE
Diz a lógica que quem não tem direitos políticos não pode ocupar mandato eletivo. Disse o Supremo que a perda de mandato de condenados é automática, porque a pena inclui a perda de direitos políticos.
Em caso de parlamentares, cabe à Casa a que pertencem apenas declarar a perda do mandato.
Dizem os parlamentares, naqueles acessos incontáveis de coleguismo, que cabe a eles e só a eles decidir sobre perda de mandatos – ou seja, há a possibilidade de criação da Bancada da Papuda, só com presos que ocupam cadeiras no Congresso.
Além da autodefesa – sabe-se lá o que o futuro pode reservar a Suas Excelências, se pegar a moda de investigá-los – há outro objetivo na defesa dessa estranha tese: o deputado José Genoíno, do PT paulista, pediu aposentadoria por invalidez.
O pedido será examinado no início do ano que vem. A jogada é adiar a votação da cassação até que Genoíno se aposente, com salários e vantagens integrais.
Que o caro leitor imagine a reação da opinião pública à aposentadoria do presidiário.
Barulho sem gente
Quem acompanha as redes sociais, em que petistas radicalizados sustentam que os procuradores da República e os ministros do Supremo nomeados por presidentes petistas perseguem petistas, e juram que quem quer que não concorde com eles é da zelite, du zianque e da extrema direita, pensa que o PT inteiro está pintado para a guerra.
Não é bem assim: Olívio Dutra, fundador do PT, ministro de Lula, ex-governador do Rio Grande do Sul, disse que Genoíno, Dirceu e Delúbio se conduziram mal, que o processo não podia ter final diferente e que não os considera presos políticos.
Do PT do Paraná, só Zeca Dirceu, filho de Dirceu, assinou o protesto contra a prisão. Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo, ministros de Dilma, calaram-se – silêncio compartilhado pelo presidente do PT paranaense.
Mensalão: o mesmo, diferente
Walfrido Mares Guia (Foto: PTB)
Walfrido Mares Guia (Foto: PTB)
Ao ler o noticiário sobre o valerioduto tucano, que segundo o relator, ministro Luís Roberto Barroso, deve ser julgado no início do ano que vem, não se surpreenda se achar que está encontrando informações repetidas.
O caso mineiro envolve Eduardo Azeredo, ex-governador de Minas, ex-presidente nacional do PSDB – a grande novidade.
Marcos Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz já estão até condenados pelo outro Mensalão.
Walfrido Mares Guia, que era Azeredo na época e hoje é dilmista e lulista, praticamente escapou do caso por ter completado completar 70 em 2012
[Isso permite ao ex-ministro requerer a prescrição dos crimes de peculato e lavagem de dinheiro, pelos quais foi denunciado pelo Ministério Público Federal. O prazo de prescrição para esses crimes é de 16 anos, mas cai pela metade quando o réu atinge 70 anos. Para se calcular o tempo de prescição, deve-se considerar o período de tempo transcorrido entre a ocorrência do fato denunciado e a aceitação da denúncia pela Justiça. No caso de Minas, a denúncia foi oferecida em 1998 e só aceita pela Justiça mineira em 2010, 12 anos depois. Tendo mais de 70 anos, para Mares Guia a prescrição ocorreu em 2006.]

Aliança para o atraso - EDITORIAL O ESTADÃO


O ESTADO DE S. PAULO - 24/11
O Canadá está "ansioso" para ampliar o comércio com o Brasil, conforme disse o ministro das Relações Exteriores canadense, John Baird. Mas Baird é realista: ele sabe que o Brasil deixou-se amarrar ao atraso do Mercosul, cada vez mais dominado pelo protecionismo argentino e contaminado pela ideologia bolivariana. Assim, o Canadá soma-se a uma já extensa lista de países e blocos que tentam e não conseguem fazer negócios com o Mercosul e, por tabela, com o Brasil. O resultado disso é o isolamento brasileiro no momento em que as potências econômicas dinamizam o comércio internacional com importantes acordos bilaterais mundo afora.
A ficção em que o Mercosul foi transformado nos últimos tempos prejudica em especial o Brasil, que nada ganha com a transformação de um bloco econômico e de integração regional em um veículo político, por meio do qual se exercita a hostilidade ao livre-comércio e ao chamado "imperialismo americano". É somente a benevolência brasileira, aliás, que sustenta o Mercosul, cuja relevância no comércio mundial decresce na proporção em que aumentam as barreiras impostas principalmente pela Argentina.

Conforme o jornal Valor (12/11), o chanceler canadense, no limite da polidez diplomática, disse que é "difícil, muito difícil" chegar a um acordo com o Mercosul, mas "não pelo Brasil" e, sim, "por causa de dois ou três países" - uma referência óbvia à Argentina e à Venezuela.

A lista de obstáculos deverá crescer, pois Equador e Bolívia estão prestes a incorporar-se ao Mercosul, o que deve acentuar ainda mais a indisposição do bloco em facilitar transações comerciais e aproveitar os negócios promissores que se oferecem neste momento.

A dificuldade do Canadá na negociação com o Mercosul é a mesma enfrentada pela União Europeia para fechar acordo semelhante: a resistência argentina. Essa situação exaspera parceiros como o Uruguai, cujo presidente, José Mujica, recentemente disse que a "política insular" praticada pela presidente Cristina Kirchner está "arruinando o Mercosul".

Depois de fazer as contas, o Uruguai percebeu já há algum tempo que permanecer atado aos compromissos do Mercosul e aos humores do kirchnerismo lhe seria prejudicial. Por essa razão, o país - assim como outro sócio-fundador do Mercosul, o Paraguai - movimenta-se para integrar acordos internacionais fora do âmbito do bloco sul-americano.

Uruguai e Paraguai, por exemplo, estão participando da costura do acordo sobre comércio internacional de serviços, lançado em 2012 pelos Estados Unidos. Também integram, como observadores, a Aliança do Pacífico, o promissor bloco formado por Chile, Peru, Colômbia e México. Enquanto isso, no Brasil, a indústria passou a defender um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos, pois o Mercosul, dizem os empresários, está isolando o País.

Na outra ponta, em que brilham o petismo, o kirchnerismo e o bolivarianismo, forma-se uma aliança para o atraso. Impera nesse concerto a ideia de que o Mercosul deve servir também a propósitos políticos e ideológicos. Esse tom foi dado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ao defender a ampliação do bloco para que nele caibam todos os países alinhados ao bolivarianismo.

"O novo Mercosul está em fase de construção", disse Maduro, que ocupa a presidência temporária do grupo. "Assim teremos um Mercosul integral, que nos leve à pobreza zero e à cultura integrada de nossos países e avance rumo à máxima felicidade de nossos povos." É, segundo suas palavras, a "revisão da doutrina" do bloco. Basta observar a brutal crise da Venezuela para dimensionar o potencial dessa revisão.

Assim, não se pode condenar o Uruguai e o Paraguai, por buscarem seus interesses em outra freguesia, nem o Canadá, por pensar na Aliança para o Pacífico, e não no Mercosul, quando se trata de investir na América Latina. Não é à toa que, em suas duas décadas de existência, o bloco só tenha conseguido fazer acordos comerciais com Israel, Palestina e Egito. E toda vez que se fala em "relançar" o Mercosul, como sugere agora a Venezuela, é sempre para pior.

Pioram as contas externas - EDITORIAL O ESTADÃO


O ESTADO DE S. PAULO - 24/11
Com um buraco de US$ 7,13 bilhões na conta corrente de outubro, resultado pior que o previsto pelo Banco Central (BC), as contas externas continuaram em deterioração, refletindo principalmente o mau desempenho do comércio exterior de bens e serviços. O déficit em transações correntes chegou a US$ 67,55 bilhões no ano e a US$ 82,21 bilhões em 12 meses. Só uma forte recuperação em novembro e dezembro levará o resultado final de 2013 ao nível previsto pelo Banco Central - um saldo negativo de US$ 75 bilhões. Esses dados, no entanto, são apenas uma parte das más notícias sobre o balanço de pagamentos. No mês passado, mais uma vez o investimento estrangeiro direto, US$ 5,36 bilhões, foi insuficiente para cobrir o buraco da conta corrente. A compensação foi, completada por outros tipos de recursos, em geral menos seguros e mais instáveis que os capitais destinados diretamente às atividades produtivas. Em 12 meses o investimento direto alcançou apenas US$ 59,09    bilhões, 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB) estimado, enquanto o déficit acumulado chegou a 3,67%, nível inédito nos últimos onze anos.
Sem ser desastroso, um déficit dessa proporção já vale pelo menos como um sinal de alerta. O País terá como compensar resultados negativos ainda por algum tempo, mas será preciso impedir a piora do quadro nos próximos anos. Isso dependerá principalmente da evolução do comércio exterior. O déficit em conta corrente veio acima do esperado, disse o chefe do Departamento Econômico do BC, Túlio Maciel. De janeiro a outubro, houve uma piora de US$ 27,98 bilhões no resultado, na comparação com o número de igual período de 2012. A piora da balança comercial - de um superávit de US$ 17,36 bilhões para um déficit de US$ 1,83 bilhão - explica a maior parte da diferença, de US$ 19,19 bilhões. O resto dependeu das transações com serviços e rendas.

Maciel chamou a atenção para o descompasso entre importações e . exportações de mercadorias. Enquanto o valor gasto com produtos estrangeiros aumentou 9,35%, a receita obtida com as vendas externas diminuiu 0,93% entre 2012 e 2013. Sem avançar muito na discussão das causas, Maciel apontou, pelo menos, o aspecto mais preocupante das transações com o exterior. Para os mais otimistas, a depreciação do real e a esperada reativação do comércio internacional poderão resolver boa parte do problema, a partir do próximo ano. Examinado com um pouco mais de realismo, no entanto, o quadro parece bem mais complicado.

Empresários e alguns, economistas defenderam durante anos a desvalorização do real como principal medida para fortalecer o comércio exterior, como se o câmbio fosse o maior entrave à competitividade brasileira. Com a mesma simplicidade, passou-se a dar muita importância à crise internacional e ao enfraquecimento dos mercados. A soma dos dois problemas - desajuste cambial e comércio global mais ou menos estagnado - bastaria para explicar o pobre desempenho brasileiro.

Mas nem todos os países foram tão mal quanto o Brasil, nos últimos anos, em sua atividade comercial. Além disso, o real se depreciou sensivelmente desde o ano passado. Em tese, isso deveria baratear as exportações brasileiras e encarecer as importações, mas o desequilíbrio se acentuou, em vez de diminuir. O problema da competitividade é muito mais amplo, como já reconheceram muitos analistas, incluídos vários estrangeiros. Já se tornou lugar- comum, em relatórios de entidades multilaterais, a referência às limitações de oferta da economia brasileira - problemas como a logística deficiente, o encarecimento da mão de obra com aumentos salariais bem maiores que os ganhos de produtividade e, como há muito se sabe, a tributação incompatível com uma economia exposta à concorrência.

O relatório do BC sobre as contas externas confirma o agravamento de problemas bem conhecidos. Os estímulos ao consumo tornaram mais evidentes as deficiências da produção, pressionando os preços internos e forçando maior gasto com bens importados. Mas o governo, diante do desafio, apenas promete mais do mesmo.

De concessão em concessão - JANIO DE FREITAS


FOLHA DE SP - 24/11

A atitude do governo Dilma sobre concorrências de concessão conviria ser a do silêncio cabisbaixo


Em 13 de outubro: "O fato é que os leilões para concessão dos aeroportos do Galeão (...), a julgar pela preocupação do próprio grupo central do governo, estão em risco iminente de juntar-se à história moral das privatizações das teles e da Vale no governo Fernando Henrique".

Juntaram-se.

Aquela indicação do risco não foi a primeira no mesmo sentido, sobre o mesmo tema. Já o artigo que iniciou uma série de quatro, sobre a trama que antecedia os leilões do Galeão e de Confins (em Minas), terminara assim: "(...) a Odebrecht, uma espécie de detentora de exclusividade sobre o Galeão, cujos dois terminais, as pistas, acessos e tudo mais lhe foram entregues [no passado], como sempre, em concorrências ("" "" "" "" "": ponha aspas à vontade)."

Para meio entendedor um nome basta. Lá estava o de Moreira Franco, secretário de Aviação Civil do governo Dilma, lembrado no artigo por sua presença com a Odebrecht em numerosas concorrências anuladas por fraudes, comprovadas em antecipações aqui dos seus resultados.

Os artigos descreveram as artimanhas do edital para restringir o número de disputantes nos leilões e a luta para eliminá-las. De um lado, nesse confronto, a Secretaria de Aviação Civil, de Moreira Franco, incumbida dos leilões; de outro, a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, com os ministros Aloizio Mercadante e Fernando Pimentel e apoiada pela manifestação preliminar do Tribunal de Contas da União, contrária a impedimentos de interessados.

A dada altura, tudo que seria comprometedor ou suspeito pareceu eliminado, à custa de embates duros na Casa Civil. De repente, o Tribunal de Contas da União aderiu a uma das exigências propostas por Moreira Franco, segundo o qual empresa participante de sociedade em outro aeroporto só poderia ter 15% em consórcio pretendente ao Galeão. E a ministra Gleisi Hoffmann entregou os pontos ou não recebeu o apoio de Dilma Rousseff contra o edital restritivo.

A Odebrecht levou o Galeão com oferta financeiramente muito mais alta que as demais. A participação limitada a 15% restringira a igualdade de competição para os já participantes de consórcios dos aeroportos de Brasília, Guarulhos e Natal. Com participação assim reduzida, seria muito demorado o retorno do capital investido no leilão e nas grandes obras exigidas pelo Galeão. O que forçava ofertas menos competitivas no leilão.

Daqui por diante, a atitude do governo Dilma Rousseff, quando se trate de confiabilidade e do seu oposto em concorrências de concessão e de privatização, conviria ser apenas e sempre a do silêncio cabisbaixo.

2) A propósito do artigo "Show dos erros" (21.nov.), o ministro Joaquim Barbosa me mandou a explicação de que determinou a ida dos condenados do mensalão para Brasília por ser aí o foro do processo.

A tese contrária, a que me referi lembrando o também ministro Marco Aurélio e outros juristas, é de que a lei não exigia a apresentação em Brasília e situa o condenado próximo do domicílio, no caso, em São Paulo e Minas.

Quanto à viagem exaustiva para um réu em estado de saúde insuficiente, com longa espera em São Paulo e ainda mais longa em Brasília, informa o presidente do Supremo que não lhe foi comunicada nenhuma restrição a fazê-la, por nenhum dos réus.

3) O cinquentenário da morte de John Kennedy provoca inúmeras indicações de livros sobre o próprio e o seu governo. Dou o meu palpite: não sei de nada melhor do que "O lado negro de Camelot", que tem edição brasileira pela LP&M, com boa tradução e a vantagem pouco comum de índice remissivo.

Seu autor, Seymour Hersh, é, provavelmente, o melhor repórter americano há décadas. Recebeu o Pulitzer de Jornalismo pela revelação do massacre de My Lai, um dos milhares de crimes contra a humanidade e crimes de guerra dos americanos no Vietnã, este, no entanto, decisivo por sua repercussão graças a Hersh.

Maluf e os outros - MOISÉS MENDES


ZERO HORA - 24/11

O promotor paulista Sílvio Marques tem como missão no mundo rastrear o dinheiro que corruptos mandam para fora do país ou escondem em paredes, pisos, armários. Ele e sua equipe monitoram processos contra mais de 700 envolvidos em corrupção.
Se você acionar o Google para procurar informações sobre Paulo Maluf, o nome do promotor aparecerá quase sempre ao lado. Marques já teve que recorrer a um furgão-baú para mandar uma montanha de documentos sobre Maluf à Justiça.
O promotor tem provas do dinheiro enviado pelo ex-prefeito e ex-governador para o Exterior. É algo perto de R$ 1 bilhão. Mas Silvio Marques tenta abater Maluf há mais de uma década, e Maluf escapa sempre. Quase todos os processos que envolvem o político passaram pelo promotor.
No dia 10 de setembro de 2005, Maluf foi preso, em meio a uma das tantas investigações. Era um sábado, eu estava no plantão de Zero Hora e telefonei para Marques. Falei com o xerife poucas horas depois da prisão. É dele essa frase, publicada na entrevista na íntegra, na edição de segunda-feira:
- A prisão tem um valor simbólico, porque mostra que a Justiça, que agiu com firmeza, existe também para os poderosos.
Naquele sábado, véspera da primavera, contagiado por tanto entusiasmo, saí pela Redação espalhando: guardem esse dia, o dia em que Maluf foi preso.
Maluf foi solto 40 dias depois por determinação do Supremo, e os processos continuam correndo na Justiça. Ele já foi condenado por superfaturamento de obras, desvio e lavagem de dinheiro quando era prefeito. E recorre sempre. Há uma década e meia, só o que faz é recorrer, recorrer.
O nome de Maluf está na lista suja da Interpol. O Banco Mundial pôs Maluf e o banqueiro Edmar Cid Ferreira e Daniel Dantas num cadastro de corruptos internacionais. E Sílvio Marques continua correndo atrás de Maluf.
Naquele dia 10 de setembro, Marques me disse também que o serviço só estaria completo se pegasse Maluf e a quadrilha que agia com ele. Era uma turma graúda de quatro megaempreiteiras e de dois bancos. O que você acha que aconteceu?
É comovente a persistência cívica de Sílvio Marques, que já foi processado por Maluf, que também tentou processar o promotor de Nova York responsável pela indicação de seu nome à lista da Interpol.
No início do mês, o Tribunal de Justiça de São Paulo condenou Maluf por superfaturamento de obras entre 1993 e 1996. Claro que ele vai recorrer. Há outro processo penal tramitando no Supremo. As ações têm tudo o que Maluf e o entorno representam _ os corruptos da turma que não mostra o rosto, os corruptores também sem feições e a estrutura indestrutível de conluios, superfaturamentos e aditivos das empreiteiras, como a desmontada agora no metrô de São Paulo. (Você já viu a cara de um dos executivos que denunciaram os esquemas do metrô? Eu não vi.)
É provável que Maluf seja um poderoso ainda impune porque seus comparsas é que são de fato os poderosos. Maluf pode ser também o laranja dos saqueadores que ninguém vê, o mais bem remunerado laranja da corrupção brasileira.
E enquanto Maluf estiver no centro da cena, nos entretendo como clichê de corrupto, os megacorruptores continuarão agindo em todas as frentes, impunes e invisíveis.

A prisão dos poderosos - SACHA CALMON


CORREIO BRAZILIENSE - 24/11

O povo brasileiro, desde priscas eras, está acostumado aos rigores da lei e à ação da polícia, às vezes truculenta, nos atos de aprisionamento dos delinquentes condenados pela Justiça, ou mesmo antes, preventiva ou provisoriamente.

Até bem pouco tempo, antes da era da impunidade e da corrupção generalizada das instituições, em pleno apogeu, o povo respeitava as leis, sabia que o rompimento da ordem era severamente reprimido. A vida no cárcere era temida pelo mal-estar causado aos condenados.
Não se nega a infamante desigualdade brasileira. Na área dos crimes contra a propriedade e a coisa pública, desde os tempos coloniais, passando pelo Império, sempre se dizia que quem roubava pouco era ladrão e quem roubava muito era barão! Seja lá como for, na República, todos são iguais perante a lei. A igualdade, respeitadas as desigualdades, quando pertinente, é meta a ser atingida a todo custo, sem olvidar a liberdade dos pobres e dos ricos, somente atingível após o devido processo legal.

Agora chegou a vez dos poderosos. A prisão dos líderes do Partido dos Trabalhadores (PT) envolvidos no mensalão mostra contraste evidente. De um lado, um Joaquim Barbosa republicano e emblemático, até no dia escolhido para ordenar a prisão dos delinquentes, apenados pelos crimes incorridos, depois de verdadeiro cabo de guerra judicial. Lado outro, vê-se o ressurgimento da empáfia dos poderosos, a inconformidade do partido a que pertencem em cumprir a sentença, taxando-a de "política".

A nota do PT diz claramente que o Supremo tribunal Federal (STF), cujos ministros, à exceção de três, foram escolhidos pelos governos do PT, praticou suprema injustiça. E os dois políticos, um sorrindo com sarcasmo e o outro de cara amarrada, punhos erguidos como se fossem revolucionários, disseram que não eram corruptores aquadrilhados mas "presos políticos". É dizer: não cometeram delitos penais se não atos políticos contra as "elites dominantes" (no rol incluídos o STF e a imprensa livre). Mas a elite dominante são eles mesmos. Mandam no Executivo, no Legislativo, em muita gente.

Preso político diz respeito a pessoas que se opõem a regimes ditatoriais e liberticidas, como o de Cuba, só para exemplificar. Que atos de coragem em prol do povo contra tiranias cometeram os indigitados réus? Um, como chefe da Casa Civil, no início do primeiro mandato de Lula, armou um esquema de desvio de recursos públicos, por meio de contratos forjados (núcleo publicitário) e empréstimos simulados (núcleo bancário) para comprar votos no Congresso, em prol do governo, pois a maioria parlamentar estava a se formar. O outro, como presidente do PT, anuiu e participou do esquema, ofertando seu aval a simulacros de empréstimos, prazerosamente aceitos pelo banco envolvido, embora ciente de sua indigência financeira. Nunca se viu aval tão graciosamente aceito e um banco tão bonzinho (ao cabo, não era o seu capital que estava em jogo, mas o da República).

Ouvi dizer que os gestos dos líderes do PT eram "políticos", que eles tinham que fazer isso mesmo para não decepcionar a "militância". A proceder a tese, confirma-se a perversa ética de Maquiavel para atingir e perpetuar o poder: "Os fins justificam os meios". Vale a pena mentir, roubar, fraudar, para atingir o poder político. Não é isso o que predica uma ética política sadia. No regime democrático, não se pode mentir, falsear fatos, caluniar, roubar ou servir-se da coisa pública para alcançar e manter-se no poder.

Não se nega o passado de lutas políticas de José Dirceu e José Genoino em prol da democracia, contra a ditadura. Esses fatos, porém, ficaram no passado e fazem parte da história da nação. Esses triunfos e os crimes por eles praticados em pleno Estado Democrático de Direito estão irremediavelmente ligados às respectivas biografias.

Os punhos erguidos causaram revolta e repulsa, pantomima mentirosa com o fito de enganar a nação; gestos e palavras com o fito de macular a Suprema Corte do Brasil. Infelizmente, inexiste tipo penal para enquadrar a hipocrisia dos hipócritas. Erra o PT em insistir na "injustiça das condenações". Mostra desprezo pelas instituições democráticas (que somente devem funcionar em seu favor).

E pretendem minimizar ainda mais as penas impostas. A se converter em prisão domiciliar as penas dos condenados ao regime semiaberto, à falta de casas de albergados em condições de uso, que isso se estenda a todos os condenados, sejam humildes ou poderosos.

Quanto ao condenado foragido, portador de dupla nacionalidade, terá havido falta de vigilância? Independentemente do asilo de Battisti, ordenado por Lula, não cabe pedir a sua extradição. Os nacionais de cada país nunca são extraditáveis. Que fiquem as lições: igualdade é o outro nome da República nas relações internas e internacionais.

Depois de junho: possibilidades e riscos - LUIS SERGIO HENRIQUES


O ESTADO DE S. PAULO - 24/11

Para quem, como nós, viu as manifestações de junho último como fenômeno de múltiplos significados, capazes, ao mesmo tempo, de reforçar a vida representativa ou de comportar rejeição ainda mais profunda de suas formas, há algum alento em outras realidades regionais próximas, se insistirmos em ver o quadro a partir dos valores de uma possível esquerda democrática.

No Chile, por exemplo, abalado há alguns anos por poderosas manifestações de rua, cujo foco era a insatisfação juvenil com os processos formativos,, seus altos custos e suas promessas não cumpridas de garantia de inserção produtiva numa sociedade ainda profundamente marcada pela (contra) revolução pinochetiana, os chamados pingüines alusão ao tradicional uniforme estudantil, conseguiram gerar lideranças expressivas, em geral identificadas com a candidata do Partido Socialista, Michelle Bachelet.

Tais lideranças, que, na boa hipótese, serão uma das pontas da sempre difícil troca de guardas geracional, nem sempre pertencem ao partido da candidata favorita no segundo turno, mas provêm de setores autônomos da esquerda ou mesmo do tradicional Partido Comunista. Este último, com presença parlamentar agora menos frágil, pode reatar com o passado de tradicional força moderadora da esquerda, como no curso da experiência de Salvador Allende e da Unidade Popular. Uma experiência de transição democrática para o socialismo, como se dizia na época, que talvez, em sua essência profunda, tenha servido para relativizar a conhecida proposição de que homens e mulheres só se colocam problemas que já sabem resolver ou cuja resolução está em via de amadurecimento. Ou para desmentir a recepção literal e ingênua desta ou de qualquer outra proposição "sagrada".

Forçoso é reconhecer que, apesar da dignidade humana e política do presidente Allende -tão acima de outros líderes de esquerda latino-americanos que viriam depois e que, parece, têm o hábito de se metamorfosearem pássaros ou de se estampar em canhestros simulacros de sudário -, aquela esquerda chilena, em seu todo - para não falar de seu subconjunto, sempre acometido pelo inevitável sarampo infantil -, padecia da fratura original entre democracia representativa e direta, democracia"burguesa" e proletária", parlamentos e conselhos, tal como teorizada desde a chegada do comunismo histórico  ao poder, em 1917.   

Que não se trata de ideias abstratas, sem incidência na vida real das sociedades, foi o que pudemos ver, ainda, nos dilemas postos à luta contra o regime de 1964, raiz não tão distante da moderna política brasileira: acreditar nas virtudes da política, mesmo quando os espaços institucionais pareciam reduzir-se ao mínimo, ou apostar na eficácia imediata e direta das armas, legitimadas, ainda por cima, por um direito de resistência posto acima de qualquer cálculo político razoável?

Confluíram para a segunda alternativa parte considerável da esquerda histórica - façamos menção simbólica ao ex-deputado Carlos Marighella -e, também, parte considerável do que então se chamava "nova esquerda", incendiada, em sua vertente diretamente política -mais além da bem-vinda novidade dos feminismos e do pensamento ambientalista -, pelos exemplos da revolução cubana e da chinesa, bem como pela resistência vietnamita à agressão norte-americana.

O problema é que, na história das sociedades, águas passadas movem moinhos de forma às vezes imperceptível ou de outro modo inexplicável. Esgotou-se o comunismo histórico; custam a se afirmar alternativas de uma nova esquerda que assuma integralmente, sem restos, os valores da democracia política; mas, como é amplamente sabido, grupos dirigentes de importantes partidos e até do País são egressos da "segunda esquerda" dos anos 1960. No entanto, a carga de renovação e até de transformação social de que seriam portadores esses grupos parece ter-se esgotado precocemente, talvez mimetizando um aspecto desfavorável do "caráter nacional", aquele pelo qual, como diz o poeta Caetano, o que parece ainda em construção já é ruína.

As ruas de junho viriam sacudir espesso conformismo nascido já com a esquerda no poder há uma década. Viriam com carga explosiva de protestos contra o nosso inferno urbano de cada dia e com potencial para embrionariamente expressar, e mesmo multiplicar, O mundo tumultuoso dos novíssimos movimentos sociais.

Um fenômeno que não é nosso e se replica de modo "viral", mais do que em 1968, agora exponenciado pelas redes sociais. Seus teóricos e comentaristas são variados, como não poderia deixar de ser. Em alguns, a premonição de que se trata de uma esquerda nova, vagamente anarquista ou pós-anarquista, organizada horizontalmente e desconectada de velhas noções de mudança. A heterogeneidade de sujeitos e reivindicações nem sequer se deixaria enquadrarem categorias clássicas, como a de hegemonia. Ação direta, não representação; pequenos grupos que seguem a lógica da afinidade, como quer o canadense Richard Day, não a lógica da ação reivindicatória e da integração em sociedades cada vez mais permeáveis à«presença dos "subalternos".

Há nisso vitalidade e potencial de renovação das formas democráticas, como ensinam os pingüines chilenos, mas também riscos. Uma vida cívica plural e participativa parece o melhor horizonte de nosso tempo, contrapondo-se às imposições de "disciplina" e "controle" das sociedades em rede. As esquerdas históricas muitas vezes se perderam na sedução da violência, meio inadequado para desatar os nós górdios da política. As manifestações depois de junho podem ter deixado clara, uma vez mais, a singela verdade de que, invariavelmente, a desordem é a melhor amiga da ordem, reforçando controles e disciplinas que se diz querer combater.

Eles também dormem tranquilos - CLÁUDIO SLAVIERO


GAZETA DO POVO - PR - 24/11

Li recentemente um artigo do economista Gustavo Ioschpe, graduado em Ciência Política, no qual manifestava sua angústia sobre como deveria educar seus filhos: para serem éticos ou não no país onde a malandragem parece marca do caráter?

Lembrei-me de que por diversas vezes minha mãe se perguntava se deveria ter criado a mim e a meus irmãos para sermos éticos e decentes, pois sua angústia era tão grande que essa dúvida também a atormentava. Hoje, também sofro com os mesmos pensamentos: valeu a pena criar meus filhos como fui criado, seguindo o caminho da honestidade e retidão?

Da mesma maneira que Ioschpe foi criado por seus pais e eu pelos meus, crio meus filhos seguindo o padrão de moral, ética, retidão e honestidade, esperando que eles façam o mesmo com os deles e assim por diante. Mesmo com o desestímulo para aqueles que seguem um código ético ver que neste país o jeitinho, a malandragem, a desonestidade, o esperto, o que leva vantagem em tudo é mais valorizado e bem-sucedido. Andar na linha, ser cordial e correto é sinônimo de otário.

Os empresários, por exemplo. A grande maioria é correta e decente, gera emprego e riqueza. São verdadeiros heróis que colocam seu capital em risco. Mas, por outro lado, há os parasitas de colarinho branco, que vivem em mansões, promovem festas nababescas e vergonhosamente vivem agarrados nas tetas do governo, incapazes de fazer críticas aos governantes para poder pedir favores mais adiante. Esses fazem qualquer tipo de negócio, pagam mal seus funcionários, não recolhem tributos, passam os outros para trás descaradamente, devem tudo aos bancos e têm uma folha corrida e negativa nos serviços de proteção ao crédito tão longa quanto a de qualquer presidiário.

Mais deprimente ainda é o perfil da maioria de nossos políticos, de quem surgem os piores exemplos, principalmente dos mais altos escalões da República. Verdadeiros velhacos grudados a seus cargos, vivem em benefício próprio e se lixam para a sociedade. Ética não faz parte de seu vocabulário. Tudo vale em troca de favores escusos, do suborno ao roubo, do jogo sujo e pesado, como manter no Congresso deputados condenados pela Justiça.

Ioschpe cita Sócrates, que dizia que o homem que pratica o mal é infeliz e vive em conflito interno. Lembra Arendt, que afirmava que não, que os maiores malfeitores são aqueles que não se lembram do mal que fizeram porque nunca pensaram na questão. Cita Kant, que dizia que o homem pode mentir para si próprio e que o corrupto ou sonegador tem uma lógica para seus atos, na qual a lei deve se aplicar a todos, menos a ele. Cai por terra, então, o consolo das pessoas honestas de que, pelo menos, dormem tranquilas. Os escroques também dormem tranquilos. Na visão de Ioschpe, só existem dois cenários em que é melhor ser ético do que não ser. A primeira é que, se a pessoa é religiosa, os pecados deste mundo serão punidos no próximo, no que ele não acredita. Nem eu! A segunda é que os desvios de comportamento serão punidos pela coletividade na forma de sanções penais. Para ele, este não é o caso do Brasil. Concordo!

Em última análise, Ioschpe acredita que a ética e a honestidade são valores inquestionáveis. Por isso, criará seus filhos da mesma maneira como foi criado por seu pai porque não conseguiria conviver consigo mesmo e com a memória de seu pai, se criasse seus filhos para serem pessoas como as que ele o havia ensinado a desprezar. E, ainda, porque sociedades e culturas mudam, pois muitos países hoje desenvolvidos e honestos eram antros de corrupção e sordidez há 100 anos, e um dia o Brasil há de levantar-se deste falso berço esplêndido e seguir o mesmo caminho. E a retidão haverá de ser uma vantagem e não um fardo. Também concordo.

Crônica do deserto - GAUDÊNCIO TORQUATO


O ESTADÃO - 24/11

Há duas semanas, cerca de 40 empresários brasileiros, devidamente paramentados com paletó escuro e gravata, misturavam-se a homens de túnica branca e chinelos de couro, imprimindo um toque exótico à paisagem abrasadora do deserto de Rub al-Khali, na fronteira entre Abu Dhabi e Dubai, que formam, ao lado de cinco outros, os sete Estados integrantes dos Emirados Árabes Unidos(EAU). Participavam de evento promovido por uma empresa brasileira que inaugurará, daqui a seis meses, sua maior fábrica de alimentos no exterior. O tom das conversas girava em torno do custo Brasil, podendo-se ouvir, de um lado, peroração lamurienta sobre a perda de competitividade da indústria brasileira e, de outro, exclamações de admiração pela capacidade de uma jovem Nação de apenas 42 anos (a completar dia 2 de dezembro) vir a se transformar em um dos mais celebrados ícones da modernização, da gestão e do empreendedorismo mundial nesta segunda metade do século XXI.

Alguns usarão o argumento de que daquele tórrido deserto extraem-se, diariamente, 3 milhões de barris de petróleo e, com essa riqueza( a sexta maior reserva de petróleo do mundo), qualquer território seria capaz de transformar o inferno em céu. Em termos. O emirado de Dubai quase não possui petróleo e é um efervescente centro de serviços, a exibir uma arquitetura futurista, cujos traços sinalizam a opulência em encontro com o arrojo e a beleza. Ao final, o resultado aparece numa apreciada coleção de monumentos e projetos encabeçados por superlativos: o mais alto, o maio extenso, o mais exótico, a arquitetura mais criativa e assim por diante. Tanto em Dubai, a primeira cidade, quanto na capital dos Emirados, Abu Dhabi, que é o maior Estado (86,7% da área), transparecem sinais de um progresso que se instala, a passos avançados, não apenas pela pujança financeira decorrente de recursos do petróleo, mas pela visão apurada e competente de seus líderes, a partir do principal arquiteto da Nação, o xeque Zayed Al Nahayan, que a presidiu de 1971 a 2004; do seu filho Khalifa Bin Zayed, emir de Abu Dhabi e atual presidente do país, e do vice, o emir de Dubai, Mohammed bin Rashid al Maktoum, que é também primeiro ministro. Quem pensa encontrar xeques incultos, rudes ou envoltos completamente no véu religioso terá a grata surpresa de ver líderes preparados, de alta formação, conhecedores da realidade mundial e, sobretudo, pragmáticos. Bela surpresa.

Que princípios orientam os governantes desse país do Golfo Pérsico a transformá-lo numa das mais desenvolvidas economias do Oriente Médio, um dos mais ricos do mundo, com um PIB nominal per capita de US$ 54.607? Fatores se destacam, a começar pelo esforço de integrar os povos (tribos) da região. Com a descoberta das jazidas de petróleo, em 1958, os xeques buscaram a união e a Grã-Bretanha, que controlava a região, foi obrigada a retirar suas tropas, tornando possível a criação do Estado independente. Segundo, a compreensão de que o regime – uma monarquia constitucional – deveria se conformar aos desafios da globalização, sob pena de continuar a ser uma comunidade isolada no deserto, como o foi há décadas. Para tanto, aplica-se a estratégia de maximizar os pontos fortes e eliminar os pontos fracos e, a partir daí, nas palavras do emir de Dubai, “se alcançar um estágio de desenvolvimento equilibrado”. É visível o esforço que se faz para buscar o conceito de excelência, tarefa complexa na sociedade árabe por conta da herança cultural, conservadora, que impõe cuidados na implantação de processos modernizantes.

Os governantes dos emirados ajustam o foco no planejamento de funções no sentido de integrar os setores público e privado, as escolas públicas e privadas, os institutos e universidades. A imagem é a de um laboratório de gestão. Em cada empreendimento, vê-se a preocupação com a qualidade, o detalhe, a lógica, a funcionalidade. O país investiu pesadamente na infraestrutura. Os mais de 4 mil km de estradas são totalmente pavimentados. O turismo é uma das alavancas, a partir da excelência da rede hoteleira, a mostrar como o Brasil, com seus 8 mil km de costa e belezas naturais incomparáveis, vive nesse setor a idade da pedra lascada. Ali, o futuro parece ter chegado com pressa. As planilhas de incentivo aos investimentos forçam a comparação com governos de países que avançam sobre o bolso dos contribuintes: não há imposto de renda de pessoa jurídica nem de pessoa física; não há retenção de imposto; não há imposto sobre os lucros de capital nem restrições de moeda; não há barreiras comerciais e o imposto de importação é de apenas 5%, com muitas isenções alfandegárias. Apenas bancos e companhias de energia pagam impostos. O capital não é um bicho papão como dá a entender em nossos trópicos. O Estado, mesmo sob um regime monárquico, não tem a bocarra pantagruélica que avança sobre o bolso dos contribuintes. As culturas convergem e se misturam na estética das vestimentas e na polifonia das línguas. Em um país regido pela sharia (lei islâmica), é notável a quantidade (pequena) de mulheres que usam a abaya (a túnica preta) em contraste com as roupas ocidentais. A pluralidade se manifesta em mais de 200 nacionalidades que oxigenam a vida cultural e artística.

Samuel P. Huntington, em seu “O Choque das Civilizações”, lembrava que nos anos 80 e 90, a tendência generalizada no Islã seguia uma direção antiocidental. Pontuava: “os muçulmanos receiam e detestam o poderio ocidental e a ameaça que ele representa para sua sociedade e suas crenças”. A realidade dos Emirados Árabes Unidos mostra que essa visão ou está superada ou ganha novos contornos. O vice-presidente da República, Michel Temer, que por lá passou, e o grupo de Líderes Empresariais (LIDE), que foi prospectar negócios na região, viram como uma Nação de pouco mais de 8 milhões de pessoas pode dar lições a um país de dimensão continental de 200 milhões de habitantes.

A grande marcha - HENRIQUE MEIRELLES


FOLHA DE SP - 24/11

O enorme avanço da globalização e das comunicações oferece bombardeio incessante de informações que precisam ser colocadas em perspectiva para extrair delas o que é relevante. Olhando a economia mundial hoje, existem três eventos determinantes que, percebidos conjuntamente, ganham enorme relevância.

O primeiro são as abrangentes reformas chinesas recém-anunciadas, que preveem abertura de mercados e retirada gradual do Estado de diversas atividades.

O segundo é a abertura e a modernização do sistema financeiro indiano efetuadas pelo novo presidente do banco central da Índia, Raghuram Rajan. A expectativa geral é que as reformas sejam a partida para um processo mais abrangente de liberalização da economia indiana, com redução de controles e burocracias que emperram o desenvolvimento, apesar do alto potencial baseado na massa de jovens entrando no mercado de trabalho.

O terceiro fato crucial é o surpreendente crescimento da economia do Reino Unido. O governo conservador britânico implementou processo de consolidação fiscal, com corte consistente de despesas e diminuição do tamanho do Estado. Mas, ao contrário de Espanha, Grécia, Irlanda e, de certa maneira, Itália, que adotaram maior responsabilidade fiscal de forma hesitante e após grandes dificuldades de financiamento, as medidas britânicas foram decididas de forma espontânea e soberana.

Londres seguia tendo acesso amplo a crédito, com juros baixos, mas, para horror de muitos, em plena crise, passou a não só liberar ainda mais os mercados como iniciou processo agressivo de redução de despesas, consolidação fiscal e melhora nas condições de financiamento às empresas. Ou seja, o corte de despesas foi logo seguido por reformas produtivas, o que não ocorreu no sul da Europa.

Muitos esperavam que a austeridade trouxesse severa contração à economia britânica, como nos países em crise, mas ocorreu o contrário. As medidas, a partir de determinado momento, geraram mais confiança de consumidores, empresários e investidores na solidez do país. E, ao reduzirem a necessidade de financiamento do Estado, liberaram recursos ao setor privado, que elevou a produtividade.

Em resumo, países de estruturas políticas e econômicas tão diversas quanto Reino Unido, China e Índia caminham na mesma direção: redução do papel e do tamanho do Estado, abertura maior ao setor privado, busca de maior eficiência e produtividade e concentração estatal na regulação de determinados mercados e na provisão de serviços essenciais.

Em meio ao turbilhão diário de notícias, o improvável eixo Pequim-Nova Déli-Londres oferece grande lição de política econômica.

O tamanho do problema - GUSTAVO FRANCO


O GLOBO - 24/11

O crescimento do endividamento familiar nos últimos anos trouxe preocupações com essa psicologia do “aqui-agora”


A crença inabalável em um futuro de opulência, um traço básico de nossa identidade, sempre afastou do brasileiro o medo de se endividar. Diante dos tesouros que existem no subsolo ou no fundo do mar, quem se importa com os termos de troca entre o presente e o futuro, a taxa de juros?

Nessas condições, é gigantesca a preferência pelo consumo hoje, relativamente ao futuro, por que esperar? O crescimento do endividamento familiar nos últimos anos trouxe preocupações com essa psicologia do “aqui-agora”, que pode ser associada ao consumidor de baixa renda, carente em educação financeira, incentivado a comprar e que facilmente se enreda em endividamento excessivo.

A má notícia é que nossas autoridades operam exatamente com a mesma lógica: desde que possam parcelar, qualquer dívida é aceitável.

A teoria econômica ensina que, se as finanças públicas são sustentáveis, a dívida de hoje são os impostos de amanhã e não há como escapar disso, ao menos em um país onde os governos não podem deixar bombas para os seus sucessores.

Como isso parece um tanto distante de ser o nosso caso, cabe perguntar se os números efetivamente confirmam que o governo não se endividou em excesso. Será que estamos fazendo as contas direito?

Vamos começar pela parte fácil da resposta: se olharmos a dívida externa — a mais perigosa, pois precisa ser paga numa moeda que não a nossa — as notícias são boas. As três esferas de governo devem US$ 116 bilhões, mas o Banco Central (BC) possui ativos em dólar no valor de US$ 376 bilhões. A posição líquida é credora (US$ 260 bilhões) e maior que a dívida externa do setor privado (US$ 171 bilhões).

É uma situação inédita para nós e se deve à brutal acumulação de reservas, a qual, todavia, não tem propriamente a ver com superávits comerciais ou à nossa competitividade, mas com entradas de capital relacionadas à política monetária americana. Pouco importa, os efeitos são conhecidos, o BC vende dívida interna para arrumar os recursos para comprar esses dólares excedentes, ou seja, troca dívida externa por interna ao acumular reservas.

Para muita gente o fato de a dívida externa ter se “domesticado” resolve todos os nossos problemas, o que está muito longe da verdade. Pelo contrário, essa configuração deixa mais clara uma patologia com a qual nos debatemos há anos: uma hiperinflação de desejos que o mundo político se esmera em converter em “obrigações do Estado” em absoluta desproporção com a capacidade da sociedade em pagar essas contas.

A novidade é que não podemos mais fechar a conta no exterior ou com emissões de papel pintado. Com essa restrição, qualquer nova despesa significa tributar nossos próprios filhos e netos, nos termos de uma debochada maldição enunciada por Herbert Hoover, presidente dos EUA entre 1929 e 1933: “bem-aventurados os jovens, pois eles herdarão a dívida pública”.

Em razão do descontrole dos últimos dois anos, que o governo tenta encobrir com truques baratos de contabilidade, muitos enxergam um sério e perigoso retrocesso. Será que não estamos vendo o problema da dívida pública no seu exato tamanho?

Tipicamente, a primeira pergunta de quem olha a dívida interna é o que exatamente entra na conta, sendo esse o caminho mais comum pelo qual a complacência se intromete na métrica e dela se serve para ocultar o tamanho do problema. A resposta certa deveria ser “tudo”, mas a oficial é que devemos olhar a “dívida líquida”, que está em 35% do PIB, um número típico para um país emergente, não fora o fato de um artifício contábil tirar dessa conta as operações do Tesouro com o BNDES, que elevariam esse número para uns quarenta e poucos por cento.

Outro problema é que o conceito internacionalmente aceito é o de “dívida bruta” que, na metodologia do governo, está em 59% do PIB (incluindo as operetas com o BNDES), um número já não muito consistente com a classificação de risco soberano do país. Os especialistas preferem olhar para a dívida bruta, entre outras razões, porque não há como usar os dólares das reservas para pagar a dívida interna.

Mais outro problema é que as normas internacionalmente aceitas de contabilidade indicam que a nossa dívida bruta é maior: 68% do PIB. O ministro da Fazenda insiste em discordar do FMI nesse assunto, o que é mais ou menos como uma empresa listada questionar uma diretriz internacional de contabilidade.

Sessenta e oito por cento do PIB é um número muito elevado para um país emergente, mas seria ótimo se fosse só isso. Existem muitos problemas ainda não contabilizados. Um exemplo: numa empresa mista como a Petrobras, se o acionista controlador pratica populismo tarifário, não deveria indenizar a empresa, como era feito no passado através da chamada “conta petróleo”? A Moody’s reduziu a classificação de risco da Petrobras em razão de seu elevado endividamento, que cresceu US$ 16,6 bilhões apenas no primeiro semestre. Qual seria o saldo da “conta petróleo” hoje, caso ainda existisse?

Coisa parecida se passa no setor elétrico, onde parte significativa dos custos da “redução na conta de luz” ficou para o Tesouro. E também nos bancos públicos, toda vez que o crédito não é concedido de acordo com as melhores práticas bancárias ou os bancos são instruídos a apoiar “campeões”. Não há dúvida que os custos de muitas políticas públicas, cujo mérito sempre se pode discutir, ainda não foram contabilizados na dívida pública.

É inafastável a reflexão: são anos para consertar, bastam meses para estragar.

Mas ainda não acabou: a previdência do servidor, e algumas outras “despesas de caráter continuado”, como as da saúde, são obrigações que não reconhecemos como dívidas, contrariamente ao que fazem muitos países que capitalizam esses gastos e a eles associam reservas e ativos, às vezes dentro de fundos de pensão. Que tamanho teria a dívida pública se essas contas fossem capitalizadas? Há países à beira de um ataque de nervos com os efeitos do envelhecimento sobre os gastos de seguridade social. Não é o nosso caso, pois uma bomba a uma década de distância é como se não existisse.

A conclusão escapista habitual diante de uma “dívida impagável” é que o problema não é nosso, mas do credor. Porém, nesse caso, o assunto é mais complexo: credor e devedor são a mesma pessoa.

A guinada da China e o recuo do Brasil - JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA


CORREIO BRAZILIENSE - 24/11

Anunciou-se guinada estratégica no antigo Império do Meio. Criticaram os analistas do Ocidente as poucas palavras lançadas ao ar na reunião do comitê do Partido Comunista Chinês. Mas é assim que funciona a China. Faz-se muito e fala-se pouco naquela área do planeta.

Não se engane. As poucas decisões - pragmáticas e marcadas por elementos próprios da política e da cultura - serão levadas adiante. Setores da nomenclatura sugerem adaptação às crises sistêmicas do capitalismo da zona do euro e nos Estados Unidos, mesmo com a retomada ianque, esse o maior parceiro dos chineses. Os desenvolvimentos da economia política global parecem sugerir adaptação da China ao crescimento moderado dos centros históricos do capitalismo global, que pode durar ainda um pouco mais do que dizem alguns estudiosos.

Linhas pragmáticas do Partido Comunista sugerem introspecção moderada do modelo dos últimos 20 anos, embora a manter o fogo exportador que se espraia para toda as partes do mundo. A terceirização da indústria mundial, entregue aos chineses e conquistados por eles, prejudicou parte da capacidade de recuperação das economias ainda combalidas do Norte.

Poderia ser relevante à China um novo ciclo de elevação dos padrões produtivos e de consumo. O doméstico é caminho que se intui consiste na estratégia dos chineses. Ante a permanência da crise e as dificuldades de alguns parceiros do Sul político das relações internacionais, emerge outro capitalismo à moda chinesa. Esse capitalismo se volta ao telúrico, a incluir novas massas, como o projeto de dobrar o número de chineses no consumo atual.
Se tal projeto for ampliado ao meio asiático, as cadeias produtivas dos satélites e vizinhos chineses vão ganhar muito. Significaria criar o dobro de consumidores internos, como o que foi feito nos últimos 20 anos. Apenas esse projeto já criaria outro país, do tamanho do Brasil, marcado pelo acesso a novos produtos para o consumo interno. A ênfase externa seria seu próprio entorno geográfico e o Pacífico, mas que pode chegar (se já não chegou) ao Chile, ao Equador e ao Peru.

Mas os economistas do Partido Comunista da segunda economia planetária resolveram sugerir o ampliar do capitalismo de Estado controlador, um movimento mais ativo para a Europa e os Estados Unidos. É uma saída congruente com o baixo crescimento de alguns de seus outros parceiros emergentes, particularmente dos colegas do Brics. E permite reduzir certa pressão interna da opinião pública da África e da América do Sul ao avanço dos interesses chineses nessas regiões.

Há, tanto na África quanto na América do Sul, movimentos de atores políticos e sociais preocupados com o avanço dos interesses chineses nessas duas regiões. O ciclo das commodities passou, pelo menos no que tange à elevação importante de preços dos minerais extraídos dessas duas áreas do Sul. Há crítica aos meios de utilização da natureza, das formas de trabalho e da prevaricação dos sinos com governos corruptos nessas regiões.
O Brasil segue sendo parceiro da China. No comércio do nosso país, a China é parceiro primeiro, ao lado dos Estados Unidos e da Argentina. No financiamento, basta ver a recente presença das empresas chinesas no financiamento do campo de Libra.

O Brasil, porém, recuou. A China vem reelaborando suas relações principais com os países desenvolvidos. A China adora a Alemanha, como mostram as aproximações com a maior economia da zona euro. Lá, há um Estado logístico que também funciona bem com os investimentos privados e com os saltos tecnológicos. Os chineses confiam nesse capitalismo alemão. Abandona o antigo Império do Meio, na sua forma atual, o sonho da noite de verão criado pelo Brics, que se mostrou modesto em propostas.

A China se move para os capitais e o risco, integrando de vez sua economia e sua política externa, ao novo ciclo produtivo, competitivo e de novos padrões de inserção internacional. Baseia-se na ampliação dos fatores de poder interno, como a educação e a estrutura logística de um Estado forte, mas sem medo do mercado, emanado pela boa gestão, do estímulo à produção, da marca das lideranças que governam com projetos alentados. Associa-se a tudo isso um espírito reformista que garante o lugar proeminente da China na nova conformação das relações econômicas internacionais e estratégicas para as próximas décadas. Eles não têm pressa, mas avançam celeremente.

Aqui, temos pressa, mas patinamos na criatividade e já quase se teme - como já se comprova em casos como os da Argentina e da Venezuela - que o espírito inventivo do brasileiro possa ser encapsulado pelo recuo das nossas vontades fracas e baixa capacidade de pensar largo. Sem falar o descaso com os investimentos e a infraestrutura nacionais.

Bom dia a cavalo - DORA KRAMER


O ESTADÃO - 24/11

Como qualquer cidadão, partido, entidade, meio de comunicação, sindicato, movimento, grupos organizados em geral, o PT dispõe de liberdade para dizer o que quiser e sempre fez uso dessa prerrogativa com estridência. Não raro em contraposição aos fatos, muitas vezes ao modo de maquiagem da realidade – como faz, mais uma vez o ex-presidente Lula da Silva ao dizer que a lei no Brasil “parece que só se aplica ao PT” –, mas é um direito que lhe assiste. Até criou dois países diferentes, o “nós” e o “deles”, para simplificar a conexão com a sociedade, cuja maioria por um bom tempo nem percebeu que os “eles” de ontem estavam perfeitamente integrados – para não dizer encastelados – no Brasil que na fantasia petista não tem 513 anos; nasceu em outubro de 2002, com a eleição de Lula para presidente.

Mas, digamos que toda fabulação tenha um limite. Se ultrapassado, expõe os fabuladores ao risco do efeito bumerangue Ocorre quando suas narrativas, por assim dizer, alternativas, se voltam contra eles próprios.

É o caso da recente ofensiva contra o Supremo Tribunal Federal, acusado por dirigentes e parlamentares do partido de agir ao arrepio da lei. Ora, isso só acontece em regimes de exceção, ditaduras. Estaria o PT se dando conta de que, para defender companheiros presos, diz que o país que comanda há 11 anos vive sob a égide de uma Justiça discricionária, situação contra a qual essas autoridades jamais se insurgiram? Ao contrário, compuseram a corte onde ao menos duas vagas lhes foram franqueadas por aposentadorias antecipadas e dela esperavam uma compensação.

O discurso do PT atual já não ficaria bem se o partido fosse oposição. Sendo situação, soa a autoflagelação tão involuntária quanto imprudente e pouco inteligente.

Um governo reverente à democracia não convive com um Poder Judiciário arbitrário sem que no mínimo faça algum movimento em prol do retorno da instituição à legalidade. Se não faz, compactua ou é submisso a essa deformação.

Vamos à mais recente fala de Lula, que havia prometido nada dizer sobre até o julgamento dos recursos pendentes. A lei aplica-se apenas ao PT? Não condiz com a verdade. A ela: só no processo do mensalão foram condenados integrantes das cúpulas do PTB, PL (hoje PR), dois deputados do PP e um ex-líder da bancada do PMDB na Câmara. Além de assessores de três dessas legendas.

Por outros motivos, políticos do DEM foram presos (embora não definitivamente), como o ex-governador José Roberto Arruda ou o ex-senador Demóstenes Torres, cassado pelo Senado e indicado pelo Ministério Público de Goiás por corrupção. Dois parlamentares recentemente condenados pelo STF, deputado Natan Donadon e senador Ivo Cassol, tampouco pertenciam ao PT. O primeiro foi do PMDB e está sem partido e o segundo é do PP. Acrescentem-se os vários governadores que tiveram mandatos interrompidos pela Justiça Eleitoral devido a abusos do poder econômico durante as respectivas campanhas. Entre eles um do PSDB.

E por falar em tucanos, está nas mãos do Supremo a ação contra o deputado, ex-governador de Minas e ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo, com a perspectiva de ser julgada ainda em 2014. Acusação? Peculato e lavagem de dinheiro.

Por essas e várias outras que a memória não alcança e que mediante pesquisa acurada seriam muitas mais, não se pode dizer que só há infratores da lei no PT. Da mesma forma e por isso mesmo é falso afirmar que a lei no Brasil só vale para o PT.

O que existe, sim, é maior repercussão. Primeiro pela dimensão, segundo pela falta de cerimônia do esquema, e terceiro porque se trata do partido no poder, cuja conquista deu-se em boa medida por uma trajetória construída no altar da defesa da ética e dos bons costumes na política e adjacências.

Quem ficou rico no Brasil - VINICIUS TORRES FREIRE


FOLHA DE SP - 24/11

Espírito Santo lidera crescimento no século e fica atrás apenas de Rio e SP em renda per capita


O NORDESTE seria a região que mais teria crescido no Brasil "nos últimos tempos", nos anos Lula etc. Era o que a gente tinha a impressão de ouvir por aí.

Bem, o Centro-Oeste cresceu mais entre 2002 e 2011. Quietinho, quietinho, o Estado que mais cresceu foi o Espírito Santo. Também foi o que se tornou relativamente mais rico neste século: o aumento de seu PIB per capita também foi o maior.

Os capixabas tinham em 2011 o terceiro maior PIB per capita do Brasil, depois de São Paulo e Rio (exclui-se aqui o Distrito Federal, uma anomalia estatística, entre outras). Em 2002, estavam em sétimo lugar.

As economias de Rio Grande do Sul, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, pela ordem, estão no G4, na "zona de rebaixamento" --foram as que cresceram menos.

Esquisito mesmo, porém, é que alguns Estados se tornaram relativamente mais pobres entre 2002 e 2011. O PIB per capita do Pará ficou estagnado ou decresceu e o de Rondônia cresceu pouco; os de Amazonas, Amapá, Roraima e Acre decresceram.

É o que se pode depreender do balanço das Contas Regionais (PIB por Estados) de 2011, divulgado pelo IBGE na sexta-feira passada. O IBGE divulgou só o PIB per capita de 2011, baseado na contagem de população dos municípios enviada ao Tribunal de Contas da União em 2011.

No entanto, fazendo contas pela estimativa de população da Pnad-IBGE, é possível fazer uma comparação aceitável dos PIBs per capita ("renda per capita") dos Estados entre 2002 e 2011.

Não aconteceu nenhuma catástrofe econômica nos Estados do Norte. As economias do Pará e de Rondônia estão em segundo e terceiro lugares na lista das que mais cresceram. Porém, houve um crescimento brutal das populações desses Estados, o que puxou para baixo seu PIB per capita, claro.

O que o Espírito Santo tem? Commodities (minerais metálicos, papel e celulose, petróleo e gás), por exemplo. Em 2002, 6% do PIB do Estado vinha da indústria extrativa; em 2011, 22,3%.

O grande setor da economia que mais cresceu no Brasil desde 2002 foi o extrativista. Porém, observando estatísticas antigas, vê-se que o Estado cresce bem mais do que o Brasil desde os anos 1980.

Piauí e Maranhão vêm logo depois do Espírito Santo em termos de velocidade do crescimento da renda per capita. Mas sua base (renda inicial) era muito baixa. Os desempenhos mais consideráveis, a seguir, são os de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Minas Gerais, que tiraram proveito do crescimento de agropecuária e indústria extrativa, embora Mato Grosso do Sul tenha feito um progresso mais "completo", se industrializando bem.

Fora da região Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo registraram a menor alta do PIB per capita, não muito longe, é verdade, da Bahia e do Rio. Nesses Estados, o peso da indústria de transformação ("fábricas") era grande em 2002 e ainda é relevante.

Os tropeços feios do crescimento industrial parecem ter prejudicado o desempenho deles. Mas Santa Catarina tem indústria de peso e não foi nem de longe tão mal. Além do mais, São Paulo tem a economia mais diversificada do país, as maiores e melhores universidades e é o centro financeiro do Brasil. Por que não inventou negócios novos?

Filas nas farmácias - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 24/11

Comprar medicamentos tem exigido cada vez mais tempo e paciência do consumidor. Além da distribuição de senhas, algumas farmácias em São Paulo já dispõem de bancos ou cadeiras enfileiradas para os que aguardam atendimento.

O problema se agrava no caso dos remédios sujeitos a controle ou no das compras por meio do programa Farmácia Popular, do Ministério da Saúde. Em ambos os casos, além de apresentar a receita médica e documento de identidade, o cliente deve preencher formulário com múltiplos dados pessoais, que depois precisam ser lançados em sistemas eletrônicos.

Essas exigências aumentaram o tempo de atendimento e carregam os custos das farmácias. Pelos cálculos da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), a operação de venda de um medicamento comum leva, em média, 6 minutos. Nos casos de controle, são 14 minutos. "Há excesso de burocracia, o farmacêutico se tornou um digitador de luxo", reclama Sérgio Mena Barreto, presidente executivo da Abrafarma.

Em uma farmácia na Avenida Pompeia, em São Paulo, por exemplo, quatro farmacêuticos se revezam para lançar diariamente cerca de 300 receitas médicas no Sistema Nacional de Gestão de Produtos Controlados (SNGPC). Nessas condições, tende a aumentar a incidência de erros de digitação.

Essa é a lei e a lei tem de ser cumprida, argumentam os reguladores da Anvisa e do Ministério da Saúde. Mas, para garantir segurança, não é necessário tanto arrasta-arrasta. Nos Estados Unidos e em certos países da Europa, por exemplo, as receitas médicas têm validade de dois a três anos. E pacientes com doenças crônicas ou que fazem uso contínuo de medicamentos podem cadastrar-se e encomendar remédios até pela internet.

A regulação dos medicamentos controlados no Brasil, assim como a exigência de receita especial e identificação no ato da compra, existe desde 1998 (Portaria 344). A informatização, a partir de 2009, não deixou de ser um avanço, porque antes os dados eram anotados manualmente em livros de registro.

O secretário-geral do Conselho Federal de Farmácia (CFF), José Vilmore, atribui a excessiva lentidão do sistema à falta de investimentos das farmácias em informatização. O setor de Comunicação da Anvisa argumenta que a digitação dos dados nos sistemas de controle não precisa, necessariamente, ser tarefa de farmacêutico; podendo ser delegada a outros funcionários sob supervisão.

Mesmo que a tarefa seja repassada para auxiliares, não há garantia de fim dos transtornos ao cliente. "O atendimento demora porque há poucos profissionais ou porque eles estão despreparados", diz Ana Maria Malik, coordenadora do Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Independentemente das justificativas de um lado e de outro, o fato é que a população brasileira está ficando mais velha, vai dependendo mais dos seus remedinhos e precisa de mais cuidado, não só das farmácias, mas também da regulamentação. Apenas chá de cadeira não é remédio.

Pressão total - ILIMAR FRANCO


O GLOBO - 24/11
COM SIMONE IGLESIAS 

O presidente nacional do PSDB, Aécio Neves, está sendo pressionado pelos 15 partidos aliados em Minas Gerais, prefeitos e  deputados tucanos a decidir de uma vez seu candidato ao governo. Apelam por definição porque o Planalto e o candidato petista, Fernando Pimentel, estão em plena  campanha, entregando obras e fazendo eventos políticos, numa ofensiva anti-PSDB. 

Devagar, devagarinho 

Apesar da pressão, Aécio Neves só vai decidir o candidato em março de 2014. Acha que a campanha estadual andará no vácuo da corrida ao Planalto. Aécio está entre o ex-ministro Pimenta da Veiga e o deputado Marcus Pestana. 

Candidatura incômoda 

O ex-presidente Lula torce o nariz para a  candidatura do ministro Fernando Pimentel ao  governo de Minas Gerais. E não para por aí. A  pessoas próximas, Lula diz que ele será uma  pedra no caminho da presidente Dilma em 2014. 

Cinéfilos por conveniência 

Entidades ligadas aos católicos, evangélicos e espíritas se mobilizam e estão levando caravanas de jovens para assistir ao documentário "Blood Money - aborto legalizado", em exibição em vários cinemas do país. O filme é a visão dos contrários ao aborto nos Estados Unidos. Graças a essa audiência, os religiosos estão conseguindo mantê-lo em cartaz. A mobilização envolve dez capitais. Em Fortaleza, por exemplo, a procura por "Blood Money" já supera "Jogos Vorazes 2". O Movimento Brasil Contra o Aborto divulga assim o filme nas redes sociais: "Você não verá esse filme num comercial de TV. É que ele fala sobre assunto não muito 'politicamente correto' "  .

"O biógrafo não é um artista menor. Sua atividade demanda pesquisa e comprometimento ético. Esse trabalho não deve ser reprimido em nome da desconfiança e do preconceito" .

Márlon Reis  
Juiz e um dos articuladores da Lei da Ficha Limpa 

Médico de grife 

João Marcelo Goulart, neto de Jango, formou-se em  Medicina em Cuba em  julho e voltou ao Brasil  para trabalhar no Mais  Médicos. Ele atua em  Duque de Caxias (RJ). João levou para o programa sua companheira, a  equatoriana Sandra Perez.  O casal  estudou em Havana, ele como indicação da Juventude Socialista do PDT. 

Ou dá ou desce 

O PT não dará chance ao novo presidente do partido em Santa Catarina, Cláudio Vignatti. Ele será obrigado a apoiar a reeleição do governador Raimundo Colombo (PSD) e indicar nesta chapa, ao Senado, a ministra Ideli Salvatti. Se ele não acatar, o PT fará intervenção no estado. 

Batido o martelo 

O candidato do PT ao governo da Bahia será o  chefe da Casa Civil de Jaques Wagner, Rui Costa.  O ex-presidente Lula esteve em Salvador para  resolver a questão. Mas o senador Walter Pinheiro  lançará sua pré-candidatura, sem o aval de Lula. 

Neorruralista 

O deputado Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) assinou ficha de filiação à Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a conhecida bancada ruralista. O comunista discorreu como ninguém contra a demarcação de terras indígenas. 

A MAFIA DA ESTRELA 2. O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) lançará quarta-feira, na Câmara, livro sobre o julgamento do mensalão. 

Esvaziem as prateleiras! - MARIO VARGAS LLOSA


O Estado de S.Paulo - 24/11

Como o desabastecimento e a escassez de alimentos estavam devastando a Venezuela e aumentando o descontentamento popular, o presidente Nicolás Maduro, que não tem muito conhecimento de economia, mas é homem de verdade e valentão, decidiu resolver o problema num piscar de olhos.

Explicou à população que a inflação alta no país (a mais alta da América Latina) era produto de um complô maquinado pelos EUA, por empresários e comerciantes açambarcadores e os partidos de oposição para destruir a revolução bolivariana ou o "socialismo do século 21". E, em uma canetada, ordenou uma redução dos preços dos alimentos e dos eletrodomésticos entre 50% e 70%, ao mesmo tempo que mandou soldados e tropas de choque ocuparem estabelecimentos comerciais e mandou para a prisão um bom número de "conspiradores", ou seja, proprietários de lojas e de armazéns.

A campanha foi lançada pelo presidente Maduro com o lema "Esvaziem as prateleiras". A ordem foi entendida por um bom número de pessoas equivocadas como uma carta-branca para saquear. Principalmente em Valência, mas também em Caracas e em outras cidades, ocorreram assaltos e pilhagens em meio a uma enorme confusão.

Era patético escutar as sofridas donas de casa venezuelanas explicando aos repórteres da TV pública o quão felizes estavam com aquelas espetaculares reduções de preços que lhes permitiriam trocar de geladeira, de fogão e assegurar duas refeições por dia para a família.

Ao mesmo tempo que derrotava a inflação com um soco na mesa, ou seja, leiloando e confiscando cadeias de produtos alimentícios e eletrodomésticos, o presidente, com a aprovação da Lei Habilitante, garantiu para si os poderes absolutos que durante um ano lhe permitirão governar sem leis, à maneira cômoda e expeditiva dos ditadores. Para conseguir isso, a Assembleia Nacional retirou a imunidade de uma deputada da oposição, María Mercedes Aranguren, e substituiu-a pelo seu suplente, o deputado Carlos Flores, que, da noite para o dia (e mediante generosos benefícios) tornou-se chavista e votou a favor da lei.

Em resumo, passada a ilusão que essas operações criaram numa opinião pública desesperada em virtude da corrupção, do empobrecimento e da anarquia crescente que vive a Venezuela, o preço que o país terá de pagar pela demagogia irresponsável desses últimos dias será muito alto.

Sem dúvida, contrariamente aos cálculos do governo, ela se traduzirá numa nova e mais massacrante derrota do governo nas próximas eleições de 8 de dezembro, o que o obrigará, como ocorreu nas presidenciais, a uma nova fraude monumental para manter-se no poder, apesar do seu descrédito e da ruína a que leva a cada dia o seu desventurado país.

A Venezuela nunca teve uma agricultura próspera, à altura das enormes possibilidades agrícolas que possui, mas, com o chavismo, suas expropriações e invasões, o confisco arbitrário de fazendas e a asfixiante burocracia que impera, a produção agrária em determinadas regiões ficou reduzida ao mínimo e em outras simplesmente desapareceu.

O resultado de tudo isso é que o país precisa importar quase 95% do que consome, algo que na época do apogeu do petróleo apenas se insinuava. No entanto, o controle revolucionário da indústria implantado por Chávez e Maduro reduziu a produção petrolífera venezuelana radicalmente, ao passo que as medidas de controle do câmbio, uma das fontes mais férteis da corrupção, transformaram num verdadeiro pesadelo a obtenção de dólares para os comerciantes e empresários que precisam da moeda para importar matéria-prima e produtos do exterior. Somente os apadrinhados do governo conseguem divisas ou aqueles que podem pagar comissões milionárias para consegui-las.

Os outros precisam comprar dólar no mercado negro, onde custa dez vezes mais do que no câmbio oficial. Essa é a explicação para a alta desmedida dos preços e para o desabastecimento generalizado. As intrépidas reduções impostas por Maduro só serviram para acelerar a escassez de produtos. As prateleiras ficarão vazias de fato e o mercado negro, que crescerá de maneira descomunal, só estará ao alcance dos privilegiados, ou seja, dos favorecidos pelo regime ou pela vertiginosa corrupção causada pela política intervencionista na economia. Em outras palavras, a política do socialismo chavista contribuiu para agravar as desigualdades econômicas e sociais que propunha abolir.

Ao mesmo tempo que ocorriam esses fatos na Venezuela, em Pequim, o Comitê Central do Partido Comunista anunciava uma nova estratégia econômica, ampliando os mercados livres já existentes para assegurar uma melhor distribuição dos recursos e permitir uma participação das empresas privadas, chinesas e estrangeiras, nas indústrias estatais.

No entanto, advertiu também que essa abertura não terá correspondência política, pois o Partido Comunista continuará sendo a autoridade suprema da vida social. É improvável que o PC chinês adote essas medidas de inequívoco viés capitalista em virtude de uma conversão ideológica e que vá implementá-las com alegria. Não, ele resignou-se a adotá-las porque, fiel ao pragmatismo tradicional da sua cultura, compreendeu que o coletivismo e o estatismo econômico arruínam os países.

Além de empobrecê-los e de deixá-los atrasados, multiplicam as injustiças sociais, criam uma distância cada vez maior entre os funcionários privilegiados da nomenclatura e os cidadãos comuns que, além de viver na insegurança e no temor, continuam a fazer filas, receber salários miseráveis e sem a menor igualdade de oportunidades.

Essas verdades elementares, que já chegaram à União Soviética antes do seu colapso e começam a surgir, embora timidamente, em Cuba, parecem fora do alcance intelectual e do olfato político do presidente Maduro e dos seus assessores econômicos.

Por isso, não é difícil prever qual será o futuro imediato da Venezuela, país que, com a sua abundância de recursos, deveria registrar um dos mais altos níveis de vida da América Latina. Como o desabastecimento e a escassez de produtos, que obedecem a leis econômicas e não a ordens de caráter político, devem se agravar, o passo seguinte do governo será proceder à nacionalização progressiva das lojas e estabelecimentos que "conspiram" contra a revolução, especulando e deixando a população faminta.

Os pequenos espaços da economia em mãos privadas começarão a ser fechados até desaparecer e cair nas mãos de uma burocracia incompetente e corrupta. Assim, o racionamento de produtos da cesta básica de alimentos, que em boa parte já ocorre, vai se estender como uma hidra para toda as áreas da economia até transformar a Venezuela num país tão estatizado quanto Cuba ou Coreia do Norte.

Resultado inevitável dessa hegemonia do Estado: o desaparecimento dos escassos meios de comunicação independentes que, com enormes sacrifício e coragem, resistem ainda ao assédio governamental. Terá valido a pena tudo o que significou a revolução chavista em termos de ilusões, esforços e violência?

É verdade que a democracia por ela derrubada era ineficiente, esbanjadora, demagógica e insensível aos grandes problemas sociais, criando um grande descontentamento de uma população que ingenuamente - mais uma vez na desgraçada história da América Latina - viu num caudilho carismático e desbocado o seu salvador.

O resultado está à vista: uma Venezuela empobrecida, exasperada, devastada por demagogia e corrupção, repleta de novos ricos que enriqueceram de maneira ilícita, que, quando recuperar a liberdade e a sensatez, precisará de muitos anos para recuperar o tempo que perdeu com o colapso da sua democracia. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO